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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versión impresa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.34 Lisboa  2015

 

ESTADO DA QUESTÃO

 

 

Obra Social das Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor (OSIOR)

Desde 1864 com o compromisso solidário com a mulher em contexto de prostituição

Pura Gonzalez1 e Helena Fidalgo2

1Irmã Oblata e técnica de rua da Obra Social das Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor.

2Diretora técnica dos projetos desenvolvidos na Obra Social das Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor.

 

Introdução

A Obra Social das Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor (OSIOR) é uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) que desenvolve trabalho em Portugal há 28 anos e pertence à Congregação de Hermanas Oblatas del Santíssimo Redentor. Para uma melhor compreensão do trabalho desenvolvido, serão apresentadas algumas definições. Numa primeira parte, será apresentado um breve contexto histórico para facilitar a compreensão do nascimento da Congregação; numa segunda parte, será contextualizado o trabalho desenvolvido em Portugal pela OSIOR através dos seus projetos sociais e ainda, numa terceira parte, serão abordados alguns pontos para reflexão.

Para entendermos o fenómeno da exploração sexual (prostituição e tráfico de seres humanos), é necessário perceber as causas estruturais que acompanham o fenómeno, desde as desigualdades económicas e de género. A sociedade em geral condena, sem saber e sem conhecer, quem são as mulheres e como é a vida de uma mulher prostituída. Nos dias de hoje, a prostituição surge em diferentes contextos e com diferentes atores, estando associada ao tráfico de seres humanos, exploração sexual e laboral, ao crime organizado, por sua vez, à imigração ilegal, sempre associados ao estigma e exclusão dos direitos humanos.

A prostituição existe em todas as classes sociais, embora com visibilidade e características diferentes. Quando se aborda a prostituição de rua podemos refletir sobre o conceito de pobreza, que pode ser um facto que poderá influenciar a sua prática, mas pode não ser a única e exclusiva condição (Santos, 2005). A prostituição pode ser definida como a realização de práticas sexuais com vários indivíduos mediante remuneração, sejam através de relações homossexuais ou heterossexuais. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é uma atividade em que uma pessoa troca serviços sexuais por dinheiro ou outro bem.

Atualmente, quando nos referimos às pessoas que exercem a prostituição, são utilizados diferentes designações: prostituta, trabalhadoras sexuais, mulher prostituída, o que de certa forma contribuem para uma confusão que dificulta entender o fenómeno. Nos finais do século XX, surgiu a designação de trabalho sexual, que segundo Oliveira (2011) implica que se considere tratar­‑se de uma atividade de prestação de serviços sexuais. O que implica a defesa da profissionalização destas atividades sem estigma, exercida por mulheres, homens e transexuais. O trabalho sexual relaciona­‑se com serviços, desempenhos ou produtos comerciais (prostituição, pornografia, striptease, danças eróticas, chamadas eróticas). A transação de serviços sexuais tem que ser entre adultos e consentida, pois nas situações em que não há consentimento trata­‑se de violência, abuso, escravatura sexual. Nos casos em que envolvem crianças, configura­‑se situação de abuso sexual de menores.

Em relação ao tráfico de seres humanos com fins de exploração sexual, consiste em praticar uma ação através de uns determinados meios, em que a finalidade é a exploração. Para ser mais compreensível, podemos dizer que a ação consiste em captar, transportar e receber pessoas. Os meios utilizados são a ameaça, o uso da força, o rapto, o engano, o abuso de poder perante alguma situação de vulnerabilidade em que através de trocas monetárias, numa determinada altura do processo são facilitadas as viagens. E a finalidade é sempre a exploração, que pode ser em alguns casos trabalhos forçados (situação que ocorre principalmente nos homens), escravidão e também exploração sexual (Pozo, 2014).

Segundo Perramon (2012), a prostituição é uma atividade e o tráfico consiste numa série de situações que podem ocorrer durante os processos migratórios e na atividade final a realizar. Podemos afirmar que uma mulher que exerce prostituição pode ser vítima de tráfico, como estratégia económica depois de um processo migratório ilegal.

