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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versão impressa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.38 Lisboa dez. 2017

 

HOMENAGEM

Soong Ching-ling - A mulher que chegou a presidente da República Popular da China

António dos Santos Queirós*

*Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, Centro de Filosofia, adsqueiros@gmail.com


 

A vida e a obra de Soong Ching-ling identificam-se com a fundação e a construção da moderna China, desde os tempos sombrios do estertor da dinastia imperial até ao seu renascimento para a República e para a Nova Democracia e o Socialismo com características chinesas.

1. A revolução democrática de 1911

A Inglaterra do séc. XIX e da segunda Revolução Industrial, na demanda de mais matérias-primas a baixos preços e de mercados consumidores para os seus produtos industrializados, ocupou a Índia, mas, na China, apenas conseguiu forçar a abertura do porto de Cantão. A economia deste país, não só era autossuficiente, como exportava para o Ocidente chá, seda e porcelana, o que lhe assegurava um elevado superavit nas trocas comerciais, de tal modo que o seu PIB superava em oito vezes o da potência inglesa. Esta, com os Estados Unidos da América (EUA) e depois com todas as outras potências da época, recorreu, primeiro, à exportação ilegal do ópio para o mercado chinês, o que se tornou numa calamidade nacional; mais tarde, através de duas guerras conduzidas pela sua marinha de guerra, forçou a abertura ao comércio da droga dos portos de Fuzhou, Xiamen, Ningbo e Xangai. Além disso, ocupou Hong Kong e, mais tarde, outros cinquenta portos, apoderando-se dos segredos da produção do chá, com o que fazia concorrência a outras colónias.

A economia chinesa caiu em ruína e todas as classes sociais sofreram duramente, dando início aos movimentos políticos que derrubaram o sistema imperial e fundaram a República Democrática, em 1911[1].

Seguiu-se um período de guerra civil contra os caudilhos militares e os grandes proprietários acantonados no Norte e Nordeste da China e noutras regiões remotas, como o Tibete, que sobreviveram à queda do seu imperador.

A Revolução Democrática de 1911 foi liderada por Sun Yat-sen, fundador do partido Kuomitang. Este partido federou comunistas e outras forças democráticas, até à morte do líder, em 1927.

Soong Ching-ling, com apenas 20 anos, após sete anos em que viveu nos EUA, onde obteve a graduação de Bachelor of Arts degree, e conheceu o Japão, tornou-se, em 1913, a secretária pessoal de Sun Yat-sen, com quem viria a casar dois anos depois.

A família Soong, constituída por um casal metodista formado nos EUA, que enriquecera na atividade bancária e empresarial, marcaria no seu percurso político a história da China do século XX: o irmão serviu o governo de Sun Yat-sen como responsável pelas Finanças e depois o Kuomitang; já na fase militarista e autoritária deste partido, a terceira irmã casou com o próprio Chiang Kai-shek (ou Jiang Jieshi), o líder que abandonou os três princípios da revolução liderada por Sun Yat-sen: nationalism, democracy, and the livelihood of the people[2]. A partir daí, como companheira inseparável do líder fundador da I República da China, Soong Ching-lin acompanhou-o em todas as suas iniciativas políticas, participou nas reuniões e viagens políticas, resistiu com ele às conspirações e sedições militares.

Os irmãos só voltariam a caminhar juntos durante a guerra de resistência à invasão japonesa, e apenas Soong Ching-ling prosseguiria o ideal de uma China Nova e de uma nova democracia.

Soong Ching-ling na defesa da Constituição de 1911 e a militarização do Kuomitang. No interior do Kuomitang tinham crescido profundas divergências sobre a possibilidade de realizar o programa democrático da Constituição de 1911.

Em 1925, quando Sun Yat-sen adoeceu e morreu, Soong Ching-ling assumiu o trabalho de edição da sua obra, de defesa dos três princípios da revolução democrática e da continuidade da política do Kuomitang, que incluía a aliança com o Partido Comunista e a União Soviética e o apoio aos camponeses e trabalhadores. No segundo Congresso Nacional do Kuomitang, um ano depois, foi eleita membro da sua direção executiva e posteriormente integrou o comité unificado que, à época, liderava a luta pela República contra “os senhores da guerra” e os grandes proprietários feudais, ainda dominantes numa grande parte da China.

