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Toxicodependências

Print version ISSN 0874-4890

Toxicodependências vol.16 no.2 Lisboa  2010

 

Portadores de VIH/SIDA e HCC: dar voz a relatos de sofrimento

 

Sofia Sant’anna Gandra1, Zélia Teixeira 2

1Psicóloga Clínica, Licenciada em Psicologia Clínica, Pós-Graduada em Cuidados Paliativos e Pós-Graduada em Gestão de Recursos Humanos

2Psicóloga Clínica no Centro de Respostas Integradas Porto – Oriental, DRN IDT – IP / Doutorada em Psicologia Clínica / Docente na Universidade Fernando Pessoa

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RESUMO

É inquestionável que o diagnóstico de se ser portador de uma doença crónica alberga muitas implicações. Contudo, o diagnóstico de Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH)/ Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) tem um impacto particular na vida do portador, e nas relações com as pessoas para si significativas, nomeadamente quando consideramos o estigma a ele associado. O contacto com estes sujeitos fez-nos perceber que mesmo quando estes são internados por complicações relacionadas com a hepatite, culpabilizam o VIH e não a Hepatite C Crónica (HCC). A principal implicação psicológica é a ansiedade, encontrada em todos os sujeitos, o que nos surpreendeu dado que a literatura coloca a depressão como sintoma psicológico mais frequentemente associado à infecção pelo VIH/SIDA, não se tendo encontrado idên­tica constatação em relação à HCC. A metodologia qualitativa utilizada visou dar a este trabalho um contorno exploratório, descritivo e analítico das experiências e vivências de 17 indivíduos portadores de VIH/SIDA e de HCC, a quem tentamos dar voz, na expressão do seu sofrimento físico, psicológico e social.

Palavras-chave: VIH; SIDA; HCC; Análise Qualitativa; Depressão; Ansiedade.

 

RÉSUMÉ

Il est hors de doute que le diagnostic de quelqu’un en tant que porteur d’une pathologie chronique présent beaucoup d’implications. Néanmoins, le diagnostic de Virus d’Immunodéficience Humaine (VIH) / Syndrome d’Immunodéficience Acquise (SIDA), a un impact particulier dans la vie du porteur, et dans rapports avec les personnes qui lui sont chères, notamment quand on considère le stigmate qui lui est associé. Le contact avec ces personnes nous fait comprendre que même quand elles sont internées à cause de complications liées à l’Hépatite, on culpabilise le VIH e pas l’Hépatite C Chronique (HCC). L’implication principale au niveau psychologique est l’anxiété, com­mune à tous les individus, ce qui nous a surpris, étant donné que la littérature place la dépression comme le symptôme psychologique le plus fréquent associé à l’infection par VIH/SIDA, ne se trouvant pas une constatation identique par rapport à l’HCC. La méthodologie qualitative utilisée a eu comme objectif de donner à ce travail un contour exploratoire, descriptif et analytique des expériences et modus vivendi de 17 individus porteurs de VIH/SIDA et de HCC, par qui on a essayé de parler, dans l’expression de leur souffrance physique, psychologique et sociale.

Mots-clé: HIV; Le SIDA; Le HCC; L’analyse Qualitative; La Dépression; L’anxiété.

 

ABSTRACT

It is undeniable that being diagnosed with a chronic disease sets numerous implications. However, the diagnosis of Human Immunodeficiency Virus (HIV)/ Acquired Immune Deficiency Syndrome (AIDS) seems to have a particular impact on the person’s life and relationships, especially if considering the stigma associated to it. Being in touch with these individuals made us realize that, even when hospitalized due to complications related to hepatitis, they tend to blame the HIV instead of the Chronic Hepatitis C (CHC). The main psychological condition found in all patients was, unexpec­tedly, anxiety, given the fact that literature places depression as the most frequent psychological symptom associated to HIV/AIDS, not having found any similar information relating to CHC. The qualitative methodology we applied meant to give this article an exploratory, descriptive and analytical outline of the experiences of 17 HIV/AIDS and CHC infected, to whom we gave voice to express their physical, psychological and social anguish.

Key Words: HIV; AIDS; CHC; Qualitative Analysis; Depression; Anxiety.

 

RESUMEN

Es incuestionable que serse portador de una enfermedad crónica engloba muchas implicaciones. Sin embargo, el diagnóstico del virus de la inmunodeficiencia humana (VIH) / Síndrome de inmunodeficiencia adquirida (SIDA) tiene un impacto particular en la vida del portador y en las relaciones con las personas significativas, sobre todo considerando el estigma que está asociado a él. El contacto con estos sujetos permitió que entendiéramos que mismo cuando estos son internados debido a complicaciones relacionadas con la hepatitis, culpabilizan el VIH e no la hepatitis C Crónica (HCC). La principal implicación psicológica es la ansiedad, percibida en todos los sujetos, facto que nos sorprendió ya que la literatura coloca la depresión como síntoma psicológico más frecuentemente asociado a la infección por vía VIH/SIDA, no se verificando idéntica constatación relativamente a la HCC. La metodología cualitativa utilizada se fijó en dar a este trabajo un carácter exploratorio, descriptivo y analítico de las experiencias y vivencias de 17 sujetos portadores de VIH/SIDA y de HCC, a los cuales intentamos dar voz, en la expresión de su sufrimiento físico, psicológico y social.

Palabras Clave: VIH; SIDA; HCC; Análisis Cualitativa; Depresión; Ansiedad.

 

 

1 – Introdução

A infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) e a Hepatite C Crónica (HCC) são duas doenças crónicas com diferentes impactos a nível social e individual, apesar das suas características clínicas comuns: doenças ameaçadoras de vida, que se torna­ram crónicas.

“O diagnóstico e o tratamento médico da doença crónica produzem no paciente um grande impacto emocional incluindo sérios problemas psicológicos” (Coelho, Freitas & Oliveira, 2002, p. 43), bem como implicações a todos os níveis da vida de um indivíduo, pelo que é necessário aju­dar estes doentes a adaptarem-se à sua nova condição e a continuarem a viver a sua vida de forma mais adap­tativa e o menos afectada possível (Coelho, et al., 2002; Miyazaki, Domingos, Valério, Souza & Silva, 2005).

Ao nos confrontarmos com cerca de 58 milhões de pessoas já infectadas pelo VIH/SIDA, das quais já fale­ceram 25 milhões, numa doença com apenas cerca de 28 anos de história, sendo que em 2007, foi calculado que estavam 33 milhões de pessoas vivas infectadas pelo VIH, não se pode considerar um exagero ser refe­rida como a “peste dos tempos modernos” e realçar o impacto que esta doença tem na sociedade, impacto este que supera o de qualquer outra doença da actua­lidade. Em Portugal, de 1 de Janeiro de 1983 a 31 de Dezembro de 2008, foram notificados 34888 casos de infecção pelo VIH/SIDA nos diferentes estádios da doença, dos quais já faleceram 8564 pessoas (Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, 2009).

