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Ex aequo

Print version ISSN 0874-5560

Ex aequo  no.27 Vila Franca de Xira  2013

 

Casaca, Sara Falcão (Coordenação) (2012), Mudanças laborais e relações de género: novos vectores de (des)igualdade, Almedina, Coimbra, 203 páginas.

 

Luísa Veloso

Investigadora do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa (CIES, ISCTE/IUL), Portugal

 

O livro que aqui se apresenta resulta de uma investigação coordenada por Sara Falcão Casaca sobre «Mudanças nas relações de emprego e nas relações de género» que ocorreu entre 2007 e 2010 e condensa os contributos dos vários membros da equipa. Trata-se de um estudo centrado na análise das mudanças nas relações de emprego e nas relações de género, cruzando quatro eixos: idade, género, classe e etnicidade.

Os textos compilados nesta obra evidenciam a complexidade e multidimensionalidade destas realidades, assim como a urgência e pertinência social da sua investigação. Cada um dos contributos dos autores propõe um olhar distinto sobre as relações de emprego, com destaque para as diferenças entre homens e mulheres e as respetivas desigualdades. Os vários capítulos constitutivos do livro debruçam-se sobre eixos distintos do tema central, mas partilham uma reflexão crítica sobre o emprego e a configuração dos mercados de trabalho. Têm ainda em comum uma preocupação com a análise de informação estatística que permite caracterizar e analisar cada um dos eixos em questão em articulação com os objetivos políticos concebidos e que são comuns aos países da União Europeia, onde se destaca a «Estratégia Europeia para o Emprego 2020». Relativamente às políticas europeias (bem como nacionais), evidencia-se a descoincidência frequente entre os discursos políticos, as medidas adotadas e a configuração dos mercados de trabalho. Assim, à promoção do envelhecimento ativo, da inclusão social ou da redução do desemprego jovem, contrapõe-se o aumento do desemprego, as desiguais condições de trabalho entre homens e mulheres e a intensificação das várias formas de flexibilidade e de precariedade.

Os textos partilham entre si (com alguma repetição, por força da sua autonomia) a preocupação em apresentar o enquadramento das sociedades e das economias contemporâneas, em particular dos países da União Europeia (UE), afirexmando o contexto de globalização pautado pela intensificação da tendência neoliberal ou tecno-liberal, pelo desenvolvimento do capitalismo financeiro, e em que «a liberalização, a privatização e a desregulação são as principais causas da deterioração do emprego, das condições de trabalho e dos salários» (p. 57).

Antes de avançar para uma explanação das especificidades de cada um dos capítulos, destaque-se a preocupação de todos os autores em discutir os trabalhos que têm sido produzidos em cada um dos domínios de análise (nacionais e internacionais) e os conceitos mobilizados.

Após a introdução, Sara Falcão Casaca, foca, no capítulo 1, a participação das mulheres no mercado de trabalho, frisando as «desigualdades de género associadas à flexibilidade e precariedade da relação de emprego» (p. 10). Frisando a necessidade de atender à heterogeneidade das formas de precariedade e flexibilidade, a autora apresenta uma análise estatística de vários indicadores, tais como emprego, desemprego e regimes de trabalho, enfatizando as diferenças de género. A informação analisada contempla o período entre 1999 e 2010 e aborda a informação para a UE-15. Saliente-se o aumento da presença das mulheres no mercado de trabalho na UE e o facto de Portugal se aproximar, ao nível das taxas de emprego feminino, dos países do Norte da Europa e afastar-se dos países do Sul (como Espanha), ainda que com configurações distintas, associadas, nomeadamente, à necessidade de obter um rendimento para sustento próprio e da família.

No capítulo 2, de Ilona Kovács e Margarida Chagas Lopes, a ênfase recai no desemprego juvenil. De entre as várias conclusões das autoras, num quadro de desregulação do mercado de trabalho e de flexibilização nos países da UE, saliente-se: as elevadas taxas de abandono precoce do sistema de ensino, com destaque para países como Malta, Espanha e Portugal; o adiamento, por parte dos jovens, da saída de casa da família de origem, associado à ausência de condições que proporcionem uma independência económica; as consequentes dificuldades de acesso aos mercados de trabalho por parte dos jovens, com a tendencialmente crescente taxa de desemprego e a inserção em condições de precariedade e em atividades de trabalho marcadas pela desqualificação.

As autoras discutem ainda a configuração do trabalho a tempo parcial dos jovens, o qual, se pode ser encarado como uma via de facilitar, nomeadamente a conciliação entre o trabalho e a prestação de cuidados familiares ou a prossecução dos estudos, persiste a dúvida «sobre a natureza voluntária ou imposta deste trabalho» (p. 76), até porque se trata de um instrumento importante de redução dos custos diretos do trabalho.

