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Ex aequo

versão impressa ISSN 0874-5560

Ex aequo  n.22 Vila Franca de Xira  2010

 

O papel do consumo na construção do habitar imaginário feminino apresentado no filme "Confessions of a Shopaholic"

 

Letícia Salem Herrmann Lima

Universidade de Tuiuti do Paraná

 

Resumo

O objetivo deste artigo é apontar o papel da imaginação e do consumo no universo constitutivo feminino e a humanização atribuída aos manequins e produtos de vestuário impulsionado por grandes marcas famosas. Observou-se a construção da personagem Rebeca, do filme «Confessions of a Shopaholic», sua relevância no contexto e fatores que cercam seu habitat. Optou-se pela abordagem da moda e a utilização das vitrines como analogia aos espelhos do consumo, a fantasia e a necessidade de aceitação feminina que cerca as relações de consumo no filme. Como principais teorias de base utilizaram-se as obras de Jean Baudrillard, Gilles Lipovetsky e Zygmunt Bauman que abordam as relações de consumo, Guy Debord sobre espetacularização da mídia, Juremir Machado sobre o imaginário humano e Michael Maffesoli pesquisador dos grupos sociais.

Palavras-chave Imaginário, consumo, habitat, moda.

 

Abstract

Feminisms inhabit hyphenated spaces: location and intersectionality of feminist knowledge

The role of the consumption in constitution of habitat women's imaginary featured in the movie «Confessions of a Shopaholic»

The aim of this paper is to highlight the role of imagination and consumption in the universe and the humanization of incorporation granted to female mannequins and clothing products driven by big brands. It was noted the building's character Rebecca in the movie «Confessions of a Shopaholic», its relevance in the context and factors surrounding its habitat. We opted for the approach to fashion and use of windows and mirrors analogy to consumption, fantasy and need for acceptance that some female consumer relations in the film. Main theories as a basis we used the works of Jean Baudrillard, Gilles Lipovetsky and Zygmunt Bauman that address consumer relations, Guy Debord on the media spectacle, Juremir Machado on the human imagination and Michael Maffesoli researcher of social groups.

Keywords Imaginary, consumption, habitat, fashion.

 

Résumé

Le rôle de la consommation dans la constitution de l'espace imaginaire féminin présenté dans le film «Confessions of a Shopaholic»

Le but de cet article est de souligner le rôle de l'imagination et de la consommation dans l'univers et l'humanisation des statuts accordés aux mannequins femmes et d'habillement entraîné par les grandes marques. Il a été noté le caractère du bâtiment Rebecca, le film «Confessions of a Shopaholic», et sa pertinence dans le contexte entourant les facteurs de son habitat. Nous avons opté pour l'approche de la mode et de l'utilisation des fenêtres et des miroirs comme analogie à la consommation, de la fantaisie et la nécessité de l'acceptation que certaines relations avec les consommateurs femmes dans le film. Principales théories de base, nous avons utilisé les travaux de Jean Baudrillard, Gilles Lipovetsky et Zygmunt Bauman pour les relations des consommateurs, Guy Debord sur le spectacle médiatique, Juremir Machado sur l'imagination de l'homme et Michael Maffesoli chercheur de groupes sociaux.

Mots-clés L'imagination, la consommation, l'habitat, la mode.

 

«Mas casas, arquitectos, encantadas trocas de carne doce e obsessiva – tudo isso está longe da canção que era preciso escrever. – E de tudo os espelhos são a invenção mais impura».
Herberto Hélder, 2004, OU O POEMA CONTÍNUO1

 

Introdução

Intitulado no Brasil como «Delíros de Consumo de Rebeca Bloom» (Confessions of a Shopaholic, EUA, 2009), o filme retrata a compulsividade pelo consumo apresentada pela jovem Rebeca Bloom, apelidada pelos amigos de Becky. Com o desejo de comprar sempre mais e estar na moda, como forma de constituição de habitar imaginário e aceitação social, Becky acabou com uma grande dívida no cartão de crédito. Derick, funcionário do cartão de crédito e responsável pela cobrança, começa a segui-la até que a dívida seja quitada. Rebeca, desempregada, sonha em trabalhar em uma revista de moda; contudo, o destino oferece à moça emprego em um jornal do segmento de finanças. Este emprego é conquistado devido à troca de correspondências entre as empresas contratantes, cujo currículo de Becky é enviado equivocadamente. Desta forma, a moça atribui seu poder de convencimento e seu emprego ao uso de uma echarpe verde adquirida como vestimenta da ocasião e utilizada durante a entrevista.