Nos países desenvolvidos, o VHC é responsável por 20% dos casos de hepatite aguda, 70% dos casos de hepatite crónica, 40% dos casos de cirrose avançada, 60% dos casos de carcinoma hepatocelular e 30% dos transplantes hepáticos” (Moura, 1999, p. 86).

Foi calculado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que a infecção crónica pelo VHC afecte, em Portugal 150 mil indivíduos, e 3% da população mundial, o que equivale a cerca de 170 milhões de pessoas, estimando-se que a progressão para VHC crónica seja de entre 55% a 85% destes números, dos quais 5% a 25% evoluem para cirrose em cerca de 20 anos, e em que 30% destes, em 10 anos avançam para doença hepática terminal. Enquanto, por ano, cerca de 1% a 4% dos doentes desenvolvem carcinoma hepatocelular (CHC) (Vieira, freire, Mangualde, Pinho, fernandes, Alves, Augusto, et al., 2007; Maddrey, 1998; Moura, 1999; Marinho, Velosa & Moura, 2004; Roche, 2009).

Há ainda a ressaltar que cerca de 50% das mortes dos indivíduos coinfectados depende da doença hepática (Andrade, 2004), mas apesar do peso clínico (essen­cialmente de índole física) pouco se tem estudado sobre o impacto psicológico destas duas doenças, com particular relevo para a menor produção de literatura sobre a HCC.

 

2 – Impacto psicológico e social do VIH/SIDA e da HCC

Douce e Teixeira (1993) referem que o VIH/SIDA é uma infecção que comporta uma forte carga emocional principalmente por ser uma doença crónica, associada a morte precoce e a experiências sexuais variadas (citados por Grilo, 2001), e por isto é necessário que o bem-estar psicológico acompanhe o bem-estar físico dos doentes portadores deste vírus (Cólon, 1992, citado por Grilo, 2001).

O VIH é ainda uma doença com um grande peso moral e social, que se desenvolveu devido ao significado que lhe foi atribuído aquando da sua descoberta, pois foi conotada como a doença dos homossexuais e dos toxicodependentes, significado este que se mantém ao longo dos tempos, levando à discriminação e ao estigma sobre esta doença (Guerra, 1998; Pimentel, 2004; Teva, Bermúdez, Hérnandez-Quero & Buela-Casal, 2005). É devido a este peso moral e social que o portador de VIH ao receber a notícia de que está infectado, pode ter uma forte reacção emocional (Vieira, 2005), reacção esta que pode ir desde a “denegação inicial, ao medo, à culpa, ao desespero, a eventuais ideias suicidas, ou a uma aceitação passiva de fatalidade, todo um turbi­lhão de ideias pode passar, desordenado, pela mente” (Vieira, 2005, p. 30), sendo o choque a reacção inicial mais comum perante o diagnóstico (Guerra, 1998). Outros sintomas muito frequentes são a depressão, ansiedade, a incerteza e a ira (Teva, et al., 2005).

Esta incerteza poderá estar relacionada com a reacção ao diagnóstico, na fase de negação, em que o indivíduo, como não tem sintomas, considera que poderá ter havido um engano quanto ao diagnóstico. Pode também ser relativa à percepção do tempo de vida que tem, visto que esta doença é ainda considerada mortal pela maior parte das pessoas (Teva, et al., 2005).

Remor (1999) refere que quando um indivíduo espera pelo resultado do exame ao VIH (sabendo haver a probabilidade de estar infectado) tem as seguintes alterações emocionais: o choque, medo e ansiedade, a depressão, raiva e frustração, sentimento de culpa e problemas obsessivos.

O choque relaciona-se com a possibilidade da seropositividade, bem como a desesperança de boas notícias e a hipótese de morte; o medo e ansiedade por um prognóstico incerto, pela possibilidade da perda da sua autonomia, medo do isolamento, das mudanças nas relações interpessoais, da rejeição, de infectar outros ou reinfectar-se e por todas as perdas sociais, cogni­tivas e físicas relacionadas com o vírus (Remor, 1999; Neto, Aitken, & Paldrön, 2004).

A depressão, por todas as alterações vivenciais, por ser uma doença incurável e pelas alterações nas expectativas e planos do futuro; raiva e frustração pela falta de controlo do futuro e pela incapacidade de curar o vírus; o sentimento de culpa por ter sido infectado, pelo seu passado e pela hipótese de ter infectado alguém; e os problemas obsessivos vão dar origem a cuidados exagerados com a saúde e preocupação também excessiva com doença e a morte (Remor, 1999; Neto, et al., 2004).

Mittag (1996, citado por Remor, 1999) afirma que quando é confirmada a seropositividade quanto ao VIH, o indi­víduo vivencia diversas reacções psicológicas que vão ao encontro das reacções que Kübler-Ross, em 1998, descreve no seu modelo das fases vivenciadas por doentes terminais, pelo que, investigadores e clínicos adaptaram estas fases ao problema em questão. As fases são: Choque Emocional; Negação; Agressividade; Pacto; Depressão; Aceitação (Horn, Payne, & Relf, 1999; Kübler-Ross, 1998; Remor, 1999).

Durante a progressão da doença, “as oscilações de humor entre períodos de negação e aceitação, esperança e desespero são comuns” (Macmillan, Hopkinson, Peden, & Hycha, 2006, p. 24).

Contudo, a depressão e ansiedade são as respostas mais usuais durante esta evolução da doença, pois os indivíduos têm de responder às mudanças que ameaçam o seu futuro e as suas crenças, tais como o facto de o VIH não ter cura, o receio de ser discriminado e abandonado pelas pessoas significativas, o medo de contagiar outra pessoa, a perda da vida social e profissional, medo de alteração da imagem corporal, surgindo também sentimentos de baixa auto-estima e de culpabilização de ter sido contaminado com o vírus (Remor, 1999).

Por vezes, o diagnóstico de depressão é difícil de ser feito nos indivíduos portadores de VIH, porque existem sintomas da própria infecção que se podem confundir com os da depressão (Maj, 1997): sintomas físicos (fadiga, diminuição do apetite, insónia e perda de peso); sintomas cognitivos – por infecção cerebral pelo VIH – (lentificação, diminuição na concentração e na memória); sintomas comportamentais (perda de interesse em relações interpessoais, sentimentos de culpa e pensamentos acerca da morte).

A hepatite crónica pode durar anos, até mesmo toda a vida, no entanto, não raras vezes é esquecida pelos que a têm, talvez pelo desprezo ser a primeira defesa que se activa. Existem extremos: tanto existem doentes para os quais os maus prognósticos lhes são indiferen­tes, como os que os consideram uma tragédia (Areias, Marcellin & Laurenceau, 2001; Marinho, et al., 2004).