Finalmente, saliente-se a precariedade e desemprego de jovens com uma escolaridade ao nível do ensino superior, o que contraria as aceções assentes na crença segundo a qual o investimento em educação se traduziria no acesso a posições nos mercados de trabalho qualificadas, bem remuneradas e estáveis.

O capítulo 3, da autoria de Sara Falcão Casaca e Sally Bould, por contraposição e complementaridade com o capítulo anterior, foca as relações de emprego de pessoas de idade mais avançada, isto é, com idades compreendidas entre os 55 e os 64 anos, e as diferenças de género.

Como já foi referido a propósito de todos os textos, em geral, subjaz a preocupação também neste capítulo com o enquadramento deste enfoque analítico nas políticas públicas, desta feita nas medidas de envelhecimento ativo. Esta reflexão deixa antever um conjunto de questões sobre as quais importa refletir, tais como: que significado tem o envelhecimento ativo? Como se concretiza? Como distar a sua pertinência e aplicabilidade do seu pendor normativo-ideológico? Acresce a estas questões a importante nota das autoras relativamente ao facto de que género e idade são «categorias sociais que têm incrustadas representações simbólicas…» e não apenas «variáveis de caracterização sociodemográfica» (p. 91).

À semelhança do referido no capítulo, 1, também aqui se destaca a aproximação de Portugal aos países do Norte da Europa no que se refere às taxas de emprego das mulheres com idades entre os 55 e os 64 anos em 2010. Portugal dispõe, em particular, de políticas destacadas de igualdade de género e de conciliação entre a esfera profissional e a vida familiar, mas fortes debilidades na sua concretização, acumulando as mulheres, frequentemente, o trabalho a tempo inteiro (por força da necessidade de obter um rendimento que permita satisfazer as necessidades) com as tarefas domésticas e os cuidados com a família.

O livro prossegue com dois capítulos que abordam temáticas mais raras na análise das relações de emprego por parte das Ciências Sociais, acompanhando tendências mais recentes de transformação das sociedades contemporâneas.

O capítulo da autoria de Manuel Abrantes e João Peixoto é centrado, em particular, na análise das mulheres imigrantes, em particular na prestação de «serviços domésticos». Os autores começam por apresentar um panorama da imigração de origem estrangeira em Portugal, destacando o seu aumento significativo desde 1980 (ver, por exemplo, figura 4.1, p. 135, população estrangeira com residência legalizada em Portugal, por sexo, entre 1980 e 2010) e referem, nomeadamente, o facto de as taxas de desemprego da população imigrada ser superior às da população nacional. Avançam ainda com a conclusão de esta taxa ser ainda superior no caso das mulheres comparativamente aos homens, ambos imigrantes a residir em Portugal. Assim, verifica-se uma dupla discriminação: ser mulher e ser imigrante.

O capítulo prossegue com uma análise centrado no emprego feminino nos serviços domésticos, que tem vindo a aumentar nas últimas décadas na Europa. É interessante a discussão proporcionada pelos autores em torno, não apenas das características do emprego neste domínio, mas também das categorias consideradas para efeitos estatísticos, bem como dos empregadores de pessoal doméstico, o que permite, neste último caso, associar a dinâmica do emprego com as relações de emprego de outros grupos ou classes sociais e profissionais, abrindo o campo para as «condições de receção» deste setor dos serviços.

A obra termina com um texto de Elísio Estanque e Hermes Augusto Costa sobre o que os autores designam de movimentos «sociolaborais» (p. 166), numa proposta de pensar de forma articulada relações de trabalho e movimentos e redes sociais.

Após uma caracterização de algumas transformações do trabalho assalariado e de um conjunto de indicadores do mercado de trabalho, os autores avançam na discussão da relação entre precariedade e ação coletiva, salientam a falta de confiança na «classe política» (p. 180) que tem vindo a evidenciar-se e a emergência dos apelidados «novos movimentos sociais». Destaque-se os que se foram constituindo como reação ao agravamento da crise económica, das condições de emprego e ao aumento do desemprego, como é o caso dos «Indignados» ou dos «Precários Inflexíveis».

O livro «Mudanças laborais e relações de género» condensa um conjunto rico de análises e reflexões, assente num olhar rigoroso e crítico sobre a configuração das relações de emprego.

Uma palavra final para destacar a completa e rica bibliografia contida em cada um dos capítulos, «Para saber mais…».

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