Após algumas matérias realizadas no novo emprego e a forma irreverente e simples de escrever, torna-se uma jornalista de sucesso e explica facilmente técnicas de finanças conquistando o público leitor se destacando e tornando-se um ícone feminino na área. Devido ao grande sucesso de suas matérias, Rebeca é convidada a participar de um programa de entrevistas na televisão para falar das dicas de economia e finanças que escreve diariamente no jornal. Até ao momento da entrevista, o público de Becky a considerava dominante sobre suas próprias finanças, segura, com personalidade e sucesso financeiro, uma vez que dava dicas sobe o tema ao seu público leitor.

Durante a entrevista Derick, o cobrador das dívidas do cartão de crédito, expõe a moça ao vivo comentando sobre seus problemas financeiros particulares e as desculpas utilizadas pela moça, durante as ligações de cobrança; morte dos avôs, queda de pára-quedas, resfriado, etc. A exposição de Rebeca é inevitável fazendo com que a mídia auxiliasse no processo de mudança de imagem e representatividade diante do público, amigos, família e namorado. O universo constitutivo imaginário criado pela moça desmorona perdendo parte de sua credibilidade conquistada pelos seus bens e atitudes. De conselheira de assuntos financeiros, passa a caloteira de cartão de crédito.

O recorte desta análise são as cenas que antecedem a entrevista de Rebeca e que durante o percurso até o local, encanta-se por uma echarpe verde. O desejo de compra é tamanho que a personagem inicia uma conversa imaginária com um manequim estimulador de sua compra da echarpe. Neste contexto o manequim apresenta-se humanizado pela personagem, que interage com o manequim. A cena ocorre entre 04:26 e 07:38 minutos. Como efeito comparativo da evolução da personagem, será analisada a cena final do filme, que apresenta contexto similar ao da conversa com o manequim; disponível entre 01:36:30 e 01:40:13 minutos.

A escolha do filme baseou-se no propósito do estudo das relações de consumo, suas influências comportamentais e na personificação das marcas. O objetivo deste trabalho é apontar a humanização atribuída aos manequins como personagens fílmicos e sua relevância no contexto narrativo e no crescimento e construção da personagem principal. Os principais pontos abordados na análise serão a personificação dos manequins, a utilização das vitrines como analogia aos espelhos do consumidor e o papel dos objetos de consumo como impulsionador da criação de mundos reais ou imaginários.

1. Moda vs Publicidade e suas formas de comunicação

Moda é uma expressão de comunicação que acompanha os indivíduos nas diferentes trajetórias cotidianas, seja no trabalho, em casa ou nos passeios; compondo a criação de novos papéis assumidos na sociedade. Estar na moda significa a aceitação dos indivíduos nos grupos sociais ou na exclusão de certos grupos dependendo da intenção de cada pessoa. Maffesoli aponta os fatores que aproximam indivíduos aos grupos sociais funcionando como uma peça de igualdade entre seus membros e denomina esta postura como sendo o «divino social» referindo-se a religiosidade de seus integrantes em relação ao grupo inserido. «Entendo a palavra como tal é empregada, para designar aquilo que nos une a uma comunidade» (Maffesoli, 1988: 56).

A moda também pode ser vista como forma de comunicação na medida em que comunica um estilo de vida, uma tendência, pode também ser vista como religião, pois parte de seus integrantes seguem-na como obrigação para continuar incluso no sistema social. Usar indumentárias, não é apenas cobrir o corpo físico, mas vestir um conjunto de significantes que permitem a leitura do grupo social representado; é a leitura do pertencimento ao grupo, uma fantasia social.

Se nos vestimos como forma de aceitação social, com o propósito de sermos inclusos, estamos nos comunicando através de nossas vestes, pois emitimos umcódigo que permite leitura estabelecendo uma comunicação. Segundo Garcia e Miranda (2007: 82), «O corpo procura divulgar aspectos e características do que somos, do que podemos vir a ser, segundo o que é valorizado diante de determinado grupo social».

