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Ex aequo

versão impressa ISSN 0874-5560

Ex aequo  no.32 Lisboa dez. 2015

 

EDITORIAL

Editorial

Virgínia Ferreira

 

O trigésimo segundo número da ex æquo traz-nos onze artigos de grande interesse pelas temáticas e pela sofisticação teórica e metodológica que nos apresentam. O dossier temático sobre Austeridade e Regimes de Bem-Estar e de Sexo/Género agrupa um conjunto de estudos que mostra já ser possível analisar alguns dos impactos da crise económica, financeira, social e política com início assinalado em 2008.

Antes, porém, de pôr em destaque o contributo dos textos incluídos no dossier, não posso deixar de voltar a uma questão já abordada em editorial anterior. Trata-se da encruzilhada em que revistas como a ex æquo se encontram na fase atual do knowing capitalism (na expressão de Nigel Thrift). Nesta época em que negócios e academia se tendem a amalgamar, em que pauta a imposição da inovação e da velocidade à academia, importa perceber o papel dos sistemas de métrica de produtividade no desenvolvimento quer do sistema capitalista quer da produção de conhecimento e a sua matriz androcêntrica. Uma revista nasce da preocupação e desejo de um grupo de cientistas de dar visibilidade a determinados conhecimentos sem acolhimento ou menor visibilidade nas existentes. Neste pressuposto, que sentido faz submetermo-nos aos sistemas de métrica que nos impõem a regra de não publicar contributos (nem artigos nem recensões sobre obras suas) provenientes do grupo de pessoas que suporta o trabalho editorial da revista? Afinal que papel e validade se atribui à arbitragem científica feita por pares sobre contributos anonimizados? Quem há-de querer continuar a fazer este trabalho de edição em tais condições? Não será que estamos mesmo a caminho de abdicar de o fazer e deixá-lo por completo às (garras das?) estruturas do capitalismo do saber que se encarregará de excluir tudo o que não possa ser objeto de negócio? Estamos certas de que essa não será a via escolhida pela ex æquo para sobreviver à encruzilhada atual… conseguiremos resistir? Tenhamos, pelo menos, esperança… entretanto, vamos fazendo o nosso melhor…

Os sistemas de emprego que articulam em grande parte os regimes de bem-estar e de sexo/género não podiam ficar de fora das análises sobre as políticas de austeridade incluídas no dossier temático deste número da ex æquo. Eles estão, com efeito, no centro das análises contidas nos textos de Maria Luigia Segnana e Paola Villa («Women and austerity in Italy»), de Virgínia Ferreira e Rosa Monteiro («Austeridade, emprego e regime de bem-estar em Portugal: Em processo de refamilização?»). As autoras identificam as principais mudanças ocorridas no emprego, respetivamente em Itália e em Portugal, e procuram perceber as implicações dessas alterações no modo como as relações entre o Estado, o mercado e as famílias se rearticulam no propósito de providenciar o bem-estar das pessoas, o papel que é reservado às mulheres e aos homens e as alterações às relações entre estes que a nova configuração produz.

Outros artigos analisam as alterações produzidas pelo desemprego ao nível da divisão sexual do trabalho, adotando uma perspetiva mais micro, com base quer em metodologias quantitativas («Unemployment and gender equality within the family in Portugal»), quer qualitativas («Experiências de Conciliação»), respetivamente da autoria de Raquel Ribeiro, Lina Coelho e Alexandra Ferreira-Valente e de Cláudia Múrias. Em ambos os casos, se conclui que nem o desemprego traz alterações substanciais à divisão sexual do trabalho na família, demonstrando a sua natureza estrutural. Tatiana Moura, Esther Spindler e Alice Taylor, em «Portugal’s Masculinities Crisis» alertam precisamente para a necessidade crescente de programas de intervenção que ajudem mulheres e homens a questionar as normas sociais e expectativas em torno de papéis de género. Segundo as autoras, as políticas de encorajamento e de obrigatoriedade de partilha das tarefas do cui-dado por parte dos homens são essenciais. Alba Alonso, centrando-se sobre a situação em Espanha, mostra como a crise foi dada como fundamento por um governo conservador para operar uma profunda retração das políticas de igualdade vigentes. No seu texto «Las Políticas de Género en España», a autora aborda ainda as formas feministas de resistência adotadas (ausentes no caso português) e a importância da orientação conservadora do governo (um fator presente nos restantes países sob a austeridade).

Por fim, centrando-se sobre o que se passa, em tempos de crise, com a faixa etária mais jovem, Mercedes Alcañiz, Vicent Querol e Ana Marti, no seu texto sobre «Las mujeres jóvenes en España», constatam a persistência de velhas desigualdades em contraste com a perceção das jovens de que mulheres e homens têm as mesmas oportunidades.

A secção de Estudos e Ensaios oferece quatro estudos que trazem uma diversidade temática deveras estimulante. O quarto texto, sobre «Home-Based Sex Education… in Poland» de Joanna Ostrouch-Kamin´ska e Iwona Chmura-Rutkowska será o único que ficaria fora desta hipótese. As autoras mostram que a educação em casa se revela muito preconceituosa especialmente no que diz respeito à educação sexual. «Preservando a relação com os/as descendentes menores: padrões de comunicação na maternidade e paternidade em reclusão», de Catarina Vieira, Luísa Saavedra e Alexandra M. Araújo, vem abordar uma temática na continuidade do dossier sobre «Perspetivas feministas em comportamentos desviantes», publicado no número 28 da ex æquo, mostrando que as oportunidades oferecidas pelo sistema prisional a pais e mães em reclusão para cumprirem os respetivos papéis diferem em muitos aspetos. Ressalto, por fim, dois artigos que se completam nas abordagens que fazem aos discursos das ciências da saúde sobre a diversidade sexual – o de Mónica José Abreu Sousa e Carla Moleiro sobre «The Inclusion of Lesbian and Gay Populations in Health Research» e o de Rita Alcaire sobre «The pathologisation of sexual diversity». O primeiro dá conta da impreparação das/os profissionais de saúde para atender estas populações resultante da falta de atenção dada a vários aspetos de saúde e até à integração da orientação sexual na história sexual das/os pacientes. O segundo escrutina o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) para interpelar os princípios subjacentes à classificação de orientações e identidades sexuais diversas. No texto, Rita Alcaire defende que é com base num projeto reflexivo por parte das pessoas atingidas pela classificação que patologiza que é possível reconceptualizar e transformar a imagem pública destas orientações e identidades sexuais.

Quatro recensões chamam a nossa atenção para obras que abordam temáticas extremamente atuais: vozes de mulheres captadas por diversas metodologias qualitativas em contextos artesanais e migratórios; efetividade do mecanismo estatal para a igualdade no combate às desigualdades no mercado de trabalho – a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego; percursos de estudos feministas e de género fora dos muros das universidades, acolhidos num e-book que agrega os contributos apresentados na Universidade Feminista, uma iniciativa da UMAR; e, ainda, o tema do dossier temático – mulheres e austeridade – desta feita em edição da Routledge.

Bons motivos para não deixar de ler tudo o que esta ex æquo lhe oferece.

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