É claro que é muito difícil definir as fronteiras destas realidades, porque podem existir isoladamente, coexistir, ou, em algumas situações, podem ser modificadas ao longo do tempo.

 

Contexto Histórico – Madrid de 1860

A história do século XIX foi muito complexa e a análise apresentada irá centrar­‑se na situação da mulher prostituta na segunda metade do século XIX. A prostituição em Espanha, nos finais do século XIX, apresentava características muito particulares devido à crise económica e à explosão demográfica que se vivia no país. A força da burguesia fez com que existisse um desenvolvimento da prostituição. As transformações económicas mobilizaram a mulher e parecem transformar o seu papel na sociedade, mas na verdade, não são abertos novos caminhos, pelo contrário, os problemas são agravados.

Nestas circunstâncias, a prostituição converte­‑se muitas vezes no último e, por vezes, único recurso a que, ocasionalmente, recorriam muitas mulheres desenraizadas para poderem sobreviver. Eram mulheres sem família, sem referências masculinas positivas, que chegaram a esta situação por terem enviuvado, terem sido violadas ou por se encontrarem numa situação de miséria. Esta situação acontecia principalmente nas grandes cidades, como Madrid, que entre 1860 e 1878 sofreu um importante crescimento demográfico, devido aos constantes fluxos de imigrantes, que chegavam à capital à procura de trabalho.

Na segunda metade do século XIX generalizou­‑se a regulamentação da prostituição através de regulamentos locais que expressavam a violação dos direitos humanos e a dignidade das prostitutas e de todas as mulheres. As prostitutas estavam obrigadas a realizar exames ginecológicos, fazia­‑se um registo administrativo das mesmas e existiam grandes restrições à sua liberdade e uma constante estigmatização.

Esta regulamentação gerou uma visão paradoxal da prostituta: se por um lado se considerava que era uma situação degradante para a mulher, por outro, socialmente era reconhecida a sua utilidade. De forma hipócrita, era vista como uma mal a evitar, mas necessário ao mesmo tempo. Nesta época, a regulamentação apenas tinha como preocupação evitar o contágio de doenças, as mulheres eram consideradas as únicas responsáveis da situação e não era considerada uma problemática social e pessoal complexa. As mulheres eram consideradas veículos de transmissão de sífilis e, por isso, consideradas um grande demónio social. (Oblatas, 2012).

O Estado e a Igreja aceitaram a existência das prostitutas, na medida em que as marginalizaram e estigmatizaram, designando­‑as de pecadoras. Por outro lado, a sociedade da época designou­‑as com inúmeros epítetos: mulher da vida, rameira, perdida, puta, sendo todos estes adjetivos pejorativos.

Esta foi a realidade com a qual se confrontaram os fundadores da OSIOR e que deu origem à sua decidida e corajosa resposta. Duas pessoas socialmente muito distantes de todo o mundo da prostituição, José Maria Benito Serra e Antónia Maria de Oviedo y Schönthal, ambos se deixaram afetar evangelicamente pela situação que vivia a mulher e decidiram entregar a sua vida a esta causa3. E assim, na primavera de 1864, nasce a primeira casa de acolhimento em Ciempozuelos, uma vila perto de Madrid.

José Maria Benito Serra, monge, missionário e bispo teve uma infância difícil e pobre. Ficou órfão aos 11 anos e, aos 16 anos, entrou para a Ordem de São Bento. Nas visitas que realizava ao Hospital São João de Deus presenciava o sofrimento das mulheres feridas no corpo e na alma. A realidade daquelas mulheres que, estando doentes, eram mantidas nas caves do hospital e, quando curadas, não tinham para onde ir e nem uma opção de trabalho fora da prostituição, uma vez que as suas famílias não as aceitavam de volta e ninguém queria dar­‑lhes emprego, novamente sensibilizou o coração do padre Serra, levando­‑o a afirmar: “É muito doloroso o que tenho presenciado para ficar tranquilo, sem fazer alguma coisa por elas” (Serra, 1864). José Benito Serra era um lutador idealista e, simultaneamente, um homem atento.