Jean Baudrillard (2003) conceitualiza a moda e o processo de consumo «fora do esquema da alienação e das pseudonecessidades» e a inclui como «lógica social» que está presente no cotidiano e que não pertence ao processo de manipulação. A idéia do autor refere-se à necessidade de uma cadeia produtiva, cujo consumo é responsável pelo ciclo de produção x consumo x empregos; fator necessário para que as sociedades sejam constituídas e desenvolvidas.

Através do que vestimos, podem-se fazer interpretações sobre o papel que cada indivíduo ocupa na sociedade, sua personalidade, história e valores. Alison Lurie (1997: 129) diz que:

A roupa desenhada para mostrar que a posição social daquele que a veste tem uma longa história. Assim como as línguas mais antigas estão repletas de formas de tratamento e saudações elaboradas, por milhares de anos determinados estilos de moda assinalaram uma classe social alta ou nobre.

Por outro lado a moda pode ser mobilizadora impulsionando a compra sem a existência real de uma necessidade. Pode ser estimulada como utilização exclusiva na realização de um desejo, uma realização pessoal dispensável, que segundo estudos da psicologia apresentado por Maslow, está situada no topo da pirâmide das necessidades humanas; sendo que os itens de base considerados como indispensáveis, ao exemplo do consumo da alimentação. O consumo dos bens localizados no topo da pirâmide ocorre através do movimento causado por direções tendenciosas, atendendo a objetivos específicos das empresas com intuito comercial, impulsionado pelos meios de comunicação de massa. Consumimos também pela aceitação, pelo pertencimento aos grupos sociais e por isso, a pretensão do consumo é ocasionada pela vontade de estar na moda; ser pertencente ao meio.

Bauman (2008: 29) acredita que ocorre um fetiche pela mercadoria, uma fantasia associativa criada ao produto, e este é o fator que leva os indivíduos ao consumo reforçando que: «o fetichismo da subjetividade que assombra a sociedade de consumidores se baseia, em última instância, numa ilusão». Esta ilusão citada por Bauman aparece contextualizada no filme, onde mesmo sabendo que conversava imaginariamente com manequins, a personagem Rebeca deixava-se ser iludida e persuadida pelas mercadorias. Percebe-se a existência de uma pré-disposição intrínseca na personagem para o ato de consumo mostrado em suas características pessoais e em seus traços impulsivos no decorrer da trama.

Baudrillard (1999) propõe em uma de suas reflexões o mundo simulado através de realidades construídas por homens e mulheres, ou seja: transformando algo inexistente em uma possível composição do que acreditamos ser real. Exemplificando esta passagem do autor pode-se citar a própria ambientação das novelas televisivas, cujo cenário é composto para que o telespectador remeta automaticamente ao tempo x espaço proposto. Recentemente a Rede Globo de televisão apresentou a novela «Caminho das Índias», cujo cenário era um simulacro remetendo à própria Índia, embora a novela tenha sido gravada em estúdios brasileiros.

Além dos veículos de comunicação, as próprias marcas auxiliam nesta simulação fazendo com que os consumidores sintam-se integrados no mundo mágico do consumo,que não é real, mas parece ser. A última cena do filme «Confessions of a Shopahollic», em que acontece o desapego da personagem em relação à persuasão dos manequins, mostra a questão da fantasia criada pelas grifes e faz uma analogia aos personagens infantis como «Alice no País das Maravilhas», encantada defronte as vitrines. Seu vestido é caracterizado pelo excesso visual e a estampa de sua roupa remete ao figurino utilizado no filme «101 Dálmatas» da Disney, reforçando a idéia da magia do consumo e da moda. Rebeca apresenta-se com um ar infantil, ingênuo e terno ao desapegar-se do material.

A mídia, desta forma, complementa a simulação do mundo consumista. Mostra desperta desejos, maquia o real, torna algo comum em artigo de luxo, mostra o belo, o diferente. Tanto os manequins quanto a personagem abordam constantemente a questão da importância das marcas em suas falas. Durante o filme ocorre a participação de 14 marcas diferentes e o clímax da narrativa acontece na frente da vitrine da «Yves Saint Laurent», conceituada grife de moda mundial.

