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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versão impressa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.32 Lisboa  2014

 

PIONEIRAS

Maria Helena Ferraz Trindade

 

 

Natividade Monteiro


Foi a primeira directora do Museu da Música, cargo que exerceu entre 1994 e 2014. Foram vinte anos de intensa actividade, dedicação e empenho no estudo, valorização, preservação e divulgação de um património único que inclui verdadeiros tesouros nacionais a nível de instrumentos musicais, iconografia musical, fonogramas e documentos gráficos. A direcção do Museu da Música integra­‑se num longo precurso profissional nos domínios da museologia, musicologia, comissariado, gestão museológica e financeira, gestão e divulgação de colecções, gestão de equipas, conservação, restauro e classificação de objectos museológicos, marketing em museus, serviços educativos em museus, orientação de investigadores e parcerias. Paralelamente, desenvolveu o interesse pelas artes plásticas, sobretudo pintura e tapeçaria, participando em várias exposições colectivas.

Integrou o Grupo de Trabalho da “Lisboa Capital da Cultura”, participou no projecto para a criação/fusão do Arquivo Sonoro/Depósito legal de fonogramas e Museu da Música e na Peritagem dos Arquivos do Fado. Comissariou várias exposições, publicou artigos científicos em catálogos, roteiros e periódicos e participou como oradora em seminários, colóquios e conferências.

É licenciada em Artes Plásticas – Pintura – pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, mestre em Museologia pela mesma Universidade e certificada com o curso de Formação Profissional FORGEP­‑Programa de Formação em Gestão Pública, pelo Instituto Nacional de Administração Pública.

Em 8 de Março de 2006, a Junta de Freguesia de S. Domingos de Benfica condecorou­‑a no âmbito do Dia Internacional das Mulheres, em reconhecimento pelo trabalho desenvolvido em prol da cultura, do património e da educação.

Nasceu em Portugal, mas muito cedo foi para Angola onde viveu 20 anos. Ali, entre 1969 e 1974, trabalhou como Monitora Social do Instituto Provincial da Habitação e como secretária de direcção no Instituto do Algodão, na Companhia de Seguros de Angola, na Empresa de Pescas Kollerich e na Reading & Bates Drilling Company.

 

Antes de se licenciar já trabalhava, o que significa que estudou em regime de estudante­‑trabalhadora. Como conciliou os estudos com o trabalho, visto o ensino universitário pós­‑laboral se ter iniciado apenas depois do 25 de Abril?

Antes de me licenciar, trabalhava em regime de full­‑time no Conselho da Revolução. Fiz trabalhos de arquivista e contabilista nos Serviços de Apoio do Conselho da Revolução e fui secretária de um Conse­lheiro da Revolução. Uma época de muitas novidades, de revolução ainda fresca e, evidentemente, muita exigência, muito trabalho. Foi nesse contexto que também estudei em regime de estudante­‑trabalhadora. Claro que tive de fazer alguns ajustamentos de modo a poder frequentar as aulas. Aulas em horário pós laboral só em 1975. Foi precisamente nesse ano que recomecei os meus estudos. Mas algumas aulas coincidiam com o horário de trabalho e nessa altura tinha de compensar ficando a trabalhar até mais tarde. Foram tempos complicados, mas também muito gratificantes. Adaptei­‑me à vida em Portugal e comecei a relacionar­‑me com o ambiente. A rotina laboral e académica foram ricas a todos os níveis. Fazia tudo com prazer. Outros tempos! Acabei o meu curso de cinco anos e ingressei no quadro de pessoal do Instituto Português do Património Cultural no Departamento de Museus, Palácios e Fundações, como técnica superior. Um desafio que me iria levar uns anos mais tarde, depois de um grande percurso pela museologia, à direcção do Museu da Música.

 

A sua infância e juventude foram propícias ao desenvolvimento do gosto pela arte e património cultural?

