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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versión impresa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.41 Lisboa jun. 2019

 

ENTREVISTAS

Elvira Fortunato

Vice-Reitora da Universidade NOVA de Lisboa

Fernando Ribeiro*

*Investigador Integrado. Professor. Universidade NOVA de Lisboa, UAÇ - Universidade dos Açores, FCSH - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, CHAM-NOVA, Centro de Humanidades, DLCLM-NOVA-FCSH, Departamento de Línguas, Culturas e Literaturas Modernas, f.ribeiro@fcsh.unl.pt


 

 

 

Elvira Fortunato, Professora Catedrática e Vice-reitora da Universidade Nova de Lisboa, é Doutora em Engenharia dos Materiais, investigadora e cientista inventora. Trata-se de uma personalidade por demais conhecida nos meios académicos, mas também na sociedade em geral, pelo reconhecimento que tem granjeado nacional e internacionalmente na área da ciência dos materiais.

Tal como anunciado no número anterior de Faces de Eva, não pudemos então, por razões editoriais, publicar a totalidade da entrevista amavelmente concedida pela Doutora Elvira Fortunato.

Temos o prazer de publicar, neste n.º 41, a parte final da entrevista, lamentando o ocorrido, só atenuado pela oportunidade de contarmos duas vezes com a sua companhia.

(Direção de Faces de Eva)

III

1. Os anos de 1960, dos quais é filha, têm oferecido à nação de Portugal valores importantes em todos os campos da investigação científica, da cultura e da economia. Como interpretaria o estado da ciência em Portugal nas primeiras duas décadas do século XXI, uma vez que é motivo de júbilo para Portugal ter, conjuntamente com o marido, o Prof. Doutor Rodrigo Martins, sido nomeada para finalista do European Inventor Award?

Podemos dizer que, muito embora tenhamos começado mais tarde, pois Portugal apresenta um atraso face aos outros países, nestes quarenta anos temos tido um desempenho excecional, que nos permitiu ultrapassar muitas etapas e percalços, num mundo aberto e por vezes muito fechado, para o qual muitos ministros da Ciência, Investigação e Ensino Superior contribuíram, com grande destaque para José Mariano Gago. Claro que muito me orgulho de todos os que para isso contribuem, e em particular do meu marido, com quem partilho o que penso e quero, para um futuro melhor e com mais conforto para todos.

O facto de termos sido finalistas do European Patent Award foi muito bom, não só para nós mas também para Portugal, pois mostra que somos competitivos mesmo na área da inovação. Por vezes tem de se apostar mais; é claro que não podemos ser bons em todas as áreas, mas pelo menos as que já deram provas devem ser acarinhadas - só assim podemos ter áreas de excelência.

2. A coragem e determinação de seu marido, ao querer prosseguir os seus estudos universitários na Escócia e ao concorrer à FCT da nossa Universidade, é sempre por si admirada: encontra réplica seguramente na audácia que ostenta ao ter optado pela continuação dos estudos e da sua vida familiar na cidade de Almada, que justamente a galardoou com a Medalha da Câmara Municipal, denotando com isso respeito profundo pelo valor dos mais atentos aos aspetos ínfimos como os investigados por ambos nos respetivos labora- tórios de eletrónica e nanotecnologias.

Claro que admiro o meu marido e a coragem que ele teve em buscar mais e melhor conhecimento para podermos gerar mais e melhores coisas. A coragem não foi o ter saído, mas o facto de, na altura em que o fez, se pensar que querer saber mais era ser elitista e divisionista, podendo pôr em risco uma carreira universitária que estava no início, não se escudando na área de conforto! Mas ele acreditou que isso seria melhor e, com coragem e determi- nação, conseguiu arranjar uma bolsa da Fundação Rotária (caso excecional!). É claro que isso é marcante, e mais marcante é quando vimos tudo a crescer com base em muita transpiração e determinação. É isso que incuto em todos os meus colaboradores, e juntos fazemos passar a mensagem de que precisamos de pessoas determinadas e irreverentes se queremos mudar e criar! Esse tem sido o lema que abraço e faço-o como nota dominante: nada é impossível, desde que juntos queiramos! E juntos chegamos muito mais longe e de forma sustentada!

3. Se no Japão o conseguem, se nos Estados Unidos da América o conseguem, também em Portugal, no meu país, o conseguiremos - disse.

Sim, costumo dizer que, se os outros conseguem, nós também conseguimos; aliás, também costumo dizer que não tenho preconceitos de superioridade e muito menos de inferioridade. Parafraseando um colega meu, que se saiba os eletrões portugueses não são diferentes dos americanos ou japoneses! Esta é a cultura que incuto em todos os investigadores que comigo trabalham e todos os alunos a quem leciono.

4. Quererá indicar-nos como é importante o que vem referindo como valores vitais de uma comunidade nacional que se encontra em torno de conceitos como Pátria, Vontade de Vencer, Franca Determinação…

Esta questão é pertinente e tem uma grande subjetividade que nos pode fazer pensar de forma muito variada. Mas eu acredito nos valores de Pátria, como o nosso legado histórico que marca o cunho do que fazemos e porque fazemos; Vontade, como a ambição de querermos mudar e criar; Vencer, pois acredito que o que fazemos em equipa tem um respaldo direto no conforto futuro e bem-estar de todos nós; Franca, porque acho que devemos ser transparentes no que fazemos e mostrar a irreverência com que lutamos; Determinação, porque devemos saber levar a bom porto o que iniciamos e nunca ver eventuais fracassos, que todos temos, como o fim da linha, mas sim como o sinal motivador que nos obrigue a fazer bem melhor do que inicialmente pensámos. Falta uma frase: Nunca desistir do que fazemos e daquilo em que que acreditamos!

