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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versão impressa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.34 Lisboa  2015

 

PIONEIRAS

Joana Marques Vidal

 

 

Maria José Remédios e Rita Mira

Maria Joana Raposo Marques Vidal nasceu em Coimbra, a 31 de Dezembro de 1955. Com um notável percurso pautado por valores inabaláveis de defesa da dignidade humana e de promoção da justiça social, Joana Marques Vidal - Joaninha para as pessoas mais próximas - é a primeira mulher a liderar a Procuradoria-Geral da República Portuguesa.

Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em 1978 fez formação complementar à sua licenciatura, na área do Direito da Família frequentando o 1.º Curso de Pós-Graduação de Protecção de Menores. No exercício da Magistratura foi a primeira Presidente da Comissão de Protecção de Menores da Comarca de Cascais. Foi ainda, Procuradora da República Coordenadora do Ministério Público do Tribunal de Família e Menores de Lisboa de 1994 a 2002.

Foi Directora-adjunta do Centro de Estudos Judiciários, tendotambém no CEJ, exercido funções de docente na área de Família e Menores no Centro de Estudos Judiciários, durante três anos. Participou em diversas Comissões Legislativas no âmbito do Direito da Família e dos Menores destacando-se a participação como membro da Comissão Legislativa para a redacção da Lei Tutelar Educativa e como membro da comissão que procedeu às alterações de 2003 da Legislação da Adopção.

Em Novembro de 2004, é nomeada auditora jurídica junto do Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores e representante do Ministério Público na Secção Regional dos Açores do Tribunal de Contas tendocom autorização do Conselho Superior do Ministério Público assegurado a coordenação do Ministério Público na área de Família e Menores naquela região autónoma.

Foi ainda, Vice-Presidente da Direcção da Associação Portuguesa para o Direito dos Menores e da Família - Crescer Ser - e a primeira mulher presidente da Direcção da APAV, de 2007 a 2012.

No domínio sindical foi Secretária-Geral do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público tendo também presidido à Assembleia Geral e ao Conselho Fiscal do SMMP.

O pioneirismo é desta forma um traço marcante do seu percurso de vida.

 

1 . Sabemos que era chamada de Joaninha nos tempos de escola primária em Moimenta da Beira. Que recordações possui desse tempo?

Sendo filha de magistrado tive oportunidade de viver em diversas localidades do País,o que determinou que a minha infância e juventude, bem como o meu percurso escolar, tivessem decorrido por terras da Beira Alta, frequentado, sempre, escolas públicas.

 

2. Na sua infância e/ou juventude há algum ou alguns acontecimentos que influenciaram a escolha da área do Direito?

A opção pelo curso de Direito surgiu como natural para quem claramente preferia as letras às "ciências" e considerava não ter vocação para o ensino numa época em que as saídas profissionais, tradicionais, eram limitadas.

Se as circunstâncias de então se assemelhassem às de hoje provavelmente, teria seguido a área das ciências sociais.

 

3. O percurso académico e profissional do seu pai terá tido influência na sua escolha pelo Curso de Direito e/ou pela escolha da Magistratura? Caso não tenha tido qualquer influência por que escolheu fazer uma carreira profissional na Magistratura?

Nunca houve qualquer tentativa de influência familiar ainda que o mundo dos tribunais, como é claro, fizesse parte do nosso quotidiano, não constituindo pois algo de estranho ou de assustador. Pelo contráriofoi-se construindo a ideia de que, "por aí", alguma justiça se poderia alcançar.

 

4. O que mais recorda dos tempos da licenciatura? Quando entrou na Faculdade de Direito de Lisboa ainda vigorava o regime do Estado Novo de que forma sentiu a ditadura enquanto rapariga/mulher estudante?

A Faculdade de Direito de Lisboa, especialmente pelas circunstâncias da época aí vivida - entre Outubro de 1973 e Julho de 1978 -foi uma verdadeira Escola de Vida.

Acentuou-se, uma visão do mundo respeitadora da diversidade, da diferença de opinião, do debate de ideias e do diálogo, que ao longo dos anos se tinha desenvolvido na continuada vivência em comum

e no contacto com as mais distintas pessoas e classes sociais. E uma recusa intransigente de modelos ditatoriais e autoritários.

 

5. Numa análise do seu percurso de vida, não se podendo ignorar que assumiu a presidência da APAV transparece uma atenção especial à área da Família das Mulherese das Crianças. Como interpreta este enfoque?

A dignidade humana, os direitos das pessoas, principalmente na perspectiva da sua efectiva aplicação, estiveram sempre presentes no núcleo central das minhas preocupações constituindo-se como o factor determinante das minhas opções e intervenções cívicas com manifesta influência no meu percurso profissional.

Foram assim muito gratificantes todas as experiências de participação cívica que fui desenvolvendo em diversas associações designadamente a de presidente da APAV ainda que estas funções só tenham significado enquanto parte de um continuado trabalho de equipa.

 

6. Tem uma história pessoal profissional e cívica que a liga ao apoio às vítimas em Portugal. Como é que este activismo se reflecte ou se pode reflectirna sua função de Procuradora-Geral da República?

 

O núcleo essencial de referências de que falei, mantém-se sempre presente também nas funções que ora desempenho.

Tanto mais que ao Ministério Público enquanto magistratura de iniciativa, à Procuradoria-Geral da República, estão constitucionalmente atribuídas especiais competências e deveres de promoção dos direitos fundamentais dos mais vulneráveisde defesa da legalidade democrática e de promoção da igualdade do cidadão perante a lei.

 

7. A mulher no caso português só acedeu à Magistratura depois de 1974. Mas, hoje, algumas vozes afirmam que a profissão está feminizada. Contudo foram necessárias quatro décadas para o lugar de Procurador/a-Geral da República ser entregue a uma mulher. A nomeação duma mulher para ocupar um dos cargos mais elevados na organização do Estado tem/pode ter alguma leitura especial?

Ser mulher faz parte de mim da pessoa que sou e tem, necessariamente, reflexo no que faço. Mas não sei até que ponto esse facto será por si só, determinante. Penso que um homem com as mesmas referências e interesses poderia ter um percurso idêntico.

Existem diversos estudos de investigação científica sobre a influência do género nas decisões dos tribunais. Por exemplo quanto ao crime de violência doméstica e de abuso sexual. E as conclusões não se têm revelado conclusivas.

Enfim esse é um debate em aberto a exigir uma continuada e aprofundada reflexão.

Efectivamente actualmente a maioria dos magistrados do Ministério público são mulheres. São cerca de 60%.

A nomeação para PGR no entantoestará principalmente relacionada com a evolução da própria sociedade portuguesa. Tanto mais que o cargo de PGR, nos termos da nossa Constituição poderá ser assumido por qualquer cidadão ou cidadã não sendo requisito sequera respectiva formação jurídica.

 

8. Ao longo do seu percurso profissional e pessoal sentiu algumas dificuldades/obstáculos pelo facto de ser mulher?

No meu percurso profissional não me recordo de sentir dificuldades pelo facto de ser mulher.

Mas no meio profissional a que pertenço, já fui confrontada com opiniões sobre magistradas eivadas de condescendência e considerações discriminatórias que raramente se utilizam quanto aos homens. A gravidez das magistradas ainda é referenciada (cada vez mais raramente é certo)como um problema pessoal prejudicial para o serviço.

E por esse mundo fora infelizmente a situação das mulheres fala por si.