O ano de 1927 assinalou uma nova viragem na História da I República chinesa. Soong Ching-ling foi eleita para o presidium nacional do Kuomitang e integrou o governo, sediado em Wuhan. Por sua iniciativa, foi criado o primeiro Instituto para a Formação Política das Mulheres, em Hankon, na província de Hubei, assim como a Sociedade da Cruz Vermelha, para cuidar dos soldados. Viajou para a União Soviética, cumprindo uma das missões que o marido deixou no testamento político, e para a Bélgica, para participar no Congresso da Liga Mundial Anti-imperialista, onde foi eleita presidente honorária.

A morte de Sun Yat-sen facilitou a ascensão no Kuomitang das forças militaristas e antidemocráticas, sob a liderança de Chiang Kai-shek, que quebrou a aliança com o Partido Comunista e as forças democráticas, teorizando, mais tarde, a impossibilidade de implantar a democracia na China.

Soong Ching-ling pronunciou-se publicamente contra o abandono pelo Kuomitang da linha política traçada por Sun Yat-sen e prosseguiu, no estrangeiro (Alemanha, França), a luta pela democracia na China e contra a eminência de uma nova guerra mundial de carácter imperialista. Foi reeleita, na Alemanha, como presidente da Liga Mundial Anti-imperialista.

Quando o Japão, uma das potências estrangeiras instaladas nas concessões coloniais, ocupou a região da Manchúria, em 1931, a China encontrava-se em plena guerra civil, confrontando os comunistas e outros grupos e personalidades democráticas, não apenas com os senhores feudais e caudilhos militares, que resistiam ao exército da República, mas também com o novo Kuomitang, anticomunista e antiliberal. Este integrara muitos dos antigos senhores feudais e fazia do Exército Popular de Libertação, do seu programa de Reforma Agrária e da Nova Democracia para a China, o principal inimigo.

2. A origem do socialismo com características chinesas e a grande estratégia para a paz

Soong Ching-ling na Guerra de Resistência do Povo Chinês contra a Agressão Japonesa e na II Guerra Mundial[3]. Em 18 de Setembro de 1931, o exército japonês, acantonado no Nordeste da China[4], iniciou uma campanha militar que lhe permitiu ocupar as províncias de Liaoning, Jiling e Heilongjiang, ricas em madeira, minerais e petróleo, e ameaçar Xangai, criando a república-fantoche do Manchukuo.

De regresso à China, Soong Ching-ling com Yang Quan, He Xiangning e outros, criou o Kuomitang Hospital. A sua atividade política intensificou-se nos anos imediatos: fundou, em Xangai, a China League for Civil Rights; tomou a palavra na conferência fundadora da National Selfsalvation Association in Resisting Foreign Aggression; protestou no consulado alemão de Xangai contra as perseguições dos judeus pelos nazis; continuou a escrever contra a repressão e o assassinato dos democratas pelo governo autoritário e militarista do Kuomitang e contra o imperialismo. Aquando da realização da Far East Conference of the World Committee against Imperialist War, em Xangai, pronunciou um discurso que se tornaria famoso: “China's Freedom and the Fight Against War”.

Com He Xiangning e outras 1777 individualidades democráticas, subscreveu o “The Basic Program of the Chinese People in the War of Resistance Against Japan”.

Tornou-se fundadora e presidente do National Armed Self-Defense Committee of China.

A ofensiva japonesa de 1937 e a constituição da frente única contra a agressão japonesa. Em 1935, explorando a política de não resistência do Kuomitang, inspirada e apoiada pelas potências coloniais, Inglaterra e EUA, que continuavam a controlar a maior parte das exportações chinesas, os militaristas japoneses passaram ao assalto de todo o Norte da China, contando com a colaboração dos sectores mais retrógrados da sociedade chinesa. O povo chinês passou à resistência e criou a Frente Única Nacional Anti-Japonesa. As potências ocidentais, na Europa como na China, prosseguiram uma política de cedências e apenas a URSS, que assinara com o governo nacional da China um pacto de não agressão, enviou em sua ajuda assessores militares e esquadrilhas aéreas voluntárias, bem como recursos financeiros e materiais.

Em 7 de julho de 1937, dois anos antes da ocupação da Polónia, as forças armadas japonesas avançaram sobre Pequim e Tianjin para conquistar toda a China. Uma vez mais, foi necessário acertar o calendário da história da II Guerra Mundial. O Japão imperial definiu como objetivo da sua estratégia nacional “estabelecer uma nova ordem na Ásia Oriental” e desdobrou-a para a China sob a consigna de “combater os comunistas”, visando assim obter a neutralidade benevolente das potências democráticas ocidentais.