Os indivíduos, quando sabem ser portadores do VHC, podem desenvolver diversas emoções, tais como: negação do diagnóstico, até se mentalizarem que são portadores deste vírus; raiva por terem sido contaminados com o vírus; preocupação em perceber como foram contagiados; tristeza por terem agora uma doença contagiosa e com possibilidade de se tornar crónica, a qual normalmente se transforma em depressão; medo e ansiedade pelo seu futuro e por não saber o que poderá acontecer: esta ansiedade terá de ser descarregada para o exterior, por vezes tomando uma forma agressiva, ou para o interior, que pode levar a uma depressão (Marinho, et al., 2004; United States Department of Veterans Affairs [USDVA], s.d.).

A hepatite viral é uma doença que é considerada como predisponente para o desenvolvimento de síndrome de fadiga crónica, com sintomas depressivos durante o período de convalescença da mesma, existindo também evidências de alguma relação entre depressão e cirrose. No entanto, é difícil fazer um diagnóstico de depressão, visto que os seus sintomas são muito semelhantes aos efeitos físicos da cirrose, que são, por exemplo, a fadiga, anorexia, perda de peso, entre outros (Collis & Lloyd, 1992, citados por Lloyd, 1997).

Por outro lado, a presença de sintomas psicológicos enquanto efeitos secundários do tratamento, podem ter um impacto negativo sobre o percurso da doença, prejudicar a adesão, agravar a percepção dos sinto­mas, reduzir mais a qualidade de vida, fazer surgir um maior número de queixas somáticas e dificuldades de adaptação aos sintomas da doença e aos sintomas associados ao tratamento e, em algumas situações levar ao suicídio, ou ao aumento da mortalidade (Miyazaki, et al., 2005).

Após a revisão da literatura para o presente estudo, reforçou-se a constatação de que estas doenças crónicas têm um peso considerável na vida dos seus portadores e, por este motivo, torna-se pertinente compreender quais as suas vivências emocionais e sociais, associadas ao seu estado de saúde, que serão alvo de desenvolvimento no estudo empírico que passamos a apresentar.

 

3 – Metodologia

3.1 – Objectivo

Com o presente estudo foi nosso objectivo compreender as vivências emocionais e sociais dos indivíduos portadores de VIH e de HCC, através da análise do seu discurso. Desta forma, pretendemos aceder ao significado de se ser portador de uma doença crónica e das vivências e experiências adjacentes a este acontecimento de vida.

3.2 – Método

Por se pretender compreender os fenómenos a partir da perspectiva do outro, dando relevância à experiência subjectiva e à forma como os sujeitos vivenciam e interpretam o mundo social (Almeida & freire, 2003), ou seja, estudando as vivências emocionais e sociais de indivíduos portadores de doenças infecciosas e crónicas, como o serem portadores de VIH e HCC, optou-se pela metodologia qualitativa.

A análise qualitativa, subjacente a este estudo, teve por base a metodologia grounded analysis. Esta metodologia consiste num conjunto de procedimentos que permite elaborar teorias através da recolha de dados relativos ao fenómeno a ser estudado, e que facilita que a recolha de dados e a análise estabeleçam uma relação mútua entre si, contribuindo assim para o desenvolvimento de teoria (Fernandes, 2001, Rennie, Phillips & Quartaro, 1988, citados por fonte, 2005; Strauss & Corbin, 1990, citados por fonte, 2005).

Para fazer uma análise qualitativa através da metodo­logia grounded analysis, devem-se seguir as seguintes fases: Selecção do Material Relevante para a Análise; Categorização Descritiva; Elaboração de Memorandos; Categorização Conceptual; Categorização Central; Hie­rarquia de Categorias; Clarificação Estrutural; Cons­trução do Discurso do Grupo (Fonte, 2005).

3.2.1 – Participantes

A população alvo deste estudo é constituída por 17 adultos, portadores de doenças crónicas (VIH e HCC), internados no Serviço de Infecciologia do Hospital de Joaquim Urbano, no Porto.

Os critérios de inclusão na amostra foram: os sujeitos terem idade superior a 18 anos, terem diagnóstico de infecção pelo VIH, em qualquer estádio da doença, e infecção pelo VHC em fase crónica. Todos os participantes deram o seu consentimento informado. Podemos verificar pela análise do Quadro 1 que é uma amostra heterogénea, com um intervalo de idades situado entre os 23 e os 56 anos, com uma média de 36,94 anos e um desvio-padrão de 8,355.

 

QUADRO 1 – Características sociais dos sujeitos entrevistados

 

Quanto ao género, a população é composta por 6 mulheres e 11 homens.

Relativamente ao estado civil, verificamos que os sujeitos são maioritariamente solteiros (n = 11), contudo, verifica-se que 2 são separados, 1 é casado, 1 vive em união de facto, 1 é divorciado e 1 é viúvo.

Verifica-se que o nível de escolaridade é baixo, ­uma média de 6,41 e um desvio-padrão de 1,906.

Quanto à profissão, não se encontra um padrão homogéneo. Quanto ao número de pessoas com quem vive, encontra-se um maior número de sujeitos que vivem com uma pessoa (n=6), seguido de 4 sujeitos que referem viver sozinhos.

No quadro que se segue faz-se uma síntese da infor­mação clínica dos sujeitos entrevistados.

 

QUADRO 2 – Características clínicas dos sujeitos entrevistados.

 

A doença oportunista com maior prevalência, em 11 dos sujeitos, é a Tuberculose, sendo seguida da Pneumonia. Podemos verificar que 10 dos sujeitos souberam ser portadores de VIH há menos de 9 anos, inclusive, e que 11 souberam há menos de 9 anos, inclusive, serem portadores da HCC.

Quanto à via de contaminação, a mais referida foi a via sexual com 41,2% dos sujeitos (n=7), seguida da transmissão através de material usado no consumo de drogas (n=6) e 4 sujeitos relatam não saber como ficaram infectados, se por relações sexuais ou pelo material usado no consumo de drogas.

3.2.2 – Instrumentos

O primeiro instrumento utilizado foi um Questionário Sociodemográfico, composto por 13 perguntas, de índole social e clínica.

O segundo instrumento, uma Entrevista Individual Semi-Estruturada era constituída por 10 perguntas abertas. Optou-se pela entrevista qualitativa como uma das formas de recolher dados, pois esta tem como objectivo “obter informação, sendo que permite que o indivíduo transmita oralmente ao entrevistador a sua definição pessoal das questões colocadas” (Olabuénaga, 1996, citado por fonte, 2005, p. 293).

3.2.3 – Procedimento

A recolha de dados foi feita no Hospital de Joaquim Urbano após autorização do seu director, considerando todos os procedimentos éticos adjacentes à adminis­tração dos instrumentos (Ribeiro, 1999).

