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Ex aequo

versão impressa ISSN 0874-5560

Ex aequo  no.35 Lisboa jun. 2017

https://doi.org/10.22355/exaequo.2017.35.09 

ESTUDOS E ENSAIOS

 

O Pecado da Carne: Neomaterialismo e a (Re)Descoberta do Corpo

The Sin of the Flesh: new materialism and the (re)discovery of the body

El Pecado de la Carne: neomaterialismo y el (re)descubrimiento del cuerpo

Caynnã de Camargo Santos*

 

*Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra, 3004-512, Coimbra, Portugal

Correspondência

 

 


 

RESUMO

O presente artigo objetiva discutir alguns fundamentos conceituais do emergente paradigma neomaterialista no contexto dos debates sobre relações de gênero e diferenças sexuais. Persigo tal objetivo mediante uma atenta leitura das principais formulações da teórica feminista norte‑americana Karen Barad, uma das mais destacadas vozes vinculadas à «virada material» em curso na teoria e na prática feminista. Debruço‑me, nomeadamente, sobre aspectos basilares do «realismo agencial» de Barad, que sustenta sua proposta de uma «teoria performativa pós‑humanista». Em um segundo momento do trabalho, busco apresentar em linhas gerais alguns espaços de tensão entre as propostas de Karen Barad e Judith Butler, evidenciando assim as diferenças de perspectiva entre as abordagens do corpo sexuado por teóricas/os queer e neomaterialistas.

Palavras‑chave: Neomaterialismo, Corpo, Agência, Karen Barad, Intra‑ação

 


 

ABSTRACT

This article aims to present the conceptual basis of the so‑called new materialism in the context of the debates concerning gender relations and sexual difference. I pursue this goal through a close reading of the main formulations of the feminist theorist Karen Barad, one of the leading voices linked to the «material turn» underway in feminist theory and practice. My focus is, namely, on the fundamental aspects of Barad’s proposal of «agential realism», which underpins her account of «post‑humanist performativity». After that, I seek to outline some spots of tension between the theoretical perspectives of Karen Barad and Judith Butler, in order to highlight the different approaches of the sexed body by Queer and new materialist theorists.

Keywords: New Materialism, Body, Agency, Karen Barad, Intra‑action

 


 

RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo discutir algunos fundamentos conceptuales del emergente paradigma neomaterialista en el contexto de los debates sobre las relaciones de género y las diferencias sexuales. Persigo este objetivo a través de una lectura atenta de las principales formulaciones de la teórica feminista estadounidense Karen Barad, una de las voces más importantes vinculadas a lo «giro material» en la teoría y la práctica feminista. Me centro, en particular, en los aspectos fundamentales de la propuesta de Barad del «realismo agencial», en que se basa su propuesta de una «teoría performativa posthumanista». En una segunda etapa del trabajo, busco delinear algunas áreas de tensión entre las propuestas de Karen Barad y Judith Butler, subrayando así las diferencias de perspectiva entre los enfoques del cuerpo sexuado por parte de los teóricos queer y neomaterialistas.

Palabras‑clave: Neomaterialismo, Cuerpo, Agencia, Karen Barad, Intra‑acción

 


 

 

Introdução

Pautada fortemente pelo projeto epistemológico cartesiano, com sua fundante estrutura tripartida de separação rígida entre observador, palavras e coisas e central dualismo mente‑corpo, a perspectiva dominante desde o século XVII mediante a qual se analisam as relações estabelecidas entre dimensões do mundo percebidas como «materiais» e «discursivas» tem tradicionalmente relegado a materialidade a um espaço de passividade e inércia. No decorrer da segunda metade do século XX emergiram diversos trabalhos que, influenciados principalmente pela psicanálise lacaniana e pelos desenvolvimentos da semiótica, buscaram reformular as visões correntes até então acerca das inter‑relações entre o natural e o cultural, em um movimento que seria conhecido posteriormente como linguistic turn. Tal virada se popularizaria nas mais variadas áreas das ciências humanas e sociais, originando tendências teóricas como o pós‑estruturalismo e o desconstrutivismo, que viriam a alcançar o estatuto de paradigmas dominantes em diversos espaços acadêmicos nacionais, em especial na Europa continental e na América do norte.

Porém, apesar de suas importantes contribuições para a crítica a essencialismos ideológicos diversos, estas reelaborações pós‑modernas da dicotomia corpo‑linguagem acabaram por privilegiar a análise das formas simbólicas e dos processos de significação enquanto fundamentalmente constitutivos das subjetividades e corporalidades, de modo a reconhecerem toda a realidade «material» que nos cerca em termos de efeitos de práticas discursivas e formas de representação cultural, mantendo assim a questão da matéria, em sua potencial agência e historicidade, como secundária.

