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Ex aequo

versão impressa ISSN 0874-5560

Ex aequo  no.34 Lisboa dez. 2016

 

RECENSÕES

Ecología y género en diálogo interdisciplinar, editado por Alicia H. Puleo.Madrid: Plaza y Valdés Editores, 2015, 415 pp.

Rosana Albuquerque *

 

*Centro de Estudos das Migrações e Relações Interculturais (CEMRI) Universidade Aberta, Lisboa, Portugal

 

Ecología y género en diálogo interdisciplinar nasce do projeto de investigação La igualdad de género en la cultura de la sostenibilidad. Valores y buenas prácticas para el desarrollo solidario, coordenado por Alicia Puleo na Universidade de Valladolid, Espanha. Ambos resultam de um sistemático percurso de investigação da autora e colegas neste contexto institucional e revelam o interesse em construir conhecimento a partir da alimentação recíproca dos contributos da ética ecológica e dos estudos feministas, sobre as mulheres e de género. O livro acolhe reflexões muito diversas em torno de grandes temáticas: corpos; territórios; resistências.

Corpos inicia-se com a análise de Carme Valls-Llobet sobre os efeitos da poluição ambiental na saúde humana, identificando alterações no sistema endócrino das mulheres e doenças daí resultantes. Alerta para a necessidade de alterar as políticas de saúde e a formação de docentes no sentido de ter em conta os impactos ambientais e as vulnerabilidades específicas de homens e mulheres.

Pilar Errázuriz desenvolve uma reflexão sobre os estereótipos de género e a dicotomia natureza/cultura nas propostas psicanalíticas, contrapondo, particularmente, Freud e Lacan.

Lucile Desblache centra a sua crítica na relação da mulher com a moda e na posição desta face a um mercado globalizado que vive da crueldade face a animais não humanos. Convida-nos a pensar um «sistema de moda» em que os animais não humanos sejam vistos como fontes de inspiração e criatividade, seres que são parte de nós e a chave para renovar as nossas identidades.

Laura Torres San Miguel e Iván Sambade analisam como os meios de comunicação de massas e as redes sociais continuam a produzir representações de género e formas de controlo social que legitimam práticas masculinas de sujeição da mulher, criando imagens desta enquanto objeto sexual de consumo. Chamam a atenção para os efeitos destes processos nas subjetividades das jovens, nomeadamente a exposição da privacidade nas redes sociais e o desejo de atrair o olhar masculino, que as reproduz e confirma como «objeto».

Verónica Perales Blanco aborda o tema do sofrimento animal na perspetiva do processo criativo, com base na sua obra Grandes Símios no Feminino. Explica o seu objetivo: mostrar que a prática artística é um instrumento de visão e perceção que vai para além do visual, concebendo o desenho como agente de empatia. Propõe dois desafios: enfatizar as palavras que não vemos e deslocar o ponto de fuga; ou seja: analisar a ausência, o que não vemos; e questionar o antropocentrismo e o androcentrismo, presentes não apenas em textos e imagens, mas no próprio prisma através do qual olhamos para o mundo.

Concha Roldán ajuda-nos a compreender o pensamento de Anne Finch Conway e as suas implicações metafísicas e éticas para a sustentabilidade. Realça que Conway, tal como outras/os pensadoras/es modernas/os, partilha a ideia de uma harmonia global e defende a correspondência universal das criaturas e a sua interação mútua, ideias que antecedem as propostas da interdependência entre todos os seres hoje sustentadas pela Ecologia e pela Ética Ambiental.

Margarita Pintos de Cea-Naharro e Juan José Tamayo-Acosta analisam como as religiões têm legitimado a dominação e o controlo das mulheres, propondo uma teologia feminista cujas raízes se encontram na longa história de luta e de resistência contra o patriarcado protagonizada pelas mulheres.

Territórios tem início com um texto de Isabel Balza Múgica e Francisco Garrido Peña que apresentam os resultados da sua investigação sobre as diferenças de opiniões e atitudes entre homens e mulheres face aos problemas ecológicos. Sublinham a consistência entre os dados empíricos e a teoria feminista e identificam os contributos do ecofeminismo construtivista para a ecologia política, em particular.

Teresa López de la Vieja analisa o significado do cuidado relativamente aos não humanos e ao meio ambiente, a partir de normas jurídicas sobre a proteção dos animais utilizados em testes laboratoriais. Questionando o que é «cuidar da natureza», propõe antes o conceito de responsabilidade, sobretudo de responsabilidade partilhada, e defende que «o natural é político», alertando para a necessidade de as políticas públicas integrarem um compromisso efetivo com a sustentabilidade.

Eva Antón (Una lectura ecofeminista de la novela de anticipación actual) e Ángela Sierra González (Utopías feministas: las dualidades rotas) oferecem-nos análises literárias complementares em torno da utopia, numa perspetiva feminista crítica.

Paula Núñez observa que a história escrita sobre a Patagónia argentina associa a paisagem à tragédia e ao vazio, evidenciando uma ideia de território como «natureza a dominar». Contudo, na recolha das memórias dos seus residentes sobressai uma história vivida, misto de afetos, alegrias e conquistas, onde a paisagem assume um potencial de emancipação. Reflete sobre a diferença entre

o planificado, por parte das políticas públicas, e o vivido, pelas práticas quotidianas que procuram alternativas de vida digna, no reconhecimento da relação indissociável entre natureza e humanidade.

