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Ex aequo

versão impressa ISSN 0874-5560

Ex aequo  no.34 Lisboa dez. 2016

 

RECENSÕES

The Men´s Shed Movement. The Company of Men, edited by Barry Golding. Champaign, Illinois: Common Ground, 2015, 433 pp.

Cristina C. Vieira*

 

*Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS 20), Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal

 

A forma como as comunidades se organizam para dar resposta às necessidades de indivíduos e grupos, tendo em vista a promoção do bem comum e da justiça social, é um desafio da intervenção comunitária e um terreno muito fértil de investigação na área da educação de pessoas adultas, incluindo as de idade avançada. O livro de Barry Golding, docente universitário australiano e um dos mais importantes investigadores no domínio da aprendizagem e do papel do associativismo na promoção da saúde e do bem-estar dos homens adultos, retrata de maneira aprofundada e quase exaustiva um excelente exemplo de organização comunitária, que tem ganho expressão mundial: o Movimento dos Men´s Sheds. A tradução literal da expressão shed para português, para ‘armazém', ‘hangar', ‘abrigo' ou outro termo que remetesse o nosso imaginário para um espaço físico rudimentar, retiraria força simbólica aos princípios subjacentes ao aparecimento desta iniciativa, que remonta ao início dos anos 90 do século XX em zonas rurais do interior da Austrália. Por essa razão, optou-se nesta recensão por usar o termo em língua inglesa.

Esta obra pretende sobretudo constituir uma referência para a legitimação internacional do Movimento dos Men´s Shed, uma vez que a vasta informação publicada durante cerca de duas décadas, até ao final do primeiro semestre de 2015, embora de natureza muito diversa – as fontes consultadas incluíram, por exemplo, 49 artigos publicados, 20 dos quais em revistas indexadas com avaliação por pares, 13 textos de conferências internacionais e 26 relatórios, capítulos de livros ou teses – não permitia traçar um percurso histórico completo e fazer o ‘estado da arte' do conhecimento produzido.

Tendo começado como um conjunto de iniciativas locais de grupos de homens de pequenas comunidades rurais, que se reuniam informalmente para fazerem actividades diversas em conjunto, o termo shed associado ao nome destas organizações comunitárias aparece pela primeira vez em 1998, em Tongala (Victoria), Austrália, e antes de 2005 havia apenas cerca de trinta entidades com a mesma designação. No espaço de uma década, até maio de 2015, o número de Men´s Sheds cresceu exponencialmente, passando para 1.416, sendo 933 na Austrália, 273 na Irlanda, 148 em países como a Inglaterra, Escócia e País de Gales, e 57 na Nova Zelândia. Após setembro de 2015, este Movimento estendeu-se a países como o Canadá, Suécia e Dinamarca.

Quais serão os princípios destas iniciativas da responsabilidade de homens e destinadas principalmente, mas não em exclusivo, a pessoas do sexo masculino? E que características têm os seus dinamizadores e destinatários? Barry Golding dá-nos resposta a estas questões (p. 1) referindo que os Men´s Sheds pretendem dar visibilidade à capacidade de agência dos homens, particularmente dos que já saíram do mercado de trabalho, dos que têm uma idade avançada, dos que se encontram sós por viuvez ou perda da rede informal de suporte, etc., sendo que em todos estes grupos as aprendizagens que foram fazendo ao longo da vida, associadas a uma ordem social de género, os predispõem a situações de vulnerabilidade social ou mesmo de exclusão. Nestes espaços associativos, estes homens (shedders), entre outras coisas, partilham saberes, realizam tarefas comunitárias, praticam desporto, constituem grupos de auto-ajuda, oferecem ajudas técnicas uns aos outros e à comunidade, participam em projetos e colocam-se ao dispor de outras organizações, estabelecendo parcerias de índole diversa.

Sendo espaços educativos por excelência, onde ocorrem aprendizagens informais, os Men´s Sheds estão organizados para dar respostas adequadas às necessidades de diversos grupos de homens (estando incluídos, por exemplo, os que sofrem de doença mental), salvaguardando a sua liberdade de escolha e a possibilidade de se respeitarem os seus interesses e capacidades. Há aqui a rejeição de um modelo de intervenção comunitária meramente assistencialista e remediativo, que os trataria como clientes ou pacientes. Estas organizações têm assim como objetivo primordial dar valor e visibilidade a competências desenvolvidas pelos homens ao longo da vida, as quais podem ser postas ao serviço das comunidades de pertença, trazendo-lhes satisfação e bem-estar pela sensação de utilidade social que a sua manifestação lhes outorga.

A média de idades dos homens que participam nestas organizações ronda os 70 anos, mas a amplitude de idades pode ser superior a 30 anos, não sendo frequente participarem nelas indivíduos com menos de 50 anos. Esta possibilidade de homens de idades muito diferentes poderem partilhar entre si experiências e conhecimentos, pelo facto de passarem muito tempo em conjunto, tende a reforçar as potencialidades da aprendizagem intergeracional, quer para o desenvolvimento individual, quer para a intervenção comunitária, funcionando como uma forma de proteção destas pessoas e de promoção de novas competências. Não sendo incomum a participação nestas associações de homens que estão fora do mercado de trabalho por situações de desemprego, tais indivíduos ainda em idade ativa podem encontrar aqui uma oportunidade de aprender novas habilidades que os ajudem a regressar à vida laboral.

