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Ex aequo

versão impressa ISSN 0874-5560

Ex aequo  no.41 Lisboa jun. 2020

 

RECENSÕES

 

Feeling Academic in the Neoliberal University. Feminist Flights, Fights and Failures, edited by Yvette Taylor and Kinneret Lahad. London: Palgrave/ Macmillan, 2018, 368 pp.

Adriana Bebiano

Universidade de Coimbra, Faculdade de Letras e Centro de Estudos Sociais

 

 

Esta coletânea de ensaios, incluída na série «Palgrave Studies in Gender and Education», começa por surpreender logo no título: «feeling academic». Escrever sobre emoções em contexto académico é já uma afirmação política de resistência à universidade neoliberal, de cuja organização foi rasurada a dimensão humana. A crítica à universidade-empresa já conta com uma extensa bibliografia; porém, o enfoque tem estado na questionação de um conhecimento avaliado segundo «metas de produção», expressas em números («outputs»). Convém lembrar ainda que é de «audit culture» que falamos quando falamos da universidade neoliberal: um sistema de hiperavaliação pautado por uma lógica de produção quantitativa, que emergiu na década de 1990 e que é agora hegemónica. Os Estudos sobre Mulheres, Feministas e Género (EMFG) têm participado neste debate, centrandose nas dificuldades acrescidas de quem trabalha na área.

O que este livro traz de novo é o enfoque no corpo concreto das académicas – autoras dos ensaios e entrevistadas – em quinze ensaios etnográficos e autoetnográficos, histórias de vida que incluem o que é invisibilizado na retórica académica: o stress, o medo, a culpa, a frustração. Emoções, portanto. E se há décadas que a teoria feminista inscreve o sujeito na investigação e na escrita, entendendo que o conhecimento é «fundado na experiência» (Harding, 1988), a opção pela autoetnografia leva mais longe esse lugar de sujeito. Conhecendo os parâmetros de validação do conhecimento académico, esta opção é um risco – e um risco muito bem-vindo.

Por outro lado, uma vez que os EMFG se encontram ainda em processo de validação – que se obtém à custa da obediência aos códigos dominantes –, este lugar de margem entra em conflito com posicionamentos de resistência à lógica neoliberal, dilema que se encontra presente em todos os artigos. Yvette Taylor (Universidade de Strathclyde, Escócia) e Kinneret Lahad (Universidade de Tela vive) reúnem ensaios diversificados que problematizam fracassos e possíveis formas de resistência de académicas feministas na universidade neoliberal. Em «Failure to Launch?», Heather Shipley centra-se na competição – que define os percursos académicos, na luta pelos parcos recursos –, desmontando «o mito de uma sororidade harmoniosa» entre as feministas. Como contraponto à «narrativa do sucesso», a autora propõe uma «narrativa do fracasso» que opte pela construção colaborativa do conhecimento. Mas quais são as possibilidades reais desta opção? Em «Feel the Fear and Killjoy Anyway», Órla Meadhbh Murray faz um ataque feroz às «narrativas feministas de sucesso», que mais não seriam do que um instrumento de opressão para as jovens académicas. A partir de entrevistas a quatro jovens precárias, Murray faz um retrato arrasador da universidade neoliberal, com a qual não há negociação possível: resta apenas denunciar os mecanismos de poder e vigilância que produzem desequilíbrio emocional e infelicidade. Também C. Laura Lovin, em «Feelings of Change», não encontra solução feliz dentro da academia: socorre-se de narrativas de quatro jovens doutorandas em EMFG para apontar possibilidades de realização profissional noutras organizações, onde a formação obtida possa contribuir para um trabalho comprometido com a comunidade e a justiça social. Por seu lado, a partir da posição privilegiada no topo de uma carreira bem-sucedida, em «A Long Goodbye to the ‘Good Girl'» Pat Thomson narra a sua experiência de décadas; sugere a procura de um lugar de fala solidário, com a autoridade necessária para negociar com a instituição. Este é um texto na linha dos exempla, narrativas didáticas que fazem parte da tradição ocidental desde a Antiguidade Clássica, particularmente cultivadas na Idade Média, um género narrativo que tem o seu mérito. Em «Feminist Conference Time», Emily F. Henderson concentra-se nas práticas discursivas do uso do «tempo» na academia: a pressão para converter todo o tempo em tempo «útil», que invade e rasura o privado, enquadrado por uma narrativa de culpa. Henderson usa «o tempo dos congressos» como exemplo de um tempo percecionado como luxo e ócio que, no entanto, é crucial para aprendizagem, inspiração e estabelecimento de relações colaborativas. Henderson defende ainda a «tranquilidade» como condição para a criação de pensamento relevante. Com um posicionamento muito próximo, em «Gender, Time and ‘Waiting' in Everyday Academic Life», Barbara Read e Lisa Bradley falam do tempo privado sacrificado ao «labour time». As autoras defendem a opção pelo «tempo lento» – na esteira do movimento «slow science» –, como única forma de superar uma cultura caracterizada pela culpabilização, a ansiedade e o medo. Por seu lado, Yvette Taylor – uma das organizadoras deste volume – questiona a validade das narrativas que celebram a interseccionalidade, mas que escondem exclusões, em «Navigating the Emotional Landscapes of Academia: Queer Encounters». Taylor foca-se na análise de narrativas de pertença que frequentemente ocultam corpos concretos que vivem simultaneamente dentro e fora, em função do sexo, da etnia, da classe ou da orientação sexual. Também Sarah Burton, vive) reúnem ensaios diversificados que problematizam fracassos e possíveis formas de resistência de académicas feministas na universidade neoliberal.

