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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versão impressa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.41 Lisboa jun. 2019

 

ESTADO DA QUESTÃO

Associação da Mulher para a Saúde Uroginecológica

Isabel Ramos de Almeida*

* Fisioterapeuta. Presidente da Associação da Mulher para a Saúde Uroginecológica, isabelvramosalmeida@gmail.com


 

 

 

A Associação da Mulher para a Saúde Uroginecológica (AMSU) é uma associação sem fins lucrativos que tem como missão sensibilizar e educar as mulheres para a saúde uroginecológica ao longo da sua vida.

Chamo-me Isabel Ramos de Almeida, sou fisioterapeuta e presidente desta associação. Como fisioterapeuta especializada em Uroginecologia, aprendi desde os primeiros contactos com as minhas pacientes que as Disfunções do Pavimento Pélvico (DPP) são um problema social, económico e de qualidade de vida.

As DPP são um tema que deve estar presente na agenda da saúde pública, fazendo parte de um interesse multidisciplinar que tem como objetivo prevenir ou, pelo menos, minimizar estas disfunções ao longo da vida da mulher.

Depois de alguns anos de serviço na Maternidade Alfredo da Costa, onde iniciei os cursos de preparação para o parto em 1987 e fiz parte da equipa da consulta de Uroginecologia, contactei de forma permanente com mulheres de diferentes faixas etárias, com ou sem formação académica, e fui notando que havia uma grande falta de conhecimento na identificação das DPP, assim como na forma de as prevenir e tratar.

As DPP levam a problemas socioeconómicos e de higiene, tendo uma repercussão importante na realização de atividades da vida diária, como na interação social e sexual e no estado de saúde.

Aprendi com os vários testemunhos que, tanto os profissionais de saúde como a população civil, devem estar mais conscientes do sofrimento em silêncio destas mulheres. Estas disfunções afetam a vida social e psicoafectiva, levando a depressões e isolamento.

É importante ressaltar que culturalmente existem alguns mitos, como “faz parte do envelhecimento”, “já a minha mãe tinha”, “não tem cura” e, principalmente, nas pacientes com nível socioeconómico e cultural mais desfavorecido, existe uma associação com a “não procura” para melhor entendimento das causas e possível tratamento do problema. Como consequência do desconhecimento das pacientes, o tratamento, que deveria ser feito nas idades menos avançadas, com resultado mais duradouro e com menor risco de complicações, em função do menor número de comorbilidades, não ocorre no momento adequado.

O estudo realizado pela Medical Epidemiologic and Social Aspects of Aging (MESA) observou que 54% das pacientes com perdas urinárias (a disfunção pélvica com maiores números) as apresentavam como queixas clínicas ao médico, enquanto 46% utilizavam métodos de adaptação do problema para controlo urinário, tais como absorventes, restrições hídricas, maior frequência do WC. Apenas 6% referiam importante desconforto com as perdas, gerando dificuldade na determinação da prevalência e resultados terapêuticos. Também com esta disfunção (perda urinária), 25% dos produtos descartáveis de higiene feminina são usados para amenizar o desconforto das perdas, sendo estimado um gasto anual de 10 a 18 biliões de dólares para todas os cuidados exigidos nestes tratamentos (cirurgias, consultas e fraldas).

Foi por estas razões que lancei em 2013 a AMSU, apresentada na Fundação Calouste Gulbenkian, tendo como “madrinha” a Sra. Dra. Maria de Jesus Barroso. Como já disse no início do artigo, a AMSU tem como missão promover a qualidade de vida das mulheres na área da Uroginecologia e educar para a saúde, a fim de prevenir ou minimizar as DPP.

Este trabalho é feito através de:

· ações de campanha de sensibilização sobre a problemática da saúde (qualidade de vida uroginecológica, com impacto local, regional ou nacional);

· formação e reflexão coletivas, nomeadamente através da realização de projetos de investigação científica;

· valorização e divulgação de todos os atos ou pessoas que possam constituir exemplos positivos de autoconsciencialização e que queiram partilhar conhecimento;

· divulgação através da organização de encontros (workshops), ações públicas várias ou participação em ações de divulgação promovidas por terceiros.

Penso que já é altura de vos explicar quais são as DPP. Estas envolvem várias especialidades médicas, tais como: Ginecologia, Obstetrícia, Urologia, Gastrenterologia, Proctologia e Medicina Geral e Familiar, sendo que hoje já existe também a especialidade de Uroginecologia.

As DPP são classificadas em :

· disfunções urinárias;

· disfunções anais;

· prolapso dos órgãos pélvicos;

· disfunções sexuais;

· dor pélvica crónica.

As disfunções urinárias definem-se pela perda involuntária de urina, que pode ser só uma gota, maior quantidade ou total. Existem três tipos de perda urinária.