Partindo do entendimento de que a virada linguística negligenciou a materialidade da matéria (Jagger 2015), o neomaterialismo emerge em meados da década de 1990 como uma crítica a essa imposição de um caráter ontologicamente «inocente» à materialidade (Dolphijn e Tuin 2012), reivindicando‑lhe um papel ativo, complexo e dinâmico em meio aos processos de interação – ou intra‑ação (Barad 2003) – com estruturas discursivas, psicológicas e de inteligibilidade cultural, nos e pelos quais se constituem – as/os novas/os materialistas argumentam –, sempre contextual e transitoriamente, as atuações da materialização do mundo em seus contornos, limites e relevos.

À guisa de uma parcial e sucinta definição inicial, o termo neomaterialismo se refere a uma tendência teórica, um método, uma perspectiva conceitual e um posicionamento político (Braidotti 2012) que se desenvolve nas últimas duas décadas transversalmente a áreas tais como as ciências naturais, ciências sociais e a filosofia, propondo uma atenção especial à materialidade dos corpos humanos e não‑humanos, cuja importância foi tão marcadamente negligenciada pelo paradigma linguístico, em particular, e pelo dualismo cartesiano que tem dominado o pensamento ocidental moderno e pós‑moderno. Sua ênfase inicial na matéria, porém, tem fundamentalmente um caráter corretivo/reativo em relação a tendências teóricas concorrentes, que falharam ao não garantirem o devido papel volátil e agencial à natureza em suas proposições, não devendo ser pensada como um retorno a visões que localizam na natureza e nos corpos os elementos determinantes dos processos de estruturação das identidades e das relações sociais de poder. De fato, o neomaterialismo situa o papel fundamental da materialidade em meio ao processo performativo de vir‑a‑ser do mundo com vistas à superação de oposições rígidas entre natureza/cultura, matéria/discurso, ressaltando a inseparabilidade ontológica de tais instâncias, em um esforço político‑conceitual herdeiro (e radicalizador) de perspectivas analíticas como as de Bruno Latour e Donna Haraway, em suas proposições das noções de natureculture e «material‑discursivo» ao se referirem à essência relacional do mundo e seus atores (Haraway 1991; Latour 1993).

Assim, o objetivo fundamental do empreendimento neomaterialista é transversalizar os fluxos entre natureza e cultura sem garantir prioridade a nenhum dos aparentes lados opostos, mediante uma leitura do mundo e dos corpos humanos e não‑humanos informada pelo monismo filosófico, pela filosofia da imanência e pelos desenvolvimentos da física quântica, esta última em especial via «filosofia‑física» (Barad 2003, 813) pós‑newtoniana de Niels Bohr.

A teorização das relações estabelecidas entre corpos e práticas discursivas tem tradicionalmente figurado como uma das principais preocupações de autoras e autores com vinculação aos estudos sobre as mulheres, feministas e de gênero. Confrontadas pelo realismo essencializante, calcado no dualismo natureza/cultura, dicotomia à qual subjaz a compreensão do feminino como estreitamente vinculado à natureza, tal qual um solo inerte a ser explorado pelo «Homem» (Alaimo e Hekman 2008, 4), as feministas buscaram se distanciar da dimensão «natural» do mundo e de seu pretenso determinismo. De Simone de Beauvoir a Judith Butler, passando por Gayle Rubin e Monique Wittig, grande parte do pensamento feminista produzido na segunda metade do século XX tentou libertar a «mulher» dos grilhões reducionistas da natureza e da «carne» (Kirby 1997), dando forma a uma imperativa «biofobia» (Davis 2009, 68) teórica.1 Segundo esse regime de sentidos, qualquer referência a um âmbito material – que escape à categorização enquanto um simples efeito de práticas discursivas – caracteriza um esforço naturalizante que atua, em última instância, em prol da legitimação das estruturas sociais de opressão patriarcal. O neomaterialismo, por sua vez, argumenta que, em vez de simplesmente negar a natureza, deve‑se reconceitualizá‑la – propõe «pensar a materialidade sem seu habitual acompanhamento de essencialismo» (Hird 2004, 227). Para tanto, apresenta uma nova perspetiva sobre as relações entre ontologia e epistemologia, a partir da qual defende a copertinência e inextricável entrelaçamento da matéria e do discurso, desautorizando críticas de detratores que o acusam de tendências biologizantes e criando possibilidades político‑teóricas ainda pouco exploradas.

