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Ex aequo

Print version ISSN 0874-5560

Ex aequo  no.24 Vila Franca de Xira  2011

 

Pinto, Teresa, Alvarez, Teresa, Cruz, Isabel (org.), Mulheres e Conhecimento/ /Women and Knowledge, Vila Franca de Xira, APEM, 2011.

 

Luísa Saavedra*

*Escola de Psicologia da Universidade do Minho

 

Mulheres e Conhecimento/ Women and Knowledge é uma obra editada pela APEM, com apoio da CIG e FCT, que integra artigos em português e em inglês.

Procurando, sempre que possível recorrer aos pontos de contacto que atravessam os diversos capítulos que compõem esta obra, começarei por um dar um breve traçado do mesmo.

Assim, esta obra apresenta-nos um conjunto de medidas e políticas de iniciativa europeia no âmbito da Igualdade de Género, bem como algumas medidas de iniciativa nacional, como é o caso de Espanha, a par da reflexão sobre práticas de investigação na área dos Estudos sobre as Mulheres, Feministas e do Género em Portugal. No seu conjunto, esta publicação é uma mais-valia para organizar e fomentar o conhecimento e a reflexão sobre diversas estratégias e experiências na área das Mulheres e Ciência, mais concretamente na Investigação. Espero que a leitura desta obra ajude a fomentar, como refere a Teresa Pinto na Apresentação, a criação de um espaço universitário Europeu, contribuindo não só para a internacionalização da investigação, mas também para uma maior consciência das dificuldades das mulheres no espaço universitário e para que a redes existentes possam ser solidificadas.

Na Introdução, Maria do Céu da Cunha Rêgo oferece uma síntese de cada um dos textos que compõem a obra, apelando a que «cada leitor e cada leitora, dos diagnósticos e das sugestões apresentadas, faça o que for capaz no tempo de que disponha».

Dos sete capítulos que compõem este livro, quatro são dedicados a Políticas de género, sendo os capítulos de Luisa Prista, Ana Maria Lobo, Harriet Silius dedicados a políticas de iniciativa europeia e o de Capitolina Diaz à apresentação de medidas da Iniciativa do Governo Espanhol no âmbito do Ensino Superior e da Investigação.

Os restantes três capítulos dedicam-se a aspectos mais particulares da situação das mulheres na investigação, centrando-se Lígia Amâncio sobre os indicadores de participação das mulheres relativamente aos programas da FCT, Teresa Toldy sobre os conteúdos programáticos nos diversos níveis de ensino superior e investigação nas Universidades Privadas e Ana Maria Vaz sobre os enviesamentos na constituição dos painéis nos prémios Nobel e as dificuldades de publicação das mulheres na carreira académica.

Uma preocupação transversal a todas as autoras, de forma mais ou menos implícita, é a ideia de que o número de mulheres na formação inicial, doutoramentos e pós-doutoramentos não se reflecte posteriormente em posições de topo na carreira académica. Luisa Prista aponta números na ordem dos 60% de diplomadas contra 18% de altos cargos académicos. Tanto esta autora como Ana Maria Lobo chamam a atenção para os gráficos em tesoura, onde fica patente a forma como as mulheres vão, progressivamente, diminuindo a sua participação desde o lugar de meras estudantes até aos lugares de topo da carreira académica. Também Lígia Amâncio evidência a superioridades das mulheres nas atribuições de Bolsas de Mestrado (quando existiam) doutoramento e pós-doutoramento. No entanto, quando se passa para os painéis de avaliação, embora haja diferenças por áreas, duma forma geral a participação das mulheres, sobretudo nos painéis internacionais, é «desoladora» para usar os mesmo termos da autora, sendo este facto também referido por Ana Maria Lobo. A ideia de que a mulheres estão pouco representadas ou ausentes nos lugares mais importantes e de decisão é reforçada pelo trabalho apresentado por Ana Maria Vaz, que refere o exemplo da Comissão que atribui os prémios Nobel, a qual integra apenas uma mulher (desde 1996, no grupo que escolhe os laureados em química). As consequências são gravosas, pois o número de laureadas em ciência é apenas de 12, desde 1901: sete na medicina, seguida da química com três premiadas e duas em física e há mais de 40 anos que não existe um laureado feminino nas áreas de física e química. A autora faz ainda referência às enormes dificuldades com que se confrontam as mulheres nas carreiras universitárias no campo de publicação científica. Elas publicam menos do que eles, pois encontram-se em desvantagem para acumular capital científico, o que resulta numa maior dificuldade em ocupar cargos institucionais que ajudam à ascensão profissional. Por um lado, os homens tendem a trabalhar em centros de investigação e empresas mais prestigiadas; por outro lado, seja qual for a produção científica das mulheres, a sua actuação dificilmente é igualmente compensada, precisamente porque são os homens que as avaliam.