A estratégia militar japonesa tinha como objetivo converter a China no sentido de a tornar uma retaguarda para a Guerra no Pacífico. Esta estratégia, que visava aterrorizar o inimigo e impedir qualquer resistência, atingiu o horror no massacre de Nanquim, a capital do Kuomitang, a 13 de dezembro de 1937. Durante seis semanas, após bombardeamentos massivos e indiscriminados, mais de 300 000 soldados e civis chineses foram massacrados, fuzilados e enterrados vivos, o dobro das baixas que resultaram do lançamento das bombas atómicas sobre Hiroxima e Nagasáqui. Nas áreas que controlavam, procuraram organizar uma administração-fantoche (recrutando sectores do Kuomitang e formando milícias), anexaram as empresas, controlaram todos os recursos estratégicos e prosseguiram o terror com a política de “responsabilidade solidária de dez lugares” (a pena de morte para dez famílias por cada uma que se envolvia na luta de resistência), recorrendo mesmo à utilização de gases tóxicos e à guerra biológica, acontecimento único em todos os teatros do conflito mundial, que ainda hoje mortifica os descendentes das vítimas.

O Governo do Kuomitang nunca implantou, nas regiões sob a sua autoridade, um regime democrático e, sistematicamente, prosseguiu as suas campanhas militares para cercar e aniquilar as bases do Exército Popular de Libertação. Os seus líderes, ligados aos sectores exportadores e financeiro, acumularam gigantescas fortunas de guerra, enquanto a inflação dos bens essenciais e dos impostos esmagava o povo. Em nenhuma região implementaram as medidas da reforma agrária.

A sua estratégia de guerra convencional conduziu à perda das principais cidades e províncias da China, que caíram sucessivamente sob o domínio japonês.

Soong Ching-ling e a Unidade da China contra o imperialismo japonês. Soong Ching-ling prosseguiu, nas regiões controladas pelo Kuomitang, a luta pela unidade do povo chinês contra a brutal ocupação dos militaristas japoneses e pela nova democracia. Ajudou a financiar a resistência liderada pelos comunistas e procurou, junto dos aliados, o apoio internacional à causa chinesa.

Neste contexto, apoiou a perigosa jornada do jornalista americano Edgar Snow, que, em 1936, e durante cinco meses, conseguiu atravessar as linhas da frente e acompanhou o Exército Vermelho na sua “Longa Marcha”. Esta consistiu numa manobra militar de retirada estratégica que permitiu ao Exército Popular de Libertação escapar à mais perigosa “campanha de cerco e aniquilamento” montada pelo Kuomitang. Snow deu a conhecer a vida e o sofrimento do povo chinês e o papel histórico dos líderes comunistas, até então retratados como “bandidos vermelhos”.

A obra de Snow Red Star Over China (1937), desprezada pelas elites políticas ocidentais, mas com um vasto impacto na opinião pública da Inglaterra e na Europa, revelar-se-ia verdadeiramente premonitória no quadro da história contemporânea da China e do mundo[5].

Soong Ching-ling acolheu o médico americano de origem libanesa George Hatem (Dr. Ma Haide), que se integraria nos serviços médicos do Exército Popular de Libertação e seria um dos construtores do Serviço Nacional de Saúde na Nova China, já na condição de cidadão chinês, tornando-se, depois da proclamação da República Popular (1949), um dos membros democratas independentes do Comité Permanente da Assembleia Nacional Popular, o órgão superior do Estado da República Popular da China.

Soong Ching-ling, com Shen Junru e outros democratas, fundou a All-China Federation of National Salvation Associations in Shanghai e foi eleita para o seu Comité Executivo. Apoiou os “sete patriotas”, presos por ordem do governo de Chiang Kai-shek. Quando ocorreu o “incidente de Xi'an” (1936), em que Chiang Kai-shek se viu sequestrado pelos líderes dos seus próprios exércitos, que exigiam a suspensão das campanhas contra o Exército Vermelho e a unidade na luta contra o exército japonês de ocupação, apoiou a posição dos comunistas que agiam para salvar a vida do generalíssimo e para unir toda a China na guerra de resistência à agressão japonesa[6].

