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Ex aequo

versão impressa ISSN 0874-5560

Ex aequo  no.36 Lisboa dez. 2017

 

RECENSÕES

 

La comunicación en clave de igualdad de género, coordenado por Virgínia Martín Jiménez y Dunia Etura. Madrid: Editorial Fragua, 2016, 134 pp.

 

Carla Cerqueira

Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Universidade do Minho, Portugal / Universidade Lusófona do Porto, Portugal

 

 

«Se esperamos a transformação, devemos assumir a responsabilidade de mudar nossa agenda para a mudança. Mulheres e homens na área da comunicação de massas com valores feministas são mais vitais do que nunca» (Creedon e Cramer 2007, 282)5. Recuperamos esta frase de duas estudiosas da área dos estudos de género e comunicação para demonstrar a pertinência e atualidade do livro La comunicación en clave de igualdad de género, pois por muito que se tenha produzido investigação nesta área, os resultados dos estudos demonstram a persistência de fortes – mais flagrantes ou mais subtis – assimetrias de género.

Este livro congrega trabalhos de investigação académica de diversas autoras/ es provenientes do contexto espanhol. Composto por sete capítulos e um texto introdutório, parte do papel da educação e do ensino no campo da igualdade de género para abordar temas muito diversos.

Na base da obra está o Projeto de Inovação Docente. Ensino em Igualdade e Inclusão de Género desenvolvido desde 2013 na Universidade de Valladolid, em Espanha, e focado na área da comunicação. Este tem fomentado e reflexão e criado diversos materiais que permitem desenvolver trabalho neste campo específico da igualdade de género e comunicação dentro das instituições de ensino superior. É por esse motivo que logo no início se pode ler que esta obra se apresenta como um manual que visa ser útil para docentes, estudantes e profissionais de comunicação (p. 12). Consideramos, no entanto, que este abarca um leque ainda mais diversificado de públicos, pois estimula a discussão sobre a importância de olhar as questões desde uma lente de género que permita desconstruir as assimetrias que ainda são vigentes e que muitas vezes são reforçadas pelas várias instituições de socialização, entre as quais se encontram os meios de comunicação social. Portanto, aponta para o eixo dos conteúdos, da produção e também da receção mediática, sendo este cruzamento extremamente relevante, pois os conteúdos são produzidos dentro de lógicas organizacionais, por determinados indivíduos e são negociados pelos públicos. Esta ideia do cruzamento de eixos mediáticos remete para a necessidade da chamada «yoking research» (Krijnen e Van Bauwell 2015), a qual não chega a ser problematizada diretamente no âmbito desta obra, mas que lhe está subjacente, uma vez que os textos acabam por abordar a necessidade de compreensão das lógicas envolvidas na tríade conteúdos, produção, receção.

Na introdução, Virgínia Martín Jiménez refere a propósito do livro que «não falamos de posicionamentos ideológicos entre os quais se possa optar ou não a partir de umas determinadas ideias ou argumentos, mas de direito fundamental que deveria ser reconhecido unicamente sem mediar debates, sem provocar polémicas» (p.12). Este é o mote para pensar a igualdade de género como uma questão de direitos humanos que deve integrar todas as dimensões da vida individual e coletiva. Todavia, no decorrer da obra, e através de diversos estudos empíricos e problematizações teóricas, percebemos que a igualdade está ainda muito longe de ser conquistada e que as assimetrias de género, mais subtis ou mais flagrantes, continuam a persistir.

A obra inicia com uma contribuição de Juana Gallego Ayala, da Universidade Autónoma de Barcelona, na qual a autora analisa a forma como as mulheres são representadas nos principais diários informativos de referência em Espanha, com o objetivo de perceber se o discurso de igualdade está presente na cobertura jornalística e que tipo de tratamento é dado às mulheres. Na linha de outros trabalhos já desenvolvidos (ver a título de exemplo, o livro De reinas a ciudadanas, de 2013), a autora conclui com a necessidade de uma passagem do «discurso de exceção à normalidade» (p. 21).

De seguida, Sonia Fernández de la Vega e Dunia Etura, da Universidade de Valladolid, estudam as relações entre a violência de género e a sua mediatização, enfatizando a forma como esta pode contribuir para a estigmatização e para a não consecução da igualdade. Nessa ótica, focam-se no papel da educação na desconstrução de estereótipos de género. Sublinham, por isso, a necessidade de uma articulação entre diferentes agentes sociais, onde se incluem os meios de comunicação social, mas também de um compromisso individual que vise eliminar as desigualdades (p. 37). Mais uma vez está aqui presente o apelo à responsabilidade coletiva e individual que trespassa toda a obra.

