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Ex aequo

versão impressa ISSN 0874-5560

Ex aequo  no.38 Lisboa dez. 2018

 

RECENSÕES

 

Women in International and Universal Exhibitions, 1876-1937, editado por Rebecca Rogers e Myriam Boussahba-Bravard. Nova Iorque e Londres: Routledge, 2018, 286 pp.

 

Júlia Garraio

Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Portugal

 

 

Poderá um estudo sobre a participação de mulheres nas exposições internacionais e universais realizadas entre 1876 e 1937 contribuir para um conhecimento mais aprofundado desses imponentes eventos culturais de celebração da técnica, do progresso e da modernidade, e inevitavelmente associados ao imperialismo ocidental? No volume organizado por Rebecca Rogers e Myriam Boussahba-Bravard, argumenta-se que as exposições, enquanto encenações do progresso e do domínio colonial, foram lugares de exibição da luta de poder entre nações imperiais rivais, mas também espaços onde as mulheres reclamaram subjetividades. Mais ainda, assume que um estudo focado na participação feminina e nas dinâmicas de identidade sexual que moldaram esses eventos é capaz de, através da visibilização de questões negligenciadas, abrir novas perspetivas tanto para a história das mulheres como para a investigação sobre as exposições.

As mulheres estiveram massivamente presentes nas exposições universais e internacionais, como espectadoras e consumidoras, como artistas, como trabalhadoras e, claro, como «objeto representado». Ainda que certas representações de mulheres sejam analisadas nalguns contributos, o foco neste volume é o papel das mulheres como agentes, nomeadamente como criadoras artísticas, organizadoras culturais e ativistas que usaram esses eventos para promover os seus interesses e lutar pelos direitos das mulheres. Neste volume, sendo a mulher entendida como categoria marcada pela diversidade identitária, a problematização da identidade sexual traduz-se na realidade em abordagens intersecionais profundamente atentas a dimensões como estatuto económico, origem étnica e/ou geográfica, pertença religiosa, processos de racialização e capital simbólico. Vejamos então a estrutura do volume.

A primeira parte, «Exhibiting Women: Collectors, Artists and Students», é constituída por três contributos sobre estratégias usadas por mulheres para promover os seus interesses e as suas carreiras através das exposições. Julie Verlaine centra- -se em coleções de arte de mulheres, mostrando como as exposições contribuíram para que certas mulheres ocidentais com forte poder económico passassem a movimentar-se em círculos internacionais como colecionadoras e mecenas. Ursula Estrada debruça-se sobre as primeiras estudantes admitidas na Escuela Nacional de Bellas Artes do México, com destaque para Carlota Camacho, e o significado da sua participação na World's Columbian Exposition (Chicago, 1893). O estudo problematiza o acesso de mulheres a espaços artísticos tradicionalmente masculinos, discutindo também o papel da obra destas artistas na construção de narrativas alternativas sobre a relação entre as mulheres e a nação mexicana. Linda Kim aborda os limites ao poder das artistas sobre as suas criações através da análise de American Girl, escultura de Bessie Porter que usou a atriz Maud Adams como modelo. Recusada pela comissão norte-americana para representar o país na Exposition Universelle de 1900 (Paris), a obra seria aí exibida num espaço comercial, o Palais de l'optique.

A segunda parte, «Promoting Women: Professionals, Workers and Organizers », inicia-se com um estudo de Gwen Jordan sobre as estratégias usadas por advogadas norte-americanas no contexto da exposição de Chicago (1893) para exigir mais representatividade. Segue-se um estudo de Teresa Pinto sobre o desaparecimento da memória oficial portuguesa da forte presença de trabalhos de alunas das escolas industriais portuguesas em quatro exposições internacionais da viragem do século (Paris, 1889; Chicago, 1893; Paris, 1900; Rio de Janeiro, 1908). Anne Epstein analisa os contributos de Anna Lampérière e Jeanne Weill na organização de dois congressos sobre educação no contexto da Exposição de Paris de 1900 como sinalizadores do advento de um novo papel social para as mulheres na viragem do século, o de organizador intelectual.

A terceira parte, «Staging Otherness: Women on and from the Margins», conta com um estudo de Christiane Demeulenaere-Douyère sobre uma das atrações mais populares das exposições universais, as mulheres das aldeias indígenas e dos espetáculos étnicos. Perante a dificuldade de encontrar fontes que permitam estudar a agência destas mulheres e as condições laborais em que foram exibidas pela Europa, o capítulo debruça-se sobre os papéis que lhes foram atribuídos na encenação do exótico. Ao analisar a exibição das dançarinas javanesas, das dançarinas egípcias (exposição de Paris de 1889) e das «amazonas de Daomé» (atual Benim) (exposição de Paris de 1900) no quadro de imaginários orientalistas oitocentistas e da celebração do poder colonial francês, o estudo converge com uma vasta investigação existente, sobretudo a partir de abordagens pós-coloniais, sobre o papel das representações de corpos femininos racializados na popularização do imperialismo.

