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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versión impresa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.33 Lisboa  2015

 

DIÁLOGOS

Mulheres e política

Paulo Guinote

 

No sentido de procurar encontrar tanto os elementos comuns como os traços de diferença da experiência da vida política no feminino, convidaram­‑se duas deputadas de forças políticas bem diversas (Heloísa Apolónia1, do Partido Ecologista “Os Verdes” e Teresa Anjinho2, do Centro Democrático e Social – Partido Popular) para nos transmitirem o seu testemunho, com base num pequeno guião de temas/questões.

Como se poderá constatar em diversas passagens dos depoimentos, é muito mais o que o feminino une do que o que as ideologias separam.

 

Qual foi a motivação para entrar na vida política e a reacção familiar perante tal opção?

Heloísa Apolónia

A minha primeira experiência de intervenção política coletiva (não partidária) foi na Associação de Estudantes da Escola Secundária da Baixa da Banheira, onde tive uma primeira compreensão prática da lógica de uma campanha e de um ato eleitoral (ali à dimensão da comunidade escolar) e, sobretudo, do exercício de um mandato com um público muito exigente no cumprimento dos compromissos assumidos. Talvez se possa dizer que essa experiência me agarrou à intervenção coletiva, porque depois fui também colaboradora na área cultural da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa e, entre essas experiências, aderi ao Partido Ecologista Os Verdes. Encontrei um dia, na Baixa de Lisboa, o PEV numa ação de rua (uma encenação alusiva ao nuclear) e parei para ver. Parei, conversei, troquei contactos, fui conhecendo o projeto… e poucos meses depois aderia ao PEV, cada vez mais convicta que aquele era o partido onde os meus valores se encaixavam na perfeição. O gosto pela participação coletiva e, fundamentalmente, o encontro com o projeto ecologista foram a minha motivação para me dedicar à política. A reação familiar foi sempre, como para tantas outras dimensões da vida, de grande respeito, compreensão e apoio.

 

Teresa Anjinho

Entrei na vida política activa, em 2011, ao ser eleita para a Comissão Política Nacional do CDS. Quando o convite me foi formulado, considerei que seria uma forma interessante de aproveitar e integrar o meu percurso profissional, muito ligado à área pública, mais concretamente ao direito e aos direitos humanos. Estava assim perante uma oportunidade única de cumprir com o que considero ser um importante papel no quadro dos deveres de cidadania. Resumidamente, posso dizer que entrei para a política e hoje sou deputada, em primeiro lugar, porque sempre valorizei – como aliás já o referi – o exercício da política, enquanto exercício de cidadania. Relembro que nos encontrávamos numa situação de emergência nacional, pelo que foi também em nome destes valores que, com sentido de missão, aceitei integrar as listas de candidatos a deputados. Em segundo lugar, pessoal e academicamente, sempre defendi a importância das mulheres na política, que passa, como é lógico, por aumentar o seu envolvimento em lugares de decisão como a Assembleia da República. Não poderei dizer que foi uma decisão imediata, mas, uma vez tomada, foi uma decisão consciente. Por fim, o alheamento da vida política, muito reflectido nos níveis de abstenção, é algo que sempre me preocupou, associado, a maior parte das vezes, a uma ideia negativa da política e dos seus executores. A meu ver, o sistema partidário não tem culpa de que os homens e as mulheres que o enformam e executam, não o façam sempre com isenção e competência, porquanto não se devem identificar estes e estas com aquele. Critica­‑se muito e atribuem­‑se culpas a um sem número de culpados. Uma coisa parece­‑me certa, a política por si, isoladamente, não pode resolver os grandes problemas e é um erro gravíssimo tudo esperar da sua evolução. Assumo que a solução está em cada um de nós e no nosso trabalho, nos mais variados níveis da sociedade. Um estado – no sentido lato do termo – é tanto mais forte quanto mais forte for a sociedade civil e esta sociedade civil é tanto mais forte quanto mais forte for o seu nível/grau de participação politica/cívica. Foi com este espírito que aceitei o convite e continua a ser com este espírito que exerço o meu mandato. A minha família, ciente não apenas das minhas convicções, como também da importância da participação pública, sempre me apoiou.