Num capítulo dedicado ao ciberfeminismo, Sonia Núñez Puente, da Universidad Rey Juan Carlos, analisa o ativismo online do movimento Femen, um dos que tem mais presença nos meios digitais. Através de uma análise de várias campanhas do movimento, conclui que este posicionamento na esfera pública digital ocorre através do «uso discursivo de um corpo construído performativamente» (p. 54).

Seguidamente, um estudo elaborado no âmbito do projeto que dá origem a esta obra, e assinado por Virginia Martín Jiménez, Carlos Ballesteros Herencia, Itziar Reguero Sanz e Ana Maria Velasco Molpeceres, da Universidade de Valladolid, centra-se na perceção da igualdade de género nas salas de aula da licenciatura em Jornalismo. Através da aplicação de um questionário, conclui-se, entre outros aspetos, que uma esmagadora maioria das pessoas inquiridas crê na igualdade de género, mas muitas consideram que existe demasiado alarme social em relação à violência machista. Além disso, há diferenças na perceção do sexismo quando se trata de raparigas e rapazes.

La feminización de la profesión periodística en las aulas é o tema abordado por Pilar Sánchez-García, da Universidade de Valladolid. A autora refere a existência de uma «aparente contradição porque a maioria das graduadas em jornalismo não se reflete na mesma proporção nas redações» (p. 87) e nos cargos diretivos. Assim, a feminização não se traduz num aumento de igualdade de oportunidades, panorama este que tem sido estudado também por diversas/os autoras/es nos mais variados contextos a nível (inter)nacional. Aliás, a feminização de profissões como é o caso da comunicação continua a ser atravessada por uma segregação vertical e setorial (Creedon e Cramer 2007).

Raquel Quevedo Redondo, também da Universidade de Valladolid, apresenta um estudo sobre As revistas femeninas de alta gama. Un escenario intrincado para la feminización de la comunicación política. A autora traz para a discussão alguns dos riscos associados à mediatização das mulheres que exercem cargos políticos, nomeadamente quando esta contribui para cristalizar estereótipos de género e para valorizar um enfoque «emocional» das notícias.

A encerrar o livro, a investigadora da Universidade de Valladolid Ana María Velasco Molpeceres aborda a Moda, comunicación e identidad de género. O texto visa analisar a dimensão social e sexual da moda (p. 105), em que a autora chega à conclusão de que esta acaba por construir uma «beleza industrial» (p. 120) que tem afetado mais as mulheres.

Concluindo, trata-se de uma obra com uma multiplicidade de olhares reflexivos sobre o papel dos media no campo da igualdade de género e no esbatimento das assimetrias existentes. Por vezes, parece existir pouca ligação entre os capítulos apresentados, mas estes possuem como fio condutor uma análise genderizada no campo da comunicação. Todavia, seria importante ter mais contributos específicos provenientes do projeto que dá origem à obra, até porque permitiam trazer especificidades sobre o contexto em que este está a ser desenvolvido e servir de mote para a reflexão noutras instituições em Espanha e mesmo noutros países. Apesar disso, considero que é um contributo importante para o campo dos estudos de género e comunicação e traz desafios que poderão ser respondidos, quer por investigações futuras, quer por projetos de implementação prática da perspetiva de género nas universidades, os quais continuam a ser escassos em muitos contextos, nomeadamente no que diz respeito ao panorama português. Quanto mais cedo se educar e sensibilizar para a importância da igualdade de género e diversidade mais esta poderá ser efetiva em termos pessoais e profissionais, traduzindo maior equidade social.

 

 

Referências Bibliográficas

Creedon, Pamela e Judith Cramer. 2007. Women in Mass Communication. Cresskill, Nova Iorque: Hampton Press.         [ Links ]

Gallego, Juana. 2013. De reinas a ciudadanas: Medios de comunicación, ¿motor o rémora para la igualdad?. España: Aresta Mujeres         [ Links ]

Krijnen, Tonny e Sofie, Van Bauwel. 2015. Gender and Media: Representing, Producing, Consuming. Londres e Nova Iorque: Routledge.         [ Links ]

 

 

Notas

5 If we hope for transformation, we must take responsibility for moving our agenda for change forward. Women and men in mass communication with feminist values are more vital now than ever (Creedon e Cramer 2007, 282)

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