Antónia Maria de Oviedo y Schönthal nasceu na Suíça em 1822, filha de pai espanhol e de mãe suíça, foi educada com uma pedagogia pouco usual para as mulheres do seu tempo. Em 1848, vai para Espanha e, devido à sua inteligência e formação, fica responsável pela educação das filhas da rainha de Espanha, Maria Cristina de Borbón. Dominava cinco idiomas e tinha uma grande sensibilidade para as artes, a literatura, música e pintura. Foi convidada pelo padre Serra e entrega a sua vida a esta missão. Em 1870, é fundada a Congregação de Hermanas Oblatas del Santísimo Redentor com a missão de criar espaços de Vida e de Humanização para estas mulheres.

Hoje, as Irmãs Oblatas estão presentes em 15 países: Angola, Argentina, Brasil, Colômbia, Espanha, Estados Unidos da América, Filipinas, Guatemala, Itália, México, Porto Rico, Portugal, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. Em todos estes países, as Irmãs Oblatas estão atentas ao contexto global para situar a missão num mundo em constante mudança, onde os sistemas políticos, económicos e sociais geram estruturas injustas, que criam uma maioria excluída, marginalizada, com falta de direitos e que vivem situações de desumanização progressiva.

Nos dias de hoje, continua a observar­‑se que o perpetuar da pobreza e dos fenómenos migratórios têm uma grande incidência nas mulheres em situação de prostituição e de tráfico. Sendo esta a realidade, as Irmãs Oblatas têm como objetivos: compreender a missão através de uma perspetiva global; impulsionar uma dinâmica de discernimento contínuo sobre os diferentes projetos e locais onde estão e onde é urgente a missão que com agilidade e flexibilidade nas respostas, as levem a ter uma postura e disponibilidade profética; avançar num caminho partilhado com o laicado e com as mulheres em relações de igualdade; participar nos espaços e nas redes solidárias com outras pessoas e instituições; conhecer, respeitar e acolher os valores das culturas onde estão presentes, e oferecer alternativas humanizadoras, trabalhando estrategicamente nas causas que geram o fenómeno da prostituição.

 

A Missão

Em todos os países, a missão consiste na promoção, humanização e evangelização das mulheres. A missão dos projetos sociais desenvolve­‑se em duas vertentes, que se complementam. Por um lado, pretende­‑se favorecer o desenvolvimento integral e a autonomia das mulheres que vivem em situações de exclusão e de injustiça, contribuindo assim para a realização pessoal e integração social e laboral, e por outro lado, apostar na sensibilização e transformação social, denunciando as situações de injustiça social que afetam as mulheres. (Oblatas, 2013)

 

O Carisma

As Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor vivem o seguimento a Jesus, em comunidade dentro da Igreja e participam num carisma que as sensibiliza para partilhar a boa notícia do reino, em situações de prostituição e exclusão. A congregação, a partir do Evangelho, compromete­‑se em fazer justiça. Este carisma é partilhado pelas diferentes pessoas que fazem parte dos projetos sociais, inspirados, por sua vez, no marco comum que identifica a família oblata (Oblatas, 2013).

 

Valores na Intervenção Social

Os valores presentes em toda a intervenção consistem no reconhecimento do outro como pessoa, com plena dignidade, direitos e possibilidades. A presença de um acolhimento autêntico, próximo e constante, criando espaços de familiaridade, afeto e alegria; o respeito pela pessoa e pelos processos de crescimento e de mudança, aceitando e integrando a diversidade. A especial sensibilidade face às realidades de vulnerabilidade dos direitos das mulheres e o desejo de igualdade e de justiça social converte­‑se num compromisso solidário e responsável, implicando­‑se desde uma perspetiva de género. No fundo, acreditar firmemente na mulher mantendo a esperança e a confiança. Toda a intervenção social deve ser um espaço social visível, no qual as pessoas excluídas possam voltar a ser alguém, e que com outros, possam construir algo.