Esta administração foi realizada no internamento e de forma individual, com duração aproximada de 40 minu­tos, após 3 consultas com o doente, e depois de assina­do o seu consentimento informado (Ribeiro, 1999).

Todos os registos foram feitos por escrito pelo investigador devido às condições físicas dos doentes, debilitados, com trémulo e dificuldade em escrever por estarem deitados.

 

4 – Apresentação dos resultados

Nota Prévia: Em todas as questões optamos por recor­rer a excertos do discurso dos elementos da amostra para uma melhor explicitação dos conteúdos.

Questão 1 – a) O que foi para si saber que era portador de uma doença considerada grave? b) Foi Hepatite ou VIH?

Analisando a questão 1, que tem como objectivo per­cepcionar quais as emoções sentidas pelos sujeitos aquando da recepção da notícia de ser portador de uma doença crónica, com cariz social e moral de grande impacto negativo, tal como o VIH e mesmo a HCC, surgem diversas emoções, no entanto, estas são vivenciadas relativamente ao diagnóstico do VIH e não da HCC.

Os sentimentos expressos são maioritariamente emoções negativas, seguidas de sensação de fim de uma ordem prévia com sentimentos de cariz negativo, choque e trauma. Contudo, surge um sentimento de cariz menos negativo, o conformismo, referido por 4 dos 17 entrevistados.

“Pareceu que o mundo ia desabar e perguntei a Deus que mal é que eu tinha feito.” (S3)

“Muito mau, ruim, parece que o mundo acaba naquele momento e para uma pessoa se recompor outra vez é preciso muito esforço e há quem não consiga! É um choque total, pensa-se que só acontece aos outros, mas não, a nós também!” (S4)

 

TABELA 1 – Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 1a).

1 – O que foi para si saber que era portador de uma doença considerada grave?

Categorias de 1ª ordem

Categorias de 2ª ordem

 

Muito mau

 

N=3

Fui-me abaixo

 

N=2

Difícil

 

N=1

Tristeza

 

N=1

Choro

 

N=1

 

Emoções negativas

N=8 referências em 7 sujeitos

Fim do mundo

 

N=2

Horror

 

N=2

Desespero

 

N=1

Suicídio

 

N=1

ficar de rastos

 

N=1

 

Fim de uma ordem prévia com sentimentos de cariz negativo

N=7 referências em 6 sujeitos

Choque

 

N=4

Traumático

 

N=1

 

Choque e trauma

N=5 referências em 5 sujeitos

Conformismo

 

N=4

 

Conformismo

N=4 referências em 4 sujeitos

 

Percebe-se também nas respostas à questão 1b) que o VIH é mais precocemente diagnosticado que a HCC, sendo que mesmo alguns dos sujeitos que referem ter sabido primeiro serem portadores do VIH e posteriormente da HCC, afirmam que já seriam portadores da HCC no momento do diagnóstico do VIH, informação transmitida pelos médicos, quando diagnosticaram a hepatite.

 

TABELA 2 – Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 1b).

Foi Hepatite ou VIH?

Categorias de 1ª ordem

Categorias de 2ª ordem

 

Primeiro VIH

 

N=8

 

Primeiro VIH

N= 8 referências em 8 sujeitos

Duas ao mesmo tempo

 

N=6

 

Duas ao mesmo tempo

N= 6 referências em 6 sujeitos

Primeiro VHC

 

N=3

 

Primeiro VHC

N= 3 referências em 3 sujeitos

 

Questão 2 – a) Sentiu-se de forma diferente quando soube da Hepatite e quando soube do VIH? b) Consegue descrever o que sentiu?

Nesta questão pretende-se perceber qual das duas infecções tem maior impacto e os sentimentos referen­tes a cada uma delas (Tabelas 3, 4 e 5).

 

TABELA 3 – Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 2a).

2 – Sentiu-se de forma diferente quando soube da Hepatite e quando soube do VIH? Consegue descrever o que sentiu?

Categorias de 1ª ordem

Categorias de 2ª ordem

Qual teve mais impacto

Mais o VIH

 

N=14

 

Mais o VIH

N=14 referências em 14 sujeitos

Idêntico

 

N=3

 

Idêntico

N=3 referências em 3 sujeitos

 

TABELA 4 – Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 2b).

Consegue descrever o que sentiu? Reacções ao VIH

Categ. de 1ª ordem

Categ. de 2ª ordem

 

Passou-me a vida

 

N=2

toda à frente

 

 

Choque

 

N=2

frustração grande

 

N=1

Matou-me

 

N=1

Tiraram-me o chão

 

N=1

Muito mal

 

N=1

Frio grande

 

N=1

Bati mal

 

N=1

Já é demais

 

N=1

Mal

 

N=1

Trauma

 

N=1

Partiu-me todo

 

N=1

 

Choque

N=14 referências

 

 

em 10 sujeitos

Medo de morte precoce

 

N=2

Medo de desprezo

 

N=1

Assustada

 

N=1

 

Medo

N=4 referências

em 4 sujeitos

 

 

Vontade de desistir

 

N=2

Ideias suicidas

 

N=2

 

Impotência para

N=4 referências

 

continuar

em 4 sujeitos

 

TABELA 5 – Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 2c).

Consegue descrever o que sentiu? Reacções ao HCC

Categ. de 1ª ordem

Categ.de 2ª ordem

 

Não afectou

 

N=3

Mal me lembro

 

N=1

Nem me lembrava

 

N=1

que tenho isso

 

 

Não ligo

 

N=1

Normal

 

N=1

 

Reacção sem

N=7 referências

 

importância

em 5 sujeitos

Menor impacto

 

N=2

Não é nada compa-

 

N=1

rado com o VIH

 

 

Recebi a notícia de

 

N=1

outra maneira

 

 

Olha mais uma!

 

N=1

 

Reacção de menor

N=5 referências

 

intensidade comparativa

em 5 sujeitos

 

com a do VIH

 

Susto

 

N=1

Desânimo

 

N=1

Tristeza

 

N=1

Chocada

 

N=1

Pancada momentânea

 

N=1

 

Reacção com impacto

N=5 referências

 

negativo

em 4 sujeitos

 

As respostas dadas demonstram que o VIH é sentido com maior impacto, em 14 dos 17 sujeitos entrevistados, do que a HCC.

“Do HIV senti trauma…” (S13)

“… a hepatite não me afectou,…” (S4)

“O VIH é o pior, a outra mal me lembro que tenho.” (S6)

“Da hepatite não senti nada…” (S17)

É de realçar que nenhum refere a HCC com maior impacto, nem mesmo os sujeitos que souberam pri­meiro da hepatite.

Os sentimentos descritos pelos sujeitos, quanto ao diagnóstico do VIH, são de grande impacto negativo. Encontramos 14 referências ao choque (em 10 sujeitos dos 17 entrevistados), seguido pelo medo e pela sen­sação de impotência para continuar.