5. Em que medida sente na comunidade académica que acolhe, e com que a Sra. Professora investiga e faz ciência, réplica a este pensar?

Pelas respostas que dei, provavelmente existirão pessoas que acham que é veleidade a mais ou que isto é um falar que nem a todos satisfaz. Aceito, mas os bons jogos, aqueles que captam a atenção do público, fazem-se com estrelas como o Ronaldo (gosto de futebol), que, contudo, sozinhas nada fazem se não tiverem uma boa equipa! E isso penso ser uma ideia dominante, pelo menos na nova geração de investigadores e educadores, que querem marcar a diferença e criar um novo espaço para pensarmos e realizarmos as nossas ambições de futuro. Aí sim, penso que tenho toda uma avenida cheia de adeptos que querem fazer a diferença! Aliás, esta ideia está muito subjacente às principais premissas do próximo programa-quadro, o Horizon Europe, à volta das quais temos de nos unir para conseguir ultrapassar grandes problemas.

IV

1. Ainda pensou em incorporar uma equipa de futebol feminino?

Sim, já lá vão muitos anos. Foi numa altura em que não se falava sequer em futebol feminino, foi um sonho, se quiser, de adolescente. Mas, muito embora não pratique, gosto muito de futebol, e sempre que é possível vou ao estádio com o meu marido. É diferente ver um jogo de futebol ao vivo ou na televisão.

2. Os valores do jogo em equipa são para si determinantes?

Claro que são fundamentais! A equipa é o segredo, e nós sem equipa não somos nada. A investigação é como um jogo coletivo de equipa, tipo futebol, basquete ou hóquei. Por melhor que seja o treinador, é necessário ter joga- dores motivados e que joguem para a equipa e não para serem exibicionistas.

3. Aceitará revelar o segredo de saber gerir no feminino e com o sucesso conhecido os valores pecuniários, bem como em função de que visão presbíope, potenciada pelos auspiciosos prémios justamente atribuídos?

Percebo o alcance da pergunta, mas, por muito transparentes que sejamos, temos algo que é nosso e intrínseco. Mesmo assim, é importante revelar e dizer que o que ganho com as famosas bolsas milionárias, em termos monetários, é tudo para investir ou reinvestir na ciência e tecnologia, traduzido em mais e melhores laboratórios e equipamentos, como mencionei no início desta entrevista. Mesmo nos projetos, tentamos sempre ver, não como somos retribuídos, mas como podemos comprar, juntos, um equipamento determinante para o que pretendemos criar!

A mim cabe-me a honra e a glória da notícia, que muito me orgulha e me faz sentir que tenho de fazer muito mais pela confiança e orgulho com que o público em geral me tem distinguido.

4. Como vem conciliando a atividade de investigadora e professora em ciências exatas em prol do desenvolvimento das ciências e da investigação portuguesas - nomeadamente no âmbito da condição de Vice-reitora da UNL, liderada pelo Digníssimo Reitor - com a missão de levar um novo modelo fundacional por diante, quiçá convocando mais emprego científico em favor das gerações mais novas de Portugal?

Foi para mim uma honra ter sido convidada pelo Reitor da NOVA, Professor João Sàágua, para integrar esta nova equipa, que pretende impulsionar mais e melhor a marca NOVA, nos campos da notoriedade científica, tecnológica e educativa. Tem sido um trabalho muito desafiante, que me tem permitido conhecer muito melhor a minha própria casa. Nós, a NOVA, estamos localizados em várias zonas geográficas da região de Lisboa e Vale do Tejo e, por vezes, é difícil falarmos uns com os outros cara a cara, para sabermos o que fazemos, em particular na área da investigação. Uma vez que o meu pelouro é na área da investigação, a primeira coisa que fiz foi conhecer pessoalmente todos os centros de investigação da NOVA (são 43) e falar com pelo menos todos os coordenadores. Para além disso, e de forma a permitir uma maior atividade interdisciplinar, promovi os dias da Ciência Aberta da Nova, onde os diferentes centros de investigação mostraram o que fazem e se abriram portas de colaboração futura, desde projetos educativos a projetos/plataformas de investigação. Claro que em tudo isto é necessário que o paradigma se altere e que na nossa missão de futuro tenhamos a consciência de que precisamos de mais e melhores investigadores, não só para ajudarem a criar um mundo novo, mas também para serem os atores de uma internacionalização que nos permita captar os melhores talentos.

5. Faz ponto-cruz? Sabe do ponto-de-arraiolos? Qual prefere: ponto grosso ou ponto fino, permitindo-nos utilizar gíria de alvenéu?

Sei fazer os dois, e bem. E gosto muito, não tenho é tempo; aliás, tenho um tapete de Arraiolos que só falta encher parte do fundo, ando a convencer a minha mãe a ajudar-me… E prefiro o fino, pois permite bordar esquemas com maior detalhe/resolução. É nos detalhes que se faz a diferença…

Em meu nome pessoal e no de Faces de Eva, peço-lhe, Senhora Professora Doutora Elvira Fortunato, aceite Agradecimentos humildes.