 

Experimentou dificuldades particulares ao longo da sua carreira política, dentro e fora do Parlamento? Em caso afirmativo, quais foram?

Teresa Anjinho

Talvez a maior dificuldade que tenha experimentado advém de uma certa imprevisibilidade que caracteriza a agenda de um político e que, por isso mesmo, dificulta a conciliação com a vida pessoal e familiar.

 

Heloísa Apolónia

Não considero que tenha ingressado numa carreira política, mas sim num projeto partidário para o qual dou o meu contributo das mais diversas formas. Quando trabalhamos em dimensão coletiva, todas as dificuldades se tornam mais fáceis de ultrapassar, porque a solidariedade e o contributo de cada ‘Verde' é uma força para cada membro desse coletivo. Na Assembleia da República, a maior dificuldade que senti foi quando fui mãe. A verdade é que o Parlamento está desenhado, na sua forma de funcionamento, para os «100% disponíveis», e quando se é mãe não existe 100% de disponibilidade, porque os infantários têm hora para fechar, mas as reuniões parlamentares não têm hora para acabar, porque as crianças ficam doentes, mas as exigências do trabalho parlamentar, ainda para mais num grupo parlamentar constituído por dois deputados, não se compadece com assistências familiares. Quando nem eu nem o pai, por mais ‘ginástica' que fizéssemos, conseguíamos articular agendas com as necessidades das crianças, o gabinete parlamentar do PEV acolhia os meus filhos (e foram muitas as vezes) para que eu pudesse estar presente em reuniões parlamentares e em votações necessárias… era aquela solidariedade sempre presente, de que falava há pouco. A minha experiência particular foi um contributo importante para que as mulheres deputadas tivessem direito a licença de maternidade (que não tinham até então) e para que, mais tarde, se viesse a criar um infantário no Parlamento (que acolhe hoje filhos de deputados e funcionários).

 

Que modelos (femininos e masculinos) tem na sua vida política?

Heloísa Apolónia

Não sinto que tenha exatamente aquilo a que se possa chamar de ‘modelos', mas há pessoas que, pelo seu percurso, atitude, convicção e ação, se tornaram referências mundiais e pelas quais sinto um profundo respeito e uma admiração, como, entre outros, Wangari Maathai e Nelson Mandela (para dar um nome feminino e outro masculino).

 

Teresa Anjinho

Julgo que seria excessivo dizer que tenho modelos femininos e masculinos na minha vida política. Tenho pessoas que muito admiro e que, pelos diferentes papéis que foram desempenhando, constituem, sem dúvida, grandes referências. Dito isto, mencionarei apenas uma destas referências, recorrendo para tal à seguinte frase: “Se você quer que digam algo, peça a um homem. Se você quer que façam algo, peça a uma mulher” (Margaret Thatcher).

 

Existe um estilo diferente na actuação política das mulheres, no Parlamento e fora dele?

Heloísa Apolónia

As mulheres são, na generalidade, muito práticas e diretas. Não sei se isso se pode considerar um estilo próprio, ou se é uma característica que a sociedade desenvolve em muitas de nós. De qualquer modo, não é o facto de se ser mulher que faz com que uma pessoa contribua para construir uma sociedade melhor, porque há mulheres que defendem medidas e políticas no Parlamento que são absolutamente lastimáveis do ponto de vista da promoção do desenvolvimento e da qualidade de vida. Há mulheres, do PSD, do CDS e do PS, que contribuíram para que o país mergulhasse num mar de austeridade que desgraçou a vida de muitas mulheres e de muitos homens neste país. Aqui, são as opções políticas que fazem a diferença.

 

Teresa Anjinho

É para mim relativamente claro que, de uma forma geral, as mulheres assumem uma postura menos belicosa e mais dialogante na resolução dos problemas. Prevalece muitas vezes uma dimensão prática. No contacto com as pessoas, não querendo naturalmente exagerar na homogeneização dos comportamentos, a verdade é que as mulheres assumem sempre uma maior proximidade e afectividade na relação com os outros, o que permite, muitas vezes, ir para além daquilo que é apreensível à primeira vista. Há, marcadamente, uma lógica de cuidado.