“O que importa é que tenho o VIH, esse é que me cho­cou!” (S8)

“…às vezes tinha medo de ser desprezado, mas não digo a ninguém o que tenho.” (S2)

“…pensava que ia morrer num instante…” (S14)

“Senti vontade de desistir, de ver a luz do dia, cheguei a escrever cartas a dizer à família que os amava mas que não podia cá ficar.” (S2)

“…a minha vontade foi fazer asneiras e desaparecer…” (S14)

Verifica-se assim uma grande frequência de sentimen­tos negativos em relação ao VIH, o que não acontece com o conhecimento do diagnóstico da HCC, em que um dos sujeitos refere:

“Agora que fala, lembro-me que me disseram que tenho Hepatite C, mas na altura que me disseram nem liguei a isso e não ligo.” (S8)

Percebe-se que as reacções descritas em relação ao diagnóstico da HCC mostram sentimentos sem rele­vância perante esta infecção, como se verifica nas 7 referências de reacção sem importância, reacção nunca descrita por nenhum sujeito perante o diagnóstico do VIH. Mesmo nos sujeitos que demonstram que sentiram a Hepatite C crónica de alguma forma negativa, estes sentimentos têm menor impacto quando comparados com os suscitados pelo VIH.

Questão 3 – a) Partilhou a notícia com alguém? b) Com quem? c) Qual foi a reacção dessa(s) pessoa(s)? Ao analisar estas questões (Tabela 6), nas quais se pre­tende saber se o sujeito contou a alguém a notícia da sua infecção, a quem e qual a reacção dessa pessoa, percebe-se que todos os sujeitos partilharam com alguém a notícia da sua doença, à excepção de um sujeito que só contou da HCC e não contou do VIH pois, como refere:

“Só partilhei da hepatite, com o tal amigo, reagiu bem e dá-me apoio. Do VIH não tenho coragem de contar.” (S10)

 

TABELA 6 – Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 3a).

3 – Partilhou a notícia com alguém?

Categorias de 1ª ordem

Categorias de 2ª ordem

 

Do VIH não, só do VHC, não tem coragem

 

N=1

Sim

 

N=17

 

Sim

N=17 referências em 17 sujeitos

 

Ao examinar as respostas obtidas na questão 3b), veri­ficamos que os sujeitos partilharam o diagnóstico com as pessoas significativas, família, amigos e a quem os contaminou, verificando-se que há um maior número de sujeitos que contaram aos pais (Tabela 7).

 

TABELA 7 – Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 3b).

Com quem?

Categorias de 1ª ordem

Categorias de 2ª ordem

 

Pais

 

N=6

 

Pais

N=6 referências em 6 sujeitos

Irmãos

 

N=5

 

Irmãos

N=5 referências em 5 sujeitos

Mãe

 

N=4

 

Mãe

N=4 referências em 4 sujeitos

Amigos

 

N=4

 

Amigos

N=4 referências em 4 sujeitos

Quem me contaminou

 

N=2

 

Quem o contaminou

N=2 referências em 2 sujeitos

 

Encontramos, pois, apenas um sinal de tentativa de ocultação do VIH:

“Sim, só com quem partilhava as seringas, um amigo, foi o que me passou.” (S16)

No que se refere à tabela 8, verifica-se que perante a notícia, as pessoas significativas a quem o sujeito contou, tiveram maioritariamente uma aceitação pro­activa (aceitaram e desenvolveram algum tipo de acção de índole positiva), seguida de respostas emocionais negativas contidas e de aceitação passiva:

“Só à minha irmã, ela considerou normal. Ela apoiou-me sempre, ajudou-me a enfrentar.” (S8)

 

TABELA 8 – Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 3c).

Qual foi a reacção dessa(s) pessoa(s)?

Categorias

Categorias

 

de 1ª ordem

de 2ª ordem

 

Apoio

 

N=6

Aconselhamento

 

N=2

Deu informação

 

N=1

Ajuda a enfrentar

 

N=1

Confortou

 

N=1

Convenceram-se

 

N=1

a ajudar-me

 

 

 

Aceitação

N=12 referências

 

proactiva

em 9 sujeitos

Choro

 

N=2

Tristeza

 

N=2

Desconforto total

 

N=1

Nada contente

 

N=1

Revolta

 

N=1

 

Resposta emocional

N=7 referências

 

negativa contida

em 5 sujeitos

Normal

 

N=3

Aceitou

 

N=2

Bem, dentro

 

N=1

dos possíveis

 

 

 

Aceitação passiva

N=6 referências em 6 sujeitos

Reclamaram

 

N=1

Bateram-me

 

N=1

Expulsão de casa

 

N=1

Má reacção

 

N=1

 

Resposta emocional negativa acompanhada de comportamentos críticos/agressivos

N=4 referências em 3 sujeitos

 

Em oposição a estas reacções, surgem as reacções de resposta emocional negativa acompanhada de compor­tamentos críticos/agressivos, que 3 sujeitos referen­ciaram (Tabela 8):

“O meu pai reagiu mal, tentou bater-me e disse que não me queria mais em casa, a minha mãe não falou, só disse para ficar, ficar, mais nada, era inválida.” (S5)

Questão 4 – Que impacto é que teve na sua vida ser portador de uma doença deste tipo?

Os resultados obtidos nas questões anteriores confirmam-se, ao analisar, na questão 4, o impacto que os sujeitos sentiram na sua vida por serem portadores de uma destas doenças, predominando o VIH e não dando relevância à HCC (Tabela 9).

 

TABELA 9 – Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 4.

4 – Que impacto é que teve na sua vida ser portador de uma doença deste tipo?

Categorias de 1ª ordem

Categorias de 2ª ordem

 

Mudei maneira de ser

 

N=3

Bastante impacto, em todos os meios

 

N=2

Acidente de avião

 

N=1

Mundo ia acabar

 

N=1

Não sou a mesma

 

N=1

 

Momento de ruptura

N=8 referências em 8 sujeitos

Vergonha

 

N=2

Mau

 

N=1

Tive inveja da saúde dos outros

 

N=1

Desesperança

 

N=1

Revoltada comigo e com a vida

 

N=1

 

Emoções negativas

N=8 referências em 7 sujeitos

Retraído com a vida

 

N=2

 

Emoções negativas

N=8 referências

 

 

em 7 sujeitos

Vida inconstante

 

N=1

Vida piorou

 

N=1

Afastamento

 

N=1

da família

 

 

Abandono

 

N=1

do trabalho

 

 

 

Reformulação

N=6 referências

 

de vida negativa

em 5 sujeitos

 

Mais uma vez, verificam-se sentimentos de grande cariz negativo, em relação ao VIH, em que surgiram descrições que consideramos reflectirem um momento de ruptura nas suas vidas, aquando do diagnóstico, em cerca de metade dos sujeitos.