A minha infância foi praticamente passada em África. Primeiro no Sul de Angola, depois na capital, em Luanda. Os meus pais tinham sido transferidos para Cambambe, no início da construção da barragem hidroeléctrica. Cambambe era um sítio onde não havia escolas boas, pois era um estaleiro praticamente construído de raiz para acolher os traba­lhadores. Os meus pais queriam dar­‑me uma boa educação, por isso fui estudar para o Colégio de S. José de Clunny, onde fiz da 4.ª classe ao 5.º ano. O resto do Liceu fi­‑lo em regime de semi­‑internato. Vínhamos a Portugal de 4 em 4 anos e permanecíamos alguns meses durante “a graciosa” ou férias grandes. Como a permanência em Portugal era prolongada, tive de frequentar o 5º. ano no Colégio de Santa Isabel, em Coimbra. As impressões que tenho desse tempo são muito boas.

Em Angola passei a minha infância e juventude, fiz parte dos meus estudos, comecei a trabalhar, fiz amigos. O único senão é a sensação de distância no tempo e as memórias são difusas. Os espaços, os lugares, os acontecimentos parecem intransponíveis. É a nostalgia do afastamento que agora parece desconhecido. Quando regressei em 1975, os primeiros tempos em Portugal foram difíceis. Tinha perdido a minha identidade, as minhas afectividades. Era tudo diferente. A vida, as pessoas. Lembro­‑me do tempo infinito que demorávamos a ir de casa ao serviço. Em Angola, as cidades tinham uma dimensão à escala humana. Convivíamos, encontrávamo­‑nos e dávamo­‑nos com muita facilidade. Tudo mais caloroso. No Colégio comecei a desenvolver o gosto pelas artes. Frequentei ateliers de artes plásticas, dei os primeiros passos no canto e no piano e dediquei algum tempo à dança clássica. Sempre tive gosto pelas Artes, sobretudo pela Pintura que toda a vida abracei e hoje, já reformada, preenche os meus dias e é a minha tarefa por excelência.

 

Exerceu funções técnicas no Departamento de Museus, Palácios e Fundações do IPPC e no Departamento de Museus do IPM e, simultaneamente, fez formação na área da Museologia. Esta formação teve a ver com as funções técnicas desempenhadas ou era já um objectivo que se entrelaçava com os seus gostos pessoais?

As funções que comecei a desempenhar nesses Institutos foram­‑se entrelaçando com os meus gostos pessoais e tiveram muita influência nas minhas escolhas futuras. A Arte e o Património Cultural tornaram­‑se cada vez mais uma opção e, como tal, as coisas fluíram naturalmente. Fui fazendo formação em Museologia e fui trabalhando o gosto pelos objectos de Arte.

 

O que distingue o Curso de Conservador de Museus do IPM e IPPC do Curso de Museologia pelos APOM, IEFP e FBAL?

Os cursos do IPPC­‑Instituto Português do Património Cultural e do Museu Nacional de Arte Antiga onde eram ministrados, eram cursos de pouca duração. Mas foram bons cursos, com uma carga curricular muito grande. O último Curso de Conservador de Museus, ou curso de Museo­logia da APOM­‑Associação Portuguesa de Museus, IEFP­‑Instituto de Emprego e Formação Profissional e FBAL­‑Faculdade de Belas Artes de Lisboa foi o curso que antecedeu o mestrado em Museologia da FBAL, com estrutura e carga horária de mestrado. Na altura de me inscrever e fazer provas de admissão trabalhava no IPM­‑Instituto Português de Museus e tive de pedir a equiparação a bolseira para poder frequentar aulas, fazer trabalhos e desenvolver uma tese.

O Curso de Formação Profissional FORGEP – Programa de Formação em Gestão Pública que fez em 2006 prendeu­‑se com a necessidade de gestão do Museu que dirigia ou foi uma imposição burocrática à carreira de conservador?

