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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versión impresa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.34 Lisboa  2015

 

HOMENAGEM A ASSIA DJEBAR

Homenagem a Assia Djebar

Fatiha Selmane1

1Embaixadora da Argélia em Lisboa. geral@emb-argelia.pt

 

É para mim uma honra e um especial orgulho contribuir para a homenagem que a revista Faces de Eva presta a Assia Djebar, grande senhora da literatura universal contemporânea e ilustre compatriota, recentemente desaparecida.

Nascida em Cherchell, antiga Cesareia (cidade romana da costa argelina), a 4 de agosto de 1936, numa família de letrados – o seu pai era professor –, formou­‑se na Escola Normal de Bouzareah (Argel), o que era raro na época. Deve ao apoio do seu pai o privilégio de estudar.

Passou a sua infância em Mouzaiaville (região de Blida), estudou numa escola corânica e depois numa escola francesa. Prosseguiu os seus estudos no liceu de Blida, que conclui em 1953. Após ter terminado os seus estudos na Universidade de Argel, Assia Djebar foi a primeira mulher do mundo árabe e muçulmano a ser admitida na Escola Normal Superior de Sevres, estabelecimento de educação de excelência, considerada como Grande Escola.

Em 1956, Assia Djebar responde à palavra de ordem de greve da União Geral dos Estudantes Argelinos (UGEMA) e é, por conseguinte, expulsa da Escola, tendo deixado a França. Foi nesta altura que escreveu o seu primeiro romance, “La soif”, tinha então 20 anos e demonstra já um empenho nacionalista que vai marcar fortemente a sua obra.

Em 1958, foi para a Tunísia, onde colabora activamente com o “El Moudjahid”, jornal do “Front de Libération Nationale” (movimento de libertação nacional), onde publica uma série de textos­‑documentos sobre os refugiados argelinos na fronteira argelo­‑tunisina. Este trabalho irá inspirar o seu romance “Les Alouettes Naïves”.

Depois de ter obtido o seu doutoramento em História, Assia Djebar ensina esta matéria na Universidade de Rabat, em Marrocos, e após a in­dependência da Argélia, em 1962, na Universidade de Argel.

Assia Djebar colaborou com inúmeras emissões literárias na imprensa e na rádio argelinas.

Assia Djebar guardou da sua infância uma ligação à língua árabe, que aprendeu na escola corânica. A escola francesa tinha­‑a privado da sua língua materna, e assim, decidiu, com 40 anos, estudar esta língua.

Assia Djebar revelou­‑se particularmente activa entre a sua profissão de professora, os seus estudos árabes e a escrita. Ela dedica­‑se também ao teatro e ao cinema, tendo sido distinguida, em 1979, com o Prémio da Crítica Internacional do Festival de Cinema de Veneza pelo seu filme “La Nouba des Femmes du Mont Chenoua”.

Obteve o seu doutoramento em Letras pela Universidade Paul Valéry de Montpellier 3. Em 1995, torna­‑se Doutora Honoris Causa pela Universidade de Viena. De 1997 a 2001, é professora na Louisiana State University, de Bâton Rouge, tendo partido para Nova York em 2002, onde é nomeada Silver Chair Professor.

Assia Djebar foi ainda distinguida com diversos prémios literários prestigiosos dos quais destacarei só alguns, tão inúmeros que são:

Bélgica; Prix Maeterlink (1995);

Estados Unidos: International Literary Neustadt Prize (1996);

Itália: Prémio Internacional de Palmi (1998);

Alemanha: Prémio da Paz dos Editores Alemães (2000).

O seu rico percurso foi coroado com a sua eleição para a Academia Francesa, em 2005. Foi várias vezes proposta para o Prémio Nobel da Literatura.

A sua obra foi traduzida em cerca de 30 línguas.

Em Portugal, foi publicada uma das suas obras, em 2008, “A mulher sem sepultura – uma heroína esquecida pela história”, pela editora Temas e Debates. Este romance retrata a vida de uma combatente argelina.

Sem pretender ser uma especialista da obra de Assia Djebar, penso ser importante sublinhar três temas essenciais que a atravessam:

1) A violência da colonização francesa e o seu impacto na sociedade argelina;

2) A condição feminina durante a colonização e o lugar que a mulher ocupa na sociedade argelina;

3) O problema da língua de uma escritora francófona e a questão da aculturação imposta pelo colonialismo.

 

1. A violência da colonização na Argélia

A violência da colonização da Argélia e o empenho nacionalista da autora estão muito presentes na obra literária de Assia Djebar. Por um lado, sendo historiadora, não poderia ser de outra maneira; por outro lado, Assia Djebar foi uma testemunha viva desta colonização.

Em L'Amour, la Fantasia, ela descreve o confronto dos argelinos e dos franceses desde a conquista da Argélia em 1830 até à independência, baseando­‑se em arquivos históricos.

Neste romance, Assia Djebar sublinha o papel das mulheres face ao invasor francês e como a autora toma consciência dos valores humanos e civilizacionais característicos dos argelinos. Ela reapropria­‑se da sua história com as outras mulheres argelinas e revela a realidade da Pátria. Assia Djebar endossa o sofrimento dos mártires argelinos e integra­‑o na sua própria história.

