SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número24Mulheres e Conhecimento/ /Women and Knowledge índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Ex aequo

versão impressa ISSN 0874-5560

Ex aequo  n.24 Vila Franca de Xira  2011

 

Tavares, Manuela (2011), Feminismos. Percursos e Desafios (1947-2007), Lisboa, Texto Editora/Leya.

 

João Manuel de Oliveira*

*Universidade do Minho; Birkbeck, Universidade de Londres

 

O trabalho de Manuela Tavares sobre a história dos movimentos de mulheres (Tavares, 2000, 2003) e dos feminismos tem permitido gradualmente ir contando a narrativa fragmentada e atravessada por contradições que é a dos feminismos portugueses. Este livro, resultado de uma tese de doutoramento em Estudos sobre as Mulheres defendida na Universidade Aberta, permite uma visão ampla do que foram os feminismos em Portugal, com grelhas de leitura que nos permitem compreender o presente e perceber o modo como avançaremos para o futuro. A sensação ao ler este livro é que ele constitui uma das chaves para perceber o movimento feminista em Portugal de 1947 a 2007. Ao longo destes 60 anos, surpreendem-nos as peripécias mas sobretudo a vitalidade de um pensamento e acção que atravessam uma ditadura e vão encontrar outras roupagens com o 25 de Abril. Filiando a própria construção historiográfica na reinscrição das mulheres na história, sem as acantonar ao domínio específico de uma história de mulheres, a autora procede à revisita destes anos de feminismos, encarando-os como uma construção complexa. Misturados no anti-fascismo e nas lutas pela democracia, os feminismos em Portugal são objecto de uma hibridização com outras causas, que a autora analisa em detalhe. Até ao momento em que as preocupações feministas passam a ganhar relevo e destaque próprios, longe do açambarcamento das agendas da esquerda e colonização das preocupações feministas por outros assuntos sempre considerados como mais importantes. Esse momento luminoso, em que três mulheres – Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa e Maria Isabel Barreno – escrevem As Novas Cartas Portuguesas. Tavares analisa com detalhe a grande atenção internacional feminista, solidária com as autoras e com a situação de colonização do corpo das mulheres arrestado pelo fascismo.

O detalhe e atenção que a autora dá aos grandes acontecimentos do feminismo em Portugal, evidenciando também as pequenas histórias e as múltiplas ocultações que os feminismos sofreram, permitem perceber as várias configurações que os feminismos portugueses apresentaram, tanto ao nível da sua subordinação a questões de agenda política, como ao nível da sua sempre difícil autonomização. No entanto, o retrato que Manuela Tavares nos dá permite-nos ter uma certeza: a da absoluta necessidade de afirmação tanto do pensamento como da acção feminista no contexto português, salientando o que existe tanto de particular no caso português, como de comum com outros contextos, nomeadamente os europeus. Entretecendo na sua história, as biografias, a análise de imprensa e diversas fontes documentais, inquéritos a estudantes, a descrição dos grupos de acção feminista e próximos do feminismo e análise de questões feministas como o aborto, a violência contra as mulheres, o trabalho sexual, o tráfico de mulheres, a imigração, o emprego e o trabalho e as sexualidades, o retrato oferecido é simultaneamente diacrónico e sincrónico, ou seja, histórico e sociológico. Esta dupla acepção permite com que passemos a dispor de um livro que trata de um acervo riquíssimo e trabalhado de uma forma inteligente, não aceitando o silenciamento mas resgatando estas memórias para o presente. Manuela Tavares recorre à historiografia feminista para proceder a uma interrogação sistemática dos silêncios que assolam estas múltiplas «aparições» dos feminismos tácitos e assumidos na história portuguesa, conceitos a que a autora recorre no seu livro. Os feminismos portugueses partilham, com outros países, a inserção difícil na esfera pública, a misoginia com que são recebidos por sectores alargados da sociedade dando origem a reacções anti-feministas de vária ordem, que a autora também denuncia. A marca contextual dos feminismos em Portugal é associada aos anos do fascismo, com as lutas estudantis, com a luta contra a Guerra Colonial e com a fundamental importância do projecto de democratização. Nestes contextos, os feminismos ficaram, de acordo com a autora, numa dimensão mais tácita, do que propriamente assumida. Tal como o foram mais tarde, na longa luta dos feminismos portugueses, pela despenalização da interrupção voluntária da gravidez.

Há contudo esforços desenvolvidos pelos movimentos de mulheres como, por exemplo, o extinto Movimento de Libertação das Mulheres ou a actual União de Mulheres Alternativa e Resposta para desocultar os feminismos e simultaneamente sinalizar e denunciar obstáculos à cidadania plena das mulheres. As dificuldades destes caminhos são referidas e salientadas tal como as soluções criativas e a luta que as feministas desenvolveram. Este livro é um processo de reconhecimento para estes grupos e permite-nos saudar os seus esforços, devidamente apreciados no livro de Manuela Tavares.

A proposta de Manuela Tavares de novos sujeitos feministas, na esteira de alguns trabalhos da teoria feminista, permite traduzir para Portugal as preocupações de algumas autoras feministas com a multiplicidade das mulheres, encaradas como um grupo atravessado por múltiplas diferenças e contradições, permite adaptar alguns contributos da teoria feminista para o contexto português. Este contributo está também patente no mapeamento que a autora procede sobre a teoria feminista, exercício sempre difícil e complexo.

O registo de escrita da autora neste livro rompe as fronteiras entre as descrições frias e objectivas e os relatos implicados. De facto, a autora varia entre estes registos, permitindo assim aceder a várias possibilidades de entendimento das questões feministas. É possível entrever a paixão confessada pela autora, sem com isso, perder de vista as possibilidades de uma descrição objectiva. Esta aproximação comprometida com o objecto permite à autora produzir conhecimentos emancipatórios e reflexivos que permitam às/aos leitoras/es conhecer aprofundadamente o que foram e o que são os feminismos.

Cabe-me por fim, saudar a autora, figura importante dos feminismos portugueses e que tem envidado grandes esforços para visibilizar o pensamento e a acção feminista, quer a nível de publicações ou de organização de importantes seminários e congressos. Este livro é uma continuidade dos seus esforços e deve ser encarado como um contributo fundamental para entender os feminismos em Portugal. Manuela Tavares soube trazer-lhes a luminosidade do seu contributo e a sua clarividência, possibilitando que outras vozes se sobreponham aos silêncios.

 

Referências

Tavares, Manuela (2000), Movimentos de Mulheres em Portugal – décadas de 70 e 80, Lisboa, Horizonte.         [ Links ]

Tavares, Manuela (2003), Aborto e Contracepção em Portugal, Lisboa, Horizonte.         [ Links ]

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons