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Ex aequo

versão impressa ISSN 0874-5560

Ex aequo  no.26 Vila Franca de Xira  2012

 

Boschilia, Roseli e Andreazza, Maria Luiza (Orgs.) (2011), Portuguesas na diáspora: histórias e sensibilidades, Curitiba, Editora UFPR, 319 páginas.

 

Lina Oliveira

Escola Secundária de Pombal, Doutoranda em Ciências da Educação na FPCEUC

 

Por iniciativa da Universidade Federal do Panamá, e no âmbito das comemorações dos 50 anos do Departamento de História daquela instituição, realizou- -se em 2009, na cidade de Curitiba, o IV Congresso Internacional A Voz e a Vez da Mulher Portuguesa na Diáspora: Brasil e outros Lugares. Desse encontro – precedido por três outros, que tiveram lugar no Canadá (2003), nos Estados Unidos (2005) e em Macau (2007), e cuja temática central busca mapear as trajetórias das mulheres portuguesas no mundo – resultou a publicação deste livro, que reúne as comunicações mais significativas no que concerne a «destacar os modos de viver, de agir, de recriar-se da mulher portuguesa na diáspora» (p. 7).

Os quinze artigos que a obra apresenta correspondem aos contributos de académicas e académicos de universidades do Brasil, Canadá, Portugal e França, e veiculam perspetivas oriundas de diferentes áreas do conhecimento, permitindo descortinar a complexidade e a especificidade das experiências das mulheres, que as ciências humanas só recentemente – no último meio século – têm buscado conhecer (a análise das migrações, em concreto, só a partir da década de 80, afirma Maria da Conceição Ramos, da Universidade do Porto, passou a contemplar a variável género, «incluindo a participação feminina no processo migratório e na teoria geral das migrações» [p. 159]).

A escrita de mulheres portuguesas emigrantes, em que as experiências de emigração são tema, é abordada em cinco artigos, da poesia, à prosa, à escrita diarística. Investigando a «Poesia portuguesa de imigração no Canadá: vozes femininas», José Abreu Ferreira (Universidade de Toronto) encontra nela «um repositório de experiências pessoais ou familiares», «um registo de vivências, anseios e inquietações» (p. 73), que se desdobra em variações temáticas recorrentes: o abandono da terra natal, as impressões do lugar de chegada, a promessa/ilusão de uma nova vida, o desgaste das relações amorosas e o desmembramento da família, entre outras. A escrita destas mulheres, em português, mas também em inglês, surge como resposta ao contexto cultural, criando laços entre as culturas onde emerge e de que se torna parte.

A «fusão entre a palavra literária e a experiência de vida», no romance de Júlia Nery Pouca terra… poucá terra… – cuja narrativa assenta numa viagem de regresso a Portugal da mulher mais jovem da família, proveniente de França, mote para a reconstituição das vidas de três gerações de mulheres – motivou a comunicação de José M. C Esteves (Universidade Paris Ouest Nanterre La Défence), pretendendo assim dar «a vez e a voz às heroínas da moderna epopeia portuguesa, saídas da emigração, e que encarnam os mitos fundadores da cultura portuguesa» (p. 90). Tomando o comboio como metáfora do sonho, da fuga e da partida, Esteves interpreta os capítulos, designados «”estações”, como “uma caminhada, a da nossa condição de viajantes na trajetória da vida”, dando visibilidade em particular à condição da mulher emigrante, na errância de busca ou de alicerce de uma identidade» (p. 103), espartilhada entre duas culturas e dois espaços.

A fragmentação identitária que a emigração amiúde provoca é contada de forma emotiva, na primeira pessoa, pela escritora Maria Helena Correa, autora de livros didáticos de Língua Portuguesa, no texto «A bruxa madrinha». Levada para o Brasil aos seis anos, para junto da sua mãe que emigrara três anos antes, Correa descreve as duras condições de vida que a sua mãe, iletrada, solteira, abandonou, em 1953, em busca de um futuro melhor; as deceções por que passou na sua chegada, por não receber a boneca prometida, que sonhou diferente das «bruxas de pano, feitas pela avó, sem rosto, sem cabelo» (p. 168), por não poder morar com a mãe, empregada interna em casa de gente rica. Já adulta, redescobre Portugal na Universidade de São Paulo, ao frequentar o curso de Língua e Literatura Portuguesa e Brasileira, e aprende a amar a sua terra, a sua aldeia, a que só voltou quarenta anos mais tarde, nela redescobrindo, em cada visita, novos encantos. Conclui assim a sua história: «Alguns consideram esse encanto um exagero; mas só eu sei o que foi ser apátrida durante tantos anos, porque era a ‘portuguesa’ no Brasil e a ‘brasileira’ em Portugal. O ideal para mim seria ter metade de mim aqui e outra lá».

