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Ex aequo

versão impressa ISSN 0874-5560

Ex aequo  no.26 Vila Franca de Xira  2012

 

Ferreira, Virgínia (Org.) (2010), A Igualdade de Mulheres e Homens no Trabalho e no Emprego em Portugal – Políticas e Circunstâncias, Lisboa, CITE, 358 páginas.

 

Pilar González

Centro de Economia e Finanças (CEF) e Faculdade de Economia da Universidade do Porto

 

Em 2009 celebrou-se o trigésimo aniversário da publicação da Lei da Igualdade (Decreto-Lei nº 392/79) e da criação da CITE (Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego). A propósito desta efeméride, a CITE organizou várias iniciativas de entre as quais constava a publicação de um livro, com contributos de especialistas nacionais em estudos de género, no qual fosse feito um balanço do caminho percorrido (e um diagnóstico do que ainda há a percorrer) ao longo desses 30 anos. Para a organização desse trabalho a CITE desafiou a socióloga Virgínia Ferreira, docente da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e investigadora do Centro de Estudos Sociais (CES).

Assim surgiu a obra de que esta nota fala. Nela se reúnem um conjunto de reflexões de cientistas sociais de diversas áreas disciplinares que pretendem consubstanciar contributos para a compreensão do referido percurso e para a realização do referido diagnóstico.

O livro, prefaciado por Catarina Marcelino, presidente da CITE durante grande parte do ano 2009, tem uma estrutura apelativa que diferencia, de forma sugestiva, os diferentes pontos de vista expressos pelos treze investigadores responsáveis pela redação dos dez capítulos que o compõem.

A Introdução, a cargo de Virgínia Ferreira, faz uma contextualização do livro. Identifica as grandes mudanças que se operaram nas últimas décadas (a partir da década de 70 do séc. XX) em Portugal, que representam o enquadramento que originou o desenho e a aprovação da Lei da Igualdade, em 1979, bem como as mudanças (nomeadamente económicas, sociais e políticas) que acompanharam a aplicação dessa lei: umas que ocorreram por causa dessa lei, outras que ocorreram apesar dessa lei. Contextualização necessariamente geral mas clara, concisa e desafiadora para quem a lê.

Os dez capítulos que se seguem surgem encadeados de uma forma muito apelativa.

Os dois artigos iniciais de Rosa Monteiro (Cap. 1) e de Maria do Céu da Cunha Rêgo (Cap. 2) analisam as origens e o desenvolvimento da legislação sobre a igualdade de género no trabalho e no emprego e num conjunto de áreas afins de grande importância para esse tema, ocorridas ao longo dos últimos 30 anos.

No Cap. 3, Gina Gaio Santos aborda, no quadro da teoria das organizações, questões de gestão e liderança que decorrem especificamente do questionamento dessa área do saber numa perspetiva de género.

Virgínia Ferreira apresenta, no Cap. 4, uma caracterização das desigualdades salariais de género e das caraterísticas mais marcantes da sua evolução recente.

Seguem-se três artigos que abordam, com enfoques distintos, o papel da educação, da formação e da escola enquanto instituição, no percurso dos homens e das mulheres ao longo dos últimos 30 anos: Margarida Chagas Lopes e Heloísa Perista (Cap. 5) analisam as convergências e as divergências no percurso realizado pelos homens e as mulheres em termos de educação, formação e trabalho; Helena Costa Araújo aborda, no Cap. 6, o papel da escola enquanto instituição de construção (ou não) de igualdade de género; João Manuel Oliveira, Susana Batel e Lígia Amâncio (Cap. 7) discutem a questão da igualdade formal e da igualdade de facto num contexto de crescente qualificação das mulheres.

Por último, surge um conjunto de três artigos centrados na situação das mulheres no mercado de trabalho. Sara Falcão Casaca (Cap. 8) caracteriza as tendências de evolução geral do mercado de trabalho, no que resulta da tomada em consideração da dimensão género, remetendo para uma perspetiva comparativa europeia. Os dois últimos artigos remetem para uma dimensão mais sectorial: Sofia Marques da Silva (Cap. 9) aborda as particularidades da inserção profissional das mulheres em certos sectores onde existe hegemonia masculina e Sofia Alexandra Cruz (Cap. 10) trata das particularidades do emprego num sector de clara hegemonia feminina.

