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Ex aequo

Print version ISSN 0874-5560

Ex aequo  no.28 Vila Franca de Xira  2013

 

(Entre) olhares sobre delinquência no feminino

Looks on female delinquency

Regarde(s) sur la délinquance chez les filles

 

Vera Mónica Duarte*1 e Maria João Leote de Carvalho*2

1 Instituto Superior da Maia, Castêlo da Maia, Portugal. vduarte@docentes.ismai.pt

2 Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Centro de Estudos Sociais (CESNOVA), Lisboa, Portugal. mjleotec@sapo.pt

 

RESUMO

Este artigo pretende ser um diálogo dinâmico entre duas investigações qualitativas desenvolvidas com crianças e jovens envolvidas em delinquência. Procura-se refletir sobre a construção da (in)visibilidade social da figura feminina na relação teoricamente consistente entre delinquência e género, abarcando diversas idades e expressões deste fenómeno. Diferentes feminilidades são vividas e assumidas na prática da delinquência, assumindo- se o risco e a experimentação como eixos estruturantes de muitas das ações delinquentes. Não menos importante é a linha de feminização na aprendizagem social da delinquência, fundamentalmente concretizada em círculo de familiares ou de pares.

Palavras-chave: crianças, jovens, delinquência feminina, género.

 

ABSTRACT

This paper presents a dialogue between two qualitative research undertaken with children and youth involved in delinquency. The authors try to reflect on the construction of the (in)visibility of the female figure based on the theoretically consistent relation between delinquency and genre, spanning various ages and several expressions of this phenomenon. Different femininities are identified in the practice of delinquency, and risks and experimentation emerge are structural axes in many delinquent female actions. No less important is the feminization line identified in the delinquency social learning, mainly developed amongst children and youth’s female relatives or peers.

Keywords: children, youth, female delinquency, gender.

 

RÉSUMÉ

Cet article vise à établir un dialogue entre deux recherches qualitatives menées auprès de filles impliquées dans la délinquance. Nous essayons de réfléchir à la construction de l’(in)visibilité de la figure féminine au cadre de la relation théoriquement cohérente entre la délinquance et le genre, couvrant différents âges et des expressions de ce phénomène. Féminités différentes sont vécues dans la délinquance, où le risque et l'expérimentation apparaissent comme axes structurants de la plupart des actions. Non moins importante est la féminisation identifiée dans l'apprentissage sociale de la délinquance, fondamentalement concrétisé dans un cercle de parents ou de leurs pairs.

Mots-clefs: enfants, jeunes, la délinquance féminine, genre.

 

Introdução

Os fenómenos desviantes, nas suas mais variadas formas, e onde se inclui a delinquência de crianças e jovens, são componente estrutural nas dinâmicas sociais de qualquer comunidade. Dificilmente podem ser abordados com base em modelos de causalidade assentes em relações lineares potencialmente passíveis de generalização como se de causas únicas e globais se pudesse falar, ignorando-se a complexidade da vida social. A delinquência não é um fenómeno exclusivo das sociedades contemporâneas; existiu desde sempre e em todos os grupos sociais, variando apenas a forma como se carateriza e se torna visível ao longo dos tempos. De igual modo, também a preocupação social sobre esta problemática não é nova. No entanto, a atual dramatização e politização das violências e do crime tendem a fazer crer que se está perante um cenário social único, desvalorizando-se que não se trata de fenómenos novos; novos podem ser alguns dos seus traços e das suas atuais dinâmicas, assim como dos contextos onde se produzem.

Neste âmbito, assume especial relevância a emergência de um discurso público, nacional e internacional, centrado no aparente aumento da prática de delinquência por raparigas (Chesney-Lind, 1997; Burman, Batchelor e Brown, 2001; Steffensmeier, Schwartz, Zhong e Ackerman, 2005; Luke, 2008). Aparente, pois a discussão sobre se estas tendências refletem um aumento real da delinquência feminina ou mudanças nas respostas societais em função do género permanece (Zahn et al., 2008).

Os cenários sociais postos em discussão pública tendem a reforçar o alarme social3, promovendo a ideia que os jovens estão mais violentos; e se antes eram os rapazes, agora são as raparigas. A discussão parece transvestir-se de representações de género, que põem em causa padrões históricos e hegemónicos, que associam o masculino à agressão física e ao exercício de autoridade e o feminino à figura da vítima, passiva, desprovida de agencialidade4. Se é verdade que as raparigas estão um pouco menos invisíveis no sistema de justiça juvenil, a sua visibilidade na delinquência não tem sido acompanhada por uma real atenção ao fenómeno, que continua a ser explicado essencialmente nos parâmetros da etiologia da delinquência masculina.

