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Ex aequo

versão impressa ISSN 0874-5560

Ex aequo  no.32 Lisboa dez. 2015

 

RECENSÕES

Karamessini, Maria; Rubery, Jill (org.) (2014), Women and Austerity: The Economic Crisis and the Future for Gender Equality, New York, Routledge, 358 pp.

Carina Jordão1

 

1Doutoranda em Relações de Trabalho, Desigualdades Sociais e Sindicalismo na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

 

O presente livro, organizado por Maria Karamessini e Jill Rubery, resulta do trabalho científico apresentado em dois colóquios internacionais intitulados «Women, Gender Equality and Economic Crisis» que tiveram lugar em Atenas, no final de 2011, e em Reykjavik, no início de 2012. Esta obra é uma iniciativa que, em resposta à austeridade, vem demonstrar de forma inexorável como a crise económica e financeira de 2008 afetou as mulheres, sobretudo nos países sujeitos aos maiores desafios em termos de ajustamento. Além disso, de certo modo, constitui-se também como uma atualização do clássico «Women and Recession», publicado pela Routledge em 1988 e reeditado em 2010.

Dividido em três partes, o livro reúne contributos de conceituados/as investigadores/as da Europa e dos Estados Unidos. A primeira parte é composta por três capítulos. No capítulo introdutório são apresentados os objetivos e a estrutura do livro e é feito um enquadramento genérico (Karamessini). O seguinte fornece um quadro analítico para estudar a situação das mulheres em contextos de austeridade (Rubery) e o terceiro dá conta das transformações operadas no contrato de género ao longo do tempo (O’Reilly e Nazio). A segunda parte abre com um capítulo que, grosso modo, analisa o impacto da crise de 2008 na igualdade no mercado de trabalho dos países da Europa, comparando a posição das mulheres e dos homens (Bettio e Verashchagina). De seguida, são apresentados os estudos de caso de nove países. Cada país é analisado num capítulo independente. Além dos Estados Unidos (Albelda), onde teve início a referida crise, são objeto de análise a Islândia (Thorsdottir), o Reino Unido (Rubery e Rafferty), a Hungria (Frey), a Grécia (Karamessini), a Irlanda (Barry e Conroy), Portugal (Ferreira), a Espanha (Gago e Kirzner) e a Itália (Verashchagina e Capparucci). A terceira e última parte é constituída por mais três capítulos. Enquanto o primeiro analisa como se tem processado a evolução da igualdade de género no seio da política de emprego da União Europeia (Villa e Smith), o segundo explora modelos de desenvolvimento alternativos ao neoliberalismo, mais inclusivos e equitativos, e passíveis de efetivamente integrarem uma perspetiva de género (Perrons e Plomien). O último capítulo reúne as conclusões (Karamessini e Rubery).

Esta coletânea de artigos, apresentada numa estrutura particularmente apelativa, proporciona uma viagem epistemológica empolgante por uma área do saber extremamente atual. Partindo de um conjunto de premissas que justificam cabalmente a escolha dos nove países objeto de estudo, é construído todo um argumento que, no seu conjunto, é revelador não só do impacto da austeridade na posição das mulheres no mercado de trabalho, mas também das suas implicações nos estados de bem-estar e nas políticas públicas relacionadas com a igualdade de género. Tal exercício, ao consubstanciar-se na análise comparativa de algumas das economias mais avançadas do mundo, torna esta obra um contributo científico extraordinário.

Uma das principais conclusões do livro é que a redução da desigualdade entre mulheres e homens no emprego, medida em termos de gap, foi uma das consequências mais imediatas da crise económica e financeira de 2008. Considerando indicadores como a taxa de desemprego, a taxa de emprego, a inatividade, o gap salarial não ajustado ou a taxa de risco de pobreza, constata-se que efetivamente os gaps diminuíram. Todavia, os dados compilados pelas/os várias/os autoras/es demonstram inequivocamente que essa redução se operou sobretudo pelo agravamento e deterioração da situação laboral dos homens e não pela melhoria da situação das mulheres, levando Karamessini e Rubery a concluir que «gender inequalities in employment and incidence of part-time and temporary work have narrowed because of greater job loss and spread of flexible forms of employment among men» (Karamessini e Rubery, p. 346). Efetivamente, numa primeira fase, a crise atingiu sobretudo os homens, que perderam muitos postos de trabalho, enquanto as mulheres – protegidas inicialmente pela segregação sectorial – acabaram por ser fortemente afetadas numa fase posterior, no seguimento da implementação das medidas de austeridade e de consolidação orçamental. Neste sentido, o congelamento e corte de salários, o aumento da idade da reforma, a retração do emprego ou a deterioração das condições de trabalho no setor público (que é o maior empregador feminino), comuns à generalidade dos países analisados, dão força ao argumento de que o aumento da igualdade laboral ocorre num quadro marcado pela regressão social, onde a intensificação e a desvalorização do trabalho conduzem à degradação das condições de emprego, quer dos homens, quer das mulheres. De qualquer modo, é importante reiterar que as desigualdades não desapareceram: elas persistem e tendencialmente em desfavor das mulheres.