O presente artigo objetiva ser um dos primeiros esforços no domínio da literatura sociológica lusófona (até onde temos conhecimento) no sentido de sumarizar os fundamentos conceituais do neomaterialismo no contexto dos debates sobre relações de gênero e diferenças sexuais. Esse objetivo é perseguido mediante uma atenta leitura das principais formulações (no que concerne ao «projeto» neomaterialista) da teórica feminista norte‑americana Karen Barad, uma das mais destacadas vozes vinculadas à «virada material» (Alaimo e Hekman 2008, 6) em curso na teoria e na prática feminista. Debruço‑me, nomeadamente, sobre os aspectos basilares do «realismo agencial» de Barad (sua particular formulação de uma ontologia relacional ou «onto‑epistemologia», marcadamente influenciada pelos trabalhos em física quântica de Niels Bohr), que sustenta sua proposta de uma «teoria performativa pós‑humanista» (Barad 2003).

Em um segundo momento do percurso expositivo‑argumentativo, busco apresentar em linhas gerais – isto é, sem qualquer pretensão exaustiva – alguns espaços de tensão entre as propostas de Karen Barad e Judith Butler, sendo os trabalhos desta última tomados como exemplares do paradigma linguístico, que o neomaterialismo busca tanto criticar quanto transcender.

Niels Bohr e o Neomaterialismo: por uma ontologia relacional

Apesar do termo new materialism ter sido cunhado apenas recentemente,2 o germe do projeto político‑teórico que este nomeia remonta ao século XVII, na Ética de Espinoza. A doutrina monista espinoziana questiona a separação rígida entre mente e corpo, propondo uma visada que privilegia o reconhecimento da unidade psicofísica constituída pelos termos aparentemente opostos, de tal modo que alguns autores apontam o filósofo holandês como «o primeiro neomaterialist» (Dolphijn e Tuin 2012, 151). Herdeiro de tal perspectiva, o neomaterialismo contemporâneo tem como seu principal objetivo radicalizar e ampliar o questionamento das estruturas dualistas de pensamento que têm sustentado, além da oposição mente/corpo, dicotomias como natureza/cultura, matéria/discurso, etc., enfatizando a inseparabilidade ontológica dessas dimensões no processo de constituição do que entendemos como real.

A teórica feminista norte‑americana Karen Barad irá recorrer aos trabalhos do físico dinamarquês Niels Bohr para fundamentar sua releitura das relações estabelecidas entre matéria e discurso, de modo a garantir um caráter ativo, dinâmico e agencial também à primeira (caráter este tradicionalmente atribuído apenas às práticas discursivas). Da filosofia‑física de Bohr, Barad reterá a recusa da «metafísica atomista que compreende «coisas» como entidades ontologicamente básicas» (Barad 2003, 813), posição basilar de sua proposta de uma ontologia relacional.

Os trabalhos de Niels Bohr sobre teoria quântica e seu desenvolvimento de um novo modelo atômico lhe renderam o prêmio Nobel de Física em 1922. Tendo em mente os objetivos do presente artigo, irei deter‑me na apresentação sintética (que de modo algum visa explorar todas as dimensões do debate e forçosamente flerta com determinada simplificação esquemática) de sua célebre posição acerca do paradoxo da dualidade onda‑partícula e como a mesma informou os desenvolvimentos teóricos de Barad.

Segundo a física clássica, todas as «entidades» do universo podem ser divididas em dois grupos gerais: as que apresentam comportamento ondulatório e as que apresentam comportamento corpuscular (partículas). Uma das principais características diferenciadoras desses dois grupos é a capacidade ou não de ocupar uma mesma posição no espaço‑tempo. Enquanto ondas podem se sobrepor umas às outras, colidindo entre si e agindo de diversas outras formas de maneira a criarem perturbações no meio (gerando padrões de difração), cada partícula ocupa um ponto específico no espaço e no tempo, ou seja, estas últimas são «coisas» claramente localizadas (discretas e têm massa), ao passo que as ondas são contínuas. Para definir se, por exemplo, a luz é partícula ou onda, pode fazer‑se um experimento simples, utilizando uma grade de difração de duas fendas. Um feixe de luz, ao atravessar tal aparato de observação, apresenta um determinado padrão de difração, ou seja, comporta‑se como onda. Porém, ao passar por uma grade de fenda única, o feixe de luz apresenta também características de partícula (fótons). Estes dois resultados parecem ser contraditórios e questionam um dos fundamentos da física newtoniana, que prevê que um mesmo fenômeno só pode apresentar propriedades de onda ou de partícula. Nesses termos, não poderíamos definir a verdadeira natureza ontológica da luz.