 

Considera­‑se feminista? Quais as razões, em caso afirmativo, para assim se considerar?

Heloísa Apolónia

Se ser­‑se feminista significa lutar por igualdade de direitos entre homens e mulheres, se significa indignarmo­‑nos pela existência de salários desiguais para trabalho idêntico, se significa lutar contra a brutalidade da violência sobre mulheres, se significa relevar a palavra partilha no seio familiar, se significa abominar a discriminação de mulheres em meio laboral devido à maternidade... então, sim, sou feminista. A minha convicção nestas causas levou­‑me, justamente, a aderir, já há uns anos, ao MDM (Movimento Democrático de Mulheres).

 

Teresa Anjinho

O uso do termo feminismo é e sempre foi controverso, seja por uma associação imediata ao radicalismo, atendendo à natureza percursora e reivindicativa das suas propostas, particularmente na sua génese, seja porque dentro do próprio movimento feminista este epíteto também não é assumido de forma consensual. Ora, assumindo a diversidade, que leva a que muitos autores falem actualmente em feminismos, se em traços gerais o feminismo concebe as mulheres como sujeitos históricos responsáveis pela transformação da sua própria condição social, agrupando teoria e prática, enquanto doutrina e atitude jurídica, social e política apoiada no reconhecimento do estatuto socialmente subordinado da mulher e na reivindicação da igualdade entre homens e mulheres, sim, sou feminista. Mais, numa era em que a mulher é promovida ao estatuto de paradigma é obrigatório compreender a realidade paralelamente ao modo como – e aqui falo da minha experiência pessoal – o Direito enquadra as suas necessidades e interesses, contribuindo para a formação de uma consciência crítica positiva, capaz de fornecer alternativas pensadas em função de uma maior igualdade, liberdade e justiça, ou, simplesmente, reconhecer ‘o caminho errado'.

 

Concorda ou não, e porquê, com a existência de quotas para as mulheres nas listas partidárias para deputados ou para outros cargos?

Heloísa Apolónia

Essa designação de quotas para mulheres nas listas para eleições não está bem empregue, porque o que existe é uma obrigatoriedade de em cada três lugares existirem pessoas de dois sexos diferentes (duas mulheres e um homem ou dois homens e uma mulher). Significa isto que a lei inviabilizou a constituição de uma lista formada, por exemplo, só por mulheres, ou que tenha três mulheres nos primeiros lugares da lista. Poder­‑se­‑á retorquir que essa não era a prática e que muitas vezes as listas tinham muitos homens e quase nenhumas mulheres. Mas esse é, na minha perspetiva, um problema que merece ser alterado de uma forma mais estrutural. Se um partido político funcionar de modo a não permitir a compatibilização da vida familiar com a dinâmica partidária, é comum que as mulheres participem menos. Falo por mim: se no PEV a minha participação fosse exigida em reuniões até altas horas da noite ou em todos os fins de semana, certamente, numa determinada altura da minha vida, teria de ter prescindido dessa participação. A verdade é que quando se funciona em coletivo, sem elites dentro das estruturas, como é o caso do PEV, há espaço para todos e para o respeito pelas diferentes dimensões da vida de cada um. E essa forma de funcionamento é determinante para que as mulheres possam participar massivamente, como se passa no PEV. Mas de uma forma natural, e não artificial, o que depois se repercute, também de forma natural, na formação das listas – veja­‑se a composição do grupo parlamentar dos Verdes ao longo dos anos e esse facto tornar­‑se­‑á claro como água. Eu não gostaria de estar na Assembleia da República como elemento que integrou uma lista para preencher “quotas”, mas antes como um elemento a quem o projeto partidário reconheceu competência para o representar, e evidentemente, por via da palavra final dos eleitores.