Os outros capítulos da secção sinalizam, porém, que algumas mulheres das margens conseguiram usar a projeção internacional das exposições para questionar e desafiar códigos vigentes. Veja-se o estudo de Claudine Raynaud sobre várias ativistas negras norte-americanas no contexto da exposição de Chicago de 1893. Numa altura de forte brutalidade racista no Sul dos EUA, o panfleto de Ida B.Wells «The Reason why the coloured American is not in the World's Columbian Exposition» exigia o direito de as negras norte-americanas se representarem a si próprias. Raynaud valoriza também os contributos de seis palestrantes negras no World's Congress of Representative Women (1893) enquanto articulação de consciência política e delineação de lutas que iriam abrir caminhos para a emergência de feminismos negros no século XX.

James Keating procede a um estudo comparativo da participação de dois grupos de mulheres das margens, a feminista australiana Margaret Windeyer e mulheres Mórmon do Utah, no acima referido World's Congress of Representative Women (Chicago, 1893). O êxito de integração num diálogo nacional, protagonizado pelas mulheres Mórmon, serve para o investigador destacar a força dos apoios institucionais (Utah) e as desvantagens inerentes à periferia geográfica (New South Wales).

A quarta e última parte do volume, «Mobilizing women: National, International and Transnational Feminism(s)», visa as relações complexas e contraditórias entre as exposições internacionais e as organizações de mulheres. Karen Offen descreve como mulheres francesas e norte-americanas, com destaque para a feminista May Wright Sewall, usaram as exposições de Paris (1889 e 1900) e de Chicago (1893) como espaços para promover redes de cooperação que levaram à criação do International Council of Women e de uma filial francesa, o Conseil national des femmes françaises. Tracey Jean Boisseau analisa a importância das exposições internacionais para o crescimento de feminismos transnacionais, observando simultaneamente os limites e compromissos que o formato nacionalista desses eventos impunha às manifestações feministas. O capítulo final, de Siân Reynolds, centra-se na exposição de Paris de 1937 como evento marcado por uma mentalidade conservadora. Ainda assim, a historiadora valoriza a colaboração de associações de mulheres no advento do que, depois da guerra, viria a ser o Estado social.

Esta síntese dos contributos sinaliza que o volume, estruturado em quatro partes que pretendem ser representativas das formas de participação das mulheres nas exposições, não oferece uma visão panorâmica do período em análise. Trata- se, à primeira vista, de um conjunto de estudos de caso, em que há uma hegemonia de contributos sobre aspetos parcelares de exposições realizadas nos EUA e em França. As exposições ausentes são numerosas: entre muitas outras, as realizadas no Reino Unido, na Bélgica, em Portugal ou na Itália. Tal, no entanto, não retira valor nem pertinência ao volume. Por um lado, há que notar a qualidade e o rigor científico que fazem cada contributo individual valer por si, bem como o facto de vários capítulos incidirem sobre temas deveras originais (veja-se, por exemplo, o trabalho de Teresa Pinto). Por outro lado, quando lidos no seu conjunto e em diálogo, os vários estudos de caso contribuem de facto para perceber melhor as implicações das questões de identidade sexual nas dinâmicas socias das exposições enquanto espaços de negociação, que funcionaram como lugares de emancipação e empoderamento, mas igualmente como promotores de exclusões, silenciamentos e reiteração de subalternidades.

Porém, o grande valor do volume prende-se com a forma convincente com que prova a pertinência da análise de questões de identidade sexual na investigação sobre as exposições. Nesse sentido, é de notar como o volume visibiliza estudos feministas anteriores sobre o tema, reclamando-os para os debates alargados sobre as exposições. Ao referir as suas próprias lacunas e delinear novos paradigmas, o volume aponta caminhos a percorrer, incentivando investigadores/as a explorar outras geografias que possam contribuir para conhecimentos mais sistematizados sobre a forma como a narrativa triunfante da modernidade é estruturada por construções de identidade sexual e como as mulheres, além de serem parte da narrativa da exposição universal, também participaram na escrita dessa narrativa. O volume incita assim à realização de mais estudos sobre a época abordada, bem como à exploração de questões de identidade sexual que vão para além da categoria mulher. Convida também à investigação sobre o período ausente do volume, nomeadamente a ordem mundial pós-1945, quando os alicerces ideológicos subjacentes a grande parte das exposições analisadas no volume, o poder colonial ocidental, são repudiados pelos povos colonizados, e se assiste a importantes transformações na situação social das mulheres.

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