A solução de Bohr para esse paradoxo é disruptiva: não há real contradição entre os dois resultados do experimento, uma vez que ao modificarmos os aparatos de observação, estamos simultaneamente transformando o estatuto ontológico do fenômeno em questão. A noção de um determinado «objeto» ontologicamente separado dos mecanismos empregados para sua observação é um falso referente inicial. A unidade epistemológica fundamental não é esse objeto independente, com limites e propriedades previamente definidos, mas um phenomenon, constituído na/pela inter‑relação daquilo que entendemos como luz e os instrumentos mobilizados para sua observação.

Para Barad (2003, 815), phenomenon refere‑se à «inseparabilidade ontológica de ‘componentes’ intra‑ativos agenciais», uma espécie de «átomo relacional» constituído (e constitutivo) de dimensões observacionais e materiais, que continuamente «atua» seus limites e características. Cria‑se então uma via bidirecional que une epistemologia e ontologia, permitindo que a teórica norte‑americana, se opondo ao dualismo cartesiano, ressalte a natureza relacional material‑discursiva dos corpos humanos e não‑humanos.

Em síntese, um dos principais «movimentos» conceituais de Karen Barad é sua transposição da perspectiva epistemológica de Bohr para o âmbito da ontologia, dando forma a uma «onto‑epistemologia» – ou mesmo «ético‑onto‑epistemologia» (Barad 2007, 185). A partir dessa visada, tornam‑se confusas (quiçá impossíveis) quaisquer tentativas de separação rígida entre o «conhecer» e o «ser», uma vez que é evidenciado o caráter coconstitutivo das relações estabelecidas entre arranjos discursivos‑observacionais e «objetos» reconhecidos como independentes, em meio ao processo de formação da realidade percebida como «física». Temos, portanto, a obliteração de fronteiras rígidas, no sentido da construção de uma ontologia relacional.

O crepúsculo da matéria inerte

O neologismo intra‑ação, em contraste com interação, tem especial importância para que possamos compreender o «realismo agencial» de Barad. «Interação» implica a existência de duas ou mais entidades individualizadas que subsequentemente se relacionam, de modo que cada uma conserva um determinado nível de independência em relação à(s) outra(s). Ou seja, em uma lógica interacional, as entidades envolvidas preexistem ao seu encontro. Por intra‑ação compreende‑se o processo de constituição mútua de «indivíduos» na/pela sua «interação». É na intra‑ação que se materializam as entidades e suas agências, em vez destas serem anteriores ao processo relacional. Como coloca Karen Barad, «é por meio de intra‑ações agenciais específicas que os limites e as propriedades dos «componentes» dos phenomena se tornam determinados» (2003, 815). Temos aqui uma modificação fundamental de perspectiva: da linearidade da interação (preexistência à relação) para a simultaneidade da intra‑ação (coconstituição de agências que são desde sempre entrelaçadas, não deixando espaço para nenhum grau de independência).

Segundo o realismo agencial, mediante intra‑ações particulares (correspondentes a diferentes articulações entre «componentes» materiais e discursivos) são constituídas e reconstituídas fronteiras, propriedades e sentidos dos phenomena, no processo dinâmico e sempre inacabado do mundo em seu vir‑a‑ser. É mediante intra-ações específicas que os fenômenos se constituem/materializam/diferenciam. O mundo, portanto, «é um processo dinâmico de intra‑atividade em contínua reconfiguração de estruturas causais localmente determinadas, com limites, propriedades, sentidos e padrões de marcação de corpos específicos» (Barad 2003, 817). Por exemplo, em um processo científico de medição, a partir de intra‑ações materiais‑discursivas são atuadas contextualmente tanto a separabilidade de componentes de um determinado fenômeno (a separação entre os aparatos de observação e o objeto observado), quanto as relações causais estabelecidas entre os mesmos.

Tais intra‑ações particulares (entre o discursivo, o tecnológico, o material, etc.) atuam contextualmente um «corte agencial» (em oposição ao corte Cartesiano, que concebe uma ontológica condição de exterioridade entre sujeito e objeto), ou seja, criam o efeito de distinção clara entre «sujeito» e «objeto», solucionando – de forma local e passageira – a indeterminação ontológica dos fenômenos. Em outras palavras, as «intra‑ações atuam sobre a separabilidade agencial – a condição local de exterioridade‑nos‑phenomena» (Barad 2003, 815). Nesse sentido, a condição de exterioridade – o provocativo out‑thereness de John Law (2004) – é performativa. Tal releitura pós‑humanista da noção de performatividade será um dos pontos de tensão entre Barad e Butler, como veremos adiante.

A compreensão das intra‑ações enquanto processos em que se engajam agencial e coconstitutivamente aspectos materiais e discursivos implica o reconhecimento de que a agência não é apanágio da linguagem, da cultura e, por conseguinte, do humano. Tal abordagem mais respeitosa quanto à agência da natureza ecoa posições defendidas por filósofos da ciência como Bruno Latour e Andrew Pickering.