Importa saber se as diferenças entre jovens do sexo masculino e do sexo feminino registadas nas estatísticas oficiais da delinquência refletem padrões de comportamento em função do género ou se não será antes esta dimensão a condicionar o olhar diferenciado dos mecanismos formais de controlo social. Como resultado, as raparigas podem ser alvo de intervenção em fase mais tardia do que os rapazes, quando à visibilidade dos seus atos já se encontra associada uma maior gravidade ou violência (Carvalho, 2003).

Aceitando o repto de estudos recentes (Chesney-Lind, 1997; Burman, Batchelor e Brown, 2001; Luke, 2008; Matos, 2008; Duarte, 2012), que apontam a necessidade de investigações exploratórias que tragam as vidas e as vozes das raparigas para o centro do debate teórico-metodológico sobre delinquência, este é um artigo escrito a duas mãos. Resulta do entrecruzamento de reflexões e das conclusões obtidas nas investigações de doutoramento desenvolvidas pelas autoras, entre olhares sobre a delinquência no feminino na infância e na juventude. Após uma breve discussão sobre a pertinência teórica da variável género no estudo da delinquência, coloca-se em discussão alguns dos principais resultados obtidos nestas investigações, salientando diferentes expressões e significados que este fenómeno assume junto de raparigas de diferentes idades.

 

Delinquência e género

Enquanto conceito socialmente construído por referência a normas, valores, quadros socioculturais e jurídicos de uma sociedade, neste texto, a delinquência é entendida como uma categoria do desvio reportada aos atos desenvolvidos por crianças e jovens que, à luz das leis penais, configurariam a prática de crime pela quebra ou violação do estabelecido nos normativos jurídicos mas que, pela idade, se encontram numa situação de inimputabilidade criminal, beneficiando de legislação específica em detrimento da aplicação de um código penal (Carvalho, 2003).

A literatura científica evidencia que o género é uma das dimensões de diferenciação mais consistentes na delinquência. Investigadores e investigadoras de diferentes áreas científicas e países5, reconhecem que a pesquisa realizada sobre esta matéria é insuficiente e têm mantido uma perspetiva de género «por defeito»; ou seja, estabelece-se a figura masculina como norma e invisibiliza-se a presença feminina. Desta forma, os conteúdos de género têm sido virtualmente ignorados no estudo desta problemática (Messerschmidt, 1997).

Durante décadas foi construída uma história única sobre a presença e a participação da figura feminina na delinquência. Uma história de invisibilidade social, reiterada na comunicação social, nos discursos públicos e políticos, nas estatísticas e nos estudos científicos, assente na convicção de que os desvios juvenis femininos são poucos, pouco importantes e não constituem problema social. Estereótipos e preconceitos que perpetuam imagens e representações eivadas de interpretações que sugerem a biologização, a sexualização, a patologização e a masculinização dos comportamentos femininos. Ao revisitar-se as teorias sociológicas sobre a delinquência de crianças e jovens, conclui-se que o fenómeno é explicado a partir do enfoque na delinquência masculina, secundarizando a figura feminina e o interesse que as questões de género têm nesta temática. Duas situações têm prevalecido nas teorias tradicionais: a figura feminina «submergida » nas explicações da delinquência masculina e a delinquência feminina reduzida a problemas de costumes e de moral sexual. As histórias, necessidades e experiências da ofensora/agressora feminina têm sido (re)formuladas como problemáticas, sob a imposição das premissas masculinas e dos estereótipos de género sobre feminilidade e ofensa (Hannah-Moffat e O’Malley, 2007). Imagens que criam mitos, mitos que se tornam práticas.

O interesse pela investigação empírica sobre a delinquência feminina faz-se sentir desde a década 70 do século XX (Adler, 1970). Neste âmbito, a polarização entre vitimação e agencialidade tem estado no centro da discussão no sentido em que as raparigas não são apenas vítimas, mas também sujeitos ativos na construção das suas próprias vidas. A emergência de uma literatura mais sensível ao género e o incremento das investigações com raparigas em conflito com a lei6 têm revelado importantes diferenças entre rapazes e raparigas na prática de delinquência. Identificam-se especificidades atribuídas aos modos de vida das raparigas que não devem ser desvalorizados e que resultarão de uma construção identitária de género. Isto não significa que não existam muitos traços sociais comuns quando se esboça o perfil de rapazes e de raparigas recenseadas nos sistemas oficiais por motivo de delinquência; o que mais parece diferir são as lógicas de ação, a natureza da atuação e de envolvimento nos atos e a sensibilidade de exposição aos fatores de risco (Zahn et al., 2010). Os preditores de risco associados à ação masculina não são os mesmos quando aplicados às trajetórias femininas. De igual modo, nem a forma como rapazes e raparigas dão sentido às coisas é semelhante, por serem diferentes as representações e reproduções quotidianas do género (Chesney-Lind, 1997). Como defendem Nicole Piquero, et al. (2005), os processos delinquentes são aparentemente semelhantes, mas variam qualitativamente nos modos e formas como são vivenciados em função do género.