Ao falar de moda e consumo, torna-se necessário apontar o papel da publicidade, sendo esta considerada por Lipovetsky (2008) como a «apoteose da sedução » e responsável por levar o consumo e a moda para dentro de nossos lares, despertando desejos adormecidos ou até então inexistentes. É através dela que os desejos aparecem impulsionando novas formas de consumo.

A publicidade chega até o consumidor como uma maquiagem representando o «cosmético da comunicação» (Lipovetsky, 2008), transforma o que é comum em novidade e junto com o marketing, cria novas funcionalidades aos produtos e serviços. Ao criar diferentes possibilidades a publicidade divulga o que é novidade ou o que se pretende apresentar com uma roupagem diferente transformando-a em objeto de desejo. «O novo aparece como o imperativo categórico da produção e do marketing, nossa economia-moda caminha do forcing e na sedução insubstituível da mudança, da velocidade, da diferença» (Lipovetsky, 1987: 160).

Lipovetsky (2004) diferente de Baudrillard (1999) defende que a mídia pode auxiliar no processo da liberdade de escolha, uma vez que oferece opções de compra de produtos e serviços em seus intervalos comerciais. Estas mensagens publicitárias instigam o individualismo com o discurso de que «este é a sua cara e foi feito para você». Neste contexto, o consumidor compra o que realmente precisa ou deseja tornando-se responsável por um consumo mais consciente. Dificilmente uma propaganda vai seduzir a ponto de estimular uma pessoa a comprar o que não deseja; se ocorrer é porque tal desejo estava apenas adormecido e foi despertado pela comunicação da marca. «O consumidor seduzido pela publicidade não é um enganado, mas um encantado». (Lipovetsky, 2004: 135)

O processo de elaboração da marca é desenvolvido e caracterizado pela criação da marca-personagem dando vida e uma roupagem à representação gráfica da empresa. Este procedimento é realizado pensando no público em questão e como ele se identificaria com o produto. É o que os especialistas do marketing chamam de personificação da marca; se é jovem, mais velha, conceitual, mais despojada, discreta, feminina, masculina e assim por diante. É necessário que o consumidor identifique-se por completo com o que foi criado e é através desta personificação que a publicidade e as marcas, apresentam signos cognitivos mobilizantes e direcionam seus consumidores.

O corpo, desta forma, pode ser considerando como uma vitrine ambulante, usado para a divulgação das marcas sem recebermos incentivo financeiro para tal. O corpo funciona como cabide das roupas, de estilos e também como mídia para as grifes. No recorte do filme podemos observar um exemplo onde a personagem para mencionar a sua linda bolsa, não fala a palavra «bolsa» substituindo-a por «Gucci»; famosa grife de moda.

O desejo é aspiracional e transgride o universo material transportando algo imaginário compensado pela materialização em forma de consumo. O desejo de compra é despertado através de estímulos diversos principalmente pela publicidade que atinge a grande massa. As marcas e anunciantes sabendo disso fortalecem suas campanhas em cima deste pilar, apropriando-se da moda como peça chave e de fundamental papel nas transformações ocorridas nos indivíduos.

2. A Construção dos personagens

Os personagens e suas características são componentes indispensáveis para o desenvolvimento dos enredos fílmicos e televisivos. O personagem leva consigo um conjunto de características que permite uma leitura de sua personalidade aos espectadores. Estas características podem ser representadas pela sua bagagem de vida, suas escolhas, hábitos sociais, culturais e seus desejos. «Personalidade vem a ser algo assim como personalidade e aplica-se às pessoas com um caráter definido que aparecem na narração». (Comparato, 2009: 111)

Neste tópico serão apresentadas as principais características dos personagens que contracenam no recorte do filme e que também possuem papel representativo na obra mudando o sentido dos acontecimentos. As características podem ser psicológicas, físicas e simbólicas, que se completam na elaboração dos personagens analisados representados por: Rebeca Bloom, denominada protagonista «é a personagem básica do núcleo dramático principal; é o herói da história», Manequim echarpe verde e Manequim bolsa vermelha, denominados como antagonistas complementares. «Antagonista é o contrário do protagonista, o seu oponente. Como o protagonista, não é necessariamente uma pessoa; pode ser um grupo» (Comparato, 2009: 135). Independente de existirem personagens manequins, estes são representados por elementos do figurino feminino reforçando a idéia de envolvimento com o mundo imaginário deste gênero. Optou-se pela definição da personalidade dominante de cada personagem, principais objetivos na trama, grife associativa utilizada pelos personagens, as cores dominantes nas cenas em que as personagens aparecem e a imagem associativa remetida com a composição de suas características principais.