Destacam-se ainda referências a emoções negativas e a situações de reformulação de vida de cariz negativo:

“Acho que tipo acidente de avião, não consigo descrever melhor, deve ser o mesmo tipo de sofrimento.” (S1)

“A minha vida piorou, nunca mais fui a mesma, antes era uma moça saudável, cheia de energia e desde que soube da doença não sou a mesma.” (S5)

“Todos os aspectos negativos que a vida tem.” (S3)

“O impacto foi em tudo, pensar que ia morrer, vergonha, medo de ser discriminado e todos esses sentimentos.” (S15)

Questão 5 – Que impacto é que teve nas suas relações sociais (família, amigos, colegas)?

O impacto relatado na questão anterior parece não transparecer nas respostas a esta questão, em que cerca de metade dos sujeitos refere que não houve qualquer impacto a nível social (Tabela 10).

 

TABELA 10 – Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 5.

5 – Que impacto é que teve nas suas relações sociais (família, amigos)?

Categorias de 1ª ordem

Categorias de 2ª ordem

 

Família manteve-se igual

 

N=3

Amigos mantiveram-se iguais

 

N=3

Família não mudou muito

 

N=2

Não muito, poucas pessoas sabem

 

N=1

Não mudou nada

 

N=1

 

Sem impacto

N=10 referências em 8 sujeitos

Amigos afastaram-se

 

N=4

Alguns amigos afastam-se

 

N=2

 

Impacto negativo nos amigos

N=6 referências em 5 sujeitos

Apoio da família

 

N=5

 

Impacto positivo na família

N=5 referências em 5 sujeitos

 

“Não mudou nada com ninguém, até passaram a ajudar-me mais, tanto a família e amigos porque são mesmo amigos, mas só contei aos mais chegados, aos outros não.” (S13).

No entanto, não se pode inferir a inexistência de reflexos nas relações sociais pois a informação de ser portador de VIH só foi contada a poucas pessoas e significativas, pelo que não se pode ter noção da real dimensão que poderia ter numa divulgação mais ampla, ou seja, se fosse contado a pessoas menos significativas, como se comprova nas 6 referências sobre o impacto negativo nos amigos:

“…e amigos, começaram a afastar-se de mim, já não me ligavam, desprezavam-me.” (S5)

“Amigos, alguns rejeitaram-me…” (S10)

Em contrapartida, aparecem algumas referências de impacto positivo na família, ou seja, a partilha do diag­nóstico originou uma postura de maior suporte por parte da família:

“…até passaram a ajudar-me mais, tanto a família e amigos porque são mesmo amigos... Passaram-me a tratar melhor porque sabem que perdi muito a nível social e porque fiquei traumatizado.” (S13)

“Na família, dão-me apoio e deram sempre…” (S15)

Questão 6 – E a nível afectivo, como foi viver e conviver com esta nova condição? Que mudanças ocorreram no seu comportamento e nos seus afectos?

Nas respostas a esta questão verificam-se um grande número de referências quanto a alterações adaptativas dos afectos (que reflectem um retraimento quanto aos relacionamentos, principalmente por receio das reac­ções dos outros), sendo estas maioritariamente negati­vas. Surgem 8 referências, em 7 sujeitos dos 17 entre­vistados, de cuidados de teor preventivo que surgiram após o diagnóstico (Tabela 11).

 

TABELA 11 – Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 6.

6 – E a nível afectivo, como foi viver e conviver com esta nova condição? Que mudanças ocorreram no seu comportamento e nos seus afectos?

Categorias de 1ª ordem

Categorias de 2ª ordem

 

Não tenho relacionamentos longos para não ter de contar que tenho VIH

 

N=2

Afasto-me quando começo a gostar de alguém a sério

 

N=2

Não quero sofrer

 

N=1

Só tive um relacionamento (4 anos depois de saber) e casei-me

 

N=1

Poucos relacionamentos

 

N=1

Tive relacionamentos curtos para não me chatearem

 

N=1

Medo relacionamentos

 

N=1

 

Alterações adaptativas nos afectos

N=9 referências em 7 sujeitos

Mais precauções

 

N=3

Relações só com preservativo

 

N=2

Mais preocupações

 

N=2

Separo tudo o que é meu

 

N=1

 

Cuidados

N=8 referências em 7 sujeitos

É raro ter relações sexuais

 

N=2

Durante algum tempo senti medo de ter relações

 

N=1

Nos primeiros tempos não tive relações

 

N=1

Medo de ter relações sexuais

 

N=1

Afecta um bocado

 

N=1

Nunca é como antes

 

N=1

 

Alteração no relacionamento sexual

N=7 referências em 5 sujeitos

Não quer contar a namorado(a)

 

N=3

Medo de desprezo

 

N=2

Medo que tenham pena

 

N=1

Medo de “coitadinho, mas longe de mim”

 

N=1

 

Medo de sentimentos negativos

N=7 referências em 5 sujeitos

 

Aparecem também alterações no relacionamento sexual e medo de sentimentos negativos, ambos com um impacto restritivo nos relacionamentos:

“Mas não gosto de me apegar muito, para não sofrer… prefiro conhecer várias raparigas diferentes e nunca contar, pois podem rejeitar-me, assim afasto-me eu quando vejo que estou a gostar demais. Mas uso sempre protec­ção.” (S4)

“Fiquei com mais medo de ter relações, e de ter namo­rado porque vou ter de dizer a verdade e quem é que vai querer? Vão desprezar-me…” (S6)

Questão 7 – Quando pensa no facto de ser portador de uma doença crónica, como é que olha para o passado?

Nesta questão, surge com grande destaque a categoria de arrependimento em relação ao passado, com 17 refe­rências em 12 dos sujeitos entrevistados (Tabela 12):

“Se soubesse o que sei hoje não me tinha metido em certas coisas, gostava de voltar atrás.” (S14)

“Com mágoa, arrependimento do passado que tive e do que fiz, de não o poder corrigir e gostava de pensar como penso agora.” (S16)

 

TABELA 12 – Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 7.

7 – Quando pensa no facto de ser portador de uma doença crónica, como é que olha para o passado?