A sociologia das associações ou associologia, nos termos de Latour, compreende o mundo como espaço fartamente povoado por agência. Segundo o pensador francês, os atores que constituem o real não existem senão pelas/nas associações, sendo o próprio processo associativo não um dado, mas uma prática. Essas associações não envolvem exclusivamente entidades humanas, mas consistem tanto em relações intersubjetivas quanto interobjetivas. Desse modo, Latour ruma em direção a um posicionamento que tenta retirar o caráter antropocêntrico da noção de agência, questionando a cisão cartesiana entre sujeito‑ativo/objeto‑passivo (Latour 2012).

Andrew Pickering, em consonância com a «cruzada» de Latour contra o pensamento antropocêntrico, pontua que um dos principais aspectos do trabalho do cientista natural é a contínua negociação de sua agência pessoal com a agência material não‑humana, em um processo dialógico dinâmico do qual emergem os contornos tanto do humano quanto da natureza. Desse modo, o ser humano não mais ocuparia um espaço privilegiado de atuação em relação à materialidade não‑humana do mundo. Em vez disso, «o mundo nos faz no mesmo processo por meio do qual nós fazemos o mundo» (Pickering apud Hekman 2008, 94) – atua sobre nós e nossas ações. Como aponta Susan Hekman (2008), a teoria de Pickering chama a atenção para a «resistência» da natureza, o modo como o mundo material não‑humano não age da maneira como os cientistas esperam e, ao fazê‑lo, coloca‑se também como agente no processo onto‑epistemológico de sua compreensão/constituição (as linhas demarcadoras dos limites entre os dois termos são deliberadamente tênues para o realismo agencial).

Para Barad (2003, 801), uma das grandes limitações impostas pelo dualismo ao pensamento moderno e pós‑moderno é o reconhecimento das práticas discursivas como detentoras do monopólio da agência e historicidade, enquanto a matéria e a natureza são concebidas como passivas e imutáveis, ou, na melhor das hipóteses, herdeiras de um potencial para mudança derivado da cultura. Reverberando os posicionamentos de Bruno Latour e Andrew Pickering, o realismo agencial concebe a agência não como atributo de determinados indivíduos ou coisas, mas como a habilidade de corpos humanos e não‑humanos de atuarem sobre o contínuo processo de reconfiguração do mundo. Em outras palavras, agência diz respeito à sempre instável e flutuante capacidade compartilhada pelos componentes materiais, culturais, psicológicos, tecnológicos, etc., de um phenomenon de influenciar o processo intra‑ativo de sua própria materialização.

Agência é uma questão de intra‑agir; é uma atuação, não algo que alguém ou algo tem. Agência não pode ser designada como um atributo de «sujeitos» ou «objetos» (já que estes não preexistem como tais). Agência não é um atributo – é um «fazer»/«ser» em sua intra‑atividade […] Agência diz respeito às possibilidades e responsabilidades vinculadas à reconfiguração de aparatos materiais‑discursivos de produção corporal (Barad 2003, 826‑827).

Esta nova definição de agência se opõe tanto à noção basilar da física newtoniana, que concebe «objetos» materiais como discretos e atuantes apenas quando levados a tal por um agente externo, quanto a uma das bases da sociologia weberiana, que reconhece que «por de trás da ‘ação’ há o homem [sic]» (Lahire 2005, 17), superando assim os limites humanistas que tradicionalmente lhe foram impostos.

Butler e Barad: alguns apontamentos iniciais

A exposição feita até aqui permite que acentuemos ao menos dois vetores de especial polêmica entre as propostas de Karen Barad e Judith Butler, a saber: (1) o caráter pouco ativo atribuído por Butler ao papel desempenhado pelo aspecto material do corpo em meio a seu processo de materialização e (2) os limites antropocêntricos da noção de performatividade em Butler, problemática que, como acentua Jagger (2015), está diretamente relacionada com os distintos entendimentos das autoras quanto à indeterminação (indeterminacy) ou indecidibilidade (undecidability) ontológica da matéria.