2.1. Rebeca Bloom

Personalidade dominante: «Sonhadora»

Objetivo: Aceitação social

Grife Associada: Gucci – www.gucci.com

Cor predominante na marca: Dourado

Imagem associativa: Alice no País das Maravilhas

Rebeca Bloom é uma jornalista encantada com o consumo, adora moda e não consegue ficar de fora de uma boa promoção. Busca incansavelmente um emprego na área de moda que possibilite a aproximação com seu maior objeto de consumo: roupas e acessórios. Caracterizada por vestes coloridas e de conceituadas marcas famosas, mostra-se refém do que consome. Seu traço marcante é a compulsividade pelas compras e a falta de limites para tal. Possui como estereótipos belos cabelos compridos e loiros, corpo esbelto e sempre sua composição de figurino apresenta-se impecável, embora com um pouco de excesso. A personagem é rodeada por artigos coloridos, dificilmente percebe-se a presença de cores clássicas e discretas. Sonhadora, deslumbrada e inconseqüente, estas são os traços de personalidade apresentados por Rebeca. Percebem-se tais características nas cenas em que a personagem admira vitrines, idolatra produtos, compra compulsivamente em diversos cartões de crédito e na quantidade de itens de vestuário que mostra em sua casa.

 

Figura 1 Apresentação da personagem com a bolsa Gucci

 

2.2. Manequim echarpe verde

Personalidade dominante: «Anjo»

Objetivo: Persuasão psicológica

Grife associada: Denny & George (Henri Bendel) – www.henribendel.com

Cor predominante na marca: Púrpura

Imagem Associativa: «tentação, anjo do mal»

Animada e interativa, a manequim apresenta-se dentro de uma loja toda envidraçada e intocável. É um vestido com pedrarias douradas e roupas de cetim na cor ouro usando em sua cabeça um adereço remetendo as armaduras da época medieval, óculos ou olhos. Assemelha-se a uma aviadora que faz com que o objeto de consumo aspirado por Becky torne-se uma viagem de seu imaginário. O manequim é branco, clássico e embora esteja revestido de ouro é a echarpe verde que se torna o objeto de desejo, possuindo um valor agregado maior no contexto da indumentária. O objetivo principal desta personagem é convencer Rebeca a comprar a echarpe. Utiliza-se de atributos psicológicos de persuasão referindo-se a autoconfiança e segurança de Rebeca para tal e em seu discurso inclui: «ela se tornaria parte da definição de sua psique» referindo-se a Beck, e a compra da echarpe, e que «entraria na entrevista confiante e equilibrada». Esta manequim foi humanizada, pois representa a virada da história na trama. Sem sua presença como personagem a protagonista não teria sua conquista. Logo após a apresentação desta personagem aparece a frase central do filme: «custo e valor são coisas bem diferentes», mencionada por Luke, referindo-se ao valor agregado atribuídos aos produtos.

 

Figura 2 Apresentação da personagem com a echarpe verde

 

2.3. Manequim com a bolsa vermelha

Personalidade dominante: «Instigadora»

Objetivo: Convencer a Personagem

Grife associada: Yves Saint Laurent – www.ysl.com

Cor predominante na marca: Branco

Imagem Associativa: «tentação, anjo do mal»

A personagem aparece apenas no final e difere do manequim anterior por não apresentar fala. Mostra-se apenas através de gestos comparando o produto que esta vendendo, uma bolsa, com o que Rebeca esta usando simbolizando a consciência da personagem. Com um papel extremamente significante, esta personagem é a caracterização da mutação de Rebeca, como se o mal fosse o consumo e se Rebeca mantivesse sua postura de não gastar perante as tentações oferecidas, fazendo alusão entre o bem vs o mal. Importante ressaltar que a manequim é representada pela cor preta, diferente da primeira cuja representação é realizada na cor branca. A cor preta, segundo Farina (2000) em sua associação afetiva remete-nos a melancolia e a renúncia e na sua associação material a morte e coisas escondidas. A personagem posiciona-se como instigadora do consumo.