Foi uma formação importante, muito embora tenha sido uma imposição burocrática direccionada a todos os dirigentes da Função Pública. Como na altura era directora do Museu da Música, fui obrigada a fazê­‑lo. Em boa hora! Gostei do regresso às aulas e sobretudo do confronto com colegas de áreas bem diferentes, muitos deles, mais vocacionados para a Gestão. O FORGEP deu­‑me uma visão mais ampla de como intervir de forma eficaz na gestão do Museu da Música bem como na definição de objectivos de uma gestão eficiente. Aprendi a estar mais apta à concretização das prioridades estratégicas do museu. De mais a mais, o meu grupo de trabalho desenvolveu um trabalho final sobre o Museu da Música e foi muito bem classificado, foi o segundo melhor.

 

A direcção do Museu da Música deve ter constituído um desafio por representar a concretização de um projecto que já vinha do tempo de I República, mas não uma novidade na sua carreira de conservadora. Que destaque daria a algumas das raridades do acervo do Museu da Música?

O Museu da Música foi um grande desafio. Quando a Dra. Simonetta Luz Afonso me chamou para colaborar no programa da “Lisboa Capital da Cultura 1994”, na montagem de várias exposições de Museus do IPM, no programa estava também previsto a instalação do Museu da Música. No ano anterior tinha sido assinado um protocolo entre o IPM e o Metropolitano de Lisboa para a cedência de um espaço na Estação do Alto dos Moinhos. Acompanhei os trabalhos de caracterização e valorização do edifício com a colaboração de uma equipa de especialistas da área da Música. O Museu da Música foi inaugurado no dia 27 de Julho de 1994. Como directora do Museu da Música tentei dar o meu melhor contributo. Mas não posso dizer que não tenham sido tempos difíceis. Dei­‑me por completo ao Museu. Muito labor, muito estudo, muitas horas de trabalho no Museu. Durante a montagem de exposições não dormia, chegando a fazer vinte e quatro horas sem parar. Ficou­‑me a consciência de ter traçado um caminho que outros poderão dar continuidade em melhores condições e a partir de uma base mais sólida.

A ideia da criação de um Museu da Música devêmo­‑la a vários mentores, Alfredo Keil, detentor de uma significativa colecção de instrumentos musicais e Michel'Angelo Lambertini que durante a primeira República, a partir de 1911, dispendeu todos os esforços para garantir a instalação de um Museu de Instrumentos Musicais. Mas nem Lambertini nem o seu antecessor Alfredo Keil conseguiram convencer os poderes públicos e ambos morreram antes da concretização da ideia. Mas o sentimento ficou e a semente tinha sido lançada.

Da colecção de Keil, da recolha de Lambertini, do Departamento de Musicologia do IPPC e das mais recentes incorporações, ficaram algumas das melhores peças da colecção. Muitas, infelizmente, foram na voragem do tempo. Vou citar algumas sem uma ordem especial: o cravo “Antunes” de construção portuguesa; o cravo “Taskin” de factura francesa, construído para o Rei de França, Luís XVI; a colecção de clavicórdios portugueses; o oboé alemão de Eichentopf, peça rara, havendo somente dois exemplares no mundo; o violoncelo “Stradivarius”, com uma grande história ligada a várias figuras de relevo como o seu último proprietário o Rei D. Luís I; a guitarra inglesa de Domingos José Araújo ou a guitarra portuguesa de António José de Sousa; a flauta travessa de António José Haupt e a trompa de harmonia de Marcel­‑Auguste Raoux com as armas do conde de Farrobo. Há também aquelas peças com menos história ou menos memorial dos seus possuidores, mas de grande valor estético, como a violas francesas, as liras­‑viola, as harpas, as espinetas, os virginais, os serpentões ou os trombones.

 

Fale­‑nos das linhas gerais do projecto museológico no que toca à exposição permanente bem como às exposições temporárias e ao destaque dado à peça do mês.