Com He Xiangning, Feng Yuxiang e outros patriotas do Kuomitang, levou ao seu Comité Central a proposta de retomar a linha política de Sun Yat-sen – “Three Major Policies of Alliance with Soviet Russia, Cooperation with the Chinese Communist Party and Assistance to the peasants and workers be restored”, que constituiu o conteúdo essencial do seu discurso “To Carry Out Sun Yat-sen's will”. Deslocou-se então para Hong Kong para fundar a China Defense League. Escreveu artigos, como “A general Mobilization of Overseas Chinese”, e usou a rádio local para enfrentar o avanço japonês que ameaçava Guangzhou (Cantão).

Quando a liderança do Kuomitang vacilou na resistência ou agiu contrariamente à unidade da frente única contra o Japão, Soong Ching-ling ocupou o primeiro lugar na sua denúncia.

3. China, o aliado esquecido

Na ofensiva no Pacífico, contra os EUA e as colónias inglesas, o Japão lançou 400 000 soldados, deixando em reserva, para defesa do seu território, outros tantos. Para conquistar a China e enfrentar a resistência do povo, teve de concentrar neste país a maior parte dos seus soldados, um exército de 1 300 000 militares. Os invasores japoneses e as tropas que recrutaram localmente sofreram na China mais de 1 714 000 baixas, das quais 524 000 soldados japoneses. Aquando da rendição, em 2 de setembro de 1945, 1 280 000 efetivos do exército japonês depuseram as armas.

A contribuição estratégica da China para a derrota do fascismo mundial foi decisiva e custou ao seu povo 35 milhões de baixas, que podemos comparar com as baixas americanas (340 000 mortes), japonesas (2 630 000), alemãs (6 milhões) e soviéticas (25 milhões), sem contar ainda as baixas colaterais ou o holocausto de 6 milhões de judeus… Isto se usarmos os critérios atuais, que incluem as baixas colaterais, sobretudo como resultado da penúria, da fome e das doenças epidémicas, da guerra química e biológica, a que o Japão recorreu em larga escala.

Soong Ching-ling, diplomata da paz, da solidariedade e da Nova Democracia. Quando os japoneses ocuparam Hong Kong (1941), Soong Ching-ling regressou à frente de combate político e humanitário no interior da China. Com Rewi Alley, um neozelandês que se tornou defensor e militante da causa chinesa, apoiou o desenvolvimento do Industrial Cooperatives Movement in China e assumiu ativamente a presidência da All-China Children's Welfare Association, mobilizando a solidariedade internacional para cuidar dos órfãos e de outras vítimas da guerra. Dirigiu-se em particular ao povo americano, pela rádio e pela imprensa, e o seu apelo “A Message to American Workers” tornou-se panfletário entre os aliados.

Quando a guerra se aproximava do fim, reuniu com Mao Zedong e regressou a Xangai para refundar a China Defense League como China Welfare Fund (1938), criando assim o embrião do sistema de segurança social com características chinesas, que associou à ação política e social das forças democráticas do Partido Comunista e do Exército Popular de Libertação, nas regiões já libertas do domínio japonês; ali se organizaram os primeiros serviços de apoio à maternidade, de saúde materno-infantil, de educação e cultura e outros apoios sociais.

Em 1946, quando a guerra civil ameaçou destruir os frutos da vitória da frente única antijaponesa, juntou-se ao apelo do Partido Comunista para a formação de um governo de coligação com o Kuomitang, instando os EUA a não apoiarem a solução militar do conflito, através da continuação do apoio militar exclusivo a este partido.

Quando a guerra civil se tornou inevitável e a cisão do Kuomitang também, posicionou-se ao lado do seu setor democrático, tornando-se presidente honorária do Comité Revolucionário do Kuomitang, um novo partido que procurava resgatar a herança de Sun Yat-sen.

Retomou então a sua atividade política internacional, em torno da salvaguarda da paz mundial, e como publicista dirigiu-se sobretudo aos jovens: “Message to the World Federation of Democratic Youth”.

Avaliou e celebrou a aliança histórica dos partidos democráticos chineses com o Partido Comunista, publicando o texto “A Monumental Period!”. Discursou nos gigantescos comícios que prepararam a proclamação da República Popular da China, a Nova Democracia.