No tocante ao primeiro ponto de divergência, temos que Judith Butler defende a impossibilidade de acesso ao corpo fora do âmbito do discurso genderizado, colocando a linguagem como condição de possibilidade da materialidade. «Como lócus de interpretações culturais, o corpo é a realidade material que já foi localizada e definida dentro de um contexto social» (Butler 2008, 160). Ou seja, em sua reelaboração das relações estabelecidas entre ontologia e epistemologia – que a autora persegue através de sua crítica pós‑estruturalista orientada ao binarismo sexo/gênero –, Butler exacerba o papel constitutivo desempenhado pela última, em detrimento da primeira. Para a filósofa norte‑americana, a materialidade do corpo é desde sempre uma «situação cultural» (Butler 2008, 160), um modo de expressão dos regimes de poder‑conhecimento que atuam mediante as práticas discursivas, sempre um espaço determinado, completamente moldado pelas normativas culturais que informam os processos de significação e a economia‑política dos atos perceptivos. Sendo assim, para ela não há propriamente um espaço extratextual, mas apenas engenhosas ficções que discursivamente assim se apresentam. Essa recusa da autora a reconhecer a possibilidade de um «excesso material», que escape ao domínio do discursivo, fica evidente quando a mesma define a noção de «exterior constitutivo». Este seria um «Outro» ao qual o «Mesmo» se reporta para assim constituir‑se contrastivamente. Porém, este «Outro» do discurso é um exterior não‑absoluto, pois só pode ser produzido dentro dos limites discursivos. Nesse sentido, observamos a edificação de um determinado monismo linguístico, no qual a linguagem abarca em seus limites seu próprio exterior constitutivo.

Segundo Butler, o sexo é sempre um discurso que se coloca como pré‑discursivo. Ao afirmar o sexo como «tendo sido gênero desde o começo» (Butler 2003, 27), a autora caracteriza o corpo (em sua materialidade) como um passivo repositório de valores culturais, um «lócus cultural de significados de gênero» (Butler 2008, 155) completamente maleável, que não apresenta outros potenciais agenciais que não aqueles impostos pela categoria discursiva «sexo», objetivando ideologicamente justificar assimetrias de poder entre homens e mulheres. Assim como grande parte da teoria feminista vinculada à virada linguística, visando criticar a metafísica da substância, que historicamente legitimou as práticas de opressão patriarcais, Judith Butler inverte a direção determinística da relação sexo/gênero, concebendo o gênero como definidor do sexo. Porém, ao fazê‑lo, continua a compreender o corpo como, apesar de maleável, passivo – uma tela a ser inscrita via uma agência3 que lhe é exterior, de monopólio das práticas discursivas. A tal posição subjaz a tradicional compreensão da ontologia como um âmbito próprio da inércia, da inescapável fatalidade do «ser», noção marcadamente divergente daquela proposta pelo neomaterialismo e sua ontologia relacional.

Ironicamente, mesmo em Bodies That Matter, trabalho no qual Butler se coloca a tarefa de pensar mais detidamente o lugar do corpo em meio aos processos performativos de constituição das diferenças sexuais, a matéria não escapa aos limites da linguagem. Temos a apresentação da corporalidade como a materialização da norma regulatória do sexo, ou seja, as dinâmicas de poder‑conhecimento – que atuam sobre as práticas performativas que constituem a ilusão de corpos sexuados pré‑discursivos unicamente masculinos ou femininos – governam unilateralmente os processos de materialização e significação dos corpos, relegando novamente a materialidade do mundo ao estatuto de «efeitos materiais» das práticas discursivas (Butler 1993, 2).

Enquanto Butler parece apenas reconhecer a possibilidade de produção do corpo por uma agência exterior a ele, localizada exclusivamente no discurso,4 Karen Barad, em certo sentido, concebe uma relativa autopoiese da matéria. Para a autora, em meio ao processo dinâmico e intra‑ativo de constituição de um phenomenon, o componente material do entrelaçamento material‑discursivo punches-back (Alaimo e Hekman 2008, 7), ou seja, figura como agente que exerce influência – não determinista – sobre o processo de sua materialização e sobre as possibilidades de sua interpretação cultural. Temos que, ao invés de um passivo constructo social, a natureza é vista agora enquanto uma importante força agencial.

É de capital importância frisarmos que esse caráter ativo do corpo como defendido pelo realismo agencial não deve ser visto como um retorno a uma inescapável fatalidade que a «carne» imporia sobre as identidades, o social e suas condições de inteligibilidade cultural. Devemos ter em mente que, sempre quando Barad se dirige ao corpo, ela está se referindo a um phenomenon, que é já e desde sempre um processo intra‑ativo de componentes materiais, discursivos, humanos, não‑humanos, tecnológicos, políticos, etc., que atua localmente limites e propriedades. O corpo não é fundamento unívoco das dinâmicas sociais e das identidades pois ele não «é» um ente ontologicamente simples e unidimensional. Este apenas se performatiza enquanto exterior e uno pelas intra‑ações que o constituem.

Em suma, o neomaterialismo não incorre em certa «metafísica da presença» (nos termos de Derrida), mas antes se mantém no campo animado pelo debate antimetafísico pós‑nietzchiano. Defende‑se aqui que não há uma instância «pura» a ser resgatada por remissões muitas, sobre a qual se alicerçariam as relações de poder (entre elas, e talvez principalmente, as sexuais) desde tempos imemoriais. Advoga‑se, sobretudo, em favor do reconhecimento de uma ontologia «impura», híbrida.