Assim, os projetos sociais são espaços de referência para a mulher, onde é favorecida a consolidação das suas potencialidades e o crescimento pessoal. São ambientes de reflexão onde a experiência se converte no motor de mudança social. Os critérios de atuação consistem em trabalhar a partir da realidade concreta em que se insere a mulher e o projeto, para contextualizar as intervenções. A abertura, a empatia e a escuta ativa sustentam a relação particular com as mulheres que participam nos projetos, o que permite adotar critérios de atuação baseados na flexibilidade. O ritmo de cada mulher é respeitado, porque a mulher é a verdadeira protagonista do seu processo e da tomada de decisões. É realizado o acompanhamento dos processos de crescimento e de autonomia, gerando vínculos relacionais que favorecem um serviço de qualidade, interdisciplinar, com participação ativa do voluntariado.

 

A presença Oblata do Santíssimo Redentor em Lisboa

Em Novembro de 1987, chegam a Lisboa as três primeiras Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor, que após um diagnóstico no terreno, consideraram que o Intendente era a zona mais pertinente para a sua intervenção, visto ser a zona em que a situação das mulheres era a mais degradada. Esta vinda para Portugal esteve na sequência do desafio realizado pelo Cardeal D. António Ribeiro às congregações religiosas em Portugal, em que demonstrava a sua preocupação com a situação das mulheres que recorriam à prostituição em várias zonas de Lisboa: Bairro Alto, Intendente e Cais do Sodré. No imediato, não houve nenhuma congregação portuguesa a responder a este desafio, mas por intermédio da Congregação do Santíssimo Redentor de Vila Nova de Gaia, este repto foi lançado à Congregação de Hermanas Oblatas do Santíssimo Redentor, com sede em Espanha, pelo facto de a sua missão ter como enfoque o apoio às mulheres de rua.

Nos primeiros tempos, a intervenção das Irmãs consistiu em apoiar as mulheres de forma a garantir as necessidades básicas (higiene, alimentação). Hoje em dia, a OSIOR atua na grande área de Lisboa e tem como objetivo o desenvolvimento de um processo de acompanhamento integral da mulher em contexto de prostituição de rua ou vítima de tráfico com fins de exploração sexual. Ao longo deste processo, visa­‑se promover a autonomia das mulheres, expandindo as alternativas possíveis nas suas vidas, sendo estas as protagonistas. Todo este acompanhamento é feito em parceria com as mulheres e orientado em função das necessidades e avaliações apresentadas pelas mesmas.

O Centro de Acolhimento e Orientação à Mulher, Irmãs Oblatas (CAOMIO) está situado perto do Intendente, ou seja, na mesma zona onde inicialmente foi detetada a importância de uma maior intervenção, e é o espaço físico que funciona como sede dos projetos desenvolvidos em Lisboa. Na atualidade, é desenvolvido pela OSIOR um Programa da Acompanhamento da Mulher, em que o enfoque da intervenção passa por três grandes áreas: encontro na rua (local onde estão as mulheres), acompanhamento integral (social, jurídico, psicológico, procura de emprego, legalização, etc.) e a formação (para potenciar o aumento das competências).

O local onde tudo começa é a rua. Este é um espaço de contradições, por um lado, um espaço público que é de todos e de ninguém e é também onde ficam os que estão à margem dela. No fundo acolhe quem não tem onde ficar, mas fica a céu aberto. Segundo Liberalesso (2008), “ a rua é um espaço plural, coletivo, do inesperado, as pessoas estão ali expostas, mas ninguém as vê, ignora­‑as como se fossem invisíveis […], é um mal­‑estar social, o que incomoda, os inadaptados, os desajustados, os que não têm lugar, aqueles para os quais não há resposta […], um espaço de liberdade, sem regras, sem limites, sem condições, mas onde estamos presos a não ter alternativa, a não ter escolha, saída, onde já não nos podem tirar mais nada” . Nas ruas é necessário a construção de vínculos com aqueles que são tratados à distância pela sociedade, são privados da humanidade e muitas vezes caminham invisíveis pelas ruas.