Categorias de 1ª ordem

Categorias de 2ª ordem

 

Arrependimento

 

N=9

Voltava atrás

 

N=4

Medo de ter prejudicado alguém

 

N=1

Remorsos

 

N=1

Culpa

 

N=1

Não aproveitei a vida

 

N=1

 

Arrependimento

N=17 referências em 12 sujeitos

Quero deixar tudo o que está para trás

 

N=2

Vontade de recomeçar de novo

 

N=1

Só olho para a frente

 

N=1

As coisas acontecem e agora temos de lutar

 

N=1

 

Enfrentar o futuro

N=5 referências em 3 sujeitos

Nostalgia

 

N=1

Tristeza

 

N=1

Mágoa

 

N=1

 

Tristeza

N=3 referências em 3 sujeitos

Revolta

 

N=1

Inconformismo

 

N=1

 

Revolta/Inconformismo

N=2 referências em 2 sujeitos

 

No entanto, encontrámos um conjunto de referên­cias que se agregam na categoria que denominamos “enfrentar o futuro”, que assume um carácter positivo, mas com uma diferença muito grande em relação ao número de referências verificada na categoria anterior:

“Quero deixar tudo para trás e começar uma nova vida, para ter mais tempo de vida.” (S6)

Outras categorias que resultam da agregação das res­postas são a tristeza e a revolta/inconformismo, que demonstram sentimentos negativos.

Por isto, pode-se concluir que os sujeitos entrevistados recordam o seu passado de forma maioritariamente negativa.

Questão 8 – Que peso tem a doença na forma como vê o seu futuro?

Confrontados com uma doença crónica, alguns dos sujeitos vivem com a visão de futuro incerto, o que se comprova com as 7 referências, que levaram à forma­ção da categoria “Incerteza” (Tabela 13).

 

TABELA 13 – Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 8.

8 – Que peso tem a doença na forma como vê o seu futuro?

Categorias de 1ª ordem

Categorias de 2ª ordem

 

Mais precauções

 

N=2

Vivo o dia-a-dia

 

N=2

futuro incerto

 

N=1

Não faço planos a longo prazo

 

N=1

Incógnito

 

N=1

 

Incerteza

N=7 referências em 6 sujeitos

Com esperança

 

N=2

Refazer a vida para ter hipótese

 

N=1

Com expectativa

 

N=1

Vontade de mudar

 

N=1

Tento esquecer para ter uma vida melhor

 

N=1

 

Esperança

N=6 referências em 5 sujeitos

Não há futuro

 

N=4

Curva descendente, sempre em queda

 

N=1

 

Sem futuro

N=5 referências em 5 sujeitos

Peso grande

 

N=2

Revolta

 

N=1

 

Emoções negativas

N=3 referências em 3 sujeitos

Sinto-me conformado

 

N=1

 

Conformado

N=1 referência em 1 sujeito

 

“Futuro não sei! Será que tenho? Sinto que estou farto de sofrer, de ser internado e às vezes de viver!” (S4)

No entanto, após a categoria “Incerteza”, encontra­mos dois extremos, referências, por 5 sujeitos, de “Esperança” e outras referências, por também 5 sujei­tos, de percepção de “Sem futuro”:

“… no futuro tenho muita esperança.” (S10)

“A direcção é a morte, devido à idade que tenho e ao tempo que tenho VIH, se viver mais uns anos é sorte, mas não quero morrer. Futuro, que futuro? Não tenho…” (S3)

No discurso dos sujeitos perante esta questão, surge novamente uma categoria de “Emoções negativas”, o que se encontra em conformidade com o discurso encontrado em questões anteriores.

É de realçar que surge uma única referência ao conformismo perante o futuro:

“Agora estou mais conformado.” (S1)

Questão 9 – Sendo uma doença crónica, implica diferentes níveis de sofrimento, que variam de pessoa para pessoa. De que modo associa o sofrimento ao seu presente e ao seu futuro? (Tabela 14).

 

TABELA 14 – Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 9.

9 – Sendo uma doença crónica, implica diferentes níveis de sofrimento, que variam de pessoa para pessoa. De que modo associa o sofrimento ao seu presente e ao seu futuro?

Categorias de 1ª ordem

Categorias de 2ª ordem

 

faço contas ao tempo que falta e já passou

 

N=1

Não quero morrer

 

N=1

farto de sofrer

 

N=1

farto de viver às vezes

 

N=1

farto de ser internado

 

N=1

Mal de todas as maneiras

 

N=1

Preocupações com filhos

 

N=1

Irritação

 

N=1

Choro

 

N=1

Evitação

 

N=1

Medo de dependência de terceiros

 

N=1

fragilidade psicológica

 

N=1

Medo de meter nojo de magra

 

N=1

 

Presente com sofrimento emocional

N=13 referências em 9 sujeitos

Estou mal

 

N=1

Medo de ficar debilitado

 

N=1

Medo de ficar muito mal

 

N=1

Medo de doenças

 

N=1

Medo das doenças oportunistas

 

N=1

Sofro fisicamente

 

N=1

Instabilidade física

 

N=1

fisicamente mal

 

N=1

 

Sofrimento físico/Medo de sofrimento físico

N=8 referências em 7 sujeitos

Já aceitei

 

N=2

Estou capacitado que tenho isto

 

N=1

Mentalizado

 

N=1

Cuido de mim

 

N=1

Não ligo a ser seropositiva

 

N=1

 

Aceitação da doença

N=6 referências em 6 sujeitos

Incerteza do futuro

 

N=3

Não sei como vou estar

 

N=1

Não sei se tenho futuro

 

N=1

Não sei o que me acontece daqui a meio ano

 

N=1

 

Incerteza do futuro

N=6 referências em 5 sujeitos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A categoria com maior relevo, pelo número de referências é “Presente com sofrimento emocional”, na qual encontramos 13 referência (em 9 sujeitos dos 17 entrevistados), que tem em comum com a categoria do “Sofrimento físico/Medo de sofrimento físico”, o medo, que prevalece no discurso dos sujeitos:

“Penso que o futuro vá ser pior, vou ter menos defesas, fica mais complicado, podem aparecer novas doenças. Quando somos novos não nos acontece nada, a idade vai avançando e elas começam a aparecer, como agora. Acho que vou ficar dependente e vou ser mais frágil psicologicamente.” (S16)

“Agora estou a sofrer fisicamente, nunca sei como vou estar, se estou para cima, para baixo, isto das defesas…” (S6)

Contrapondo estas duas categorias surge a categoria “Aceitação da doença”, com exactamente os mesmos números de sujeitos e de referências que a categoria anterior (6 referências em 6 sujeitos):

“Já aceitei bem, por isso não sofro. Agora tenho mais força de vontade.” (S2)

Destaca-se, também, a categoria “Incerteza do futu­ro”, que se mantém em conformidade com a questão anterior:

“Ao futuro, não sei o que me pode acontecer daqui a meio ano!” (S7)

Questão 10 – E a morte, é um pensamento que o preocupa de forma diferente desde que soube que era portador desta doença?

Verifica-se que, maioritariamente após o diagnóstico, os sujeitos preocupam-se de forma diferente com a morte (10 sujeitos) (Tabela 15).

 

TABELA 15 – Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 10.

10 – E a morte, é um pensamento que o preocupa de forma diferente desde que soube ser portador desta doença?

