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Ex aequo

versão impressa ISSN 0874-5560

Ex aequo  no.35 Lisboa jun. 2017

 

RECENSÕES

 

Nas Filigranas do Discurso jurídico, a (des)construção de sentidos na Lei Maria da Penha, de William Diego de Almeida. Campo Grande: Editora UFMS, 2015, 163 pp.

Icléia Caires Moreira

 

Mestranda em Estudos Linguísticos, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil

 

 

Willian Diego de Almeida é graduado em Letras pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (2008), Mestre em Letras (2014), área de concentração em Estudos Linguísticos e linha de pesquisa: Discurso, subjetividades e ensino de Línguas, doutorando pela mesma instituição. Possui experiência na área de Letras, com ênfase em Língua Portuguesa, Análise do Discurso de perspectiva francesa, linguagem jurídica e em metodologia de ensino e pesquisa. Atua, especialmente, nos seguintes temas: Língua(gens); Análise do Discurso; Subjetividade(s); Discurso jurídico; Educação; Exclusão e Inclusão; Cidadania; Metodologia de Ensino.

Em seu livro «Nas Filigranas do Discurso jurídico, a (des)construção de sentidos na Lei Maria da Penha», o autor vale‑se teórico‑metodologicamente da visada discursivo‑desconstrutivista ancorada em autores da Análise do Discurso de orientação francesa, na perspectiva foucaultiana arqueogenealógica (1995, 2002, 2005, 2008a) e na desconstrução de Jaques Derrida (1973, 1991, 1995, 2001, 2003, 2004, 2005) para problematizar o discurso jurídico do texto da lei 11.340/2006, conhecida como lei Maria da Penha, doravante LPM, para identificar e interpretar os seus possíveis efeitos de sentidos.

A partir desse assentamento teórico, o pesquisador procura apontar, via recortes discursivos, as marcas linguísticas caracterizadoras de efeitos de sentido de (in)submissão, discriminação, resistência e estereotipação da mulher. Problematiza o processo de (in/ex)clusão e suas implicações com as relações de poder intrínsecas ao sistema jurídico brasileiro, além de levantar os silenciamentos que perpassam a organização discursiva da lei para fazer emergir os possíveis efeitos de sentidos que constroem a representação da mulher e seu papel no âmbito social. O estudioso discute a LPM enquanto política pública que se marca pela necessidade da produção de consenso, uma maneira de apaziguar uma extensa gama de premências e objetos que divergem, via processo coercitivo formulado entre as esferas do administrativo e do jurídico.

A obra, fruto de sua dissertação de mestrado, vinculada ao programa de pós‑graduação em Letras – Estudos Linguísticos e linha de pesquisa com ênfase em discurso, subjetividades e ensino de Línguas da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul; prefaciada pela Professora Dra. Vânia Maria Lescano Guerra, docente da mesma instituição, organiza‑se, didaticamente, em três grandes capítulos intitulados: «Mapeando fronteiras teórico‑metodológicas»; «A construção do corpus discursivo da Lei Maria da Penha» e «O processo analítico da Lei Maria da Penha».

Em «Mapeando fronteiras teórico‑metodológicas», William Diego de Almeida (2015) centra‑se em explicitar as noções teórico‑metodológicas norteadoras de seu gesto interpretativo empreendido sobre os recortes formadores do corpus eleito a partir do texto da Lei. Em primeira instância, tece considerações a respeito da Análise do Discurso de orientação francesa, aparato teórico responsável por contribuir para o descortinar da rede de sentidos que perpassam o discurso da LPM, questionar sua não transparência e discutir a constituição híbrida de seus múltiplos valores sócio‑históricos. Em seguida, remete aos escritos de Foucault e Derrida como elementos chave à desconstrução da trama jurídica por subsidiarem o gesto analítico na busca de reflexão e (des)estabilização das verdades, das hierarquias conceituais para fazer emergir do arquivo legal, aquilo que foi dissimulado e interditado historicamente.

Pode‑se dizer que Almeida (2015), por meio da construção de seu dispositivo teórico de análise, a partir de seu loci geoistórico, consegue deslocar o discurso legal da LPM do espectro colonial homogeneizador que o assombra, por pertencer a rol de dispositivos reguladores estatais, para erigir‑se na produção de uma crítica consistente que abranja as imagens de democracia que permeiam o campo do Direito, mas que também refletem o atravessamento de ideologias que apesar de buscar a inclusão dos que estão à margem, opera efeitos de sentidos de manutenção de poder e submissão da figura feminina no bojo da sociedade.

