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Ex aequo

versão impressa ISSN 0874-5560

Ex aequo  no.29 Vila Franca de Xira  2014

 

Soares, Célia Cristina (2012), Género, afectos e poderes. Representações sociais em crianças do ensino básico, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian/Fundação para a Ciência e Tecnologia, 298 páginas.

 

Clara Moura Lourenço

 

Em Género, afectos e poderes, Célia Cristina Soares propõe-nos acompanhar o seu percurso de investigação que culminou com a apresentação da dissertação de doutoramento com o mesmo título, defendida em Dezembro de 2008 no ISCTE. De acordo com a autora, o texto que aqui nos apresenta corresponde grosso modo ao texto da dissertação, mantendo «a sua estrutura original de modo a reproduzir o percurso teórico empírico» que o motivou.

Para além de uma Introdução geral e de um Balanço Final, a obra está estruturada em 3 partes que a autora identifica como correspondendo «aos percursos teórico, conceptual e empírico da investigação.» Cada uma das partes, subdividida em capítulos, contém um pequeno texto de Apresentação do conteúdo geral da secção e do resumo dos assuntos tratados em cada um dos capítulos, orientando a leitura e a rápida identificação dos tópicos abordados.

Na Introdução geral da obra, a autora expõe algumas considerações sobre o alargamento do universo social das crianças aquando da passagem do meio familiar para o contexto escolar, salientando o papel que, de acordo com autores de referência como Piaget e Sullivan, as relações entre grupos de pares assumem na construção do conhecimento social. A construção de significados sobre o conceito de amizade em contexto escolar permite observar a interação entre as ideias e as práticas inerentes à vida social dos grupos de pares bem como a influência que fatores associados à idade, sexo, atributos físicos e intelectuais desempenham na sua regulação, justificando o objetivo da autora de «articular as questões da Psicologia do Desenvolvimento com o domínio da Psicologia Social.»

A primeira parte, dedicada ao percurso teórico, está dividida em dois capítulos que traçam o quadro de referência no qual se alicerça o objeto de investigação, a saber o desenvolvimento da cognição sobre a vida social. No primeiro capítulo, a autora analisa as abordagens que permitiram delinear e contextualizar o problema, partindo da ideia de interdependência dos níveis individual e social para a explicação do desenvolvimento do conhecimento social das crianças. No segundo capítulo é apresentada a relação co constitutiva entre indivíduo e social, discutindo os objetivos teóricos em articulação com os objetivos temáticos da secção empírica da investigação.

Na segunda parte, dividida em quatro capítulos, a autora trata da definição conceptual e enquadramento teórico dos objetos temáticos do trabalho, a saber, amizade e rejeição, género, poder e liderança. O capítulo 1 contextualiza a natureza das relações sociais entre pares e os seus efeitos nos processos de desenvolvimento psicossocial, salientando a distinção entre cooperação e constrangimento e o modo como essas duas estruturas relacionais influenciam o pensamento das crianças. O capítulo 2 traça o panorama da investigação das três últimas décadas sobre o tema da amizade, destacando algumas abordagens sobre o desenvolvimento da cognição sobre as relações de amizade, confrontando as perspetivas cognitivo-desenvolvimentistas com o paradigma das representações sociais. O capítulo termina revendo as relações de rejeição e distância social e discutindo «os principais aspetos emergentes das investigações sobre as condições do estatuto social do rejeitado, no quadro das tradições sociométricas e sociológicas.» No capítulo 3, destaca-se a perspetiva apresentada sobre «a evolução do conceito de género» nas Ciências Sociais, examinando «a importância do nível de análise ideológico, das questões de assimetria simbólica e ainda de alguns fatores estruturais associados à regulação das relações sociais de género.» O capítulo termina com a contextualização «da dimensão de género na vida e no pensamento social das crianças», observando por um lado «os efeitos que os regimes de género da instituição escolar assumem nas relações sociais entre pares» e por outro lado «as relações entre interação social, representações e identidades de género» e suas implicações no desenvolvimento psicossocial das crianças. O último capítulo desta secção é dedicado à temática do poder, do ponto de vista formal e informal, analisada à luz da Psicologia Organizacional. A autora refere-se à distinção entre poder e autoridade, observando a importância dos códigos simbólicos de poder e articulando a «dimensão de poder disciplinar com as relações de saber-poder

Na terceira parte, relativa ao percurso empírico da dissertação, a autora apresenta três estudos empíricos em que assentam as conclusões do seu trabalho de investigação. O primeiro estudo recai sobre as temáticas da amizade e da rejeição, examinando «as representações sociais mobilizadas por raparigas e rapazes do 1º e do 4º ano em torno dessas duas dimensões.» Os segundo e terceiro estudos têm por objeto abordagens metodológicas distintas da temática do poder e da liderança e foram também desenvolvidos com crianças do 1º e do 4º ano «de modo a examinar o desenvolvimento do pensamento social, de acordo com o percurso escolar.» Em cada um destes estudos, a perspetiva de género assume um papel preponderante na reflexão teórica e na observação empírica, fazendo a diferença relativamente a outros estudos já realizados. De acordo com a autora, os resultados empíricos sublinham a natureza das construções sociais do masculino e do feminino, bem como os padrões intergeracionais dos grupos de rapazes e raparigas.

A obra, dedicada ao desenvolvimento de representações sobre as relações sociais estabelecidas no contexto escolar, encerra com um Balanço Final onde se faz a síntese dos três estudos que examinaram os discursos das crianças do 1º e do 4º ano de escolaridade sobre as relações de amizade e rejeição, poder e liderança.

De modo global, conclui-se que «as representações emergentes em torno dessas dimensões relacionais» revelam o impacto dos significados e das dinâmicas de género no desenvolvimento do conhecimento social das crianças. Célia Cristina Soares é perentória na afirmação de que a sua investigação não deixa dúvidas quanto «à determinância que as representações e relações sociais de género assumem no desenvolvimento psicossocial das crianças.» A autora salienta também o facto de que o seu trabalho «evidencia a influência precoce destes processos simbólicos ao nível do pensamento e das representações infantis » uma vez que, como também destaca, «as crianças com 6 anos de idade já internalizaram a ordem social do feminino e do masculino e participam ativamente na (re)construção desses modelos do senso comum, apesar de a sua expressão ao nível discursivo estar ainda pouco saliente.»

Tratando-se de um trabalho que decorre de uma investigação com vista à obtenção de um grau académico, a obra apresenta uma organização cuidada e um vastíssimo leque de reflexões sobre as temáticas em apreço. Contudo, a opção por manter a estrutura próxima da formalidade académica pode vir a prejudicar o ritmo de leitura, sem, no entanto, pôr em causa a pertinência e atualidade do trabalho apresentado.

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