Soong Ching-ling, fundadora e vice-presidente da República Popular da China. A aliança política forjada na resistência contra o Japão e depois na luta pela Nova Democracia levou à convocação da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, em Pequim, entre 21 e 30 de setembro de 1949, que assumiria as funções da Assembleia Popular Nacional, antes da sua eleição por sufrágio universal.

Na China da primeira república de Sun Yat-sen, durante a guerra de resistência contra o Japão e na guerra civil de 1946 a 1949, os partidos democráticos e uma fração do Kuomitang aliaram-se ao Partido Comunista e, após a sorte das armas lhes ser favorável, acordaram no programa e na constituição de uma nova forma de regime a que chamaram República Popular da China.

A Conferência Consultiva Política dos Povos da China reuniu representantes do Partido Comunista e dos oito partidos democráticos que constituíram a frente única contra o Japão e depois a aliança pela Nova Democracia, incluindo delegados de todas as forças sociais e económicas da China, e das suas 56 nacionalidades. Soong Ching-ling participou a título de presidente honorária do Comité Revolucionário do Partido Kuomitang da China. A Conferência aprovou a Constituição da República Popular da China e elegeu como seu presidente o líder comunista.

A República Popular da China foi proclamada a 1 de outubro, por Mao Zedong; ao seu lado, na praça Tiananmen (da Paz Celestial), estava Soong Ching-ling.

Ao longo da sua vida voltaria a encontrar-se regularmente com o líder da revolução chinesa, surgindo a seu lado em importantes eventos internacionais, como a visita de Mao a Moscovo, e, como convidada, dirigindo-se diretamente aos comunistas, tomando a palavra nos seus congressos.

A ação política e cívica de Soong Ching-ling prosseguiu coerentemente em torno de três grandes causas:

– A emancipação da mulher:

Assumiu a presidência honorária da All-China Women's Federation e participou nos eventos internacionais sobre o tema, como a Asian Women's Conference.

– A construção do sistema de segurança social para toda a China:

Depois de fundar o China Welfare Institute (1938), assumiu a presidência executiva da People's Relief Administration of China e reorganizou a China Welfare Fund como China Welfare Institute. Foi ainda eleita presidente da Chinese People's Committee in Defense of Children. Doou o prémio “Stalin Peace Prize”, atribuído em 1950, no valor de 100 000 rublos, à China Welfare Peace Maternity e ao Child Health Hospital.

– A defesa da paz mundial e da cooperação pacífica entre as nações:

Foi eleita para o executivo da World Peace Council. Esteve entre as personalidades que convocaram a Peace Conference for the Asian and Pacific Regions e foi eleita vice-presidente da Peace Liaison Committee of the Asian and Pacific Regions. Liderou a delegação chinesa ao Peace Congress in Vienna. Fundou o magazine China Reconstructs (em inglês).

Visitou os países vizinhos, como a URSS, e foi recebida por Estaline. Assumiu o cargo de vice-presidente da respetiva associação de amizade (antes da cisão do movimento comunista internacional nos anos 60, com a China a acusar a URSS de social-imperialismo). Visitou também a Índia e o Burma, o Paquistão e o Ceilão.

As Universidades de Daca (Paquistão) e de Vitória (Canadá) homenagearam-na com o título de Doutora. Recebeu, na sua residência, a visita de importantes personalidades políticas estrangeiras, como a Sirimavo Bandaranaike, primeira-ministra do Ceilão, o príncipe Sihanouk, assim como um grupo de destacadas mulheres americanas ativistas dos seus movimentos cívicos.

4. “The struggle for new china”

Em 1952 foram publicadas as suas obras escolhidas, sob o título em epígrafe (republicadas em 1966). Em 1954, surgiram os textos “Sun Yat-sen—the Revolutionary son of the Chinese People” e “Reminiscences of Sun Yat-sen”. Publicou, em 1962, “Sun Yat-sen and His Cooperation with the Chinese Communist Party”.

No discurso do elogio fúnebre, Deng Xiaoping referiu o seu pensamento político, no período crítico da viragem militarista e autoritária do Kuomitang:

Only a revolution that has the support of the masses and serves the masses can smash the power of warlords and politicians and shake off the shackle of imperialism and attain real socialism. (Deng, 1981)

No que respeita à libertação da mulher, no período conturbado da Revolução Cultural (1966-1976), Soong Ching-ling criticava abertamente a resistência da ideologia feudal e patriarcal ao acesso pleno da mulher à liberdade pessoal e aos direitos sociais na Nova China:

History has proved that Women's Liberation in China—women obtain equal status with men—began with the democratic revolution, but will be completed only in the socialist revolution. (…). If we ask, however, whether Women's Liberation Movement in China has come to its end, the answer is definitely no.

