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Ex aequo

versão impressa ISSN 0874-5560

Ex aequo  no.42 Lisboa dez. 2020

 

RECENÇÕES

 

The Positioning and Making of Female Professors. Pushing Career Advancement Open, edited by Rowena Murray & Denise Mifsud. Palgrave Studies in Gender and Education. Palgrave Macmillan, 2019, 241 pp.

 

Sofia Castanheira Pais

Centro de Investigação e Intervenção Educativas, FPCE, Universidade do Porto

 

 

The Positioning and Making of Female Professors. Pushing Career Advancement Open, editado por Rowena Murray e Denise Mifsud é uma recente publicação da Palgrave Macmillan e inclui textos de onze autoras que partilham as suas trajetórias enquanto investigadoras e docentes no Ensino Superior. A forma como constroem as suas narrativas denota, de forma particular e significativa, como a Academia é, ainda, lugar de desafios acrescidos para as mulheres. É sobre esses desafios, contados no feminino, que este texto versa.

Da autoria de Denise Mifsud, a primeira narrativa põe em destaque a hegemonia masculina no Ensino Superior e sublinha as dificuldades que daí advêm para pensar a igualdade e o pluralismo. Situa o texto na era do neoliberalismo, pautada pela precariedade, e onde, desde logo, as oportunidades de iniciação à carreira científica são colocadas às mulheres de forma especialmente difícil. A autora refere-se às Universidades como «organizações de género inseridas numa hierarquia de género» (Britton, 2017, 5 in Mifsud, 2019, 5), nas quais os lugares de poder são, tradicionalmente, ocupados por homens. Embora não reduza esta hierarquia a lugares de topo perpetuados por homens, Mifsud explica que haver menos mulheres em posições seniores constitui em si mesmo uma barreira a que outras mulheres alcancem níveis superiores de poder nas instituições.

É, precisamente, para afrontar, disruptivamente, este discurso masculino hegemónico que Isabel Menezes sugere o uso do humor, no seu texto. A propósito da sua experiência na Universidade, reflete sobre a sua carreira propondo um olhar crítico, situado e assumidamente feminista sobre a construção do género na Academia. Dá conta da entrada das mulheres no Ensino Superior, no contexto de transição da ditadura para a democracia, referindo-se muito claramente à dimensão política que perpassa o (não) reconhecimento dos direitos das mulheres e os significados das suas lutas ao longo do tempo, em Portugal. Reclama a urgência de um confronto de poderes, tão coletivo quanto honesto, onde as boas intenções anunciadas não resvalem para atitudes sexistas, e onde a discussão não se limite a enfrentar os poderes de outros, mas também os nossos.

Nesta linha, o texto de Caroline Gatrell reforça a importância da dimensão colaborativa nas trajetórias das mulheres na Universidade. Mais, põe em foco as implicações da maternidade e evidencia que a ausência de uma cultura dominante contada no feminino torna a Academia um contexto fértil para contradições e desajustes. Critica o princípio assente na expectativa de que ser mulher significa, inquestionavelmente, fazer escolhas (como se a questão se colocasse entre ser «uma boa mãe» ou «uma académica de sucesso»!).

Catherine Mazak também se debruça sobre percursos em torno da maternidade, assumindo que é, precisamente, o facto de ser mãe que torna a existência na Academia uma experiência de resistência. A gestão da vida académica antecipada pelo aproximar do nascimento de bebés – incluindo a redação de livros, artigos científicos e a lecionação de aulas, ou, a fantasia de que a licença de maternidade deve ser (simultaneamente) tempo de produção científica – é reveladora de uma exigência nem sempre compreendida no contexto académico. Será, como mostra Mazak, uma questão de in/visibilidade ou porventura, tão somente, resultado de uma Academia incapaz de incorporar essa narrativa.

É sobre a inscrição de si própria na carreira académica que Rowena Murray fala. Não se tratando de «analisar contextos discriminatórios» (p. 89), a autora mostra como a discriminação de género influenciou a sua autoconfiança e o modo de estar e de ser na Universidade. A certeza de que para sobreviver teria que publicar, fez com que criasse grupos de escrita (e um Social Writing Framework) que, mais do que uma receita para o sucesso, se tornou uma estratégia de re/existência. A experiência de uma rede capaz de dar suporte, acolher discussões, fomentar reflexões, onde o foco é essencial e a escrita é entendida como uma competência académica prioritária, constitui parte da sua agência na Academia.