O primeiro programa científico da exposição permanente foi traçado por um investigador da área da música. Eu trabalhei no segundo projecto uns anos mais tarde depois de aprofundar mais o meu conhecimento sobre as colecções. Naquela altura, há 20 anos e até ao ano 2004, sensivelmente, fazia­‑se muito trabalho de investigação, e, todos os anos, planeávamos uma grande exposição e um catálogo. Os projectos museológicos referentes a estas exposições, resultavam igualmente de trabalhos de investigação sobre o tema e os objectos seleccionados. Eram concebidas em função das exigências da conservação e da segurança das peças mas também tinham em conta a concepção e a organização do espaço, o percurso, o discurso expositivo, a luz. Para mim, foi talvez a vertente mais aliciante, mais gratificante porque tudo constituía um exercício de imaginação. Trabalhava­‑se com equipas multidisciplinares, quase sempre exteriores ao museu. Numa fase menos rica de grandes eventos criámos a peça do mês como forma de mostrar algumas peças em reserva. Essa actividade é hoje desenvolvida por um coordenador de estágios e constitui uma das tarefas dos estagiários. Em matéria museológica e museográfica a peça do mês, assinala um evento ou uma personalidade da Música e a sua exposição visa concretizar objectivos essencialmente didácticos.

 

O serviço educativo pretende contribuir para a formação musical e patrimonial das crianças e jovens, futuros cidadãos e cidadãs. Em que consiste esse programa dirigido ao público escolar?

Os serviços educativos são uma entidade dinâmica, dialogante com o meio e parte integrante dele. São um conjunto de ocupações que o indivíduo pode ter voluntariamente, seja para repousar ou divertir­‑se, seja para informar­‑se ou desenvolver a sua formação desinteressada das suas obrigações profissionais, familiares ou sociais. O museu não pode e não deve substituir a escola, mas faz extensão à escola. É um lugar de sociabilização, de integração, de inclusão. O museu desenvolve actividades de carácter extraordinário como concertos, exposições, master­‑classes, oficinas para todos os públicos que nelas se inscrevem, e, ainda realiza, um conjunto de actividades lúdicas dirigidas a faixas etárias mais jovens. Também trabalhávamos com grupos de crianças com necessidades especiais, para as quais foram desenvolvidos trabalhos oficinais de carácter extraordinário.

 

Quais as colecções ou instrumentos que mais despertam a curiosidade do público em geral, dos investigadores e dos jovens visitantes?

O Museu da Música não é um museu de massas e nunca teve grande afluência de turistas, porque não fica na rota delineada pelas empresas turísticas. A colecção dos instrumentos musicais de construção portuguesa é a mais visitada/requisitada pelos investigadores, sobretudo os cravos e os clavicórdios que têm uma projecção enorme. O Museu da Música atrai grupos de pessoas bem específicos. Embora a maioria esmagadora seja o público escolar que vai ao museu porque o museu assume um peso importante e reforça os conteúdos educativos das escolas, o Museu da Música é procurado por aqueles que possuem mais conhecimentos sobre os instrumentos musicais, porque os querem estudar, copiar ou tocar. A afluência crescente de visitantes quer de investigadores ou jovens visitantes decorre sobretudo da procura de informação e do gosto pelos objectos, pelos músicos e pela música.

 

As instalações do Museu da Música, numa Estação do Metropolitano, não passam um pouco despercebidas do grande público?

Idealizou­‑se o espaço do Museu da Música numa Estação do Metropolitano a pensar nos transeuntes e utentes do Metropolitano de Lisboa, pessoas que passam todos os dias por aquela Estação. O equipamento foi concebido com grandes aberturas transparentes para que as pessoas fossem mais facilmente atraídas e não se intimidassem. É claro que um museu de superfície num edifício nobre tem outro impacto e outra visibilidade. Mas o que prejudica mais o museu não é tanto o facto de estar num subterrâneo mas sim a falta de espaços adequados que conduzam às boas práticas museológicas. Um museu com todas as valências a funcionar em pleno deve integrar espaços públicos, espaços públicos controlados, espaços destinados a especialistas e estudantes e espaços privados.