Natália Ramos (Universidade Aberta de Lisboa), na comunicação «Género e migração: dinâmicas e políticas sociais, familiares e de saúde», lança um olhar sobre as políticas europeia e portuguesa de gestão eficaz das migrações, com vista à integração efetiva de emigrantes e minorias étnicas, centrando a atenção nas mulheres migrantes, na perspetiva dos seus direitos e deveres específicos enquanto mulheres, em particular nas questões de saúde sexual e reprodutiva (principal causa de morbilidade e mortalidade das mulheres emigrantes). Lembrando que as mulheres são, a nível mundial, as principais vítimas de pobreza, assédio e tráfico, a autora refere que a migração constitui uma oportunidade de reconfiguração das suas identidades, das relações familiares, sociais e económicas, em novos contextos, de maior igualdade (ou não), mas é também geradora de riscos e vulnerabilidades, em áreas como a saúde e a família, sobretudo na experiência de maternidade. A falta de conhecimento acerca dos serviços sociais e de saúde, a perceção das instituições de saúde e das práticas médicas como um «universo anónimo, isolado, tecnológico e estranho» (p. 280), podem ser dissuasoras para algumas mães emigrantes, em situação de «desaculturação», isoladas, deprimidas, a quem falta a estrutura familiar e social de suporte da maternidade do lugar de origem. Ramos salienta a necessidade de as políticas migratórias terem em conta as questões de género, em face de uma progressiva feminização do fenómeno da emigração, através da adoção de «novos modelos concetuais e metodológicos e novas políticas e estratégias de intervenção».

Sublinhando também a necessidade de maior investimento na integração dos e das imigrantes, nas sociedades de acolhimento, através de uma política migratória ancorada em Direitos Humanos, Maria da Conceição Ramos (Universidade do Porto), destaca na sua comunicação («Migrações internacionais e género – dinâmicas de participação das mulheres portuguesas imigrante») a contribuição para a coesão social e para o desenvolvimento da participação mais igualitária das mulheres nas migrações. Apresentando números expressivos da participação das mulheres portuguesas nas comunidades dos países da diáspora (Reino Unido, 53%; Canadá, 51%; França e Suíça, 47%), sempre presentes no universo do trabalho, desde as fábricas ao comércio e em setores reconhecidamente femininos, a autora associa a emigração feminina à transformação do projeto migratório, convertendo-o de temporário em definitivo ou mais prolongado. As mulheres imigrantes são agentes de mudança (pessoal e social) e de desenvolvimento nos países de origem e de acolhimento, de intercâmbio de culturas, de inovação e de adaptação, ganhando consciência dos seus direitos, envolvendo em ações de associativismo, voluntariado e economia social (segundo a autora, datam de finais do século XIX as pioneiras sociedades fraternais femininas da Califórnia).

Do Brasil vem também testemunhos da combatividade das mulheres portuguesas, envolvidas em lutas operárias e movimentos grevistas (final do séc. XIX e início do séc. XX). Nem sempre, no entanto, a intervenção das mulheres na esfera social envolveu protagonismo, muitas vezes esse trabalho fez-se no anonimato, ensaiando formas de ação eficazes na discrição dos papéis prescritivos de género.

Nem todos os textos se subordinam, em rigor, ao título da publicação. Neste grupo encontra-se um artigo de interesse sobre a «Perceção e práticas das mulheres açorianas, com 50 e mais anos, para a promoção do envelhecimento saudável e da longevidade com qualidade» (Maria José Bicudo e Armando Mendes, Universidade dos Açores, p.195), baseando em dados estatísticos uma reflexão sobre as condições de vida das mulheres insulares, por comparação com os homens, marcadas por baixos rendimentos, negligência do bem-estar próprio em prol dos outros e maior incidência de estados de doença, entre eles sintomas de depressão. A propósito de alimentação saudável, por exemplo, o autor e a autora verificaram que um número significativo de mulheres a secundariza, interrogando-se se tal facto se deverá à «situação, relativamente comum nas famílias açorianas, com baixo poder económico, das mulheres “amanharem-se com qualquer coisa” e se preocuparem mais com a alimentação dos maridos, por serem eles o “ganha pão da família” e, por isso, “o melhor quinhão é para eles”?».

Exceção é também um texto que analisa o mediático episódio em torno do «Manifesto das Mães de Bragança» («Ambiguidade no jogo de máscaras entre santas e pecadoras», Maria Aida Baptista, Universidade de Toronto), na perspetiva dos estereótipos que povoam o imaginário coletivo, da mulher brasileira sexualmente promíscua e da mulher-mãe, emblema da boa moral. Nele, são as mulheres brasileiras, emigrantes num país com passado colonial, quem enfrenta desafios identitários e de integração, tendo que vencer preconceitos que a indústria televisiva contribui para alimentar.

Não se esgotam nesta apreciação as reflexões relevantes que o livro propõe, sendo um bom contributo para conhecer as vidas das mulheres portuguesas na diáspora, do passado e do presente, ao mesmo tempo que oferece perspetivas de aprofundamento dos temas abordados, para os leitores e leitoras interessadas. Investigam-se as dificuldades que encontram e celebram-se os papéis que desempenham na preservação das tradições, mas também como agentes de mudança. Pessoalmente, li-o com gosto. Apenas lamento que o seu conteúdo instrutivo e relevante não tenha merecido uma revisão linguística mais cuidada, já que são recorrentes as incorreções linguísticas e gráficas, numa publicação universitária de que se espera maior brio.

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