Da leitura destes artigos resulta a sensação de ter tido acesso a um contributo científico relevante de diversos pontos de vista, que podem ser sintetizados em alguns pontos gerais:

– Uma análise aprofundada do estudo das questões de género em Portugal partindo de perspetivas muito diversas (direito, psicologia, economia, gestão, sociologia, …). Esses diversos contributos permitem assim, ao leitor, alargar horizontes, conhecimentos e confrontar-se com questões diversas daquelas para as quais a sua área específica do saber (no meu caso, a economia) o remete;

– O contacto com uma grande variedade de estudos e obras de um conjunto vasto de autores associados ao percurso de pesquisa feito por cada um dos investigadores que contribuem para o livro.

Claro que há contributos mais conseguidos (mais inovadores, mais convincentes do ponto de vista argumentativo e da sustentação das conclusões) do que outros. Penso, no entanto, que não é este o local para discutir em detalhe cada um dos artigos até por não ter competência idêntica nas várias áreas disciplinares. Mas, apraz-me referir que estamos perante um balanço muito útil para a investigação sobre as questões de género em Portugal, que nos permite identificar muitos dos domínios em que ainda estamos longe das metas definidas na Lei da Igualdade de 1979, mas que dá também conta do relevante caminho que o país já percorreu na área da igualdade de género.

E aqui penso ser importante citar Maria do Céu da Cunha Rego [p. 61] que, para abordar a evolução verificada na legislação do trabalho, explicita a necessidade de, em simultâneo, abordar um outro domínio: a família. Nas palavras da autora:

Com a lei do “Estado Novo”, era a família o sujeito de direito, um corpo representado pelo seu “chefe”, o marido, assim investido por via de lei de um poder hierárquico dominante, quer em termos de relações pessoais, quer em termos patrimoniais, sobre todos os membros da mesma família. Com a lei da democracia, são as pessoas os sujeitos de direito, são elas que têm direito à família e, nas relações familiares, os cônjuges ou equiparados são reconhecidos iguais e com iguais direitos e responsabilidades relativamente aos filhos e filhas e ao trabalho não pago da vida familiar, cuja conciliação com a actividade profissional, quer por parte de homens, quer por parte de mulheres, o Estado tem a obrigação de promover e apoiar.

Esta ligação entre o trabalho no mercado de trabalho, portanto na esfera pública, e a esfera privada (do cuidado aos dependentes, do trabalho doméstico) e a maneira de lidar, em termos analíticos e em termos de decisão política, com essa articulação constitui e permanece nas últimas décadas, em meu entender, a questão central a analisar, a ‘visibilizar’ e a reorganizar, de forma a promover as mudanças enunciadas na lei no campo da igualdade de género no trabalho e no emprego.

O caminho para se entender o carácter central desta ligação entre a vida familiar, o mercado de trabalho e a igualdade de género não tem sido linear. Mas o livro aqui em análise mostra, em todos os seus capítulos e de forma mais ou menos direta, a tomada em consideração dessa dimensão. A título meramente ilustrativo1 refiro que a ligação trabalho família é abordada por Monteiro R. [p. 40], Cunha Rêgo M. C. [p. 68], Gaio G. [p. 131], Ferreira V. [p. 164], Chagas Lopes M. e Perista H. [p .210], Araújo H.C. [p. 231], Oliveira J. M., Batel S. e Amâncio L. [p .256], Falcão Casaca S. [p. 271], Marques da Silva S. [p. 296] e Cruz S.A. [p. 333].

Pude assim constatar que parece ser consensual que o diagnóstico (e não apenas o retrato) da situação do mercado de trabalho português na perspetiva do género necessita de uma caracterização adequada dessa ‘caixa negra’ social que é o trabalho doméstico e o cuidado aos dependentes.

Pude assim constatar que parece ser consensual que o diagnóstico (e não apenas o retrato) da situação do mercado de trabalho português na perspetiva do género necessita de uma caracterização adequada dessa ‘caixa negra’ social que é o trabalho doméstico e o cuidado aos dependentes.

Quanto mais não seja pela evidência desta consensualização (cuja expressão legal em termos de legislação sobre a maternidade e a paternidade é de destacar), a leitura do livro teria valido a pena. Mas valeu por muito mais. Pela informação, pelo cuidado, pelo rigor, pelo detalhe, pela controvérsia de algumas opiniões expressas valeu-me a pena lê-lo e estou certa que outros acharão o mesmo. Espero, portanto, que o leiam.

Nota breve: Campos diferentes do conhecimento distinguem-se muitas vezes por terminologias diferentes para designar realidades semelhantes. Vem isto a propósito do conceito de ‘tricots da política’ usado por Rosa Monteiro [p. 52] para designar certos mecanismos de governação informal que marcaram, também, a história da aprovação da Lei da Igualdade em 1979. Achei delicioso.

 

Notas

1Refiro apenas uma página para cada artigo, para evitar uma lista demasiado longa.

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