Duas das suas obras traçam a resistência à colonização francesa do ponto de vista das mulheres: Les Enfants du Nouveau Monde (1962), que representa um grande fresco sobre a guerra da Argélia e Les Alouettes Naïves (1967), que relata o papel significativo da mulher argelina durante a luta de libertação.

Na sua intervenção na Academia Francesa, Assia Djebar fez questão de recordar e testemunhar os terrores da colonização: “O colonialismo vivido dia a dia pelos nossos antepassados, durante pelo menos quatro gerações, foi uma imensa ferida! Uma ferida cuja memória foi reaberta recentemente por alguns, com muita ligeireza e por cálculo eleitoralista insignificante.”

Fazia alusão à lei de 23 de fevereiro de 2005 sobre o papel positivo da colonização francesa no Norte de África. Esta lei foi revogada no segui­mento de inúmeros protestos na Argélia e nas antigas colónias francesas.

 

2. A condição da mulher argelina durante a colonização francesa e o lugar que a mulher ocupa na sociedade argelina

Toda a obra de Assia Djebar reflete a luta do seu povo e o empenho das mulheres argelinas do qual ela foi uma porta­‑voz. Quer seja nos seus romances, nas suas produções filmadas ou no teatro, as vozes femininas estão omnipresentes: Femmes d'Alger dans leurs Appartements, Loin de Médine, La Femme sans Sépulture…

 

“La Nouba des femmes du Mont Chenoua” é um filme marcado pelo silêncio das mulheres que Assia Djebar rompeu, interrogando­‑as e fazendo­‑as falar. Ela escreveu em L'Ombre de ma Mère: “eu sonho por elas, rememoro­‑me nelas”.

 

O mérito de Assia Djebar foi de contribuir activamente para a promo­ção da mulher argelina ao mostrar que só a educação pode voltar a dar à mulher o lugar que lhe pertence na sociedade. A mulher argelina desem­penhou um papel na preservação da identidade do povo argelino. Os seus direitos foram devidamente reconhecidos após a independência do país.

 

3. O problema da língua numa escritora francófona e a aculturação decorrente da colonização

A questão da relação da autora com a língua francesa é igualmente recorrente na sua obra. Com efeito, a escritora exprime o dilema que sente quanto à sua língua de origem e à língua na qual escreve: o francês que é “a língua do Outro” e não a sua língua materna.

Numa das suas entrevistas, Assia Djebar conta que no liceu expressou o desejo de aprender árabe e que lhe responderam que o liceu não iria recrutar um professor de árabe só para ela, que era a única estudante ar­gelina do estabelecimento escolar.

Assia Djebar considera que a língua francesa não lhe permite expres­sar as suas emoções, os seus afetos, que continuam ligados à língua materna. A língua que utiliza pressupõe distância em relação a ela própria, às suas raízes. Esta dimensão é particularmente sentida, segunda a escritora, quando ela pretende falar da sua intimidade, expressar os seus sen­timentos amorosos.

Para além do sentimento pessoal de Assia Djebar, há também o confronto histórico: o francês é a língua do ocupante, do opressor. No seu discurso na Academia Francesa, em 2005, Assia Djebar declarou: “O Norte de África, do tempo do império francês, como o resto de África por parte dos seus colonizadores ingleses, portugueses e belgas – sofreram durante século e meio, espoliação das suas riquezas naturais, desestruturação das bases sociais, e, na Argélia, exclusão no ensino das suas duas línguas maternas identitárias, o berbere secular e a língua árabe, cuja qualidade poética só podia então ser compreendida através dos versos corânicos tão queridos”.

Assia Djebar expressou da melhor maneira este dilema que partilha com outros escritores argelinos de língua francesa.

 

Conclusão

No momento de concluir, é uma homenagem merecida que queria prestar a esta personalidade de exceção que é Assia Djebar. Esta escritora de talento foi reconhecida e premiada em múltiplas regiões do mundo, devido à universalidade da sua obra.

Assia Djebar deixa às novas gerações de argelinos uma herança que devem preservar e dar a conhecer. Desejamos que toda a sua obra seja traduzida para árabe para estar ao alcance de muitos, na Argélia.

Com efeito, após a independência, a Argélia empenhou­‑se em recuperar a sua identidade e a sua cultura, o árabe e o berbere são línguas nacionais, no entanto, o francês continua a ter presença na Argélia.

Assia Djebar foi a brilhante representante, a testemunha de uma época histórica importante para a nação argelina. Ela levou a língua francesa a um nível de excelência, confirmado pela Academia Francesa. Ela deu a conhecer a Argélia em todas as latitudes e contribuiu para promover a emancipação da mulher argelina. É preciso reconhecer que os esforços desenvolvidos após a independência na educação, deram os seus frutos.

A instrução é, desde 1962, generalizada e gratuita para todos, raparigas e rapazes, e a condição da mulher argelina teve avanços notáveis que posso qualificar de mutação em relação à que foi descrita por Assia Djebar.

Esta evolução da condição feminina e o reconhecimento do papel da mulher na nossa sociedade é a melhor homenagem que podemos prestar àquela que foi um brilhante modelo de mulher argelina.