Outra questão que julgo pertinente prende-se com as transformações desencadeadas e potenciadas pelas políticas austeritárias que, ao colocarem em causa os avanços conseguidos nos últimos anos, legitimam o (re)aparecimento de preocupações antigas, nomeadamente no que concerne à suposta irreversibilidade do espaço laboral conquistado pelas mulheres nas ditas economias desenvolvidas. Por um lado, constata-se que os níveis de emprego das mulheres estagnaram ou regrediram – na Grécia, por exemplo, a queda na taxa de emprego feminina em 2010 foi tão dramática que reverteu o progresso contínuo das últimas décadas no país – e, por outro lado, a reestruturação de empresas em sectores tradicionalmente masculinos, como a construção civil, deixou um maior número de mulheres como único ganha-pão da família, não raras vezes compelidas a conciliar o trabalho remunerado com o trabalho não pago, em casa. Simultaneamente, muitas mulheres vêm-se também a braços com as dificuldades adicionais resultantes dos cortes na educação e nos serviços relacionados com a prestação de cuidados às crianças. De facto, as consequência da crise e das políticas de austeridade no papel do Estado na promoção da igualdade são alarmantes e em Portugal, por exemplo, «Women are once again thrust back into the black box of the family, reducing them to their past status of dependants» (Ferreira, p. 225).

As questões acabadas de referir estão intrinsecamente relacionadas com uma notável queda do compromisso político – a nível nacional e supranacional – com as políticas e instituições promotoras da igualdade de género. Por um lado, paulatinamente e de forma subtil, a igualdade entre mulheres e homens tem vindo a perder visibilidade enquanto objetivo político no seio da União Europeia e o carácter prioritário que detinha tem vindo a dissipar-se. Esta situação é peculiarmente notória em alguns dos documentos estratégicos mais importantes, nomeadamente na Estratégia Europeia de Emprego e na estratégia Europa 2020, como bem demonstram Villa e Smith. Além disso, a par deste desinvestimento nas políticas públicas, a austeridade desencadeou igualmente o desmantelamento de (infra)estruturas essenciais à promoção da igualdade entre mulheres e homens por via de reestruturações, fusões, cortes orçamentais e encerramentos.

A austeridade, enquanto antídoto usado no combate à crise, parece portanto ter espoletado um conjunto de efeitos secundários capazes de aniquilar o progresso alcançado pelas mulheres nas últimas décadas. Afigura-se por isso necessário acautelar esta situação, o que implica repensar o conceito e a forma de medição da igualdade de género em termos laborais, (re)colocando-a no âmago da agenda política europeia como um objetivo central e prioritário capaz de sustentar modelos de desenvolvimento melhores e alternativos ao neoliberalismo. Karamessini e Rubery reforçam precisamente esta ideia ao afirmarem: «The per-suit of gender equality needs to be considered part of the solution to the current endemic crisis and not treated as a luxury policy to be pursued only once growth has returned» (Karamessini e Rubery, p. 349).

É sobretudo destas matérias que trata o livro. Mas, paralelamente, somos brindados com outros assuntos não menos importantes – como o papel da negociação coletiva, as transformações operadas nos regimes de género, as desigualdades intra-género ou o papel das mulheres trabalhadoras enquanto ‘buffers’– que, indubitavelmente, tornam a sua leitura ainda mais aliciante. A magnitude desta obra, que em muito extravasa o conteúdo do presente texto, reveste-a por isso de carácter obrigatório para todos/as quantos/as procuram de forma profícua conhecer e/ou estudar a problemática da igualdade entre mulheres e homens, especialmente na esfera laboral.

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