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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versión impresa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.37 Lisboa jun. 2017

 

LEITURAS

Flor de Água, Helena Roque Gameiro (1895-1986) – Aguarela e Artes Aplicadas. Leandro, S.; Valle, A.; Junior, C. L.; Mantero, A. & Barros, J. L. (2016). Amadora: Casa Roque Gameiro, 50 pp.

Maria do Céu Borrêcho*

 * Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais, Faces de Eva – Estudos sobre a Mulher, mcborrecho@gmail.com


 

A presente obra, um catálogo de uma exposição dedicada à pintora Helena Roque Gameiro patente, entre 26 de Setembro de 2016 e 26 de Fevereiro de 2017, na Casa Roque Gameiro, na cidade da Amadora, apresenta o trabalho desta artista, filha do também pintor Alfredo Roque Gameiro.

Sandra Leandro, comissária da referida exposição, desenvolve detalhadamente o percurso de um dos elementos do clã Gameiro, repartido de forma simbólica desde a “raiz” à “flor que se fecha”, passando pelo “caule”, “flor” e “pétalas que caem”, e recordando, deste modo, a importância da Natureza no trabalho da pintora. Como numa flor, que Helena tanto gosta de pintar, na “raiz” se descobre esse “meio artístico” que ela absorve na Casa da Venteira, na então Porcalhota, a Amadora de hoje, proporcionado pela presença forte do pai, que a ensina a representar o “que a luz modela, o que se vê, conhece e sente, ao ar livre, ao modo Naturalista” (p. 8).

É com essa “raiz” que inicia um percurso de mestra e artista profissional, muito invulgar na época, mas certamente impulsionado pelas convicções republicanas do progenitor, que valorizam a instrução e a emancipação femininas.

Assim, desde os 14 anos, desloca-se a Lisboa de comboio, para dar aulas de pintura e desenho no atelier-escola do pai, na Rua D. Pedro V.

 Conciliando as aulas com a prática artística, desde os primeiros anos do século XX participa em inúmeras exposições colectivas e, deste modo, cresce um “caule” sustentáculo de uma “flor” que simboliza o período iniciado com uma exposição individual e uma viagem ao Brasil, onde pai e filha são convidados a expor. Dessa experiência brasileira, nos dão conta os outros colaboradores neste catálogo: Arthur Valle e Carlos Lima Júnior referem o acolhimento que tiveram, quer na sociedade quer na imprensa, as mostras das obras de Helena Roque Gameiro e do pai (Alfredo Roque Gameiro) no Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, no primeiro caso, e na paulistana Câmara Portuguesa de Comércio, no segundo.

Este período profícuo mantém-se até meados da década de 30, quando algumas “pétalas caem”. A morte sucessiva do pai, do irmão Rui e da cunhada Maria Helena contribui para um longo período em que Helena não expõe. Mas, em compensação, vemo-la a colaborar no cinema, acompanhando o marido, o realizador Leitão de Barros. E a viajar. Após o regresso, expõe individualmente no então Secretariado Nacional de Informação, em 1946, e com o “pecúlio gerado por esta exposição” (p. 20) compra um terreno. Nele, constrói uma casa – a Toca –, onde o marido, sempre rodeado de flores, recebe os amigos dilectos e onde morre em 1967.

No início dos anos 70, retorna ao atelier-escola na Rua D. Pedro V. Este retorno é também recolhimento; é a “flor fechando”, o último capítulo deste simbólico percurso dado a conhecer por Sandra Leandro, onde captamos na obra de Helena Roque Gameiro desta fase “uma tristeza e uma melancolia funda” (p. 23), como se a Natureza acompanhasse o finar de uma vida.

Rematam o catálogo, os testemunhos de Ana Mantero e de Joana Leitão de Barros, simbolicamente com um grande ramo de flores para a avó. Ambas procuram retratar o lado familiar deste percurso, o ambiente de convivialidade artística na Família Oficina da Venteira, como se referia na imprensa da época, onde se sonhava com a construção de uma Cidade-Jardim: a Amadora. Recordam ainda Colares e a Toca, aquele refúgio junto da Natureza, com uma cúpula amarela como a do Palácio da Pena, ou umas altas chaminés como as do Palácio da Vila de Sintra, e as flores, sempre as flores, vindas das hortas da ribeira das Maçãs. Fascinada pelos avós, Joana Leitão de Barros conta como o avô reclamava o direito ao trabalho da mulher portuguesa, então ainda atrasada nos comportamentos, em comparação com outras mulheres europeias.

A influência do pai e a intervenção nos trabalhos do marido podem conduzir-nos a uma questão interessante: “saber o quanto está de Alfredo na obra de Helena e o que de Helena está nas opções e produções de José (Leitão de Barros)” (p. 37).

Mas não são somente as flores o tema preferido do trabalho de Helena Roque Gameiro. Há o retrato também. Nele, a representação figurativa é sempre a feminina; contudo, não devemos daqui inferir mais nada a não ser que unicamente as mulheres, por razões diversas, são os modelos mais fáceis para as pintoras daqueles tempos (p. 40).