Não é o caso do Museu da Música. O equipamento existente constitui um factor impeditivo para o crescimento do museu, das colecções e dos potenciais visitantes. O actual museu não possui salas de exposições temporárias, não dispõe de salas para o Serviço Educativo, não possui um auditório, sendo o único espaço para este fim o espaço polivalente contíguo à exposição permanente em prejuízo e desvalorização da mesma, e onde funcionam os serviços educativos, as oficinas, os concertos, os espectáculos de uma forma geral e onde são montadas as exposições temporárias. Dado o espaço exíguo, nenhuma destas actividades pode funcionar simultaneamente.

 

Quais as prioridades da Oficina do Museu em relação à investigação, conservação e restauro do património existente?

A oficina é um espaço físico onde interagem várias dinâmicas desde a investigação, à conservação preventiva e ao restauro. De uma forma geral, as oficinas e laboratórios de conservação e restauro são criados sob a tutela dos Institutos para servirem todos os museus. O caso do Museu da Música é especial. O acervo do Museu da Música é muito específico e requer pessoal altamente especializado nas várias áreas de intervenção. Considero importante e mais operacional a criação de uma oficina de restauro com equipamento adequado e um corpo de técnicos altamente especializados que saibam interagir com as universidades, os laboratórios e demais centros especializados.

 

Qual o lugar do Fado no Museu, sobretudo depois de ser promovido a Património Imaterial da Humanidade?

A existência do Museu do Fado especialmente dedicado a este género musical além de lhe conferir uma identidade cultural, tem um papel primordial na sua divulgação e assume um peso importante nas respectivas colecções iconográficas. Mas como Património Oral e Imaterial da Humanidade o Fado assume uma amplitude de universalidade e o Museu da Música deve reforçar essa especificidade, valorizando também as suas tradições e dinamizando práticas de uma linguagem musical lisboeta por excelência.

 

Fale­‑nos dos estágios para voluntário/as que pretendam tomar contacto e desenvolver competências na área da museologia e da música.

O Museu da Música acolhe jovens estagiário/as através de protocolos estabelecidos com instituições de ensino, em regime de estágios independentes ou através de programas de apoio internacionais. Os estágios no Museu da Música têm uma componente formativa e proporcionam aos formandos experiências de trabalho de introdução às profissões museais desde a gestão de colecções, inventário, serviços educativos, mediação cultural ou museografia. Normalmente as competências seleccionadas são na área da museologia ou musicologia, mas também em áreas próximas como a arte, história de arte, conservação e restauro ou ciências da informação e documentação.

 

Quais foram os seus últimos projectos implementados no Museu?

Um dos últimos projectos em fase de implementação foi o projecto de transferência do museu para o Palácio Nacional de Mafra. O levantamento de áreas tinha sido levado a cabo no âmbito do projecto da criação de um Arquivo sonoro ligado ao Museu da Música e estávamos na fase de formar uma equipa coesa constituída por especialistas de várias áreas, para delinear o programa científico da organização da colecção e demais sectores. Já tinha visitado no Palácio os espaços devolutos e alguns arquitectos da Direcção­‑Geral do Património Cultural tinham dado início ao estudo dos espaços.

 

Que peças desejaria ver no Museu num futuro próximo, como adquiri­‑las.

As peças a adquirir seguem uma política de incorporação e obedecem a um regulamento que define o conjunto de actividades que levam a uma tomada de decisão sobre quais colecções devem ser adquiridas, mantidas ou alienadas. As peças que entram no acervo têm em conta a vocação, a tipologia e os objectivos do Museu; o enquadramento temático e cronológico; o seu estado de conservação e a garantia de que na instituição existem recursos humanos, materiais e financeiros para manter as novas incorporações nas devidas condições. A colecção de instrumentos musicais do Museu da Música não é uma colecção absolutamente coesa. Há peças muito boas e peças menos boas. O acervo é rico sob o ponto de vista da peça individual. Mas no que diz respeito aos conjuntos ou agrupamentos, aquilo que designamos por famílias de instrumentos com uma sequência lógica de registos, existem muitas lacunas. Também deviam integrar o acervo o conjunto de instrumentos musicais de factura artesanal portuguesa. Existe um bom arquivo fonográfico mas as peças raras estão noutros museus. Os fundos musicais que já pertenceram ao museu foram transferidos para a área de musicologia da Biblioteca Nacional de Portugal, deixando o arquivo do museu mais pobre. A iconografia foi dispersada por várias instituições. Seria necessário toda uma política de reintegração das várias colecções que um dia fizeram parte do acervo do Museu da Música.

