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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versión impresa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.35 Lisboa jun. 2016

 

NOTA DE ABERTURA

Isabel Henriques de Jesus


 

Apresentamos mais um número da revista Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher. Este é o momento em que os nossos sentidos se concentram na materialização do objecto-livro decorrente de um longo processo de avanços e recuos, entusiasmos e apreensões. Nas piores fases do percurso, dois pilares nos suportam: a história de um projecto que nunca desfaleceu, mesmo sabendo-se contra correntes dominantes, vindo o tempo a legitimar a sua pertinência – hoje ninguém duvida do sentido de escrever sobre mulheres e com mulheres – e a unidade de uma equipa que, nos momentos decisivos, não mede esforços, concentrando-se nos objectivos que a mobilizam.

Esta é a síntese de um processo extenso e trabalhoso, mas é nos pormenores vividos e partilhados que reside a verdadeira história da construção de uma revista, razão pela qual, sempre que apresentamos o resultado do esforço colectivo – nele incluído autores/as, editor, colaboradores/as(1) –,  o entusiasmo com que o fazemos é, simultaneamente, fruto de um dever cumprido e expectativa de que a sua leitura reflicta os desígnios académicos, sociais e culturais que esta publicação pretende alcançar.

Nunca é demais recordar a importância da leitura e da escrita para as mulheres e o seu temível efeito, consagrado em títulos como Mulheres que lêem são perigosas, que ilustra o interesse artístico pela imagem das mulheres associada à leitura. Actos, muitas vezes, clandestinos, a leitura e a escrita das mulheres ameaçavam a exigível concentração nas tarefas que lhes estavam destinadas, permitia-lhes a evasão que perigava os instituídos papéis sexuais e dava-lhes acesso à informação e ao saber. Podia torná-las lúcidas e livres e, embora sabendo que o processo seria irreversível, dilatar o tempo do confronto, ou do “diferendo”, no dizer de Françoise Collin, assegurava a primazia masculina.

Quando o território familiar e social das mulheres se restringia à casa, a leitura de novelas e a escrita diarística e/ou epistolar ocupavam um espaço que podia ser de trocas e de mundividência mas que, em muitas situações, assumia principalmente uma função onírica e catártica, escapes para um mundo controlado e manipulado pelos homens. Encontramos um exemplo fecundo num conto de Charlotte Perkins Gilman, The Yellow Wallpaper, datado de 1892, que se tornaria um paradigma da teoria e da crítica literária feministas. Este texto pode bem revelar a resposta desajustada de uma mulher condenada a um aprisionamento sem fuga, porque lhe é negada a escrita, único meio de libertação da “prisão protectora” em que se encontra. Desapossada de vontade intelectual e corpórea, em nome da “terapia adequada” ao seu estado de fraqueza – cujo panóptico é comandado por um homem/médico/marido, condições simbolicamente legitimadoras de saber e de poder –, nada mais lhe resta do que fantasmagorizar o papel que reveste as paredes do seu quarto.

O papel de parede amarelo configura um símbolo, ao mesmo tempo opressivo e libertador, quando ela decide arrancá-lo e deixar dele sair todas as mulheres que, no seu delírio, o habitam, rastejando numa condição de subserviência. A história acaba quando o marido entra no quarto e desmaia ao ver a mulher a rastejar. Ela continua, sendo obrigada a passar por cima do corpo dele.

Conto de conteúdo polissémico, uma leitura feminista do mesmo pode inscrever no gesto da mulher um desejo de inversão do papel das mulheres na relação conjugal, desafiando os pressupostos do seu enclausuramento no espaço privado. Silenciada e sem voz, proibida de escrever, através   de artifícios subtis de fragilização e de menorização, a mulher subverte irremediavelmente os códigos e as normas de conduta e luta pela igualdade no valor socialmente atribuído a mulheres e a homens.

Esta pequena história recorda e actualiza o sentido de Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher na sua persistência em dar voz e espaço às mulheres. Fá-lo através de contributos para a desocultação de algumas, do melhor conhecimento de outras ou da exploração académica de temáticas que, visando-as, contribui para a construção de um corpus científico em franco desenvolvimento. Mas fá-lo, também, homenageando mulheres lúcidas e livres que, em Portugal ou no Mundo, se evidenciaram em diversas áreas do saber e do fazer. Neste número, recordamos uma mulher única e plural: Maria Barroso, a Mulher, na multiplicidade de papéis que desempenhou e em que se empenhou. Cidadã, política, pedagoga, artista, amiga, amante,... ou “uma cidadã modesta mas amante da liberdade, da solidariedade e do amor” (M. B., entrevista ao jornal i, 9 de Maio de 2015).

Amor... era a sua palavra preferida!

1. Para além de todos os nomes que, de algum modo, colaboraram e são apresentados  na revista, outros há, a quem queremos agradecer a generosidade da sua participação: António Vasconcelos, Assumpta Sabuco, Bruno Marques, Emília Ferreira, Filipa Vicente, Joana Balsa de Pinho, Joana Miranda, Margarida Queirós, Mária Almeida, Olga Iglésias, Paula Gomes Ribeiro, Sónia Frias, Zekri Mostafa.