 

Figura 3 Apresentação da personagem com a bolsa

 

3. A Narrativa

O filme apresenta a valorização do consumo através das indumentárias, ocorre uma analogia entre o papel das marcas no processo do consumo e possível interferência cotidiana no que se refere à influência nas escolhas da personagem. As cenas selecionadas são justamente sobre estes itens mostrando a interferência das vitrines na vida da personagem e na constituição de seu mundo imaginativo.

A vitrine representa o universo constitutivo do nosso imaginário, onde expõe os bens sonhados. Ao mesmo tempo em que ficam expostos, apresentam-se bloqueados através de uma redoma de vidro que, separa o consumidor do objeto desejado; a idéia não é apenas proteger, mas uma barreira à idolatria, do aspiracional, do não pertencimento e da superioridade.

Segundo Maffesoli (2002: 75-76) «o imaginário seria uma ficção, algo sem consistência ou realidade, algo diferente da realidade econômica, política ou social, que seria, digamos, palpável, tangível». O autor complementa dizendo que não é a imagem que produz o imaginário, mas o contrário. «A existência de um imaginário determina a existência de conjuntos de imagens. A imagem não é o suporte, mas o resultado». Juremir Machado (2001: 01) diz, que «(…) todo imaginário é real. Todo real é imaginário. O homem só existe na realidade imaginal. Não há vida simbólica fora do imaginário».

As vitrines são impulsionadas pelo imaginário, bem mais que caixas de vidro guardam em seu interior objetos de desejo que podem mudar a vida das pessoas. Rebeca ao comprar sua echarpe, não economizou esforços. A echarpe é um artigo delicado identificado na maioria das vezes pela utilização feminina. O pano cobre e descobre, envolve, é voluptuoso, chique e utilizado como referências da feminilidade. Quando a personagem compra a echarpe, diz ter comprado «segurança». Na luta por esta compra, o diálogo vai mais longe: «Existe uma diferença entre valor e preço, para mim, esta echarpe tem valor, e não preço». Esta frase expressa uma das principais características atribuídas aos produtos, que muitas vezes não pagamos o custo que a mercadoria é vendida, mas o valor que ela representa para nós seja por aceitação, segurança ou auto-estima, demonstrada pela protagonista. A echarpe verde simboliza para a personagem a segurança da conquista e por se tratar de sua confecção ser de seda, remete a delicadeza do tecido, o bom gosto, o que é chique, atributos do produto reforçados na sua personalidade. A cor verde também pode ser analisada como representatividade da sua esperança com o produto, segundo Farina (2000), a cor verde remete a imagem da segurança e da proteção, além da liberdade, harmonia e equilíbrio, características buscada pela personagem no momento da entrevista.

 

Figura 4 Autocofiança para entrevista após comprar a echarpe verde

 

A personagem mostra-se apaixonada pelo consumo da moda e fala do amor transcendental que tem pelas mercadorias de luxo. O inicio da narrativa apresenta a idéia central da personagem, a troca da afetividade pelos bens materiais. Mostra a existência de uma dependência das sensações propiciadas no ato de consumo comparando-as com emoções similares ao sentimento da paixão. As reações psicológicas da personagem vêm de encontro a tais atitudes, referenciando emoções provenientes da compra através das associações com as cores, cheiros, sons e tato, experiências que vão além da aquisição de compra de um bem.

Sabe quando você vê alguém bonito e ele sorri e seu coração fica derretido como a manteiga numa torrada quente? Eu fico assim, só que melhor quando vejo uma vitrine. Veja bem, um homem nunca vai te amar tanto quanto uma loja, Se um homem não servir, não se pode trocar após 7 dias por um lindo suéter de cachemeire. Uma loja cheira bem, uma loja pode despertar a luxúria por coisas que você nem sabia que precisava. E quando seus dedos agarram aqueles reluzentes sacos novos, hum… (Filme: Confessions of a Shopahollic)

 

Figura 5 Importância das lojas e suas sensações

 

Em Delírios de Consumo de Rebeca Bloom, o autor introduz na narrativa, a participação de personagens pouco comuns, «os manequins». Certas vezes apresentados como moçinhos e outras como vilãs, contracenam com a protagonista e participam das decisões da personagem, auxiliando nas escolhas de consumo e até na valorização de atributos intrínsecos aos produtos a serem adquiridos, fatores aspiracionais e psicológicos.