 

As investigações

Este é um texto que nasce da convergência dos projetos de investigação de doutoramento das autoras. Um diálogo desafiante que pretende aprofundar a discussão sobre diferentes dimensões e expressões das formas de viver a delinquência no feminino7.

Vera Duarte (2012) desenvolveu uma pesquisa qualitativa, realizada em 2008 e 2009, que visou estudar as experiências e significados da transgressão nos percursos de vida de raparigas em conflito com a lei. Assumindo como referente empírico as jovens internadas em Centro Educativo e a executar medidas tutelares educativas não institucionais, sob acompanhamento das Equipas Tutelares Educativas da Direção-Geral de Reinserção Social8, da área da Grande Lisboa, analisaram-se 27 processos individuais e realizaram-se 19 entrevistas. Do cruzamento destas duas técnicas construíram-se retratos sociológicos e das análises de conteúdo e de discurso acedeu-se às densidades biográficas que permitiram explorar os discursos dominantes em relação à transgressão e traçar perfis de percursos transgressivos. A leitura e a discussão dos dados foram feitas nas interfaces do interacionismo simbólico, das teorias da ação estruturada e das perspetivas feministas que, ao situar o debate na perspetiva do sujeito (feminino), não perdessem de vista que as subjetividades são permeadas pelas (im)possibilidades do espelho social que molda performances (de transgressão e de género).

Maria João Leote de Carvalho (2010) desenvolveu uma investigação fundada nos campos do interacionismo simbólico, da ecologia social e da sociologia da infância, que teve por objetivo analisar os processos de socialização na infância em seis bairros de realojamento na Área Metropolitana de Lisboa, dando especial atenção aos contornos do envolvimento das crianças residentes, de ambos os sexos, entre os seis e os doze anos, em atos de violência e delinquência. A delinquência é vista como expressão de um problema social que, não sendo novo, está associado a um amplo espetro de fatores e circunstâncias de natureza diversa. Estes fatores e circunstâncias colocam-se em jogo num determinado território cujo ambiente físico influi e simultaneamente sofre as influências da ação e do controlo social exercido pelos indivíduos que nele se situam, ou o atravessam, e em relação aos quais as crianças, na qualidade de atores sociais, atribuem um sentido particular que apropriam, integram, reconstituem e (re)produzem.

Em função da observação de uma realidade social complexa a nível de conteúdo e da acessibilidade aos atores sociais nela envolvidos, entre 2005 e 2009 realizou um estudo de caso, de base etnográfica, que contemplou outras técnicas qualitativas numa perspetiva de complementaridade – observação participante, conversas informais, entrevistas semiestruturadas a crianças (72 das quais 18 a raparigas entre os 7 e os 11 anos) e a pais/familiares (62), técnicas visuais (312 desenhos sobre os bairros e fotografias dos bairros tiradas por 34 crianças de duas turmas de escola do 1º Ciclo do Ensino Básico) e análise documental. O tratamento da informação recolhida foi sustentado numa lógica analítica compreensiva que teve como ponto de partida a ‘voz’ das crianças expressa nas suas diferentes produções.

Este texto resulta da conjugação de informação obtida nas duas investigações e tem como eixo estruturante uma técnica comum a ambas, as entrevistas realizadas, numa a jovens, noutra a crianças. Nos dois trabalhos, as raparigas entrevistadas são oriundas de meios socioeconómicos desfavorecidos, essencialmente de meio urbano, com trajetórias de vida maioritariamente marcadas pela desagregação do núcleo familiar de origem. Diferentes idades, diferentes origens étnicas, mas uma base comum em torno da origem social e das práticas delinquentes que assumem. Efetuadas em diferentes contextos – sistema de justiça juvenil e território urbano de bairros de realojamento –, as análises de conteúdo desenvolvidas permitiram trazer para uma breve discussão exploratória diferentes expressões e significados da delinquência no feminino, salientando-se as semelhanças identificadas nas duas pesquisas.