A obra em apreço encontra-se dividida em quatro partes e tem um conjunto muito rico de apêndices que sintetizam aspetos fundamentais das fontes consultadas para a necessária triangulação da informação. A primeira parte constitui-se essencialmente como uma clarificação de conceitos e reúne um conjunto de mapas e de dados estatísticos sobre a expressão dos números nos diferentes países, quanto à existência dos Men´s Sheds e à participação comunitária dos shedders em cada um deles.

A segunda parte pretende ajudar a traçar um percurso histórico do Movimento, desde os seus primórdios em grupos informais, em localidades remotas do interior australiano – onde se reuniam pessoas do sexo masculino de origem muito diversa, desde ex-combatentes de guerra a agricultores analfabetos –, até à formalização de associações de âmbito nacional em países como a Austrália, a Irlanda, o Reino Unido e a Nova Zelândia. Algumas delas são inclusive reconhecidas oficialmente como parceiras, pelas entidades de saúde governamentais, na promoção da saúde mental e do bem-estar dos homens na idade adulta avançada. Esta parte da obra pode ser vista como um arquivo histórico de fotografias, recortes de publicações na imprensa, testemunhos orais e escritos de pioneiros de nacionalidades diversas, o que permite acompanhar, numa perspetiva diacrónica, a expansão deste tipo de organizações.

A terceira parte da obra consiste na análise de 58 estudos de caso escolhidos pelo autor, o que nos permite conhecer a diversidade de entidades no âmbito dos Men´s Sheds. Estas vão desde associações mais condizentes com as origens do trabalho (grupos de homens em idade pós-reforma, mas ativos e com capacidade de agência), a grupos de pessoas muito idosas (mais semelhantes a Centros de Dia), passando por coletividades que recebem desde jovens rapazes a seniores, ou ainda centros que albergam todo o tipo de participantes, como pessoas refugiadas, veteranos de guerra, homens com demência ou com outro tipo de incapacidade. Quanto às infraestruturas em causa, a diversidade relatada também é assinalável, podendo encontrar-se exemplos de pequenos recintos comunitários até grandes espaços tutelados pelas entidades do poder local, com funções ligadas à promoção da saúde e da educação das populações.

Na quarta parte do livro são sumariados e analisados criticamente os dados recolhidos, derivados de duas décadas de implementação das associações Men´s Sheds, sendo feito um balanço das evidências locais, dos ganhos obtidos para os participantes e comunidades e dos desafios em aberto para o futuro. Partindo de necessidades identificadas e da possibilidade de explorar outras formas de intervenção, Barry Golding partilha a certeza – e a preocupação – de que há muitos tipos de homens que ficam de fora desta atividade comunitária, quer porque as suas aprendizagens ligadas a formas culturalmente valorizadas de masculinidade hegemónica os fazem sentir-se desconfortáveis em agremiações desta natureza, quer porque as próprias organizações não aceitam no seu seio pessoas que adotam estilos agressivos, violentos e conflituais de interação contra parceiros/as íntimos/as ou contra a comunidade em geral. Como sugestão de trabalho por fazer, o autor aponta a promoção junto dos homens de todas as idades de valores positivos associados à(s) masculinidade(s), para estimular vivências e relacionamentos saudáveis, livres de preconceitos e estereótipos.

O Movimento dos Men´s Sheds não está isento de críticas, sobretudo vindas de vozes que referem que talvez esta iniciativa possa ser encarada como contrária à promoção da igualdade de género, em virtude do subjacente segregacionismo comunitário entre os sexos: são espaços criados por homens e destinam-se preferencialmente a dar resposta às necessidades de certos homens. Barry Golding não foge a essa crítica e argumenta em sentido contrário (pp. 364-367), mostrando que as mulheres sempre tiveram um papel fulcral nas diferentes comunidades locais, tanto na implementação como na gestão destas associações, e deixa inclusive pistas (pp. 373-374) para que elas possam continuar a tomar parte nas mesmas. A sua quase invisibilidade como participantes (shedders) não significa que estejam ausentes dos processos de decisão que envolvem estas organizações e que sejam parceiras dispensáveis para o seu sucesso, até pelos papéis profissionais e familiares que habitualmente desempenham. Trata-se aqui sobretudo de usar uma abordagem sensível ao género (gender sensitive approach), em vez de uma abordagem cega ou neutra (gender blind approach), perante estas dinâmicas aprendidas, que leva em conta as necessidades específicas de certos homens, sobretudo idosos, sós e pouco escolarizados, que encontram no convívio com pares do sexo masculino oportunidades de desenvolvimento pessoal, as quais saem reforçadas devido a processos identitários, profundamente protetores e promotores da sua saúde física e mental.

O autor desta obra, cuja leitura aconselhamos a investigadores/as e profissionais de diferentes áreas da intervenção social, termina salientando a sua convicção de que estas organizações têm contribuído de forma ímpar para prevenir situações de depressão, ansiedade e suicídio em homens com as características atrás mencionadas, dado que a participação nestas associações aumenta a sua rede de suporte social e fá-los continuar a sentir-se cidadãos ativos e capazes de ser úteis a si e à comunidade de que fazem parte.

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