A vitrine e os personagens são elementos significantes na trama, por serem os responsáveis pelo desenvolvimento da história e condução da personagem principal. Na cena em que Rebeca entra na loja para comprar a echarpe, ocorre um diálogo psicológico entre a personagem e a manequim e através desta passagem, que a narrativa é conduzida.

Chevalier (1999: 587) no dicionário dos símbolos diz que o «manequim pode ser um dos símbolos da identificação do homem com a matéria perecível, com uma sociedade, com uma pessoa, com um desejo pervertido, com um erro. É assimilar um ser a sua imagem». E no contexto fílmico, os manequins apresentam-se desta forma, como a projeção da personagem principal ao mundo material buscando identificação.

 

Figura 6 Conversa com a personagem manequim

 

Após o desapego material de Rebeca, com a venda de seus produtos para regularizar sua situação financeira, a queda profissional, desilusão afetiva e a possível libertação excessiva do consumo, novamente os personagens manequins são apresentados na trama. Desta vez, Rebeca é convidada ao consumo, mas resiste à compra da bolsa, apresentada pela manequim da vitrine da grife «Yves Saint Laurent» mostrando ter superado sua compulsão às compras.

 

Figura 7 Cena final onde Rebeca interage com a vitrine

 

Neste momento, as personagens manequins aplaudem a atitude da moça num ato de valorização. Ao mesmo tempo em que instigam o consumo, as manequins repudiam o excesso. Torna-se visível que o autor deu vida aos manequins e vitrines, aos objetos e sonhos.

O desapego ao material é recompensado com o encontro amoroso. Em frente à vitrine, Rebeca encontra seu namorado, que lhe entrega a echarpe verde, após tê-la comprada no leilão de roupas. A echarpe mais uma vez, toma a cena sendo a responsável pelo desfecho da narrativa. O autor faz a metáfora entre a renúncia dos bens materiais e a recompensa com o lado afetivo.

 

Figura 8 Rebeca recebe aplausos das manequins

 

Figura 9 Renuncia do consumo e troca pelo afetivo

 

Considerações Finais

Na construção deste produto visual percebe-se a preocupação do autor com os padrões comportamentais e possíveis fatores psicológicos que alteram as necessidades do consumo da protagonista. No entanto, apresenta diversas relações comunicacionais no conteúdo de sua narrativa. A reflexão observou a humanização dos manequins, sua inclusão no elenco do filme e no desenvolvimento da fábula tornando-se visível a dualidade entre o equilíbrio de se ter ou não um produto e a forma saudável para que isso aconteça naturalmente.

O autor mostra que o ser humano é capaz de refletir sobre seus atos, tem o poder da escolha e é capaz de controlar suas emoções. Defende também a relação de custo e valor das mercadorias apresentando valores psicológicos como impulsionadores das decisões de compra.

Nas duas passagens com as manequins a personagem apresenta-se em enquadramento de cena simulando sua visualização em um espelho ao enxerga-se através dos vidros das vitrines e almeja refletir sua imagem da mesma forma com que percebe os personagens manequins criando novos mundos. Os espelhos aparecem subentendidos em várias cenas, sejam na forma com que Rebeca se olha, ou em algum canto nos enquadramentos, focados em segundo plano. E o que seria um espelho neste contexto? Chevalier (1999: 393) explica que o espelho originou-se da palavra especulação. O espelho reflete «a verdade, a sinceridade, o conteúdo do coração e da consciência». O reflexo no espelho, não remete a realidade, mas a uma espécie de ilusão do que seja a realidade, do simulacro da realidade (Baudrillard, 2003). Quando Becky sonhava e enxergava-se nas vitrines espelhos, personificava a essência das mercadorias, os valores atribuídos as marcas, ao glamour, luxo, auto-estima e inclusão social.