 

Expressão e expressões da delinquência no feminino

A fraca expressão da delinquência feminina nas estatísticas oficiais nacionais e internacionais tem sido objeto de crescente interesse na literatura científica. Se é claro que as raparigas tendem a estar menos representadas do que os rapazes nos indicadores dos sistemas de justiça juvenil9, a participação feminina parece estar a ganhar diferente expressão e expressões. Expressão porque as estatísticas oficiais nacionais e internacionais apontam para a sua maior visibilidade, não apenas em números, mas também na natureza dos atos recenseados (e.g. eventual maior gravidade nos ilícitos cometidos e em coautoria). A aparente maior violência nos ilícitos cometidos por raparigas continua a ser bastante questionada (Duarte, 2012). Possivelmente, e como aponta Susan Batchelor (2007: 209), o comportamento das jovens pelos vários percursos de violência é motivado por uma interação complexa envolvendo uma gestão e uma procura ativa do risco. O divertimento, a adrenalina e a desocupação, ampliadas pela posição de subalternidade de quem vive e é olhada/o como excluída/o, constituirão as suas principais motivações.

No estudo de Maria Carvalho (2010), na análise dos registos das entidades oficiais sobre a delinquência de crianças menores de 13 anos de idade nos bairros selecionados, entre 2001 e 2008, as diferenças observadas entre rapazes e raparigas não são tão acentuadas quanto as que são apresentadas pelas estatísticas oficiais a nível nacional, nomeadamente no sistema tutelar educativo (12-16 anos). Embora os rapazes estejam maioritariamente representados, a participação das raparigas está presente em 35,3% (n=80) do total das ocorrências policiais em análise. A presença feminina segue uma linha de representatividade que não é demasiado afastada da masculina e, em nenhum dos anos em causa, a sua presença foi meramente residual, sendo notório o seu contínuo aumento, com especial incidência para 2008 (40,3%).

A categoria de delinquência onde as raparigas são mais expressivas, designada «de consumo»10, restringe-se a atos «contra o património», essencialmente furtos realizados em estabelecimentos comerciais, hipermercados ou na via pública. É uma delinquência aquisitiva que visa a obtenção de produtos de consumo, maioritariamente associados a estilos e modos de vida amplamente difundidos entre as crianças, nela se evidenciando uma diferenciação por sexo/género em função da natureza dos bens furtados.

Esta tendência para a especialização por sexo/género nos furtos, já identificada noutros estudos (Carvalho, 2003), está patente na ação feminina, frequentemente em duplas e grupos de raparigas de idades próximas, que furtam mais roupas, acessórios (brincos, fios, pulseiras, adornos diversos, malas) ou materiais escolares.

– Não, eu não escolhi, eu só escolhi uma coisa. (…) Escolho o casaco, ela [raparigaF27, 11 anos, Bairro Rosa] me deu umas t-shirts e calças, fomos vestir às cabines – rapariga F36, 11 anos.

– Depois lá eu trouxe uma camisola, só uma camisola. Vesti duas camisolas e uma calça. A [F27] disse para nós calçarmos uns sapatos se não batia, eu não vou calçar não – raparigaF37, 8 anos.

– Eu também não, foi um casaco vermelho de marca… assim curto. E ela [F27] escolheu um fato de treino da Nike – raparigaF35, 9 anos.

– E a tua irmã [8 anos] também trouxe alguma coisa?

– Sim, meias… ela não tinha no pé, pôs no bolso e tinha duas calças, uma da [marca] e uma dela, três camisolas, um top, uma camisola e a camisola dela. – rapariga F36.

– E como é que foram apanhadas?

– Disseram que ela [F27] tirou uma coisa das calças para apitar e que pôs no lixo. Os polícias deixaram ir a casa de banho para tirar. Depois eu vi a [F27] e a [F35] com uma polícia. Depois a polícia disse para tirarmos as roupas. Nós tirámos e a polícia disse que tínhamos de ir para coisa… para a esquadra. – rapariga F36 [entrevista]

(Carvalho, 2010: 394)

À semelhança dos rapazes, é normalmente em grupo que as raparigas cometem mais ilícitos e com mais frequência, havendo uma tendência para que raparigas sigam outras raparigas (Carvalho, 2010; Duarte, 2012), como já demonstrara Peggy Giordano, Stephen Cernkovich e Jennifer Rudolph (2002). É com outras raparigas que procuram companhia para ir a festas, passear na comunidade, sair com rapazes e experimentar o risco.