Em «Failure to Launch?», Heather Shipley centra-se na competição – que define os percursos académicos, na luta pelos parcos recursos –, desmontando «o mito de uma sororidade harmoniosa» entre as feministas. Como contraponto à «narrativa do sucesso», a autora propõe uma «narrativa do fracasso» que opte pela construção colaborativa do conhecimento. Mas quais são as possibilidades reais desta opção? Em «Feel the Fear and Killjoy Anyway», Órla Meadhbh Murray faz um ataque feroz às «narrativas feministas de sucesso», que mais não seriam do que um instrumento de opressão para as jovens académicas. A partir de entrevistas a quatro jovens precárias, Murray faz um retrato arrasador da universidade neoliberal, com a qual não há negociação possível: resta apenas denunciar os mecanismos de poder e vigilância que produzem desequilíbrio emocional e infelicidade. Também C. Laura Lovin, em «Feelings of Change», não encontra solução feliz dentro da academia: socorre-se de narrativas de quatro jovens doutorandas em EMFG para apontar possibilidades de realização profissional noutras organizações, onde a formação obtida possa contribuir para um trabalho comprometido com a comunidade e a justiça social. Por seu lado, a partir da posição privilegiada no topo de uma carreira bem-sucedida, em «A Long Goodbye to the ‘Good Girl'» Pat Thomson narra a sua experiência de décadas; sugere a procura de um lugar de fala solidário, com a autoridade necessária para negociar com a instituição. Este é um texto na linha dos exempla, narrativas didáticas que fazem parte da tradição ocidental desde a Antiguidade Clássica, particularmente cultivadas na Idade Média, um género narrativo que tem o seu mérito.

Em «Feminist Conference Time», Emily F. Henderson concentra-se nas práticas discursivas do uso do «tempo» na academia: a pressão para converter todo o tempo em tempo «útil», que invade e rasura o privado, enquadrado por uma narrativa de culpa. Henderson usa «o tempo dos congressos» como exemplo de um tempo percecionado como luxo e ócio que, no entanto, é crucial para aprendizagem, inspiração e estabelecimento de relações colaborativas. Henderson defende ainda a «tranquilidade» como condição para a criação de pensamento relevante. Com um posicionamento muito próximo, em «Gender, Time and ‘Waiting' in Everyday Academic Life», Barbara Read e Lisa Bradley falam do tempo privado sacrificado ao «labour time». As autoras defendem a opção pelo «tempo lento» – na esteira do movimento «slow science» –, como única forma de superar uma cultura caracterizada pela culpabilização, a ansiedade e o medo.

