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Ex aequo

versão impressa ISSN 0874-5560

Ex aequo  no.25 Vila Franca de Xira  2012

 

Seixas, Maria João (2010), República das Mulheres, Lisboa, Bertrand Editora, 216 pp.

 

Fernanda Branco

fernbranco@gmail.com

 

São catorze. Porque ela assim o decidiu: sete prosadoras, sete poetisas – ou poetas, como a Autora e algumas entrevistadas preferem. A escolha é arbitrária, ou seja, ao arbítrio de quem escolheu e, por isso, está certa. Poderia ser outra, a escolha; ou outro, o número escolhido. Perguntar-se-ão alguns dos olhares leitores «Porquê estas?». Exatamente porque foram assumidamente escolhidas, como o indica Maria João Seixas na apresentação «escritoras que admiro e a quem devo seiva fértil para o meu sonhar da Pátria». Uma partilha pessoal com as pessoas que estejam abertas a essa partilha.

A edição é de 2010 e pretexta-se da República, com estas mulheres figuras da res publica, implicadas na res publica, para quem conta a res publica. E por isso, elas são, também, os bustos da República, fotografadas a pedido de Maria João Seixas por Jorge Nogueira, de que resulta uma elegante capa de República das Mulheres, bordejada por Mulheres que a representam. Cada busto surge separado de outro por uma sugestão de picotado discreto, coerente com o desenho bordado do centro, ao mesmo tempo que sugere um pequeno selo, com o que nele vai, filatelicamente, de homenagem e, etimologicamente, de marca que fica impressa.

São catorze, catorze entrevistas, precedidas de um breve prefácio de Maria de Fátima Bonifácio, um apontamento sobre o reconhecimento que a República tem dado – ou não – ao papel das mulheres e que pode ser um incentivo eventual para se ir procurar saber um pouco mais sobre esta temática.

A escolha abrange um leque amplo de idades e cobre mais do que uma geração: de 1929 a 1970, década a década, não servindo estas, porém, de critério de ordenação, a que se preferiu a ordem alfabética; embora aleatório, este valoriza as identidades e não a temporalidade: Ana Hatherly, Ana Luísa Amaral, Eduarda Chiote, Helga Moreira, Hélia Correia, Inês Pedrosa, Lídia Jorge, Luísa Costa Gomes, Maria Andresen, Maria Isabel Barreno, Maria do Rosário Pedreira, Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa, Patrícia Reis – para que conste.

Composta por entrevistas a personalidades tão diferentes, a obra constituise, contudo, como una, pois é a palavra da entrevistadora que a borda como tecido acabado. Cada entrevista é precedida pela ‘busto da república’ que encarna, seguida de um texto escolhido pela autora, primeira aproximação à pessoa que vamos encontrar. Depois, as entrevistadas surgem, num texto breve, pela mão de MJS, melhor, pela emoção dela: umas são primeiros encontros há muito desejados, outras são amigas de longa data, outras são conhecidas pessoais, com quem nunca houvera um encontro mais demorado. É o olhar de MJS, é o seu sentir, que oferecem cada uma delas ao olhar de quem lê, é pela sua mão que entramos em cada intimidade, de espaços pessoais ou de espaços públicos. O passo que define, o gesto que visualiza, o olhar que mostra ou esconde, a voz que fala.

Mulher de inteligência e de sensibilidade, MJS põe de pé um livrinho cheio de interesse, que nos fala de si e delas, daquelas junto das quais indagou, para nos manter ao corrente. Sentamo-nos com ela frente a cada uma dessas mulheres da escrita e ouvimo-las uma a uma, com os seus ritmos, o fluir das suas ideias, o seu estilo individual; porque são elas quem importa e a entrevistadora mantém-se presente, desviando-se do foco. Mas mantém-se presente. Está ali para um trabalho coerente, onde quem lê possa, no correr deste conversar com cada uma, entender o que nas suas ideias as aproxima ou afasta, que matizes compõem este colorido. Assim, MJS sabe a delicadeza de deixar ouvir a outra voz e o rigor de manter um conjunto idêntico de questões, rigor que evita uma fragmentação desligada, sem coluna firme que construa a obra.

A primeira pergunta, «Diz-me quem és/Diga-me quem é», prolonga as duas secções anteriores, a do texto escolhido individualmente e a do texto apresentador da Autora, de modo que, nesta conversa, quem lê tem pedaços diversos para alimentar a interpretação pessoal que se proponha fazer da interlocutora. E terá que lidar com respostas que vão de uma enérgica identificação à assunção de um autodesconhecimento, passando por níveis diversos de olhares sobre si própria. Daqui segue MJS o diálogo, conforme o que lhe vai sendo dito, por isso que cada começo é tão diferente e pessoal e toda a entrevista se mantém sustentada por este início. Alargando-se e alongando-se, vai MJS também obtendo resposta a questões comuns, como sejam a posição de cada uma perante a crítica, o juízo que faz hoje da crítica literária no país, como encara a edição nos tempos presentes, como e se lê o que se publica, isto é, como vai seguindo a atividade literária em Portugal e pelo mundo.

Estando a República como horizonte ou pretexto, a relação de cada entrevistada com ela – república, entenda-se – surge igualmente em cada diálogo, mais uma nota modelando a tessitura coesa, de entrevista para entrevista.

E uma vez que esta República das Mulheres é uma res publica de entrega à palavra, de afirmação, de interrogação, de questionamento pela palavra, de construção pela busca da palavra, Maria João Seixas termina em desafio, pedindo a cada uma das suas convidadas uma «palavra de eleição». Para que cada conversa termine, como começou, colocando a entrevistadora na posição discreta de quem cede o passo, a voz. Para que cada conversa termine, como começou, deixando no ar a voz solicitada a falar. Para que a última palavra seja a das donas das palavras, «seiva fértil» da entrevistadora – e de quem queira partilhar destas conversas.

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