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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versão impressa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.37 Lisboa jun. 2017

 

NOTA DE ABERTURA

Isabel Henriques de Jesus


 

Woman is not coterminous with feminist; to be a feminist implies a particular politicised understanding of being a woman.” (Jackson, Stevi & Jones, Jackie, 1998, p. 2).

Deste modo sintético, as duas teóricas inglesas procuram esclarecer a ambiguidade, muitas vezes verificada, entre as nomeações mulher e feminista. Se, por um lado, nem todas as abordagens relativas às mulheres são feministas, por outro, às mulheres foram impostas e valorizadas as características femininas que cumpriam os requisitos das sociedades patriarcais. Como explicar, então, o longo e disruptivo caminho que conduziu ao actual posicionamento social das mulheres? Longo, se o iniciarmos com nomes como Olympe de Gouges ou Mary Wollstonecraft, que, ainda no século XVIII, lutaram pelos direitos das mulheres; disruptivo, se o identificarmos com os movimentos que, no final dos anos 60 do século passado, romperam barreiras e constrangimentos de toda a ordem, provocando alterações substanciais na condição das mulheres e na relação entre os sexos.

Longe de ser homogénea a sua situação, é indubitável que as mulheres ocidentais, num processo árduo e nem sempre linear, têm vindo a ocupar posições, quer manifestas, quer simbólicas, que as colocam hoje, em termos legais e formais, como seres de idênticos deveres e direitos relativamente aos seus congéneres masculinos. A luta tem sido dura, só assim possibilitando a manutenção de uma política igualitária dos sexos que, apesar de todos os avanços, arrisca retrocessos.

Os Estudos sobre as Mulheres alicerçaram-se na necessidade de compreensão das razões da submissão, da ocultação e da exclusão das mulheres, mas, também, na deliberada convicção de que só uma focagem na sua especificidade recuperaria as condições sociais e simbólicas da sua existência. No quadro desse enfoque e acompanhando a construção, pelas mulheres, de um corpus teórico do conhecimento e a assunção de que são produtoras e transformadoras e não apenas destinatárias do saber, desenvolveram-se os Estudos Feministas. Visando denunciar as assimetrias nas práticas sociais de relação entre os sexos e a hierarquia presente na valoração das categorias sexuais, e apontando claramente para a consciência, pelas mulheres, da necessidade de libertação e de construção de autonomia, estimularam o desenvolvimento de um conjunto de temas como corpo, sexualidade, género ou identidade, que passaram a ser estudados por disciplinas muito diversas. Também os Estudos de Género se afirmaram através da acentuação do carácter de construção psicossocial da diferença entre os sexos, assim recuperando a célebre fórmula de Simone de Beauvoir “ninguém nasce mulher, torna-se” e, acrescentando-lhe, “ninguém nasce homem, torna-se”.

A teoria feminista, ou o processo de teorização – assim retirado o carácter fixo e estático da teoria (Jackson & Jones, 1998) –, fez-se sempre acompanhar e até mesmo anteceder do activismo feminista. Contudo, a predominância de modalidades de intervenção, muito centradas nas experiências concretas das mulheres, e o distanciamento exigido pela teoria nem sempre foram consensuais, originando clivagens que, quando extremadas, dificultavam a pretendida construção de um saber que, partindo das mulheres, lhes era destinado. A presença, nas Academias, de mulheres que preencheram as duas dimensões ou que souberam construir pontes entre as mesmas, mostrou-se um factor de peso no desenvolvimento da teoria feminista, reforçando uma ideia grata a muitas feministas e que Eagleton (1992, p. 6) sumariou: “though the personal is political, the political isn’t only the personal; an untheorized politics of personal experience may never get beyond subjectivism.”

Ao institucionalizar-se nas Academias, o pensamento feminista não deixou de reflectir a diversidade teórica e disciplinar das suas produtoras e valorizou a interdisciplinaridade. Uma possível explicação para esta propensão interdisciplinar que, não sendo exclusiva, é notória, assenta no facto de que as feministas, ao apropriarem e reconstruírem disciplinas pré-existentes, estão mais livres para procederem às conexões entre elas, sem uma reverência excessiva às suas fundações (Jackson & Jones, 1998). Por outro lado, um certo questionamento das verdades estabelecidas ajuda a que o pensamento feminista se imponha de modo livre e original, o que provoca “resistências do saber dominante em reconhecer o contributo inovador de outsiders” (Collin, 1991, p. 348). Ainda hoje nos parece que, apesar de os Estudos sobre as Mulheres estarem cada vez mais disseminados nas Academias, sejam quais forem as variantes que apresentam: Estudos sobre as Mulheres, Estudos Feministas ou Estudos de Género – estes últimos cada vez mais preponderantes, apesar da discordância de algumas feministas, que chegam mesmo a considerá-los como um retrocesso relativamente ao feminismo –, o seu lugar não é seguro e a marginalização continua a fazer-se sentir de formas directas ou subtis.

Os Estudos sobre as Mulheres impõem a necessidade de explicar a exclusão ou a marginalização das mulheres, assim como acompanham os processos históricos, sociais e políticos de construção da sua autonomia. Virgínia Rau conseguiu impor-se num espaço físico e mental, ao tempo, ainda predominantemente masculino. Nesse sentido, e ainda que a sua vasta obra não o evidencie, ela contribuiu para um grande objectivo do feminismo, desde sempre reivindicado, que é o da criação de um espaço comum a mulheres e a homens. A revista Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher homenageia-a neste número 37 que agora é publicado, dando a conhecer parte do seu pensamento historiográfico e do seu percurso académico e científico.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Collin, F. (1991). Diferença e diferendo. In Georges Duby & Michelle Perrot (Dir.), História das mulheres: O século XX, V (pp. 315-350). Porto: Edições Afrontamento        [ Links ]

Eagleton, M. (Ed.). (1992). Feminist literary criticism. Nova Iorque: Longman.

Jackson, S. & Jones, J. (1998). Thinking for ourselves: An introduction. In Stevi Jackson & Jackie Jones (Eds.), Contemporary feminist theories. Edimburgo: Edinburgh University Press.         [ Links ]