Um dos projetos fundamentais da intervenção das Irmãs Oblatas consiste em conhecer, ser uma presença constante, construir uma relação de proximidade, confiança, apoio, promoção da autonomia e bem­‑estar das mulheres, e pretende ainda diminuir os comportamentos sexuais de risco e prevenção de infeções sexualmente transmissíveis. Este Encontro na Rua, baseado na Pedagogia do Encontro, é o projeto basilar da intervenção oblata e foi uma metodologia criada pelos fundadores da Congregação. Consiste em estar com a mulher em contexto de prostituição, estabelecer uma relação de confiança com as mulheres. Esta confiança é construída através do diálogo, da valorização da história de vida de cada mulher e da importância de querer ver o ser humano que existe nela, não a vendo só como mais uma mulher em contexto de prostituição. Privilegia­‑se o estar com tempo e atenção com cada mulher, por ela ser o único e principal alvo de atenção, pelo menos no momento do encontro, a presença constante e diária e a postura adequada ao encontro­‑escuta ativa; respeito; acolhimento; empatia; vontade de informar; isenção de julgamentos.

Em relação ao projeto de acompanhamento integral, este pretende proporcionar um espaço de acolhimento e contenção, que permita à mulher um primeiro momento de encontro consigo mesma, otimizando a contemplação de uma mudança evolutiva, de acordo com o seu ritmo e com a liberdade da sua escolha. Neste acompanhamento é realizada uma abordagem sistémica – uma metodologia que conjuga conceitos de diversas áreas do conhecimento, neste caso, do serviço social, da psicologia e do direito, – e a abordagem centrada na pessoa em que é estimulado o amadurecimento emocional, a redescoberta da autoestima e da autoconfiança. No acompanhamento, são privilegiados os contactos em rede e a articulação com serviços da comunidade de diversas áreas.

Em relação aos projetos de formação, estes têm como objetivo aumentar as competências para capacitar e aumentar as ferramentas que lhes possibilitem uma maior autonomia de vida. Neste campo, existem grandes lacunas. A maior parte das mulheres não tem a escolaridade mínima obrigatória, pelo que é fundamental proporcionar a formação através de sessões de alfabetização e de competências e formações mais específicas.

Para entendermos melhor como é que se concretizam, no terreno, os projetos, apresentamos breves dados referentes ao ano de 2014. Nas quatro zonas de atuação na cidade de Lisboa, do projeto Encontro na Rua, as equipas de rua contactaram com 321 mulheres o que equivaleu a 2270 abordagens. Em acompanhamento integral estiveram 171 mulheres, o que equivaleu a 2623 acompanhamentos, das quais 18 conseguiram uma inserção laboral, sendo ainda apoiados através do Banco Alimentar 40 agregados familiares.

É importante ressalvar que a grande maioria das mulheres que são acompanhadas verbaliza que pretende deixar a rua, porque se sente insatisfeita e incompreendida pela sociedade e pela própria família. O exercício da prostituição gera importantes repercussões na maioria das mulheres, produzindo efeitos negativos que deixam sequelas psicológicas, entre os quais o stress contínuo, uma grande falta de confiança, falta de expectativas e possibilidades de realização.

 

A perspetiva de género

A análise da prostituição pode ainda ter um enfoque na perspetiva de género na medida em que esta é exercida maioritariamente por mulheres. É importante relembrar que a questão de género constrói­‑se através de recursos psicológicos e sociais que determinam os papéis e as condutas de cada sexo. A perspetiva de género visibiliza e afeta de maneira diferenciada as mulheres e os homens, aprofundando as relações de poder e de desigualdade que se produzem e posicionam as mulheres de um lado (o da oferta) e os homens, do outro (o da procura). Perante esta situação, podemos questionar­‑nos. Porque é que a maioria das pessoas destinadas à prostituição são mulheres? Porque será que os homens aceitam com normalidade que haja corpos de mulheres que sejam observados, comparados e pagos para se dispor um tempo com eles?

As diferenças biológicas entre o sexo feminino e masculino revelam a diversidade e a riqueza das pessoas, mas isso não significa que os homens sejam superiores às mulheres, nem vice­‑versa. Segundo (Pozo, 2014), a equidade de género é um princípio ético fundamental e, como tal, exige que se denunciem as situações de opressão e de exploração do sexo feminino pelo masculino, não se justificando a existência de medidas de desigualdade e de hierarquia entre os géneros.

