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Ex aequo

versão impressa ISSN 0874-5560

Ex aequo  no.39 Lisboa jun. 2019

 

RECENSÕES

 

Women’s Activisms in Africa. Struggles for Rights and Representation, editado por Balghis Badri e Aili Tripp, Londres: Edição Zed Books, 2017, 250 pp.

 

Sara Vidal

Mestre Estudos Africanos, ISCTE-IUL, Lisboa, Portugal

 

 

A obra Ativismo de Mulheres em África (Women’s Activism in Africa) explora a mobilização de mulheres no continente africano. Trata-se de uma edição conjunta entre Balghis Badri – professora de Antropologia Social e diretora do Instituto Regional de Género, Diversidade, Paz e Direitos na Universidade de Ahfad, no Sudão, e de Aili Mari Tripp – professora de Ciência Política e estudos de género e das mulheres, autora de diversas obras sobre os movimentos de mulheres em África.

A obra divide-se em 10 capítulos, nos quais 11 mulheres investigadoras e ativistas contextualizam e analisam o movimento de mulheres desde as regiões do Norte de África à África Subsariana. Constitui uma importante exposição do ativismo das mulheres africanas, tendo em consideração o seu papel desde as lutas anticoloniais ao período pós-independência até à atualidade. Inclui a análise das várias formas de ação coletiva à volta de questões dos direitos das mulheres (como o direito à terra, à herança, à representação feminina política).

No capítulo 1, Badri e Tripp conduzem-nos por uma contextualização acerca das «Influências africanas nos direitos das mulheres globais». Aqui, é destacada a Conferência da Mulher em Beijing (1995), devido à sua influência na agenda política da maioria dos governos africanos. A ênfase é clara – os ‘direitos humanos das mulheres são também direitos humanos’. Daqui todo o discurso universal neutro masculino e a subalternização histórica das mulheres do Sul começa a ser contestado.

As autoras realçam que a violência contra as mulheres tem sido um dos alvos das demandas dos movimentos de mulheres em África. Contudo, o objetivo nunca foi mostrar as mulheres como meras vítimas, apesar dos media hegemónicos internacionais, frequentemente, representarem as mulheres africanas como meras vítimas de HIV/AIDS, Ébola, tráfico, fome, violência e guerra. De facto, o ativismo das mulheres em África não tem sido adequadamente reconhecido. É raro ouvir-se falar pelos meios de comunicação hegemónicos acerca de mulheres africanas que têm desafiado as estruturas dominantes patriarcais onde estão subjacentes a marginalização social e cultural. Destacam, por isso, diversos movimentos que ganharam visibilidade – é o caso do Movimento do Cinturão Verde, fundado por Wangani Maathai, que se tornou uma força de mudança política no Quénia em 1990; o movimento de paz da Libéria, que reuniu centenas de mulheres contra o fim da guerra de civil em 2003. Em Marrocos, na Tunísia e no Egipto, as mulheres estiveram também na vanguarda dos movimentos sociais para a reforma social de 2011.

No capítulo 2, Nana Pratt analisa «A evolução do movimento de mulheres na Serra Leoa». Elabora, particularmente, o ativismo de mulheres durante e após a guerra civil (1991-2002) e o seu alcance coletivo no restabelecimento e construção da paz e nos processos da democratização. Mais uma vez, temos um caso em que «as mulheres começaram a falar abertamente» (p. 39), em consequência do colapso da economia e do governo. Em demanda pelo fim da guerra e por novas eleições democráticas, simultaneamente, consciencializavam a sociedade sobre a violência contra as mulheres e crianças. O Fórum de Mulheres foi criado em 1994, resultando numa plataforma de diversas organizações e grupos de mulheres da Serra Leoa e de vários países africanos. Pratt aponta que o fórum tem sido uma «força na advocacia feminina em todas as questões relacionadas com preocupações, necessidades e interesses de mulheres» (p. 39).

No capítulo 3 são exploradas formas de ação coletiva relacionadas com a economia informal. Akua Britwum e Angela Akorsu analisam as «Associações de mercados de mulheres no Gana». As autoras contextualizam o seu surgimento na sua raiz histórica. As mulheres recorreram a associações comerciais-comunitárias «que incorporam sistemas de apoio e de regulação» (p. 49), devido à exclusão da economia formal e da falta de sistemas de proteção social, de forma a orientar as suas atividades económicas nos mercados urbanos. Atualmente, no Gana, as mulheres perfazem um total de 91% da economia informal enquanto que a percentagem no caso dos homens é de 81%.

De acordo com as autoras, a economia informal tem importantes implicações no que diz respeito à promoção dos direitos de trabalho das mulheres e segurança.

Lilia Labidi, por sua vez, no capítulo 4, remete-nos para uma análise antropológica e histórica sobre «Literatura de denunciação das mulheres tunisianas». Ela mostra o modo como este estilo de literatura serviu para mulheres darem testemunhos pessoais e coletivos das várias formas de opressão que experimentavam – o patriarcado, o colonialismo/imperialismo e a ditadura. Após e com a Primavera Árabe, «uma nova literatura online tornou-se acessível para um público mais amplo» (p. 63). O zaja; forma poética que usa expressões informais árabes para expressar não só uma visão do «eu» e do mundo, mas também para demonstrar a situação política e cultural na Tunísia.