Se esta experimentação tem um caráter de normalidade nas faixas etárias em questão, as populações estudadas associam uma acumulação de outros riscos relacionados com os contextos com os quais têm ligações negativas, que parecem colocá-las em maior risco de iniciar comportamentos desviantes (i.e. consumos de substâncias, comportamentos sexuais de risco, fugas de casa, prática de ilícitos, entre outros) ou de vivenciar as consequências negativas para a saúde, quando a prática desses comportamentos já é visível (Duarte, 2012).

Mas o género assume também uma outra expressão, especialmente visível no caso de furtos a particulares. Quando se analisa o perfil das vítimas de práticas delinquentes cometidas por crianças nos bairros selecionados, não só é comum as vítimas encontrarem-se sozinhas, mas também uma grande parte ser do sexo feminino, sinal de uma perceção de maior isolamento e fragilidade que é explorada na atuação concretizada pelos mais novos (Carvalho, 2010). A este respeito, e segundo Duarte (2012), se a passagem ao ato pode ter uma certa dose de imprevisibilidade («foi a cena do momento, deu-nos na cabeça e dissemos: vamos lá assaltar aquelas miúdas» [Elisabete, 14 anos. MTI]11), a escolha das vítimas (pessoas) e a abordagem parecem ser mais seletivas. Na linha de Sybille Artz (1998), as raparigas tendem a perpetrar «violência horizontal», contra o mesmo sexo («São mais as raparigas que são assaltadas. Porque são alvo mais fraco» [Cristina, 14 anos, MTI]. «Normalmente sempre foi mais aos da nossa idade, da nossa altura e raparigas, ou então miúdos pequeninhos». [Célia, 17 anos, MTIO]12).

Além da expressão, a delinquência feminina tem vindo a ganhar expressões. A participação feminina nos grupos delinquentes e na criminalidade não é uma novidade. O que parece ser novo é o modo como participam, como constroem as relações de género e como orquestram várias formas de feminilidade.

Quando as jovens entrevistadas (Duarte, 2012) falavam sobre as suas práticas delinquentes mostravam que não estavam passivas e que procuravam conquistar o espaço que se abriu para elas, legitimando feminilidades e não propriamente construindo masculinidades, como defendia Miller (2001), mesmo quando desafiam as noções que têm do que é considerado apropriado para as raparigas. Estas práticas são vistas como «coisas de raparigas» (Carvalho, 2010). Falam é de outras feminilidades: «feminilidades maria-rapaz», por desejarem práticas de reconhecimento próximas das dos rapazes a quem invejam a liberdade (Fonseca, 2009: 267), «feminilidades rebeldes», que se expressam por identidades mais reativas, que se envolvem em atividades e culturas de experimentação e provocação. Estes estilos de feminilidade não deixam, contudo, de combinar práticas convencionais e atípicas de género. Neste self empowerment, que poderia significar transformações nos papéis tradicionais, não é imperativo que se transgridam ou rejeitem todos os papéis femininos tradicionais (Abramovay, 2010).

A violência dos seus comportamentos e a liberdade, autonomia e independência que reclamam para si, pelas fugas de casa, pelas experimentações de álcool e drogas, pela prática de ilícitos, não deixa de esbarrar na manutenção de discursos e conceções tradicionais de masculinidade e feminilidade. Estas conceções são utilizadas para falar sobre as responsabilidades familiares e os papéis domésticos («rapariga… é estar em casa, trabalhar, ser mãe…» [Vera, 16 anos, MTI]), justificar o maior controlo que os pais tendem a exercer em suas vidas («cá fora pode engravidar… e por isso reservam mais as filhas dentro de casa» [Elisabete, 14 anos, MTI]), para falar sobre as vivências da maternidade e como esta tem um efeito de «mudança» («ver o mundo com outros olhos» [Marta, 18 anos, MTAE13]), para se referirem aos projetos de futuro, também estes trespassados pelas marcas de género («ter marido, filhos… dois… porque é o que toda gente gosta, acho eu!» [Fátima, 16 anos, MTIO] e para se exprimirem sobre o papel da rapariga na transgressão («é rapaz, é normal, eles começam a andar em grupos, nessa vida… mas rapariga… é muito feio» [Vera, 16 anos, MTI]) (Duarte, 2012).

 

Significados e representações da prática delinquente

As teorias centradas na aprendizagem social da delinquência apontam que as raparigas que mais contactam, interagem e passam mais tempo com outras pessoas envolvidas na delinquência, especialmente do sexo masculino, mais facilmente passam à realização de atos delinquentes (Carvalho, 2010).

