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Ex aequo

Print version ISSN 0874-5560

Ex aequo  no.42 Lisboa Dec. 2020

 

EDITORIAL

 

Editorial

 

Virgínia Ferreira

https://orcid.org/0000-0003-3838-054X

 

 

Neste quadragésimo segundo número da ex æquo dedicamos o dossier temático aos «Estudos de Género e Neoliberalismo: Os últimos 20 anos». A organização do dossier esteve a cargo de Maria João Silveirinha e Cláudia Álvares, ambas especialistas em estudos de género e estudos da comunicação.

 

Nesta edição da revista ex æquo, reposicionamos a questão em torno dos Estudos sobre as Mulheres/de Género/Feministas (EMGF) na era neoliberal e olhamos para os últimos 20 anos do amplo campo dos estudos de género. No centro do nosso olhar estão as implicações para os EMGF da forma como a racionalidade económica neoliberal procura transformar as sociedades capitalistas e como, sob o seu regime, os governos deixam de ter uma responsabilidade prática ou ética perante o seu coletivo de cidadãs e cidadãos, abdicando das obrigações de nivelar o campo de ação para todas as pessoas prejudicadas pela discriminação sistémica e apelando à escolha individual e à responsabilidade pessoal como antídotos para as barreiras do preconceito e da discriminação. Entendemos que percorrer os últimos 20 anos da interceção entre género e neoliberalismo pode dar-nos algumas respostas que toquem não apenas os estudos de género, mas os caminhos dos feminismos nessas últimas duas décadas.

 

Esta temática foi a resposta que encontrámos para aceitar o desafio de refletir sobre o impacto da Plataforma da Ação de Pequim de 1995 que foi acordada precisamente quando o neoliberalismo se consolidava como prática política hegemónica, impondo uma racionalidade económica e uma subjetividade fortemente prejudiciais para as mulheres (precarização do emprego, retração do estado-providência, cortes nos serviços públicos, etc.), e acelerava o processo de substituição da cultura das humanidades pela da especialização e, em algumas áreas com estrondo, noutras paulatinamente, a polémica argumentativa pela polémica mediática… No texto de introdução à temática, tivemos a preocupação de mostrar que aos desenvolvimentos subsequentes à adoção da Plataforma não foram alheias as próprias conceções de género que nela estão vertidas.

 

Vale a pena chamar aqui a atenção para o texto no qual é apresentado o estudo bibliométrico das duas revistas publicadas em Portugal que se reclamam da área dos Estudos sobre as Mulheres/de Género/Feministas. Estamos a falar desta revista – a ex ӕquo – e a Faces de Eva, cujos primeiros números foram curiosamente publicados no mesmo ano – 1999, quatro anos depois da Plataforma. Ainda que enquanto variável proxi, pensamos que este estudo pode mostrar pelo menos parcialmente a forma como têm evoluído os perfis de quem publica nesta área de estudos e respetivas disciplinas, áreas geográficas e filiações institucionais, bem como o modo como o têm feito (em autoria singular ou plural), no período pós Plataforma. O desenvolvimento da análise temática, aqui apenas esboçada, dar-nos-á uma caracterização das transformações concetuais e analíticas com o passar dos anos. A hegemonização do conceito de género, sobre as questões das mulheres e feministas não pode deixar de ser vista como um claro efeito da promoção que dele é feito na Plataforma. Para além da confusão concetual introduzida foram progressivamente sendo secundarizados problemas que continuam a ser identificados nas sucessivas agendas políticas pós-Pequim 1995.

 

Na secção de Estudos e Ensaios, prosseguimos a nossa missão de dar visibilidade a medidas de política que procuram promover a igualdade e à obra de mulheres esmagadas pelo silêncio disciplinar e histórico. O primeiro da autoria de Mariana Pinheiro e Sara Falcão Casaca toma como tema «A Igualdade de Género nas Organizações e o Efeito do Reconhecimento Público: O Caso do Prémio Igualdade é Qualidade». Nele as autoras apresentam o estudo em que quiseram saber se as 41 organizações e empresas que foram distinguidas com o Prémio Igualdade é Qualidade, conferiram sustentabilidade e desenvolvimento às boas práticas de gestão de pessoas que lhes tinham justificado a atribuição do prémio. Explorando a informação institucional disponibilizada e as respostas a um inquérito por questionário, as autoras mostram mais uma vez como é mudar de forma estrutural as organizações. As 12 edições deste Prémio foram sempre entendidas como um instrumento político de efetivação de boas práticas de gestão de pessoas no trabalho, de uma gestão que promova a igualdade, que sustente o bem-estar de quem nelas trabalha.

 

No segundo texto desta secção damos visibilidade à arquiteta portuguesa Luz Valente-Pereira que, num tempo e numa sociedade hostil ao reconhecimento do trabalho e do talento das mulheres, conseguiu construir uma carreira na arquitetura, um campo em que as mulheres ainda só agora deixaram de ser olhadas como intrusas. O texto intitula-se «Architect Luz Valente-Pereira: Architecture, Research, and Life in a Changing Country» e é da autoria de Patrícia Santos Pedrosa e Lia Gil Antunes.

 

A secção de Recensões, por fim, apresenta-nos algumas obras a que vale a pena dar atenção: Júlia Garraio, muito a propósito, leu e refletiu sobre o livro Gender Studies and the New Academic Governance. Global Challenges, Glocal Dynamics and Local Impacts, editado por Heike Kahlert, para percebermos como o neoliberalismo nas universidades se repercutiu nos estudos de género e no lugar desta área científica na comunidade académica; Sofia Castanheira Pais dá-nos a conhecer The Positioning and Making of Female Professors. Pushing Career Advancement Open, editada por Rowena Murray e Denise Mifsud, que nos fala de trajetórias de professoras na academia; Jana Soler Libran revê outra coletânea, Revolución feminista y políticas de lo común frente a la extrema derecha, editada por María Eugenia Rodríguez Palop, que procura apontar caminhos para combater os movimentos antigénero; por fim, Manuel Abrantes sublinha a importância do manifesto Cuidar de quem cuida: histórias e testemunhos de um trabalho invisível. Um manifesto para o futuro, de José Soeiro, Mafalda Araújo e Sofia Figueiredo.

 

A ex æquo quer continuar a ser útil na promoção do conhecimento produzido no âmbito dos EMGF, mas para isso tem que continuar a contar convosco – para contribuir com estudos originais e disseminar os que aqui são publicados.

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