Em relação ao segundo ponto de divergência entre as autoras, podemos localizar a fonte da polêmica em questão (a saber: os entendimentos sobre os limites da performatividade) nas compreensões distintas de ambas acerca da natureza ontológica da materialidade do corpo.

Para Judith Butler, corpos são produtos de um processo de materialização de normas, processo esse que se dá mediante a citação repetitiva de atos performativos. Através destes, indivíduos constituem a ficção reguladora de existência de corpos sexuados e subjetividades genderizadas prévios à sua produção discursiva. Desse modo, a autora concebe os processos performativos como próprios do domínio da linguagem e da significação, impondo limites humanistas aos mesmos e, assim, caracterizando a performatividade como o instrumento humano por excelência de mascaramento da ontológica indecidibilidade da corporeidade humana.

Como vimos anteriormente, Butler pauta tal indecidibilidade fundamental da matéria em seu entendimento de que não há um exterior constitutivo absoluto, externo à linguagem, defendendo que este só pode ser pensado dentro dos limites linguísticos. A indecidibilidade da matéria, portanto, diz respeito ao caráter inacessível daquilo que excederia o discursivo: por ser inacessível, toda a colocação sobre a materialidade é permeada pela incerteza, aos moldes do princípio de Heisenberg.

Karen Barad, por sua vez, compreende a própria condição de separabilidade material/discursiva em termos performativos. Para ela, como havíamos pontuado, a aparente exterioridade ontológica de objeto e aparato observacional, matéria e discurso, é ela própria fruto de um processo performativo, que tem como força motriz intra‑ações em contínua reconfiguração. Questionando a pressuposição metafísica – que sustenta grande parte da compreensão acerca da ontologia – de que «a realidade (‘seres’ e ‘coisas’) consiste em entidades individualmente determinadas com atributos inerentes que são ontologicamente anteriores à sua representação» (Jagger 2015, 328), Barad irá propor uma espécie de metafísica performativa. Esta defende que a ontologia da matéria, apesar de fundamentalmente indeterminada, é contextualmente (ou seja, a partir de intra‑ações particulares) atuada como definida, se opondo assim à inerente indecidibilidade da matéria como defendida por Butler. Segundo a leitura de Barad, «todos os corpos, incluindo porém não limitados a corpos humanos, materializam‑se mediante a interativa intra‑atividade do mundo, sua performatividade» (Barad 2012, 69). Esse contínuo processo performativo é responsável por atuar localmente propriedades, sentidos e limites.

Karen Barad, portanto, supera o caráter antropocêntrico da definição de performatividade em Butler. Longe de um apanágio dos corpos humanos, a performatividade é o modo como todos os phenomena sedimentam‑se contextualmente e materializam‑se localmente, atuando determinação, isto é, seus limites, contornos e relações causais estabelecidas entre os «componentes» materiais e discursivos que o constituem e que são, a partir de intra‑ações, assim atuados – performatizados como instâncias «materiais» e «discursivas» rigidamente separadas.

Considerações Finais

A superação de oposições que parecem inapelavelmente dicotômicas continua a ser um dos principais projetos das Ciências Sociais. Tradicionalmente, os debates que permeiam tal projeto no âmbito dos estudos de gênero e das diferenças sexuais têm sido – de maneira irônica e, alguns podem interpretar, sintomática de suas limitações – polarizados entre realismos biologizantes e construcionismos sociais totalizantes. Essas oposições podem ser compreendidas como apenas aparentes, uma vez que os lados concorrentes compartilham da pressuposição de existência de uma determinada separação rígida entre natureza e cultura, matéria e discurso, sendo que cada posição teórica localiza em polos distintos o elemento determinante em relação ao outro.

O neomaterialismo, por sua vez, é um emergente espaço de debate que se constrói na região entremeio do moderno e do pós‑moderno. Em vez de negarem o arcabouço teórico desenvolvido por materialistas, pós‑estruturalistas, desconstrutivistas e outros, as/os neomaterialistas têm como característica fundamental se voltarem para tais tradições intelectuais de modo a dizerem «sim, e também» (Dolphijn e Tuin 2012), em um movimento intelectual rizomático.

Nesse sentido, com proposições provocativas e desafiantes como o realismo agencial e a teoria performativa pós‑humanista – proposições de Karen Barad sobre as quais o presente trabalho se limitou a simplesmente pontuar alguns poucos aspectos fundamentais – o neomaterialismo, mais do que contribuir com as discussões teóricas correntes, transforma radicalmente os termos dos debates em curso.

