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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versão impressa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.38 Lisboa dez. 2017

 

LEITURAS

Mulheres Escultoras em Portugal. Leandro, S. & Silva, R. H. (Coord.) (2017). Lisboa: Caleidoscópio, 319 pp.

Maria do Céu Borrêcho*

*Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais, Faces de Eva – Estudos sobre a Mulher, mcborrecho@gmail.com


 

No seguimento de um estudo sobre pintoras portuguesas, Sandra Leandro e Raquel Henriques da Silva coordenam uma interessante e inovadora pesquisa sobre escultoras portuguesas, num livro repartido por 14 capítulos de aproximadamente 20 páginas cada, excepção feita ao primeiro ensaio, que se expande por cerca de 40.

Na apresentação – “Escultoras: do barro à pedra” –, aquelas coordenadoras justificam as dificuldades de afirmação feminina nesta arte, já que outrora “as condições técnicas e o agir artístico que a Escultura exigia e exige não permitiam [...] que fosse com a mesma facilidade e frequência uma prenda feminina” (p. 7), ao contrário do que se verificava com o Desenho e a Pintura.

À semelhança de outras artes, a Escultura conhece profundas alterações nos anos 30 do século XX, acompanhando as modificações na condição das mulheres. Assim, a recuperação da memória das trajectórias das escultoras portuguesas (não necessariamente artistas de profissão), bem como o contributo para a investigação científica e artística, nesta área, são as intenções das autoras dos estudos contidos no presente volume.

O convite formulado a um número alargado de conferencistas presentes no XXI Curso Internacional de Verão de Cascais é o ponto de partida de uma pesquisa que visa o aprofundamento dos conhecimentos sobre o percurso das escultoras seleccionadas. A análise crítica de um conjunto de obras proporciona a integração das trajectórias individuais no contexto político e sociocultural nacional e internacional, assim como procura dar visibilidade quer ao legado patrimonial quer à actividade actual dessas artistas, com o intuito de relevar e promover trabalhos nesta área (pp. 8-9). Podem falhar alguns nomes, mas, como justificam as coordenadoras, “há muita pedra a partir...” (p. 9).

Sandra Leandro, autora do primeiro capítulo, intitulado “Dimensão Escultora: volumetrias quase invisíveis entre o século XVII e o início do século XX”, logo no início, em jeito de enquadramento, alerta-nos para as dificuldades encontradas pelas mulheres em dedicarem-se à tridimensionalidade. A convicção de Michelangelo de que às mulheres está destinada a “via di porre” (“de pôr”, ou seja, o trabalho no barro, na cerâmica), ao contrário dos homens, mais inclinados à “via di levare” (“de tirar, arrancar”, isto é, à escultura propriamente dita, um trabalho mais duro), reflecte uma longa crença social, ideológica e cultural que determina a leveza e gentileza feminina como oposta à força masculina, exteriorizada quer na prática quer na teoria artística (p. 17). A autora conclui o estudo mostrando o caminho da escultura portuguesa ao longo daqueles séculos, “desocultando” assim o trabalho de algumas mulheres escultoras que quase ninguém conhece.

Em seguida, outras/os investigadoras/es expõem o resultado das inovadoras pesquisas por si concretizadas, permitindo ao leitor não especializado conhecer, em particular, as artistas, as obras e o respectivo contexto. Enumerando as que já não estão em actividade, começamos pelo estudo de Sandra Costa Saldanha sobre Maria Luísa de Sousa Holstein (3.ª duquesa de Palmela), que considera que, “entre um universo artístico dominantemente masculino, revela-se singular o elevado prestígio que [esta escultora] alcançou” (p. 57). Possuidora de uma aptidão técnica invulgar, Maria Luísa expõe com regularidade em Portugal e no estrangeiro, o que lhe granjeia muitas críticas e acusações infundadas. Ana Pérez-Quiroga aprofunda a vida e obra de Ana de Gonta Colaço, uma escultora que a autora caracteriza como “entre o gosto naturalista e os percursos modernistas” (p. 83). Por seu lado, a outra coordenadora desta obra, Raquel Henriques da Silva, desvenda-nos o percurso de Maria Barreira, recentemente falecida (sobre a discrepância quanto à data de falecimento, cf. pp. 109 e 111), uma escultora modernista, quase centenária, que concilia diferentes contributos, em sínteses eclécticas. Sobre Irene Vilar, Maria de Fátima Lambert assinala a vasta obra tridimensional, sobretudo estatuária ou escultura pública, onde pontificam diversas figuras femininas (em rostos/máscaras celebrativas), implantadas principalmente no Norte de Portugal. Os dados biográficos básicos (por exemplo, datas de nascimento e morte) seriam decerto úteis para o/a leitor/a comum. Também já na memória de todas/ os se conta Dorita Castelo-Branco, cuja vida e obra Daniela Garcia nos ilumina. O percurso da escultora divide-se, com dedicação e empenho, entre a escultura e a docência em várias escolas, nem sempre assinaladas com precisão (por exemplo, Liceu Maria Amélia em vez de Liceu Rainha D. Amélia). Por fim, Lúcia Almeida Matos interpreta as criações de Marina Mesquita, “uma escultora quase sem obra” (p. 161), integrando-as na trajectória formativa da artista.

Completam a obra em epígrafe estudos sobre escultoras ainda em actividade: Laura Castro analisa as produções, com diferentes modos de intervenção cívica, de Clara Menéres; Emília Ferreira apresenta-nos Cristina Ataíde, a “viajante incansável” que, nas suas obras, nos devolve os diferentes caminhos percorridos; Nuno Crespo apresenta-nos a singularidade da produção artística de Ângela Ferreira, considerada “uma muito importante articulação entre o Norte e o Sul, a Europa e a África, a arte e o activismo político, a escultura e a arquitectura” (p. 239); Paulo Simões Nunes assinala a “poiética do espaço” em Fernanda Fragateiro; por último, Sandra Vieira Jürgens examina a fase inicial do trabalho de Joana Vasconcelos, completados vinte anos sobre as primeiras apresentações públicas da artista.

Conclui-se o estudo com uma sempre útil antologia bibliográfica de autoria de Sandra Leandro.