María Luisa Femenías e Micaela Anzoátegui demonstram como o desenvolvimento das cidades tem sido marcada por processos de domínio, negação e ocupação, nos quais a cidade «devora o ambiente» e o assume como matéria-prima sem reconhecer o seu valor intrínseco. Analisando as inundações que atingiram a cidade de La Plata em 2013, desenvolvem uma reflexão ecofeminista para pensar sobre o modo de vida na cidade e a sua relação com o ecossistema.

A concluir esta parte, María Teresa Alario Trigueros conduz-nos ao trabalho de três artistas contemporâneas (Magda Bolumar, Teresa Lanceta e Andrea Milde) para analisar como se apropriam do tecido, um antigo lavor feminino, e recuperam a sua capacidade de comunicar ideias, narrar e denunciar.

Resistências abre com a reflexão de Georgina Aimé Tapia González sobre as reivindicações de género que têm vindo a nascer nos movimentos de resistência de comunidades indígenas, a partir da história de vida de uma mulher indígena, médica, feminista e zapatista. Argumenta que a «metodologia dos feminismos indígenas» é o diálogo entre modernidade e tradição, entre feminismos ocidentais e cosmovisões ameríndias, defendendo a importância dos conhecimentos das mulheres envolvidas nestas lutas para os estudos de género e a ética ecológica.

Emma Siliprandi aborda as relações teóricas e políticas entre os movimentos agro-ecológicos e feministas, com o olhar focado no Brasil. Analisa como o aumento progressivo de participação das mulheres nestes movimentos tem alterado o seu papel e desocultado as tensões entre os sexos, introduzindo nas suas lutas temas históricos do feminismo, como a desigualdade e a violência de género, ao mesmo tempo que o feminismo também integra questões que na sua origem têm sido debatidas pelos movimentos ecologistas, como a soberania alimentar.

Também como Resistências encontramos dois textos que chamam a atenção para o desenvolvimento de uma perspetiva ecológica na crítica literária, designada por «ecocrítica». Teo Sanz oferece-nos uma síntese das ideias centrais da ecocrítica, aplicando a sua análise à obra de Marguerite Yourcenar, que define como ecoética por evidenciar um compromisso para com a natureza e os animais humanos e não humanos. Carmen Flys aplica conceitos do ecofeminismo de Karen Warren e Val Plumwood a diferentes autoras e obras, demonstrando o valor do diálogo entre filosofia e crítica literária na construção do pensamento ecofeminista.

Carmen García Colmenares reflete sobre o poder que certas figuras ficcionais (como Lilith ou Melusina) podem exercer na criação de abordagens feministas de rutura, libertas de modelos identitários femininos passivos, assimétricos e subordinados, catalisando contra-subjetividades e identidades alternativas. Defende o interesse de abordagens metodológicas situadas e estratégias etnográficas interpretativas para a recriação de subjetividades subversivas que inspirem as identidades emergentes deste século.

Os textos de Angélica Velasco Sesma e Kaarina Kail partem do reconhecimento do peso do imaginário dominante na organização social e económica e oferecem propostas de transformação que confrontem esse domínio, seja por via de heroínas de filmes que defendem o valor da natureza face ao paradigma mecanicista da modernidade, seja pela cosmovisão dos antigos povos da Finlândia.

María José Guerra Palmero explora as teses do ecofeminismo materialista de Mary Mellor, autora que critica o modelo do homo economicus e as suas implicações na vida material e social, evidenciando que a economia capitalista global assenta numa definição inadequada do ser humano, pelo que ignora o trabalho reprodutivo e não contempla os custos dos trabalhos ligados ao cuidado e à natureza.

O último capítulo é um texto de Alicia Puleo onde assume o desafio de contribuir para definir o que designa por «Pactos de Ajuda Mútua» entre os movimentos ecologista, eco-socialista, do decrescimento e ecofeminista. Analisa as convergências entre o ecofeminismo e estes movimentos e identifica as zonas opacas dos novos paradigmas ecológicos que o ecofeminismo deve saber detetar se não quiser sofrer velhas deceções. Defende que o reconhecimento das mulheres como sujeitos com uma história de auto-consciência emancipatória resultará em conquistas para todos os movimentos.

Este livro alerta para uma ideia central: a busca de um modelo de desenvolvimento sustentável exige mudanças a vários níveis e a construção de uma cultura de sustentabilidade em múltiplas dimensões, sendo a igualdade efetiva entre homens e mulheres um desafio-chave. Defendendo que é essencial que as ciências sociais e as humanidades contribuam para um pensamento filosófico, ético, político, artístico e científico em torno da ecologia e do género, convida a construir conhecimento e a agir, aliando motivações de natureza epistemológica, ética e política.

Livro também disponível em formato de e-book no endereço: http://www.plazayvaldes.es/upload/ficheros/ecologia_y_genero_en_dialogo_interdisciplinar_ebook.pdf

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