It is true that the landlord system has been abolished for nearly twenty years, but much of the feudal-patriarchal ideology still prevails among the peasants or rather farmers.

This ideology still does yield mischievous things in the rural places and some of the small towns.

Only when the feudal-patriarchal ideology is eradicated can we expect the sexual equality fully established. (Soong, 1952)

Apoiou a reforma e abertura de Deng, com o qual passaria a trabalhar, em nome da modernização da China para o bem-estar do seu povo e das suas 56 nacionalidades, e da cooperação mundial para a paz.

Soong Ching-ling, vice-presidente da Assembleia Nacional Popular. Em 1954, o sistema político da Nova Democracia consolidou-se e foi convocada a primeira Assembleia Nacional Popular. Soong Ching-ling foi eleita vice-presidente do seu Comité Permanente, cargo para o qual seria sucessivamente reeleita.

A Assembleia Popular Nacional (APN) foi enquadrada pela Constituição da República Popular da China como órgão do poder nacional supremo. Todos os cidadãos com mais de 18 anos tinham o direito de eleger e de serem eleitos como representante da APN.

Os representantes da assembleia popular ao nível de aldeia e de distrito eram eleitos diretamente. Os representantes para os níveis mais altos eram eleitos indiretamente, a partir daquelas assembleias. O seu mandato era de cinco anos e nenhum dirigente de topo podia ocupar o cargo mais do que dois mandatos.

As funções básicas da APN incluíam a produção legislativa, a eleição dos órgãos superiores do Estado, nomeadamente as forças armadas e o sistema judicial, a supervisão política do governo, com destaque para o plano quinquenal.

A Assembleia Popular Nacional da China era composta por 3000 deputados, que elegeram, por voto secreto, o presidente Zhang Dejiang e 13 vice-presidentes: o presidente e oito vices faziam parte do Partido Comunista Chinês (PCC). Os outros cinco representavam os partidos democráticos e as minorias étnicas.

Soong Ching-ling, vice-presidente da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês. Na estrutura superior do poder conservou-se a Comissão Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês e os seus órgãos locais, com funções de consulta política e supervisão democrática, compostos por representantes do Partido Comunista da China, partidos democráticos, personalidades não partidárias, entidades populares, todas as minorias nacionais e todos os sectores sociais, incluindo as Regiões Administrativas Especiais de Hong Kong e Macau, Taiwan e chineses regressados do exterior, com mandato de cinco anos.

Em setembro de 1949, a primeira sessão plenária da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, funcionando como Assembleia Constituinte, anunciou, em nome de todo o povo chinês, a fundação da República Popular da China.

Após a eleição da primeira Assembleia Popular Nacional da China, em 1954, a Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC) evoluiu como órgão supremo de supervisão da democracia popular, avaliando a conformidade das leis e regulamentos nacionais com a aplicação dos princípios da Constituição e intervindo para as melhorar e aperfeiçoar (espécie de híbrido administrativo entre Conselho de Estado, Senado e Tribunal Constitucional, que elege desde a base e sectorialmente – 34 sectores – os seus delegados e líderes, representando todas as forças vivas da nação chinesa, mas sem um carácter de última instância, funcionando como um fórum negocial).

Nessa altura, Soong Ching-ling foi também eleita vice-presidente do Conselho Nacional da CCPPC, cargo para o qual foi sucessivamente reeleita e que acumulou, até ao fim da vida, com o de vice-presidente da Assembleia Nacional Popular.

Os Conselhos locais da CCPPC foram criados em três níveis. No final de 2008, havia 3118 Comités locais da CCPPC em todos os níveis, com um total de 632 000 membros.

O Conselho Nacional da 11.ª CCPPC era composto por um total de 2237 membros, dos quais 895, ou seja 39,99%, eram membros do PCC e 1342, ou 60,01%, não eram membros do PCC. Existiam 393 membros mulheres, representando 17,6%. Havia deputados que representavam os 56 grupos étnicos da China.

A China é um Estado de direito, com um sistema hierarquizado de tribunais populares e uma Procuradoria independente.