No capítulo 5 é analisado o «Movimento feminista em Marrocos». Fatima Sadiqi descreve os 70 anos do movimento feminista em Marrocos, que é caracterizado «pela mudança e continuidade, resiliência e capacidade de adaptação aos para doxos da tradição e da modernidade, bem como da vida urbana e rural» (p. 98). A autora frisa que o movimento nasceu no calor da luta anticolonial contra a colonização francesa (1912-56), sofreu sob a construção do Estado e ganhou maturidade com a globalização e a política islã, emergindo em 2011 com a Primavera Árabe como central na «elaboração de políticas» (p. 98). Os maiores desafios que encontram são as políticas tumultuosas, a crise económica e a falta persistente de oportunidades femininas e a pobreza.

No capítulo 6, «Direitos das mulheres e movimento de mulheres no Sudão (1952-2014)», Nagar e Tønnessen analisam criticamente a história do movimento de mulheres sudanesas. Refletem que, «desde a independência, o movimento de mulheres foi fragmentado em diferentes grupos» (p. 121), devido a ruturas geracionais, à centralização urbana, diferenças de classes e divisão islã-secular.

Todavia, as autoras demonstram que na última década várias ONG de mulheres têm lutado pela reforma de leis discriminatórias contra as mulheres. É evidente, na agenda política das organizações de mulheres, o uso de discursos feministas que desafiam as leis islâmicas sudanesas.

Acerca do «Movimento de mulheres na Tanzânia», no capítulo 7, Aili Tripp ressalta o facto da sociedade tanzaniana ser culturalmente pluralista. Desde o movimento de independência, mulheres muçulmanas e cristãs têm trabalhado conjuntamente, demonstrando um papel importante na sensibilização da discriminação e violência contra as mulheres. Todavia, a autora sublinha que o movimento de mulheres na Tanzânia tem enfrentado diversos desafios. No pós-independência houve uma tendência política de unir as mulheres em prol dos interesses nacionalistas e políticos do partido no poder. No entanto, com o processo de democratização e aumento das liberdades civis, sentiu-se a necessidade de se criarem organizações autónomas, apartidárias e feministas. Estas tinham assim o objetivo de pressionar e influenciar o governo tanzaniano para mudanças legislativas e constitucionais.

De forma geral, os movimentos de mulheres revelam as lutas e as resistências face a um estado patriarcal e às práticas culturais e sociais sexistas. Este é também o caso do «Movimento de mulheres no Quénia», descrito por Regina Mwatha no capítulo 8. A sua base é formada em comunidades tradicionais, onde as mulheres se ajudam mutuamente nos mais diversos sectores, nomeadamente económico, social, cultural e político.

No capítulo 9, «Mulheres se organizando pela libertação na África do Sul», é demonstrado como o fim do apartheid e a ascensão do governo democrático simbolizaram o confronto com o Estado e, em simultâneo, o engajamento de organizações de mulheres no processo de criação de uma nova constituição, para que a igualdade de género se integrasse nas políticas. A autora descreve como estão atualmente a emergir novos tipos de alianças sociais na África do Sul (p.e. o movimento estudantil; em 2015 houve uma revolta e mobilização de estudantes pela descolonização do currículo académico e pelo fim da dominação ocidental na Academia).

Badri contribui no capítulo 10 com a análise «Mulheres africanas ativistas: contribuições e desafios em frente». Segundo a mesma, as ativistas e, principalmente, as que se autodeclaram como feministas enfrentam desafios multifacetados: 1) o patriarcado subjacente em todas as estruturas e instituições; 2) as divisões ideológicas e políticas no ato de criar alianças; 3) as preocupações socioeconómicas e pobreza permanente; (4) os constrangimentos políticos, o fundamentalismo e a falta de liberdades civis; e 5) a capacidade das organizações de mulheres de efetuarem mudanças efetivas.

Na verdade, como afirma a autora, o patriarcado não é único no continente africano – é parte de um sintoma global. Contudo, é preciso ter em consideração as suas especificidades contextuais. Torna-se necessário refletir que as relações de poder continuam severamente não-desconstruídas e que o privilégio masculino continua a ser beneficiado. No entanto, a autora conclui positivamente que o futuro das mulheres africanas ativistas será mais brilhante devido ao uso das redes sociais, principalmente com o movimento de jovens feministas.

Por fim, e claramente, esta obra desafia a ideia de que as ativistas africanas foram simplesmente influenciadas por agendas externas ocidentais e inclusive pelo feminismo ocidental branco. Ao longo de cada caso de estudo, entende-se como as mulheres se organizaram e forjaram criativamente e de maneira ativa os seus movimentos através das suas próprias preocupações, conceptualizações e agendas políticas.

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