Uma forma importante de fomentar a igualdade de género, passa como sabemos pela educação, desde o seu inicio até ao Ensino Superior. Teresa Toldy, procura mostrar-nos como a formação universitária nas Universidades Privadas, ao nível dos Estudos de Género, é deficiente nos diversos ciclos de Estudos, tal como também o é ao nível da investigação produzida nestas instituições. A autora, tendo em conta o baixo número de projectos centrados nas questões de género que foram financiados entre 1999 e 2008, sublinha que as questões de género não estão no topo da lista de preocupações da FCT. Esta situação pode levar a que alguns investigadores optem por incluir a questão em projectos sobre outras problemáticas, invisibilizando assim estas questões, o que faz perder a sua capacidade afirmativa. Esta mesma preocupação é reforçada por Harriet Silius ao salientar que frequentemente os estudos de género são integrados em contextos e organizações mais amplas e que o mainstreaming e a integração têm mais riscos que benefícios. Segundo a autora, o primeiro risco é avaliar o género em todas as áreas da vida, sendo que, por um lado, nem todas as áreas de vida são igualmente importantes para as mulheres e, por outro lado, as outras desigualdades são tidas como mais importantes do que as desigualdades de género. Em segundo lugar, se todos se alegam especialistas de género não há necessidade de desenvolver o campo dos estudos de género ou formar alunos/as de doutoramento nesta matéria.

Parecendo-me que a apresentação destas situações mais particulares justifica e dará mais sentido à apresentação das medidas Políticas, tomadas pela EU e por Espanha, centrar-me-ei finalmente nos aspectos abordados pelos 4 capítulos que se dedicam mais detalhadamente a esta temática, tentando abordar historicamente as várias iniciativas.

A mais antiga iniciativa relatada pelas autoras é a Athena, em 1998, que em conjunto com a AOIFE e a Wise deram origem mais recentemente à ATGender, em 2009. Estas estruturas são apresentadas por Harriet Silius, mulher com larga experiência na dinamização das Redes Europeias de Estudos sobre as Mulheres.

Luisa Prista, traça um panorama de diversas iniciativas da EU no quadro da Igualdade de género, as quais começaram a ser mais intensamente implementadas a partir de 1999 com a iniciativa ‘Mulheres e Ciência’. Foi ainda criada a Rede Europeia de Avaliação (ETAN) para analisar a situação das mulheres na ciência na Europa, bem com a She Figures que traça um panorama das mulheres nas diversas áreas das Ciências e em diversos Países, desde a formação superior básica até aos lugares de chefia. O projecto «Praticar Igualdade de Género nas Ciências» identifica, classifica e avalia as boas práticas internacionais, desenvolvendo também uma base de dados.

Outra iniciativa é a Plataforma Europeia das Mulheres Cientistas, fundada em 2007 por uma iniciativa da Comissão Europeia, mas que agrega redes nacionais de fora da UE, para responder ao desequilíbrio de género na progressão nas carreiras de investigação científica em todas as áreas e a todos os níveis. Apesar dos níveis de participação das mulheres portuguesas não serem tão gritantes como outros Países europeus, não conseguem ainda atingir os níveis do ex-URSS, onde além de terem dado oportunidade de estudos às mulheres lhes permitiram chegar a lugares de responsabilidade científica. Esta Plataforma é apresentada por Ana Maria Lobo, que nos dá igualmente conta, a nível nacional, da Associação Portuguesa de Mulheres Cientistas criada em 2004.

Finalmente, Capitolina Díaz, fala-nos, com orgulho, de alguma medidas de iniciativa governamental em Espanha, como a Lei das Universidades, que implementa um sistema de participação equilibrada de homens e mulheres nos corpos directivos – limiares de paridade de 40%, bem como a Unidade Mulheres e Ciência que define cinco pontos de bonificação em projectos de qualidade científica previamente demonstrada, no caso de ser uma mulher a coordenadora da equipa ou se nesta as mulheres estiverem em maioria, relativamente à média nessa área de investigação. Esta medida que estava em prática há quatro anos, tem-se revelado como uma boa prática e alcançado os seus objectivos. Foi ainda definida uma Unidade de Igualdade em cada Universidade, que deveria incluir os estudos de género em todas as áreas de ensino e campos de investigação. Esta medida, embora implementada em diversas Universidade ainda não conseguiu, contudo, alcançar os melhores resultados.

Ao nível das recomendações e principais medidas da UE, Luisa Prista dános conta de recomendações para atingir uma meta de representação equivalente a 40% de ambos os sexos nos quadros de investigação, painéis e grupos de trabalho relacionados com o funcionamento do programa-quadro comunitário de investigação. Em 2004 e 2005, o Conselho da UE apelou aos Estados-Membros para que fixassem metas para evitar o preconceito de género nos processos de selecção. Estes objectivos incluíram um aumento do número de mulheres em cargos de liderança na investigação pública para 25% até 2010 e um aumento na proporção de mulheres nos novos recrutamentos para, pelo menos, 33% até 2010.

A um nível mais funcional, Harriet Silius chama a atenção para a importância da cooperação entre as cientistas europeias, com base na experiência de cooperação entre os países nórdicos, que retiraram enormes benefícios quando juntaram forças entre universidades e académicas para fazer progredir a investigação no domínio do género. Para fazer face à competição dos meios académicos é importante partilhar experiências com as que foram mais bem sucedidos, dando sempre visibilidade aos estudos de género, que é aliás uma das preocupações centrais da ATGender, para que estes se institucionalizem, evitando o seu desaparecimento e promovendo uma maior qualidade na investigação e usando eficazmente os recursos existentes.

E termino com uma citação de Luisa Prista que me parece muito adequada ao momento actual que o País atravessa: «Estudos recentes alegam que a crise económico-financeira que vivemos foi em grande parte devida a uma falta de visão ou uma determinada ‘miopia’ dos decisores. Grupos homogéneos tendem a tomar decisões homogéneas que vão sempre na mesma direcção. Apostar na diversidade, na representação equilibrada de perfis, de homens e mulheres, durante a análise dos problemas e a tomada de decisão é apostar em soluções inovadoras e mais seguras».

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