Da investigação pós-doutoral a uma posição enquanto docente, é feito o caminho de Jackie Potter. É sobre fluidez que trata o seu texto e sobre como o seu sentido de identidade enquanto académica se foi construindo ao longo das transições que pautaram a sua experiência na Universidade, desde a maternidade, ao desempenho de diferentes papeis, à diversidade nos modos de colaboração com colegas. Se esta fluidez é razão de mudança na perceção de si, Potter assume que dimensões houve que se mantiveram imutáveis: os seus valores, tão nucleares na condução da sua ambição académica e na tomada de decisões importantes na sua carreira.

Resiliência é palavra de ordem no texto de Sarah Skerratt e é com base na sua própria experiência de abuso e de humilhação enquanto criança que discorre sobre a decisão de, aos 22 anos, se tornar professora. Foi aos 50 anos que alcançou esse objetivo e é, desde então, desse lugar privilegiado que toma a palavra para reclamar direitos de outros/as, nem sempre ouvidos/as. É dessa resiliência, onde Skerratt encontra a liberdade de e a liberdade para (Pratchett, 2004), que a sua narrativa fala.

É a partir de Osaka (Japão) que a britânica Beverley Anne Yamamoto conta como se tornou professora, num contexto onde as desigualdades de género, particularmente ao nível da não-representação de mulheres em universidades de excelência, ainda são gritantes. Da posição de docente, conta como passou de facilitadora a agitadora e inclui na sua reflexão a importância do corpo «disciplinado, mas disruptivo das mulheres poderosas» (Blackmore, 1999). Faz da aparência um statemente reconhece a importância da vida fora da Academia para encarar com leveza a sua jornada académica.

Rejeitando a ideia de uma metodologia monolítica, Devorah Kalekin-Fishman retrata, através da auto-etnografia, o que considera serem os seus maiores desafios na Universidade. Alude à circulação do poder enquanto estrutura multidimensional sem rosto, ao significado das normas e ao reconhecimento do capital académico, explicando como os converteu em seu favor.

Moira Lafferty sublinha que trazer e inspirar uma geração de mulheres jovens na Academia é o ingrediente-chave para tornar possível uma outra discussão sobre o que deve e o que pode ser este contexto. Criar uma cultura de suporte nas primeiras etapas da carreira, assim como reconhecer que a prática académica e profissional é diversa, constituem também dimensões nucleares. Como estas, a promoção de um ambiente colegial e colaborativo, dentro e fora das instituições-base de que fazem parte estas mulheres e o suporte ao nível da progressão a lugares na Academia são igualmente vetores essenciais que Lafferty explora no seu texto.

É sobre indisciplina e crises existenciais que a narrativa de Inger Mewburn versa. A autora explana sobre momentos de transição na carreira na Academia australiana e sobre como a experiência de ter um papel de apoio no processo de ensino e na aprendizagem a colocou do lado frágil (porque desvalorizado) da Universidade. E é a partir deste lado que desafia as lógicas instaladas e que reclama a abertura a outros espaços para as mulheres.

Finalmente, Denise Mifsud conclui a obra com uma leitura sobre as formas de superação encontradas pelas autoras neste processo de se tornarem parte da Academia. Transversalmente, Mifsud encontra nas suas narrativas a evidência de que foram relegadas para posições pautadas pela desigualdade de género, em que tiveram que confrontar-se com estruturas de poder e diversas formas de discriminação. Ainda assim, acentua como foram bem-sucedidas fazendo da resistência aos desempenhos esperados uma estratégia a seu favor. Da experiência de organização do livro, sublinha os desafios que assumiu enquanto narradora, finalizando a obra com uma interessante conversa com Foucault, (também) assumidamente concordante com a necessidade de mostrar que estas trajetórias de sucesso desveladas não são óbvias como as pessoas possam pensar.

Corroborando a leitura de Mifsud, em cada narrativa se discorre sobre o processo, muito além do que se dedica a perceber do resultado. Globalmente, os textos dão conta de percursos que reclamam a visibilidade e o reconhecimento das mulheres na Academia, admitindo, explicitamente, que as especificidades da experiência no feminino são, de facto, singulares, diversas e essenciais. Mais, partem do princípio de que a sensibilidade para lidar com os desafios não retira nem exclui; pelo contrário, acrescenta e amplifica – afinal, «ser tenaz faz parte de ser mulher» (Menezes, 2019, 33) – o conhecimento, a produção científica, as relações humanas e institucionais e a Academia. E é, inevitavelmente, a experiência particular de ser mulher e a materialização daquilo que envolve, quer seja através da maternidade, quer seja através da forma de ler e de traduzir o mundo ou de lhe resistir, que torna a sua presença na Academia lugar de desafio e de afronta ao problema.