Este fenómeno existe porque há um mercado prostitucional que procura satisfazer a procura por parte dos homens. A prostituição é uma forma de manter a atual diferença de género e todo o sistema patriarcal mantém­‑se e torna­‑se natural através da produção e reprodução do sistema.

A entrada na prostituição ocorre na maioria dos casos perante as situações de pobreza, em relação à situação de vítimas de tráfico algumas mulheres que decidem emigrar para fugir das situações complicadas do seu país de origem contactam pessoas facilitadoras para conseguirem viajar. Muitas, mesmo sabendo que vinham para a prostituição, desconheciam as condições de exploração a que seriam submetidas.

Esta questão de pagar para ter acesso a corpos de mulheres, dificulta o caminho para uma sociedade igualitária e livre de violências. Estas situações continuam a ocorrer devido a uma educação ainda bastante deficitária para uma maior sensibilização para estas questões.

 

Para refletir

A prostituição, um tema polémico e controverso, alimenta posições ideológicas, politicas e sociais muito polarizadas. Este fenómeno tem sofrido alguma evolução, acompanhando os tempos de globalização e a expansão do capitalismo em todos os setores, incluindo a indústria do sexo. Hoje em dia, a prostituição ocorre noutros contextos, utilizando as novas tecnologias, nomeadamente a internet, para divulgação dos serviços prestados. Podemos reconhecer que vivemos em sociedades complexas e, por mais que se tente, somos incapazes de romper com essa complexidade.

Quando falamos em prostituição, na maior parte das vezes, centramos a discussão num dos protagonistas, as pessoas que a realizam são na maioria mulheres e poucas as vezes descrevemos os clientes, ou seja, quem está do lado da procura. É também interessante perceber os motivos e as circunstâncias dos homens que pagam para terem serviços sexuais.

Nos últimos anos, tem vindo a existir algum debate sobre a legalização da prostituição em Portugal e não podemos esquecer­‑nos que é uma atividade estigmatizada e que influencia diariamente a vida de todas aquelas pessoas que a praticam. Assim, as situações de precaridade, de marginalidade e de exclusão social que este sistema gera e perpetua, situam as pessoas em condições de desigualdades sobre os direitos e os serviços que todos os cidadãos dispõem. É preciso ter em atenção que quando se aborda a prostituição, esta pode ser encarada como uma atividade que pode ser exercida de uma forma livre ou forçada, no entanto, o tráfico de emigrantes com fins de exploração sexual é sempre considerado um delito.

Perante todos estes fatores, o trabalho desenvolvido pela OSIOR pretende reforçar o compromisso com a mulher que exerce a prostituição e vive situações de exclusão e de injustiça trabalhando juntos pela igualdade, a integração e de forma a permitir transformação social.

Todo o conhecimento e intervenção partem de uma visão da realidade, com a qual diariamente a família oblata se confronta. É claro que esta realidade diz respeito aos rostos e às histórias de mulheres com quem contactamos diariamente. O nosso olhar faz com que estejamos inquietas, porque, apesar dos “gritos” das mulheres com pedidos de ajuda para sair da rua, é difícil deixar a rua; a justiça não valoriza a mulher que exerce a prostituição, a que muitos apontam o dedo, e não são dadas oportunidades de alternativa à rua. Continua a prevalecer o olhar sobre a atividade prostitucional e não sobre a pessoa. A sociedade esquece que os direitos humanos são uma exigência para todas as pessoas – “Julgar uma pessoa não diz nada sobre a pessoa mas diz tudo sobre quem eu sou” (autor desconhecido).

 

Referências bibliográficas

Liberalesso, R. C. B. (2008). A educação social de rua e os pressupostos educacionais freireanos. Educere et Educare revista de educação, vol. 3, nº5, pag. 117­‑123.         [ Links ]

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Serra, B. (1864). Carta de 9 de Junho a D. Francisco Dou. Biblioteca Histórica da Congregação HOSR I, 206, Madrid.         [ Links ]

 

Notas

3Como afirmaram “Se todas as portas se fecharem, eu abrir­‑lhes­‑ei uma” (Schönthal, 1864).