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Ex aequo

Print version ISSN 0874-5560

Ex aequo  no.28 Vila Franca de Xira  2013

 

Tiesler, Nina Clara e Domingos, Nuno (Organizadores) (2012), Futebol Português – Política, Género & Movimento, Porto, Editora Afrontamento, 343 páginas.

 

Paula Botelho-Gomes

FEFD/Universidade Lusófona do Porto, Portugal

 

O desporto parece ilustrar bem o conceito de facto social total de Marcel Mauss, entendido como fenómeno complexo pelo qual estruturas sociais, tais como a política, a economia, a família, a educação, a religião e o lazer, se manifestam e o todo social pode ser observado; ou seja, mobiliza uma sociedade e as suas instituições. O futebol, pelas instâncias sociais que o atravessam e o suportam, pela sua popularidade, centralidade e universalidade, configura, de algum modo, a metáfora de uma sociedade. Decorre do considerado, a importância da edição de Futebol Português – Política, Género & Movimento, para a qual foram convocadas distintas áreas das ciências sociais, contrariando-se uma vez mais a ideia de que, nomeadamente a Sociologia, não reconhece a importância social do desporto, esquecendo que a génese do desporto é não só um problema sociológico, mas também ideário de civilização, como nos adverte Norbert Elias.

No livro em apreço, a Antropologia, a Sociologia, a História, e os Estudos sobre as Mulheres ‘vão ao Futebol’, e logo na sua introdução (Nuno Domingos e Nina Clara Tiesler) se clarifica que o «‘futebol português’ possui nesta obra um estatuto descritivo; localiza no tempo e no espaço um conjunto de observatórios de análise que se relacionam indiscutivelmente com a história de Portugal no século XX» (…) (p. 15). O livro, escrito a onze mãos, três das quais femininas, organiza-se em quatro partes: História e Política, Colonialismo e Internacionalização, Mulheres e Futebol, e Adeptos, totalizando 12 capítulos, rematando com um Ensaio de Saída. A primeira parte, História e Política, inclui os textos de José Nuno Matos, Anarquistas e Desportistas: A Batalha vs. A Batalha, onde se assinala que a história do sindicalismo revolucionário e a do anarquismo são inseparáveis; de Francisco Pinheiro, Futebol e à Política na Ditadura, com o exercício de separar Factos e Mitos; de Rahul Kumar, Futebol e Política no Portugal Democrático – A Lógica da Conversão de Capitais, onde se analisam percursos biunívocos de agentes entre futebol e política. A segunda parte, Colonialismo e Internacionalização, integra os textos de Nuno Domingos, A Força dos Laços Desportivos, Associativismo e a Estruturação Urbana no Moçambique Colonial, sobre a desportivização e a dinâmica do futebol naquele território, e de Nuno Domingos e José Neves que partilham a Entevista a Detlev Claussen.

A terceira parte do livro trata do tema Mulheres e Futebol e inicia-se com o texto de Isabel Cruz, «A Virilidade é uma Ideia que as Pessoas têm que os Homens são Melhores». Discurso sobre os corpos das jogadoras de futebol na imprensa portuguesa. A vinda a Portugal, em 1923, de uma comitiva de atletas francesas para realizar exibições de atletismo e de futebol, modalidades tidas como apropriadas a homens, foi recebida com tal despropósito que suscitou críticas de jornais, mas não invalidou que os estádios se enchessem de espectadores curiosos (voyeurs?) nem que alguma imprensa tecesse comentários moralistas na fronteira do discurso sexista. O cerne da polémica era (é?) o corpo do ‘sexo fraco’, que se julga não apropriado àquelas lides, e um traje desportivo contrário a uma feminilidade recatada. Como refere a autora: «As mulheres que invadem os terrenos desportivos considerados masculinos estão sujeitas a discursos mordazes» (p. 192).

Enfim, Desencontros da História com o Futebol Feminino, como sublinha Inês Paulo Brasão na entrada seguinte. Inês Brasão passa em revista um conjunto de normas e posturas, verdadeiros espartilhos, acerca do que devia ser a prática desportiva do sexo feminino. Organizações do Estado Novo e religiosas, e a Educação Física, preocuparam-se com a regulação e a graciosidade dos corpos femininos, ao mesmo tempo que definiam as práticas físicas apropriadas – onde a ginástica imperava –, preparando as raparigas para a maternidade e a domesticidade. Esta disciplina e normalização de corpos, a que a medicina não era alheia, eram de todo incompatíveis com a prática do futebol, desde há muito conotado com a construção da masculinidade. Claramente se definiram os corpos e as práticas legítimas e ilegítimas. Depois do jogo das francesas é possível que mulheres se tivessem organizado para jogar, num registo de recreação e socialmente sem expressão. No entanto, oficialmente regulamentado, o primeiro jogo realizou-se apenas em 1984. Longa foi a noite.

O capítulo Um Grande Salto para um País Pequeno: O xito das Jogadoras Portuguesas na Migração Futebolística Internacional, de Nina Clara Tiesler, revela que, apesar de Portugal não constar no Top 30 da FIFA, é um dos países mais expressivos na migração futebolística: ter o futebol como profissão e melhorar os desempenhos obriga a emigrar. Quer as emigrantes, quer as futebolistas filhas da diáspora são uma mais-valia na selecção nacional feminina, pela sua maior experiência e competitividade. A desvalorização do futebol feminino parece-nos ser uma evidência quando se constata que muitos desconhecem, ou depreciam, o Mundialito de Futebol Feminino disputado, anualmente, no Algarve, desde 1994!

A quarta parte da obra, dedicada aos Adeptos, inclui os textos de Daniel Seabra, O Movimento Ultra e as Claques Organizadas em Portugal: seu surgimento e principais fases da sua evolução, sobre os marcos evolutivos que se seguem ao da Espontaneidade: Institucionalização-Expansão-Crise-Ressurgimento; de Nina Clara Tiesler, A Festa dos Emigrantes. A Importância do Futebol na Diáspora Portuguesa, sobre a importância e centralidade do futebol na vida dos portugueses espalhados pelos cinco cantos do mundo; de Stephen Wagg, Cristiano Ronaldo e Mr. Spleen: a celebridade no futebol global, o Manchester «mítico» e a diáspora portuguesa, que aborda uma polémica gerada em torno de Cristiano Ronaldo e o de Nina Clara Tiesler, Ensaio Sobre a Festa, O Futebol e a «Batalha dos Nacionalistas»: uma bandeira não é uma bandeira não é uma bandeira, sobre as políticas identitárias que se servem do futebol.

Futebol Português – Política, Género & Movimento. Geografias e narrativas diversas, leitura obrigatória para estudiosos e para quem se diz interessar por Desporto.

 

Paula Botelho Gomes escreve de acordo com a antiga ortografia

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