Por seu lado, Yvette Taylor – uma das organizadoras deste volume – questiona a validade das narrativas que celebram a interseccionalidade, mas que escondem exclusões, em «Navigating the Emotional Landscapes of Academia: Queer Encounters». Taylor foca-se na análise de narrativas de pertença que frequentemente ocultam corpos concretos que vivem simultaneamente dentro e fora, em função do sexo, da etnia, da classe ou da orientação sexual. Também Sarah Burton, em «Writing Yourself In?», questiona a retórica dominante da interseccionalidade, exemplificando as dificuldades dos «corpos negros e castanhos», e da «classe trabalhadora », na integração do mundo académico. Por seu lado, em «When Love Becomes Self-Abuse», Francesca Coin desmonta o discurso do trabalho académico feito «por amor» ao conhecimento, mostrando-o pelo que é: mais um instrumento de dominação, usado para justificar a exploração de trabalho precário, mal pago e, muitas vezes, pro bono.

O tema, já antigo, mas ainda pertinente, das dificuldades de legitimação é também abordado. Susanne Gannon, Sarah Powell e Clare Power, escrevem coletivamente «On the Thresholds of Legitimacy», um exercício disruptivo da valorização da autoria em contexto académico, exemplificando, com a sua escrita, aquilo que defendem: a construção coletiva e colaborativa do conhecimento. «China with ‘Foreign Talent' Characteristics», de Lauren Ila Misiaszzek, traz como contribuição interessante para reflexão o próprio processo de escrita: o ensaio é «messy» – palavra usada pela própria autora –, fragmentado e deliberadamente desorganizado, recusando a estrutura e a linguagem impostas à escrita académica. Por seu lado, em «Digital Scholars», Cristina Costa aborda uma área emergente. Não encontrei aqui qualquer dimensão feminista, pelo que creio que terá sido incluído neste volume na medida em que reflete sobre o difícil processo de validação de investigação marginalizada, tal como aconteceu, durante longas décadas, com os EMFG.

«Teaching Gender in a Postfeminist Management Classroom», de Nick Rumens, cruza a universidade neoliberal com o discurso do pósfeminismo, uma confluência que tem merecido alguma atenção nos EMFG. Situado no ensino de gestão – área endemicamente resistente a abordagens feministas e com afinidades «naturais» com a ideologia neoliberal – o ensaio tem o interesse acrescido de ser uma narrativa de trabalho realizado em território hostil.

Os ensaios mais disruptivos são, no entanto, os que se centram em emoções vividas específicas. «Impostor Syndrome as a Public Feeling», de Maddie Breeze, é particularmente audaz. Fala do «sentimento de impostura», com o concomitante medo de ser descoberta enquanto «fraude» – um sentimento aparentemente frequente, íntimo e calado, aqui colocado em espaço público. Breeze propõe o seu reconhecimento, desestigmatização e despatologização, e a transformação deste sentimento em instrumento de ação política. Há aqui, de novo, a questionação da narrativa hegemónica do sucesso – ela própria uma impostura. A autora propõe que a «dúvida de si» seja deslocada do lugar que ocupa no indivíduo para a questionação dos parâmetros impostos e avaliação – onde reside a causa da dúvida.

Talvez o ensaio mais insurreto contra as regras de comportamento não escritas, mas nem por isso menos poderosas, em vigor na academia seja «Crying on Campus», de Daphna Hacker. O choro é, por excelência, uma expressão de emoção feminizada. Perturbando a lógica racionalista e masculina da academia, é estigmatizado e, por isso, rigorosamente controlado. Partindo da narrativa de quatro episódios de choro, Hacker defende a sua aceitabilidade em contexto académico, enquanto forma de expressão do humano.

Abordei os diferentes ensaios por uma ordem diversa daquela em que surgem publicados: Esta é uma leitura subjetiva, que segue uma lógica associativa e fundada também nas emoções de quem lê. Acresce que excluí a referência aos espaços concretos nos quais decorrem as experiências de vida de pessoas singulares, com circunstâncias específicas, que constituem estudos de caso; fi-lo deliberadamente. De facto, se estes estudos de caso só ganham o seu significado pleno no contexto em que ocorrem, cada um destes ensaios produz uma reflexão que pode migrar e, atravessando fronteiras geográficas e culturais, servir ainda para pensar as situações de novo concretas, materializadas noutros corpos, noutros lugares. No seu retrato da academia do presente, e nas propostas de formas possíveis de resistência, negociação e combate, este é um livro notável, cuja leitura recomendo. Emotionally speaking, it's a book after my own heart.

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