No capítulo II, «A construção do corpus discursivo da lei Maria da Penha», são levantadas algumas pistas relativas às condições de produção (sociais/históricas/ideológicas) do discurso da LPM que colaboram, dentro dos moldes articulados por Pêcheux (1998), enquanto elementos extratextuais, para (re)significação dos efeitos de sentidos a respeito da mulher. O autor explica que as condições de produção são imprescindíveis, uma vez que permitem (d)enunciar que os significados, os efeitos de sentidos estão sempre umbilicalmente atrelados na impossibilidade de ocorrer fora de uma dada conjuntura, além estarem sempre vinculados à influência de um sujeito. Isto é, o dizer é arquitetado e estabelece‑se conforme as condições sócio‑históricas e ideológicas dos sujeitos que o empregam.

De forma transdisciplinar, o pesquisador entrelaça e entretece os fios teóricos mobilizados por Azevedo (1985), Costa, Bruschini (1992), Moro (2001), Izumino (2004), Gonçalves (2006), Coracini (2007), Rial, Pedro e Arend (2010), no intento de abalizar em que circunstâncias o discurso jurídico foi produzido tanto em relação à enunciação quanto ao contexto sócio‑histórico em que se erigiu a representação da mulher nos moldes que temos hoje, além de articulá‑los posteriormente aos escritos sobre o «feminino/ismo».

No capítulo III, «O processo analítico da lei Maria da Penha», Almeida (2015) problematiza, sob o prisma discursivo, alguns dos possíveis efeitos de sentido que emergem no texto da LPM. De forma sistemática, constrói suas incursões analíticas por meio da análise de recortes discursivos constitutivos de seu corpus, por meio de três eixos. No primeiro, discute a respeito da estereotipação da mulher e do homem e de que forma esses efeitos contribuíram para a cristalização/fossilização de uma memória social e discursiva de ambos. No segundo, trata das facetas das relações de poder e da resistência para denunciar como estas marcam e sustentam as mudanças nos dispositivos sociais concernentes às microestruturas dos mecanismos jurídicos. E no último, traz à baila os silenciamentos para descortinar como estes perpassam e corporificam‑se no texto da lei intervindo nas significações das determinações históricas, sociais e culturais.

É possível observar neste capítulo como as significações produzidas por um enunciado, pelo fato ter sido constituído de determinada forma, e não de outra, são preponderantes ao pesquisador no momento de suas mobilizações analíticas. Pois podem vir a gerar resultados completamente distintos, visto que o trabalho com a linguagem é produzido por um sujeito‑enunciador que fará escolhas possíveis e características em busca dos efeitos que intenta, mas que deixa escapar nos meandros do dito sentidos outros que se constituem no movimento constante dos objetos simbólicos e da história, ou seja, emergem os ecos da memória do dizer.

Um Livro indicado a linguistas, estudiosos do campo do Direito, das ciências humanas e a todos os que têm interesse pela linguagem em seu viés discursivo, por abordar diversos aspectos da linguagem sob o prisma discursivo‑desconstrutivista. Propondo uma problematização das razões que nos permitem ver como a palavra escrita funciona construtora de identidades, leis, planejadora de programas modernizadores, organizadoras da compreensão do mundo em termos de inclusões e exclusões (Castro‑Gomes, 2005).

Seguramente, as discussões empreendidas pelo autor ao longo de sua obra desvelam uma nova maneira de se interpretar os textos provenientes da esfera legal, são um gesto de resistência por parte do intelectual a fim de escapar às malhas da rede de um saber instituído (Foucault, 1997), uma vez que permitem refletir como o discurso da exclusão também se instaura nos interstícios do discurso de inclusão do aparato jurídico. Longe da aplicabilidade inócua e da repetição exaustiva de modelos já cristalizados, o pesquisador, de forma pontual, (des) constrói a sacralidade relegada aos escritos do Direito para fazer emergir como a Lei é uma poderosa ferramenta de agenciamento de condutas, responsável pela formação de subjetividades, que em lugar de apagar as diferenças dentro da esfera pública, acaba por reforçá‑las ao dar visibilidade à diferença.

 

 

Referências

Castro‑Gómes, Santiago (2005), «Ciências sociais, violência epistêmica e o problema da ‘invenção do outro’». Colonialidade do Saber: eurocentrismo e ciências sociais, perspectivas latino‑americanas, organizado por Edgardo Lander, 169‑186. Buenos Aires: Clasco.         [ Links ]

Foucault, Michael. 1997. Microfísica do Poder. 11 ed. Rio de Janeiro: Graal.         [ Links ]

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