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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versión impresa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.32 Lisboa  2014

 

LEITURAS

Pinheiro, C. S., Emonts, A. M., Franco, M. da G. e Beja, M. J. (coord.) (2013), Mulheres: Feminino, Plural. Nova Delphi: Funchal, 408 pp.

Maria do Céu Borrêcho


A obra em apreço reúne os estudos, em língua portuguesa, apresentados no colóquio “A Mulher em debate: Passado e Presente”, organizado por um grupo de docentes do Centro de Competências de Artes e Humanidades da Universidade da Madeira e realizado no Funchal, entre 1 e 4 de Junho de 2011.

Os dezanove oradores abordam diferentes questões que nos remetem para a complexidade das relações de género. Diversos exemplos são analisados para que sejamos levados a reflectir sobre os estereótipos e os papéis sociais que (en) formam a vida das mulheres, no passado e no presente, em particular sobre a sua história, as suas representações, sobre os desafios e obstáculos que ao longo dos séculos se lhes apresentaram, tantas vezes desafios que só uma vontade férrea e um espírito lutador e desprendido permitiram ultrapassar (in Prefácio).

Numa primeira parte, esses temas surgem­‑nos, quer na literatura clássica quer nas obras de inspiração cristã ou na literatura oitocentista. Com isso, se procura apresentar exemplos femininos que parecem contrariar aqueles estereótipos criados pela matriz clássica e judaico­‑cristã e condicionantes da vida das mulheres para com eles reforçar o valor dessas mesmas condutas.

É esse o caso desenvolvido em “Quando a mulher transcende a fraqueza do seu sexo”, em que um episódio dos Annales de Tácito ilustra o repúdio que o autor clássico faz da mulher que concilia beleza, bens e argúcia de espírito, quando cabe ao homem agir e decidir e à mulher submeter­‑se. Essa valorização da beleza feminina conduz­‑nos ao artigo de Luísa Nazaré Ferreira sobre o ideal de beleza feminina, tema fundamental nos primeiros textos gregos. Mas isso quer dizer que à mulher não são imputados feitos de relevo ou que ela não desempenha uma função social de relevo? Não, a mulher teve uma participação na vida da polis. Joaquim Pinheiro procura salientá­‑la, pois, “nada feito com essas pestes, e nada feito sem essas pestes”.

Ainda na Antiguidade Clássica, Séneca reforça os estereótipos do sexo feminino, como a probidade ou o recato, acusando o género de mulheres que exercem o poder com a intemperança que as caracteriza. Essa característica vêmo­‑la criticada na figura de Medeia. Uma heroína que não se guia pela razão, uma vingadora, tão contrária aos ensinamentos do estóico romano e apresentados na comunicação de Ricardo Duarte. Os tratados de medicina antiga, como os quatro livros de Sorano de Éfeso, que chegaram até nós graças às traduções árabes, revelam a preparação de toda uma panóplia de parteiras, mais ou menos instruídas, que as boas famílias romanas não dispensavam.

A visão da mulher veiculada pela Bíblia, muitas vezes caracterizada como misógina, leva a que, ao longo dos tempos, muitas mulheres tenham questionado se a Bíblia não lhes é hostil. É nesse sentido que, com uma análise do Novo Testamento feita por Maria Zina Gonçalves de Abreu, se procura rebater aquela apreciação. Aliás, na difusão do cristianismo, elas têm um papel fundamental, como salienta Rodrigo Furtado, em “Quando os santos se zangam: Melânia­‑a­‑Antiga”.

Por outro lado, o excesso, tão criticado no mundo antigo, é, nos Sermões de Vieira, um dom divino, enquanto capacidade para se abnegar de si mesmo e se dar ao outro. Só a mulher possui esse excesso do dom, na dádiva plena de si, na alegria e no sofrimento.

A literatura oitocentista, formada na desintegração do Portugal do Antigo Regime, ainda espelha a imagem da mulher atarefada com a gestão da casa e a educação dos filhos, ocupando os tempos livres com a literatura da moda. Contudo, a emancipação da mulher já nela aparece tematizada, particularmente na novela camiliana.

Confinada ao espaço doméstico, o diário foi, desde o século XVIII, o formato cultivado preferencialmente pela mulher que nele vê um género que lhe permite alguma liberdade, por nele poder escrever o que bem entende. Assim, o diário ficcional ocupa um lugar de destaque na escrita de Guiomar Torrezão, como fica demonstrado no estudo apresentado nesta colectânea.

Completando o capítulo Representações, são analisados diferentes temas, como o preconceito em torno do feminismo, porque há um feminino que não quer ser feminista! As imagens da mulher madeirense do século XIX, estão retratadas a partir do romance de Helena Marques – O Último Cais –; as configurações da mulher africana reflectem­‑se na obra de Gerard Aké Loba ou a formação da imagem da mulher na produção da escritora brasileira Lygia Bojunga Nunes. O tema da mulher e a morte está patente numa proposta de leitura de anúncios necrológicos na imprensa madeirense. Conclui­‑se, voltando ao início com exemplos de figuras clássicas na poesia, na ensaística ou na arte contemporânea (os casos de Antígona e de Alcmena).

A segunda parte deste volume é dedicada às Vivências. Nela se procura salientar a multiplicidade de vozes e de experiências que caracterizam uma comunidade humana, particularmente a feminina. Questionam­‑se assim os contributos femininos para a História Musical Portuguesa, ou a sobredotação e talento no género feminino. Dada a presença crescente da mulher no ensino superior, aduzem­‑se aspectos do seu desenvolvimento intelectual naquele grau de ensino.

Acrescentam­‑se ainda aspectos relacionados com a legislação ou a política, como a implementação da lei da paridade, o divórcio e responsabilidades parentais ou o crime de violação no âmbito da história penal e as idiossincrasias da delinquência juvenil feminina.

As questões sociológicas não estão aqui descuradas. Com elas, termina a antologia abordando o dever da participação feminina na escolha da dimensão das salas de parto em Portugal, a visibilidade das mulheres nas exposições museológicas, ou um estudo sobre as características de personalidade das mulheres gerentes empresariais. Não falta também uma análise sobre a conciliação trabalho/família entre as mulheres migrantes.