 

Teresa Anjinho

Desde 2006 que Portugal, com a lei da Paridade, impõe quotas nas listas eleitorais. É um facto que temos vindo a registar um aumento do número de mulheres na dita política activa, evolução que, apesar de aquém das minhas expectativas, tem vindo a ser feita. Não assumindo uma posição estanque de defesa da discriminação positiva, por considerar que, atendendo à sua natureza, exigirá sempre uma ponderação de adequabilidade e eficácia face aos direitos que restringe em nome da igualdade, considero que o estímulo à participação das mulheres na vida política constitui uma parte importante da promoção do estatuto da mulher, além de ser um vector estratégico para a sua plena integração na sociedade. E se o meio utilizado, a imposição legal, pode não ser do agrado de todos, inclusivamente das próprias mulheres, relembro que foi a imposição legal que conduziu à adopção do sufrágio universal, à consagração da igualdade salarial ou a algo tão banal que já o damos como incondicionalmente adquirido, a existência de um horário de trabalho. Em suma, no que se refere à representação política, e mesmo reconhecendo que houve uma evolução, atendendo à importância das funções em causa e ao papel que historicamente o Direito assumiu na ratificação de uma sociedade iminentemente patriarcal e, por esta via, discriminatória em relação às mulheres, enquanto medida temporária, assumo abertamente que uma ‘lei de quotas' pode revelar­‑se um instrumento absolutamente determinante no ultrapassar das desigualdades. Todavia, não posso deixar de ficar uma nota final e que se prende com uma reflexão pessoal quanto à eficácia das quotas. O que eu desejo, não é uma feminização da política, ou seja, um simplesmente adicionar. O que eu desejo, é algo bem diferente, ou seja, a politização do feminino, que ao lado do ‘mais' coloca um ‘melhor'. No que se refere a outros cargos, assumindo eu que qualquer discriminação positiva exige sempre um juízo de ponderação em termos de proporcionalidade, considero que tal só pode ser merecedor de uma opinião em função de cada caso concreto. Todavia, posso desde logo avançar que, em todos os casos, uma medida desta natureza, uma imposição legal, só deve ser uma alternativa, se medidas de outra natureza tiverem sido tomadas anteriormente.

 

Que via considera mais vantajosa para a afirmação das mulheres na vida pública, o reforço dos mecanismos que visam a igualdade entre os géneros ou os que sublinham as diferenças e específicas de cada um deles?

Heloísa Apolónia

A igualdade entre sexos não significa uniformização das características de todos por igual. Mas na vida política, reafirmo, o que se torna absolutamente diferenciador entre pessoas e projetos são as ideologias e as opções políticas que se defendem. No PEV somos mulheres e homens a pugnar por uma alternativa ecologista para Portugal.

 

Teresa Anjinho

Afirmar a igualdade é, para mim, afirmar as diferenças, radicadas na individualidade de cada ser humano, que nesta especificidade não deve ser prejudicado em função das qualidades que assume, sejam elas rotuladas de femininas ou masculinas. Defendendo eu a importância de um olhar feminino na política, até pela sua ausência histórica, naturalmente que jamais poderia afirmar algo no sentido de uma homogeneização do modo de ser político. Para mim, a via mais vantajosa de afirmação das mulheres na vida pública é qualquer via que permita a simples liberdade de ser.

 

Notas

1Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia nasceu a 26 de Junho de 1969. É licenciada em Direito e frequentou também o mestrado em Direito. É deputada desde a VI Legislatura, eleita sempre pelo Círculo Eleitoral de Setúbal.

2Teresa Maria de Moura Anjinho nasceu a 3 de Outubro de 1974. É licenciada em Direito e tem o mestrado em Direitos Humanos (EMA). Jurista, é deputada na XII Legislatura, eleita pelo Círculo Eleitoral de Aveiro. Faz parte do Conselho de Acompanhamento da Criação e Instalação dos Julgados de Paz, é membro suplente da Delegação Assembleia da República à Assembleia Parlamentar Mediterrâneo (APM) e representante do Grupo Parlamentar do CDS­‑PP no Grupo Parlamentar Português sobre População e Desenvolvimento.