Soong Ching-ling, derradeira homenagem e morte. Em 15 de maio de 1981, o Partido Comunista da China tomou uma decisão sem precedentes: convidou Soong Ching-ling para seu membro e promoveu-a ao mais elevado órgão do partido, o bureau político.

A 16 de maio, o Comité Permanente da Assembleia Nacional Popular conferiu-lhe o título de Presidente Honorária da República Popular da China.

Morreu a 29 de maio, em Pequim, e as suas cinzas repousam no jazigo da família Soong, no cemitério internacional de Shanghai Wanguo, hoje o mausoléu de Soong Ching-ling.

Tomamos como nossas as palavras de despedida de Deng Xiaoping: “Eternal glory to Comrade Soong Ching-ling!” A mulher que dedicou a sua vida à causa da emancipação do seu povo e à defesa de um mundo pacífico, “de pão e rosas”!

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Associated Press (1981). Soong Ching-ling dies in Peking. New York Times, Obituary. Published: May 30.

Deng, X. (1981). Memorial speech at Soong Ching Ling's funeral, June 3. Disponível em: Soong Ching Ling Foundation http://en.sclf.org/aboutsql.         [ Links ]

Dr. Sun Yat-Sen (1927). San Min Chu I: The three principles of the people. Frank W. Price (trans.) In L. T. Chen (Ed.). Shanghai, China: China Committee, Institute of Pacific Relations, 189-192, 201-202, 210-211, 262-263, 273, 278.         [ Links ]

Epstein, I. (2005). History should not be forgotten. In Soong Ching Ling, The anti-Japanese war, Chapter 7, pp. 91-104. Peking: China Intercontinental Press.         [ Links ]

Epstein, I. (2001). China Today, August 24.         [ Links ]

Mitter, R. (2014). Forgotten ally: China's world war II, 1937-1945. Sep 2. Mariner Books, Houghton Mifflin Harcourt, Boston, Massachusetts.

Snow, E. (1968). Red Star of China. New York, EUA: Grove Press.

Soong, C.-L. (1953). The Struggle for New China, 2th edition. Foreign language press, Peking. Digital book from Digital Library of India Item 2015.78754. Identifier-ark ark: 13960/t33258089.         [ Links ]

Soong, C.-L. (1952). Speech at the Council of the International Democratic Women's Federation. In Peking Review, 6, Feb. 11, 1972, pp. 6-7.         [ Links ]

Outras fontes na Internet:

http://portugaldiarioilustrado.blogspot.pt/

http://philoetichal.blogspot.pt/

 

[1].Para compreender melhor o contexto histórico e político da época e o sistema político da República Popular da China, ver os artigos publicados em http://portugaldiarioilustrado.blogspot.pt/ e http://philoetichal.blogspot.pt/.

[2]. Consultar Sun Yat-sen. Three Principles of the People, 1923 Mínzú (民族主義, Mínzú Zhǔyì); Mínquán (民權主義, Mínquán Zhǔyì); Mínshēng (民生主義, Mínshēng Zhǔyì). Este livro constitui o testamento político de Sun Yat-sen. Na tradução oficial chinesa para inglês: l. The principle of Nationalism. 2. The principle of Democracy. 3. The principle of Livelihood.

Sempre que tivermos acesso à tradução oficial chinesa para inglês, usaremos a transcrição nesta língua, na busca de maior rigor de expressão.

[3].Consultar o ensaio, abundantemente documentado, do professor de Oxford Rana Mitter, Forgotten Ally: China's World War II, 1937-1945 Sep 2, 2014. Mariner Books, Houghton Mifflin Harcourt, Boston, Massachusetts.

[4]. Esta ocupação remonta à primeira guerra sino-japonesa e marca o início da transformação do Japão em potência imperialista. A Primeira Guerra Sino-Japonesa (1894-1895) foi um conflito entre o Japão e a China, fundamentalmente pelo controle da Coreia. Em março de 1895, os dois países assinaram o tratado de Shimonoseki e a China aceitou a cedência de Taiwan, das Ilhas dos Pescadores e de Liaodong (na Manchúria) ao Japão. A Coreia ficou sob dominação japonesa.

[5]. Consultar Red Star Over China. By Edgar Snow. 1937 – London – Victor Gollancz Ltd, 464 pp.

[6]. Consultar a obra de Israel Epstein, I. (2005). History Should Not Be Forgotten. Chapter 7: Soong Ching Ling, in the Anti-Japanese War. Pekin, China Intercontinental Press, pp. 91-104.