A este respeito, destacam-se duas questões. A primeira, apontada por Duarte (2012), é que, apesar de a literatura apontar que o envolvimento criminal de familiares e de namorados/companheiros tem uma influência significativa nos percursos e nas escolhas das raparigas (Steffensmeiers e Allan, 1996; Assis e Constantino, 2001) – e no estudo de Duarte (2012) um número considerável das jovens entrevistadas (44%) ter familiares e namorados/ex-namorados identificados com contactos com a justiça –, os seus discursos não permitem concluir que estes influenciem mais do que os/as amigos/as. E se em algumas situações podem ser o motor dos comportamentos desviantes, o que parece sobressair é o contacto e a aprendizagem com os/as amigos/as e a procura e gestão de comportamentos de risco.

A segunda questão prende-se com os processos de aprendizagem da delinquência feminina que ocorrem num quadro de matriarquização, sob influência direta de familiares do mesmo sexo – mães, tias, primas, avós e irmãs (Carvalho, 2010) –, e não, obrigatoriamente, junto do sexo masculino (Giordano, 1978).

Fomos falar com a mãe de [raparigaF35, 9 anos] e ela explicou tudo. Ela pôs a roupa, pegou a roupa dela, vestiu a roupa da [loja] e então aí ela disse se queríamos fazer igual a ela. Ela disse para se tirar aquela coisa… aquela… o alarme. A mãe dela ensinou, vais e tiras com os dentes assim… (…) Nós conseguíamos tirar, uma tirava e nós vestíamos. (…) A mãe dela disse e foi ela que a mandou ir porque tem roupa roubada em casa e também tem comprada, mas a maioria roubada e depois ficou com um caso em Tribunal uma vez – raparigaF27, 11 anos, entrevista. (Carvalho, 2010: 394)

É de questionar se a persistência de representações tradicionais sobre os papéis de género não continuam a proporcionar a construção de definições sustentadas na ideia de a violência ser um traço de caraterização eminentemente masculino, dominante como símbolo de poder e virilidade, que não encaixa na construção da condição feminina (Piquero, Gover, MacDonald e Piquero, 2005). A discussão da delinquência feminina tem de ser feita a partir da consideração da transformação de papéis e posição atribuída à mulher na sociedade, não se desvalorizando as desigualdades sociais que ainda hoje marcam a sua condição no território nacional.

A questão da participação das raparigas na delinquência, e a emergência da imagem de que muitas delas não são apenas colaboradoras e acessórios dos seus parceiros masculinos, reaviva a discussão em torno das diferentes noções de «rapariga-objeto» vs. «rapariga-sujeito» (Lucchini, 1997)14. Esta discussão não deve ser polarizada, pois corre-se o risco de não compreender que os percursos de vida são construídos pelas escolhas e pelas ações adotadas, num campo limitado de possibilidades e circunstâncias sociais, familiares, escolares e culturais. As histórias das crianças e das jovens recolhidas em ambas as investigações contam itinerâncias realizadas sobre um conjunto de constrangimentos estruturais que pautam as suas vidas, dão conta das transições possíveis e das (im)probabilidades de seguir trajetos padronizados, e são marcadas por consecutivas escolhas aparentes, que refletem não só os constrangimentos à sua ação autónoma, como também à sua posição, enquanto sujeitos que fazem escolhas. Uma leitura deste fenómeno feita de modo polarizado não permite perceber como é que as raparigas se posicionam perante a procura e/ou gestão dos comportamentos de risco (Batchelor, 2007) e quais as fronteiras da influência/pressão dos pares, dos namorados e da família.

A heterogeneidade dos percursos das jovens na delinquência (Duarte, 2012) possibilita constatar que nem todas rompem com a divisão sexual do trabalho dentro do grupo, mas são várias as que rompem com a divisão sexual do prazer: não são passivas, conquistam quando querem, escolhem os parceiros (Abramovay, 2010). Além disso, os motivos para a realização de práticas delinquentes são diversificados e tanto as crianças como as jovens (re)posicionam-se relativamente a eles (Carvalho, 2010; Duarte, 2012).

Há raparigas que usam na delinquência a força e competências tradicionalmente vistas como exclusivas do repertório masculino. A sua perceção não é diferenciada em função do sexo, mas antes considerada um recurso perante a ‘normalização’ da violência a que se encontram sujeitas nos contextos de origem, acabando por constituir um elemento na sua própria defesa e integração no território onde vivem («Ya, anda tudo sempre à luta, tudo sempre contra mim, aí é pumba! Dou um soco com força também» [rapariga F06, 8 anos], Carvalho, 2010: 396).