 

Considerando que as mulheres ainda lutam contra os tectos de vidro, isto é, têm dificuldade em chegar aos lugares de direcção e decisão, como encarou esta oportunidade de dirigir um Museu no início dos anos 90.

Os tempos mudaram, as mulheres do mundo ocidental conseguiram a igualdade jurídica, civil e política, embora no quotidiano continue a haver preconceito e discriminação entre sexos, sobretudo no mundo do trabalho empresarial e em algumas funções que as mulheres podem executar normalmente mas onde são preteridas. Na fase de instalação do Museu da Música, trabalhei sobretudo, com equipas masculinas, desde a empresa de construção à equipa de musicólogos. Nunca me senti anulada. As mulheres no mundo da Cultura, talvez por serem maioritárias, seguem a sua carreira tranquilamente sem grandes barreiras e preconceitos.

 

Como conseguiu conciliar uma vida profissional tão intensa com a vida familiar e a educação dos filhos?

É verdade que não estive sempre junto dos meus filhos, não a tempo inteiro, mas tivemos sempre a ajuda preciosa dos meus pais. O meu padrão familiar foi sempre conservador, era à moda antiga, em que os avós ficavam com os netos. A minha mãe ia buscá­‑los à escola, tratava das refeições e ficava com eles durante o dia. Eu também os acompanhava quer nas tarefas escolares como nas actividades extra­‑escolares: aulas de inglês, música, natação, mas essas tarefas eram em horário pós­‑laboral. Mas os meus pais sempre estiveram presentes. Só quando todos começaram a ser mais independentes é que os meus pais deixaram a nossa casa. Tive sempre muito tempo para me dedicar à vida profissional e nunca fiz horário contínuo mesmo quando o podia legalmente fazer.

 

A conciliação da vida familiar e profissional, a gestão do tempo e a partilha de tarefas e responsabilidades fazem parte do debate sobre a igualdade de género que o movimento feminista trouxe para a sociedade e para a política. Considera que as políticas públicas nesta matéria têm perseguido esses objetivos ou de alguma forma têm­‑nos escamoteado?

Em algumas correntes do feminismo, a luta das mulheres foi uma luta contra os homens, o que levava muitas mulheres que defendiam a igualdade de género a um fenómeno de radicalismo. Penso, no entanto, que o que nos levou muitos anos a pensar na diferença de géneros estava relacionado com a maternidade. Por muito importante que seja a presença do pai, é condição natural que a criança esteja mais com a mãe. É claro que muitas vezes essa condição cria obstáculos a nível profissional e no acesso aos lugares de topo. E em boa verdade, parece que a maioria das mulheres continua a ter de escolher entre ser mães ou apostar na carreira profissional. Talvez o ideal seja criarem­‑se mais condições para que as mulheres sejam mães sem terem de abdicar de uma carreira profissional. Embora essas pausas no trabalho e essa atenção desviada para outros campos da vida acabem por, quase invariavelmente, tornar a subida na carreira muito mais lenta. Mas isto porque os tempos de hoje são muito exigentes e o mundo está extremamente competitivo. Se calhar, e de um ponto de vista quase ingénuo, diria que o ideal seria que o mundo todo parasse um pouco de correr, homens e mulheres, e se desse mais atenção ao sentir de cada momento. Algumas correntes do feminismo podem ser perigosas porque podem levar as coisas a um extremo. Também não concordamos com o machismo! Ambos os conceitos acabam por falar do mesmo – de poder e de submissão. Bom, é o conceito de partilha. Não cabe só à mulher fazer determinadas coisas, agora deseja­‑se que façam ambos.