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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versão impressa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.34 Lisboa  2015

 

LEITURAS

Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (2015). Estudos sobre as Mulheres e Biografias no Feminino: Contributos de Maria Reynolds de Sousa. Lisboa: Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, 87 pp.

Rita Mira

A Comissão da Condição Feminina, desde a sua criação na década de 70 do século XX, adotou como função central o incremento dos Estudos sobre as Mulheres em Portugal, incentivando e apoiando diversos projetos promotores do conhecimento nesta área do saber e a atual Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, autora deste livro, dá continuidade a esta missão, procurando, entre outros objetivos, dar visibilidade ao papel das mulheres nas diferentes áreas da sociedade. Neste sentido, a obra em apreço pretende ser uma justa homenagem a uma individualidade que tanto contribuiu para (re)colocar na História o percurso de diversas mulheres, tantas vezes esquecidas e ignoradas, apesar da sua relevante participação na construção de uma sociedade melhor.

Esta obra inicia­‑se com um notável texto do historiador João Esteves, intitulado Voto feminino, primeiras parlamentares e cidadãs: relendo Maria Reynolds de Souza, que reúne e sistematiza o trabalho pioneiro desta personalidade sobretudo na evocação do percurso de vida de mulheres que tiveram um papel ativo na vida social e política durante o Estado Novo, nomeadamente nos seus órgãos – na Assembleia Nacional, na Câmara Corporativa e nos Colégios Eleitorais do Presidente da República – não esquecendo “outras vivências” no feminino (p. 34), bem como o processo árduo e longo das mulheres alcançarem o estatuto de cidadãs com o sufrágio universal.

Licenciada em Filologia Germânica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Maria Reynolds de Souza possui uma invejável biografia e bibliografia na área dos Women Studies, tendo, com a sua pesquisa “pioneira, metódica, rigorosa, exaustiva e fundamentada” (Esteves, p.12), resgatado vozes e percursos femininos da provável invisibilidade histórica.

Integra, em 1977, a Comissão da Condição Feminina, ainda em regime de instalação e é, no contexto desta organização e da posterior Comissão para a Igualdade e Direitos das Mulheres, que Maria Reynolds de Souza encontra o espaço privilegiado para o desenvolvimento de um conjunto diversificado de atividades que visava um maior conhecimento sobre a situação das mulheres em Portugal, bem como denunciar a construção histórica e social da sua invisibilidade e da necessidade de uma nova conceção, individual e coletiva, do seu papel na sociedade.

No contexto desta entidade pública, entre 1977 e 2004, Maria Reynolds de Souza coordena publicações, projetos de informação, educação e comunicação; é responsável pela organização de seminários e conferências; representa a Comissão para a Condição Feminina e, posteriormente, a Comissão para a Igualdade e Direitos das Mulheres em diversos grupos e redes de trabalho, a nível nacional e internacional; desenvolve investigações sobretudo sobre a participação política das mulheres e sobre os movimentos feministas no contexto da ditadura portuguesa. Muitas destas iniciativas só foram passíveis de concretização graças ao “olhar visionário” (p. 8) desta investigadora que, durante grande parte da sua vida, impulsionou o conhecimento e a tomada de consciência acerca dos contributos das mulheres em termos políticos e sociais.

Em 1985, no Colóquio A Mulher na Sociedade Portuguesa – Visão Histórica e Perspectivas Actuais, Maria Reynolds de Souza apresenta a comunicação “arrojada e inovadora”, nas palavras de João Esteves (p. 12) – “As primeiras deputadas portuguesas– que praticamente inaugura o extenso acervo bibliográfico da autora sobre a temática da participação das mulheres na vida política durante a ditadura do Estado Novo.

A professora e médica Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho, a advogada Maria Cândida Bragança Parreira e a docente Maria Baptista dos Santos Guardiola foram as primeiras deputadas à Assembleia Nacional, na sequência das eleições de 16 de dezembro de 1934 e integrando o único partido do regime de António de Oliveira Salazar (1889­‑1970). Por outro lado, a comerciante e industrial Clemência Dupin de Seabra e Maria José de Abreu do Couto de Amorim Novais, proprietária, foram nomeadas procuradoras à Câmara Corporativa.

Em diversos textos e entradas em três Dicionários – Dicionário Biográfico Parlamentar (1935 – 1974) [2004­‑2005], Dicionário no Feminino (séculos XIX­‑XX) [2005] e Feminae – Dicionário Contemporâneo[2013] – Maria Reynolds de Souza desvenda o percurso, tanto público – académico, profissional, político e de intervenção cívica – como pessoal e familiar destas mulheres e de muitas outras que desempenharam um papel ativo e político durante a ditadura salazarista. Esta investigadora dá a conhecer as suas principais intervenções e querelas, bem como as temáticas centrais pelas quais mais se debateram no cenário político da altura, desocultando o seu protagonismo e principais contributos.

Para além de toda a investigação desenvolvida sobre as mulheres eleitas, Maria Reynolds de Souza estudou igualmente o sufrágio feminino, publicando, em 2006, A concessão do voto às portuguesas – breve apontamento, dando conta dos “avanços e retrocessos” deste “árduo, moroso e intrincado processo” (Esteves, p. 33) desde 1822, altura em que, pela primeira vez, é solicitado o voto para as mulheres pelo deputado Domingo Borges de Barros nas Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes de Portugal (p. 33). Só em 1976, com a promulgação da nova Constituição da República Portuguesa, são reconhecidos iguais direitos políticos a mulheres e a homens.

A seguir ao texto de João Esteves, esta obra contempla um conjunto de testemunhos de colegas e amigas de Maria Reynolds de Souza que tiveram o privilégio de se cruzar e de trabalhar com a sua individualidade, tais como Ana Vicente, Dina Canço, Fátima Duarte, Isabel de Castro, Leonor Beleza, Maria do Céu Cunha Rêgo, Maria Regina Tavares da Silva, Teresa Alvarez, Teresa Pinto e Zília Osório de Castro. Estes testemunhos dão­‑nos conta das inúmeras qualidades e competências de Maria Reynolds de Souza, “Zinha” para os/as mais próximos/as, bem como do seu entusiasmo, convicção e dedicação à promoção dos Estudos sobre as Mulheres em Portugal.

Este opúsculo é, assim, um exemplo de que as mulheres que dedicaram grande parte da sua vida à árdua tarefa de não deixar cair em esquecimento os percursos e as vozes no feminino, merecem elas próprias o reconhecimento e a visibilidade por terem contribuído para uma História mais completa e verdadeira e para uma sociedade mais justa e solidária, como é o caso de Maria Reynolds de Souza.