No concernente à problemática das diferenças sexuais, numa abordagem neomaterialista, já não é possível falar em uma anatomia preexistente, que se impõe inequivocamente sobre os sentidos que lhe são culturalmente atribuídos, ou de práticas discursivas que unilateralmente constituem corpos sexuados. Por essa nova perspectiva, baseada nas noções de copertinência e simultaneidade constitutiva do material e do discursivo, o corpo sexuado é um phenomenon, ou seja, é o produto instável de processos performativos de produção material de limites e propriedades, processos estes que se dão mediante intra‑ações imanentes estabelecidas contextualmente entre «dimensões» materiais e discursivas.

Em sua tentativa de transversalizar os fluxos entre o material e o discursivo, o neomaterialismo defende a implicação ontológica dos termos em questão, se movendo em direção à ideia de uma unidade entre ser e sentido. Além de sua especial relevância para os estudos de gênero e das diferenças sexuais, as reverberações de tal posicionamento se fazem sentir nos mais variados campos de interesse político‑teórico. Quais são as possibilidades e limites de intervenção política sobre as intra‑ações por meio das quais nossos corpos se tornam matéria? Quais são as implicações éticas de uma ontologia pensada em termos relacionais? Ainda é possível pensar em epistemologia sem questionamentos ontológicos (e vice‑versa)? São inúmeras as interrogações suscitadas por esse novo paradigma.5 Por conseguinte, estamos dando apenas os primeiros passos no sentido de compreender as potencialidades dessas novas discussões, em suas interações (ou intra‑ações?) com as atuais lutas emancipatórias que tomam parte nos espaços políticos e conceituais.

 

 

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Correspondência

Endereço eletrónico: caynna.santos@usp.br

Endereço postal: Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra. Av. Dr. Dias da Silva nº 165, 3004-512, Coimbra, Portugal.

 

Caynnã de Camargo Santos

Doutorando em Sociologia na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Mestre em Filosofia pela Universidade de São Paulo, pós‑graduado em Ciências Sociais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e graduado também pela Universidade de São Paulo. Atualmente estuda o fenômeno da transexualidade por uma perspectiva afeita ao emergente paradigma neomaterialista, no âmbito da sua tese de doutoramento, que desenvolve sob orientação da Prof. Virgínia Ferreira (FEUC).

 

 

Artigo recebido a 11 de outubro de 2016 e aceite para publicação a 25 de fevereiro de 2017.

 

Notas

1 Em oposição a tal tendência geral, vale ressaltar trabalhos como os de Donna Haraway, empenhados na proposição e operacionalização de uma perspectiva analítica material‑semiótica, e a vasta produção ecofeminista.

2 Manuel DeLanda e Rosi Braidotti, paralelamente, foram os primeiros autores a usar os termos new materialism ou neo‑materialism, na segunda metade da década de 1990.

3 Vemos em Butler o emprego da noção de agência estreitamente ligado às possibilidades de indivíduos atuarem de modo criativo no concernente ao gênero, principalmente de maneira a propor relativas subversões das normativas que em grande medida definem os limites e possibilidades de seus atos performativos.

4 Cabe salientar que a filósofa, ao discutir a complexidade da noção de «tornar‑se» tal como empregada por Beauvoir em sua máxima «Não se nasce mulher, antes torna‑se mulher», parece suscitar um espaço de dúvida que poderia ser iluminado pelo realismo agencial e sua defesa das potencialidades ativas da materialidade do corpo. O trecho «O verbo «tornar‑se» (na frase de Beauvoir) contém, não obstante, uma ambiguidade consequente. Não só somos construídos culturalmente, como também, em certo sentido, nos construímos a nós mesmos» (Butler 2008, 154) ganha um novo sentido quando interpretado pela perspectiva neomaterialista, podendo ser lido como um primeiro passo no sentido de questionar uma forma de construcionismo social totalizante, hegemônico no pós‑estruturalismo. No decorrer do texto, porém, fica claro que a autora se refere às possibilidades de transgressão performativa em relação aos limites heteronormativos, ou seja, ela se reporta a uma agência individual que se opõe às coerções estruturais.

5 Façamos um breve exercício inventivo: nos limites de um quadro analítico informado pelo neomaterialismo, poderia o movimento de subjetivação da natureza (em constituições como as equatoriana e boliviana, que se apoiam em determinados elementos fundamentais de cosmovisões específicas, como a noção de Pachamama da tradição andina), ser visto como uma espécie de expressão constitucionalista de reconhecimento do dinamismo e agência da matéria? Porém, garantir à natureza um estatuto semelhante ao de um indivíduo humano não seria uma demonstração clara de vinculação aos estreitos limites impostos pelo humanismo?

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