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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

Print version ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.40 Lisboa Dec. 2018

 

LEITURAS

Women in International and Universal Exhibitions, 1876-1937. Boussahba-Bravard, M. & Rogers, R. (Eds.). (2018). New York: Routledge.

Anne Cova*

* Universidade de Lisboa, ICS - Instituto de Ciências Sociais, 1600-036, Lisboa, Portugal, anne.cova@ics.ulisboa.pt


 

Publicado em 2018 na coleção Research in Gender and History da conhecida editora Routledge, este livro, coordenado por uma especialista dos feminismos britânicos, Myriam Boussahba-Bravard, e uma perita em história da educação das raparigas, Rebecca Rogers, é o resultado de um colóquio internacional que teve lugar em Paris, em 2014, no prestigioso Institut des Études Avancées.

Doze capítulos divididos em quatro partes estruturam o livro. É de notar uma excelente extensa introdução com um exaustivo balanço historiográfico mostrando que a temática das exposições internacionais e universais tem sido o objeto de numerosos estudos, sobretudo desde os anos 1990, mas que as mulheres raramente estão contempladas. Assim, a originalidade deste livro é a de se centrar no contributo das mulheres.

As problemáticas que percorrem os vários capítulos são múltiplas e muito bem resumidas sob a forma de perguntas na já referida ótima introdução: “Taking into account the evanescent nature of the fairs combined with their time and space specificities, how did their organization and the interactions they generated affect women? What opportunities did these exhibitions create for women beyond the realm of consumption, as workers, artists, educators, moral reformers, feminists…? How did women use the international nature of these encounters and how do these usages change over time? What impact did exhibitionary politics have for women collectively as well as individually? How does a focus on women open new vistas both for women’s history and the history of world’s fairs?” (p. 3). O livro não retrata apenas o que aconteceu nestas world’s fairs, descreve também o processo que permitiu a sua realização bem como os obstáculos que as mulheres enfrentaram. O enfoque está igualmente posto no que sucedeu depois destes acontecimentos, a médio ou longo prazo.

No que diz respeito à cronologia, mais de meio século - 61 anos exatamente, de 1876 até 1937 - é contemplado, o que permite ter uma visão ampla do fenómeno. A escolha da data de início corresponde à Centennial International Exhibition, que teve lugar em Filadélfia. No entanto, uma outra data podia ter sido selecionada: 1893, ano da Columbian Exposition World’s Fair, em Chicago, que é constantemente mencionada no livro. O estudo acaba em 1937, quando teve lugar em Paris a Exposition internationale des arts et techniques dans la vie moderne, que, à semelhança daquela de Chicago de 1893, está no cerne do livro.

As fontes são variadas - relatórios, estatísticas, testemunhos, imprensa (geral e especializada) - e numerosas. De destacar os arquivos da Chicago Historical Society. A iconografia também é adequada (mais de quinze ilustrações) para testemunhar a presença das mulheres. O índice não é apenas onomástico mas também temático e inclui as datas das exposições. Além das notas de rodapé, cada capítulo contém uma lista das fontes primárias e da bibliografia consultadas.

Na primeira parte, que contém três capítulos, todos redigidos por historiadoras da arte, entramos no mundo da arte, com destaque para as mulheres colecionadoras, artistas e estudantes. O primeiro capítulo, da autoria da francesa Julie Verlaine, baseia-se em arquivos privados de mulheres colecionadoras que tinham os meios financeiros para viajar a nível internacional. O segundo, escrito pela mexicana Ursula Tania Estrada, centra-se nas primeiras estudantes da Escuela Nacional de Bellas Artes e nas mulheres artistas mexicanas cujos trabalhos foram incluídos na secção mexicana do Woman’s building, em 1893, na World’s Fair de Chicago. O terceiro capítulo, redigido pela americana Linda Kim, relata a carreira de duas mulheres: a escultora Bessie Potter e a atriz Maude Adams, na qual a primeira se inspirou para produzir uma estátua intitulada The American Girl para a Exposição Universal que teve lugar em Paris em 1900.

A segunda parte mostra como as exposições podem produzir reconhecimento público e reforçar os estatutos profissionais. A jurista americana Gwen Jordan analisa as mulheres advogadas que se juntaram na feira de Chicago a nível nacional e internacional. A historiadora portuguesa Teresa Pinto estuda o trabalho industrial das raparigas, baseando-se nomeadamente na sua tese de doutoramento, intitulada A Formação profissional das mulheres no ensino industrial público (1884-1910): Realidades e representações, que merecia ser publicada. A americana Anne Epstein avalia os papéis de duas francesas, Anna Lampérière e Jeanne Weill, em dois congressos que tiveram lugar em Paris em 1900 por ocasião da referida Exposição Universal: o Congrès international de l’éducation sociale e o Congrès international de l’enseignement des sciences sociales, mostrando o efeito catalisador das exposições universais (dos 127 congressos organizados em Paris na altura da exposição universal de 1900, apenas dois tiveram como presidentes mulheres).

Os impérios e as problemáticas em torno da “raça” são abordados na terceira parte. As mulheres afro-americanas são estudadas pela francesa Claudine Raynaud, que analisa o panfleto de Ida B. Wells apelando ao boicote e cujo título é significativo: The Reason why the colored American is not in the World’s Columbian Exposition (1893). Outras mulheres marginalizadas são apresentadas pela francesa Christiane Demeulenaere-Douyère, que se dedica às mulheres “exóticas” nas exposições universais de Paris (1889 e 1900). O historiador australiano James Keating explora também o tema das mulheres das margens - Margaret Windeyer, que está na origem da fundação do conselho nacional das mulheres de New South Wales, e as mulheres mórmones do Utah -, ilustrando as dinâmicas do início do feminismo transnacional na chamada periferia.

Este tema dos feminismos transnacionais é aprofundado na quarta parte do livro que se inicia com um texto da grande especialista americana dos feminismos europeus, Karen Offen. A autora estuda a construção de uma aliança franco-americana no fim do século XIX, mais especificamente na altura de três exposições universais: 1889 (Paris), 1893 (Chicago) e 1900 (Paris), destacando o papel de May Wright Sewall. As estratégias internacionais utilizadas pelas mulheres ativistas nas feiras internacionais e a emergência de uma consciência feminista transnacional são o objeto da investigação da americana Tracey Jean Boisseau. O livro encerra com uma contribuição da historiadora escocesa Siân Reynolds, que se centra sobre a exposição internacional de Paris de 1937 e o pavilhão intitulado “Femme, enfant, famille”.

A pluralidade das temáticas abordadas ilustra a riqueza deste livro que faz dialogar várias historiografias e disciplinas. Metade das contribuições aborda mais do que uma exposição universal. Esperamos, com as coordenadoras, que este ótimo livro suscite outras investigações semelhantes, de forma a que o cruzamento entre as mulheres e as exposições universais continue a ser tão frutuoso.