Outras mostram como a transgressão surge da gestão de sentimentos negativos, angústias e lutos mal resolvidos, originados pelas histórias de maus-tratos, abandonos e institucionalizações15.

Eu tenho de explodir, tenho de explodir (…). O que me dava adrenalina era ver as pessoas no chão a chorar… por mais louco que isso pareça. O que me vinha à cabeça era: fizeram-me a mim, tenho de fazer aos outros, porque se não fizer ninguém vai sentir aquilo que eu senti. Mas hoje compreendo que nunca ninguém vai sentir o que eu senti, porque não eram os pais que estavam a bater… [Elisabete, 14 anos, MTI]

(Duarte, 2012: 195).

Para outras foi a procura do risco-aventura da experimentação e da adrenalina o motor para a prática transgressiva.

O meu objetivo é curtir a vida, viver cada dia que passa como se fosse o último. (…) Tudo nesta vida tem risco… ver onde chegas, qual é o teu limite! Eu sou assim, gosto de saber qual é o meu limite. Nesta vida ou morres, ou vai preso ou foges! (…) a vida sem risco não é nada (…) não tem sentido [Inês, 17 anos, MTAE]

(Duarte, 2012: 196).

Para outras ainda foi a influência (das drogas, do namorado/ companheiro ou da passagem pela instituição…).

Tudo o que fiz, fiz porque estava completamente drogada [Verónica, 16 anos, MTI]

(Duarte, 2012: 197)

Comecei a fazer porcarias, (…) a tratar mal os meus pais, tudo por causa dele (namorado) (…) comecei a fugir de casa p’ra poder estar com ele. [Sónia, 18 anos, MTIO]

(Duarte, 2012: 198)

Mas há, também, narrativas em torno do caráter de exceção que é conferido ao comportamento transgressivo. Exceção pelo facto de não apresentarem prática de outros ilícitos anteriores. Exceção porque o ilícito é descrito como uma situação ocasional e acidental. Exceção pois a vida das jovens não se organiza em torno da prática delinquente.

 

Conclusão

A delinquência no feminino é um fenómeno plural, diverso, que encerra muitas expressões poucas vezes trazidas para discussão. Nas suas práticas delinquentes, as crianças e as jovens retratadas nestas páginas não abdicam da sua condição de género, numa conjugação em que emergiram atos associados aos tradicionais papéis femininos e outros mais atípicos, mas que não podem ser dissociados das mudanças sociais e da evolução do espaço cometido ao sexo feminino nas últimas décadas em Portugal. Um dos pontos mais importantes nestas pesquisas destaca a linha de aprendizagem social da delinquência feita numa linha de feminização, de transmissão de valores delinquentes fundamentalmente concretizada em círculo de familiares ou de pares do sexo feminino, o que constitui uma rutura com resultados de outras pesquisas sobre esta matéria.

Digno de registo, como independentemente da idade, as participantes nestes estudos aproximaram-se em muitas das suas perspetivas sobre as vivências na delinquência, podendo levantar-se a questão de saber até que ponto não se está perante mudanças sociais que atingem, já no presente, os escalões etários das mais novas. Neste sentido, seria importante perceber quantas das raparigas entrevistadas no estudo de Carvalho (2010) não acabarão(am) por desenvolver percursos e trajetórias institucionais similares às das jovens entrevistadas por Duarte (2012) e como se posicionarão perante a delinquência na juventude.

Regista-se a ideia de que rapazes e raparigas estão cada vez mais presentes nos mesmos espaços e sujeitos às mesmas tensões, continuando a identificação por sexo/género a ser fator agregador da influência entre pares. Neste caso, novos olhares se abrem sobre as práticas delinquentes apresentadas neste texto na medida em que rompem, em larga medida, com a tradicional noção de que as raparigas que cometem ilícitos o fazem por e sob influência direta do sexo masculino. Diferentes feminilidades são vividas e assumidas pelas raparigas participantes nestes dois estudos, emergindo o risco e a experimentação como eixos estruturantes de muitas das ações delinquentes relatadas. No campo concetual, é crucial repensar as categorias de violência e delinquência femininas, para que deixem de ser conceitos vazios, que colonizam definições em função da delinquência masculina. Ganha importância o questionamento em torno dos modos de vida femininos na infância e na juventude e das novas feminilidades. Mais do que se pretender traçar um perfil da delinquência no feminino, deseja-se chamar a atenção para as suas múltiplas expressões e dimensões envolvidas.