Incontinência urinária de esforço: é uma perda de urina sempre provocada por uma pressão abdominal, numa situação de esforço, como um espirro, tosse intensa, riso, salto, corrida, entre outros. Pode ser apenas uma gota uma vez ou acontecer com mais frequência. Este tipo de incontinência tem vários graus - I, II, III -, dependendo da gravidade. No grau inicial deve logo procurar-se tratamento, sendo a fisioterapia o mais indicado. Em situações em que a fisioterapia não controla, existe tratamento cirúrgico, no qual se deve ter em consideração a idade, pois não se deve operar mulheres jovens e principalmente que ainda queiram ter filhos. Este tipo de incontinência pode acontecer imediatamente após o parto.

Incontinência de urgência ou bexiga hiperativa: traduz-se numa vontade imperiosa e, por vezes, incontrolável de urinar, que pode ter ou não perda de urina e que tem uma frequência urinária quer diurna, quer noturna. Esta disfunção melhora muito através de fisioterapia e/ou medicação, não tendo tratamento cirúrgico.

Incontinência urinária mista: é a queixa de perda de urina associada a urgência e também esforço.

Prolapso dos órgãos pélvicos (POP): define-se como a descida de um ou mais compartimentos e/ou órgãos pélvicos (bexiga, útero, reto). Estima-se que 50% das mulheres desenvolvem prolapsos devido a perda de suporte pélvico na decorrência do parto e cerca de 30% das que se submetem a cirurgia apresentam recidivas. O envelhecimento populacional também leva a que esta disfunção esteja a aumentar muito. Raramente tem morbilidade grave ou morbilidade, mas causa uma limitação das atividades da vida diária e restrição na participação social, com pior qualidade de vida. Dependendo do grau de prolapso, o tratamento é cirúrgico e/ou de fisioterapia.

Disfunções anais: o termo disfunção anal é utilizado para englobar a perda involuntária, tanto de material fecal como de gases ou mesmo de urgência fecal (quando há um desejo súbito e urgente de defecar difícil de ser adiado). Esta disfunção está subdimensionada porque as pacientes retardam em mencionar esta condição aos profissionais de saúde, seja pelo constrangimento, seja pelo desconhecimento das possibilidades terapêuticas. O tratamento de fisioterapia tem muito bons resultados nestas situações. Disfunções sexuais: também chamadas de distúrbios ou transtornos, são definidas como dificuldade persistente e recorrente de a mulher realizar uma ou mais respostas físicas sexuais, causando-lhe sofrimento e dificuldade interpessoal. Podem classificar-se em:

· alteração do desejo ou interesse sexual;

· anorgasmia;

· vaginismo;

· dispareunia.

Nestas situações podemos encontrar causas físicas ou psicológicas devendo ser analisadas por uma equipa interdisciplinar. Se a causa for física, o tratamento é conduzido pelo fisioterapeuta.

Dor pélvica crónica: a dor pélvica não menstrual ou não clínica tem duração de pelo menos seis meses e é suficientemente intensa para interferir nas atividades habituais e na qualidade de vida. É uma doença de difícil entendimento, pois envolve múltiplos fatores, a começar pelos vários órgãos pélvicos, que se encontram muito próximos uns dos outros. Devido a isto, torna-se essencial esclarecer as pacientes e relacionar de forma clara e objetiva a possível etiologia da dor pélvica crónica.

Formas de tratamento:

· tratamento conservador (fisioterapia)

· tratamento cirúrgico

· tratamento medicamentoso

O tratamento conservador encontra-se como grau A de recomendação para as DPP. Mesmo que haja necessidade de cirurgia, deve começar-se pelo tratamento conservador para reforçar os músculos pélvicos, ensinar à mulher os hábitos de vida corretos e a defender-se das pressões abdominais, diminuindo assim as recidivas.

Em geral, as DPP não ocorrem de forma isolada, sendo comum a presença de mais de uma disfunção. O momento do parto e a diminuição de força natural por envelhecimento dos músculos do pavimento pélvico estão associados à maioria destas disfunções, sendo fundamental criar protocolos de prevenção. Um dos protocolos que tenho vindo a demonstrar ser importante e que já está estabelecido no Hospital onde trabalho é o de que todos os partos normais façam uma reeducação pélvica (fisioterapia) especializada. Este protocolo é também aplicado em pós-cirurgias vaginais, como por exemplo todas as cirurgias uroginecológicas e histerectomias vaginais. Uma fisioterapia especializada deve incluir no programa de tratamento:

· estimulação elétrica (sonda vaginal/anal)

· biofeedback

· técnicas posturais hipopressivas

· hábitos de vida corretos.

Ao longo da vida da mulher, as DPP são um tema de saúde pública, não só pela sua incidência e predominância, mas principalmente pelo seu impacto na qualidade de vida.

É importante a elaboração de protocolos de condutas uniformes, pois todos os profissionais envolvidos nestas questões devem ter uma mesma linha de raciocínio, visando um tratamento que respeita a integridade da paciente e que deve começar pela intervenção primária com métodos menos invasivos e menos dispendiosos.