O espelho também é utilizado como elemento simbólico em vários contos infantis, como em «Branca de Neve e os Sete Anões», onde o espelho mágico conversava com a Branca de Neve sobre sua beleza. Geralmente o objeto «espelho» é utilizado para refletir imagens reais ou reproduzidas pelo imaginário humano, o que desejamos ver, pode estar intrínseco na imagem projetada, dependerá do ponto de vista do observador em relação à própria imagem. Uma pessoa pode não identificar a mesma imagem refletida num espelho comparada a visão de outras pessoas. Existem várias metáforas que podem ser atribuídas ao espelho, como o poder de duplicar, os sete anos de azar com sua quebra, os reflexos de fantasmas, enfim, o espelho pertence ao mundo fantástico do nosso imaginário.

Os filmes podem retratar fatores cotidianos ou apresentar a supervalorização de algum elemento irreal. A opção do autor foi mostrar a realidade do consumo, através da moda de forma performática, chegando ao ponto de se tornar cômico em certas passagens ao exemplo da reunião dos consumistas anônimos ao tentar reabilitação do consumo excessivo.

O fator psicológico de Rebeca foi bem trabalhado quando se observa a relação que temos com os objetos de desejo, eles criam vida e de alguma forma interagem com o consumidor. A elaboração de personagens subjetivos, como os manequins, contextualiza os valores imaginativos que possuímos em relação aos bens de consumo e os valores que atribuímos aos mesmos. Os figurinos utilizados pelos três personagens utilizam elementos de marcas famosas levando o expectador à identificação com os desejos da protagonista.

Os manequins são clássicos e de alguma forma não apresentam excessos visuais demonstrando seus traços psicológicos no que diz respeito à beleza e bom gosto, além de ar leve e clean. As cores das marcas, Preto (YSL) e Púrpura (HB), são associadas ao nobre e ao inacessível. Ao contrário, a protagonista sempre utiliza excesso visual com suas roupas e acessórios que da mesma forma remetem a personalidade do consumismo e vício em compras. Dando vida aos personagens manequins, o autor remeteu os fatores imaginativos impulsionadores das atitudes humanas.

Em «Confessions of a Shopaholic» percebe-se a preocupação do autor em relação aos figurinos apresentados. Suas características visuais compõem a identidade das personagens auxiliando o público na construção dos elementos físicos e psicológicos atribuídos aos integrantes da trama.

Este recorte faz com que o telespectador mergulhe em um universo mágico, cujo fator principal é saber que o apresentado é irreal, criado, montado, mas de alguma forma imerge dentro do contexto sem questionar sua veracidade. Identifica-se com os fatos, desperta novas emoções, sensações, propicia experiências estéticas dentro de um mundo imaginário. Mesmo que nunca tenhamos presenciado um manequim falante, certamente em algum momento de nossas vidas, eles pareciam se comunicar criando novas ilusões e atribuindo valores aos produtos oferecidos, principalmente no que se refere aos desejos femininos. Identificamo-nos com as vitrines, conversamos com nosso imaginário vislumbrando enxergar algo novo a cada vez que nos deparamos com nosso reflexo no espelho.

 

Referências bibliográficas

Baudrillard, Jean (2003), A Sociedade de Consumo, Lisboa, Edições 70.         [ Links ]

Bauman, Zygmunt (2008), Vida para Consumo. A transformação das pessoas em mercadoria, Rio de Janeiro, Editora Zahar.

Comparato, Doc (2000), Da criação ao Roteiro, São Paulo, Editora Rocco. Confessions of a Shopaholic (2009), Filme dirigido por David Frankel e adaptado do livro de Sophie Kinsella, EUA.

Debord, Guy (1967), A Sociedade do Espetáculo, Rio de Janeiro, Contraponto Editora.

Garcia e Miranda, Carol e Ana Paula (2007), Moda é Comunicação. Experiências, memórias e vínculos, São Paulo, Editora Anhembi Morumbi.

Chevalier, Gheerbrant, Jean e Alain (1999), Dicionário dos Símbolos, Rio de Janeiro, Editora Rio de Janeiro, José Olympio, 14 edição.

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Notas

1 Epígrafe da responsabilidade da Coordenação do Dossier.

 

Letícia Salem Herrmann Lima é Mestranda de Comunicação e Linguagens da UTP cuja pesquisa envolve as novas mídias sob orientação da Professora Dra. Adriana Amaral. Professora universitária e Consultora das áreas de comunicação e marketing. leticia_herrmann@hotmail.com

 

Artigo recebido em 30 de Março de 2010 e aceite para publicação em 23 Julho de 2010.

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