Muito fica por dizer nesta discussão. Se é verdade que este aparente novo protagonismo das raparigas chama a atenção para a sua agencialidade na delinquência, não menos verdade é que os seus discursos deixam transparecer como as desigualdades sociais em função do género, ainda hoje, marcam a condição feminina na sociedade portuguesa. Dar espaço aos contextos em que raparigas emergem como agressoras dá visibilidade às dinâmicas sociais em que muitas delas continuam a ser vítimas.

 

Referências Bibliográficas

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Artigo recebido em 15 de fevereiro de 2013 e aceite para publicação em 25 de junho de 2013.

 

Notas

*1 Professora auxiliar no ISMAI e investigadora no CICS/UM e na UICCC/ISMAI, da qual é diretora. Doutorada em Sociologia pela UM, tem desenvolvido trabalho de docência, produção científica e investigação nas áreas da sociologia do desvio e do crime, da delinquência juvenil e do género. vduarte@docentes.ismai.pt

ISMAI – Instituto Superior da Maia, Av. Carlos Oliveira Campos – Castêlo da Maia, 4475-690 Avioso S. Pedro

*2 Investigadora do CESNOVA. Doutorada em Sociologia pela FCSH-UNL, tem desenvolvido atividade de investigação e docência nas áreas da sociologia do desvio, do crime e da violência. É consultora no Programa «Crianças e Jovens em Risco», da Fundação Calouste Gulbenkian, e membro do European Council for Juvenile Justice – Academic Section, do European Juvenile Justice Observatory. mjleotec@sapo.pt

3Associa-se ao conceito de moral panics de Stanley Cohen (2002 [1972]) que expressa as manifestações de medo ou de receio coletivo em relação a determinados fenómenos ou grupos vistos ou percecionados como potenciais ameaças.

4Tradução do inglês agency.

5Campbell (1984), Chesney-Lind (1997), Miller (2001), Steffensmeier et al., (2005), Zahn et al. (2010) nos EUA; Burman, Batchelor e Brown (2001) na Escócia; Gelsthorpe e Worral (2009), na Inglaterra; Assis e Constantino (2001) no Brasil; Matos (2008), Carvalho (2010) e Duarte (2012) em Portugal.

6Campbell (1984), Carlen (1988), Chesney-Lind (1997), Messerschmidt (1997), Assis e Constantino (2001), Burman, Brown e Batchelor (2001), Miller (2001), Giordano, Cernkovich e Rudolph (2002), Cunha (2002), Steffensmeier et al. (2005), Batchelor (2007), Matos (2008), Zahn et al. (2010); Duarte (2012).

7De forma a preservar a sua identidade, neste texto os nomes das crianças e jovens foram substituídos por outros fictícios (Duarte, 2012) ou por códigos alfanuméricos (Carvalho, 2010), mantendo-se as opções metodológicas tomadas nas investigações a que dizem respeito.

8Atual Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.

9À semelhança do que acontece na generalidade dos países da União Europeia e nos EUA, os números e os contornos da delinquência feminina recenseada em Portugal apresentam uma média de 10%, desde 2002 (cf. Difusão Estatística da Direcção-Geral de Reinserção Social). Esta percentagem limita-se à evolução e natureza dos pedidos recebidos pelo tribunal e executados pela referida entidade. Não fornece nem a extensão da criminalidade participada às forças de segurança, nem a dimensão da delinquência julgada.

10Da sistematização da informação recolhida resultou a definição de uma tipologia de seis grandes categorias de delinquência: «formigueiro»; «para o público»; «de consumo»; «rodoviária», «escolar» e «contra as pessoas» (ver Carvalho, 2010).

11Medida Tutelar Educativa de Internamento.

12Medida Tutelar Educativa de Imposição de Obrigações.

13Medida Tutelar Educativa de Acompanhamento Educativo.

14A «rapariga-objeto» é a imagem dominante na literatura em que a rapariga é vista como alguém que tem falta de autonomia, é caracterizada pelo uso utilitário da sexualidade e pela sua capacidade de manipulação; a «rapariga-sujeito» é aquela que adquire a consciência da sua autonomia em relação aos rapazes, forma bandos compostos por raparigas e decide quando se associa aos rapazes.

15O cruzamento dos discursos das jovens com as suas condições objetivas de vida permitiram traçar quatro principais percursos transgressivos: transgressão enfatizada, transgressão-rebelde; transgressão-influência; transgressão circunstancial (ver Duarte, 2012).

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