 

Como sugere Alexis Shotwell (2016, 204):

rejeitar a pureza é o início e a compreensão da nossa implicação neste mundo comprometido, é reconhecer as várias injustiças que assolam diariamente as nossas vidas, e a partir desse entendimento, é agir em conformidade com o nosso desejo de que o mundo deixe de ser assim. (…) Nós não podemos prever o que pode emergir das práticas individuais e coletivas de ficar com o problema, exceto assumir que tê-lo nas mãos é tornar possível um outro mundo, ainda que imperfeito e impuro, e outro e mais outro depois desse.

Importa, por isso, muito justamente, desocultar a bravura e a invisibilidade das mulheres tão marcada em tantos domínios, ao longo do tempo (veja-se Joana d’Arc nas lutas de França2, as Carquejeiras do Porto3, etc.) e questionar o conjunto de representações que repousam, desde os contos infantis4  até aos dias de hoje, sobre elas e os seus desempenhos. Tal implica romper com a expectativa de que o espaço de atuação das mulheres deve configurar-se por referência aos interesses materiais e simbólicos da linhagem (dos homens) (Bourdieu, 1999), impondo-se uma determinada visão do mundo (Adichie, 2012). Mais, significa compreender que, em diversos casos, acarretando perdas pessoais, constrangimentos familiares adicionais, embates profissionais, etc., a democratização da esfera privada e o papel central que nela ocupa a figura feminina precisam de ser repensados, para que «as mulheres [que] desempenharam de longe o papel principal, [não vejam] no final os benefícios alcançados […], como na esfera pública, abertos a todos» (Giddens, 2001, 129). É, assim, altura de invocar as dimensões ética e política ao invés de acolher o princípio da neutralidade (Vieira, Alvarez & Ferro, 2017), visibilizando as trajetórias e as estratégias destas mulheres, as suas redes de suporte, os seus apelos a um reconhecimento de que é possível perspetivar a história de maneira diferente. E isso requer que sinalizemos os ganhos que advêm da entrada destas (e de tantas outras!) mulheres na Academia e ressaltemos que o seu sucesso na Universidade não é e não pode ser uma escolha; é um direito. Ainda que olhar para este livro seja ver trajetórias pessoais no feminino, perscrutar as narrativas destas mulheres significa assumir, indubitavelmente, que a história que aqui se conta é sobre todas e sobre a narrativa que um dia fará, como elas e todas nós, parte da Academia.

 

 

Referências

Blackmore, Jill. 1999. Troubling women: Feminism, leardership and educational change (Feminist Educational Thinking). Buckingham: Open University Press.         [ Links ]

Bourdieu, Pierre. 1999. A Dominação Masculina. Oeiras: Celta Editora.         [ Links ]

Adichie, Chimamanda Ngozi. 2012. A Coisa à volta do teu Pescoço. Alfragide: D. Quixote.         [ Links ]

Giddens, Anthony. 2001. As Transformações da Intimidade. Sexualidade, Amor e Erotismo nas Sociedades Modernas. Oeiras: Celta         [ Links ]

Pratchett, Lawrence. 2004. «Local autonomy, local democracy and the ‘new localism’». Political Studies 52(2), 358-375.

Shotwell, Alexis. 2016. Against Purity. Living Ethically in Compromised Times. Minneapolis, London: University of Minnesota Press.         [ Links ]

Vieira, Cristina C., Maria Teresa Alvarez, & Maria Jorge Ferro. 2017. «Questões de género e cidadania: reflexões breves sobre o poder emancipatório da educação». In L. Alcoforado, M. R. Barbosa, & D. A. Barreto (Eds.), Diálogos Freireanos: a educação e formação de jovens e adultos em Portugal e no Brasil (pp. 701-716). Coimbra, IUC e Recife, Universidade Federal de Pernambuco.         [ Links ]

 

 

Notas

2 Nolan, Jeannette C. 1980. Joana D’ Arc. 6ª Edição. Porto: Civilização.

3 LIGA PORTUGUESA DE PROFILAXIA SOCIAL. 1951. O Problema das Carquejeiras do Porto e como a Liga Portuguesa de Profilaxia Social tem procurado resolvê-lo. Porto: Imprensa Social.

4 Brocklehurst, Ruth & Gillian Doherty. 2010. Usborne illustrated Grimms’ Fairy Tales. London: Usborne. Sobre a representação de mulher como alguém frágil, indefesa, relegada para o papel de cuidadora, à espera de ser libertada por uma figura masculina presente neste e em diversos contos.

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