Categorias de 1ª ordem

Categorias de 2ª ordem

 

Sim

 

N=10

 

Sim

N=10 referências em 10 sujeitos

Não

 

N=7

 

Não

N=7 referências em 7 sujeitos

Mais medo da morte porque pode ser a qualquer segundo

 

N=3

Tem-se sempre medo da morte

 

N=2

Penso mais na morte

 

N=2

Encarar a morte de frente

 

N=1

Tenho medo de viver, o que fará da morte!

 

N=1

Não quero morrer, mas já posso ir, é melhor para todos

 

N=1

 

Medo da morte

N=10 referências em 6 sujeitos

Medo de sofrer

 

N=2

Mais assustado

 

N=1

Mais receio

 

N=1

Temos mais medos pois no fundo estamos mais agarrados às pessoas

 

N=1

Não quero ser um peso para a família

 

N=1

Não quero sofrer

 

N=1

Tenho pavor de sofrer

 

N=1

 

Medo

N=8 referências em 6 sujeitos

Quero viver mais uns anos

 

N=1

Quero é ter vida

 

N=1

Vivo mais a vida

 

N=1

Aproveito bem a vida

 

N=1

Quero ver o meu filho crescer, saber que fica bem

 

N=1

Peço todos os dias a Deus que me mantenha viva

 

N=1

 

Vontade de viver

N=6 referências em 4 sujeitos

A SIDA não mata

 

N=1

Chega a todos, não a podemos evitar

 

N=1

É igual. Este vírus não mata logo, há tratamento

 

N=1

Não é um buraco negro

 

N=1

Só penso na morte quando ela estiver à porta

 

N=1

 

Conformismo

N=5 referências em 5 sujeitos

Quero morrer sem sentir, logo

 

N=2

Tenho medo de morrer

 

N=1

Medo de sofrimento prolongado

 

N=1

Não quero passar pela fase terminal

 

N=1

 

Medo da forma como morre

N=5 referências em 3 sujeitos

 

O “Medo da morte” surge referenciado dez vezes, e o medo no seu sentido mais lato aparece em 8 referên­cias, bem como o “Medo da forma como morre”, que teve 5 referências, o que demonstra que estes sujeitos vivenciam muito o medo:

“Sim. Tenho medo de sofrer, preferia morrer depois de adormecer, tipo deitar-me para dormir e não acordar. Não penso que vá morrer já, só tenho mesmo medo do sofrimento prolongado.” (S15)

“Não tenho medo de morrer, tenho pavor de sofrer!

Não vou passar o período de sofrimento, Deus não pode permitir que passe uma fase terminal, quero morrer logo, não ficar cadavérica, não quero!” (S17)

Em antítese à questão 8, aqui verifica-se um maior número de sujeitos que referem estar conformados com a morte, por ser algo inevitável:

“Não. Quando vier a morte, o que é que a gente vai fazer? Chega a toda a gente, não a podemos evitar.” (S11)

4.1 – Construção do discurso do grupo

Concluída a clarificação estrutural, passamos a fazer a construção do discurso do grupo, sendo esta a última fase do processo da análise qualitativa.

De forma geral, podemos verificar que os sujeitos entrevistados encaram o VIH não como um vírus que os pode fazer adoecer, mas sim como uma ameaça permanente à sua vida, enquanto o diagnóstico de HCC não tem relevância para eles, embora seja também uma doença que pode levar à morte, pelo que a maior parte dos elementos inquiridos relata que este diagnóstico não teve qualquer impacto, e os poucos sujeitos que o referem, descrevem-no como momentâneo e bastante inferior ao do diagnóstico do VIH, pois agora não tem qualquer importância.

O VIH é vivido com uma ansiedade permanente, desde que os indivíduos sabem ser portadores, até ao final das suas vidas, dado que, mesmo os que referem saber há mais de 10 anos, continuam a evidenciar ansiedade, e dois dos sujeitos entrevistados já morreram.

Os sujeitos relatam sentimentos de tristeza, choque, desespero, medo da morte precoce, medo de desprezo, auto-isolamento e ideias suicidas no momento em que o vírus lhes foi diagnosticado, mantendo estes sentimen­tos em relação a tudo o que se relaciona com o VIH.

Verifica-se que todos os sujeitos contaram a alguém sobre o serem portadores de uma doença crónica, sendo que só um dos sujeitos é que não contou ter VIH, mas sim só ter HCC, exactamente pelo medo de desprezo pela parte dos outros que é, aliás, comum a todos os sujeitos. Estes demonstram ter ainda receio de contar a algumas pessoas, tais como namorados (as) ou a amigos (as), pelas reacções que daí possam advir.

No entanto, as reacções que se encontram com mais frequência por parte das pessoas a quem contaram são de aceitação proactiva, ou seja, para além de aceitarem esta nova condição, também passaram a dar um maior apoio.

Os sujeitos entrevistados relatam que ao contarem a notícia, as suas relações não sofreram grandes altera­ções, sendo que, ao nível familiar, a maior parte melho­rou, mas alguns relatam que os amigos se afastaram. As piores reacções das pessoas significativas a quem contaram foram uma resposta emocional negativa com comportamentos críticos/agressivos, tais como, a expul­são de casa, agressão física e desprezo.

Ao nível dos relacionamentos afectivos verificam-se várias modificações nos comportamentos. Os partici­pantes referem terem mudado a forma como se rela­cionam, pois não querem contar ao companheiro(a) por medo de desprezo e abandono e, por isso, ou decidem ter vários relacionamentos sem que sejam sérios, ou o seu interesse diminui e decidem não ter relacionamen­tos. Ao nível sexual notam-se restrições em frequência e em qualidade, pois os sujeitos relatam ter mais cui-dados, usando sempre preservativo e alguns diminuem a frequência das relações sexuais.

Os participantes referem-se ao passado com arrepen­dimento, tristeza e revolta. Contudo, alguns relatam que preferem não falar do passado mas sim no futuro.

Em relação ao presente, este é vivenciado com sofri­mento emocional (como por exemplo fazendo a conta­gem de tempo que já passou e que ainda falta até morre­rem), com fragilidade psicológica e preocupações com o sofrimento físico, medo de doenças oportunistas, e com instabilidade física, consequência da evolução da carga vírica, também relatada como agente de incerteza.

Todos estes sentimentos acarretam uma sensação de incerteza perante o futuro, de tal modo que alguns afirmam não terem futuro. Esta dúvida constante em que vivem leva-os a pensar na morte com mais medo, pois sentem estar em perigo iminente, têm medo de sofrer e da forma como vão morrer.

O VIH/SIDA abrange toda uma vivência geradora de elevados níveis de ansiedade permanente, pela incer­teza e sentimentos negativos vividos pelos sujeitos portadores do vírus e pelo peso que esta doença ainda tem na sociedade.

A HCC, como já foi referido anteriormente, tem um menor impacto.

 

5 – Discussão dos resultados

Após a apresentação dos dados, podemos registar que os resultados vão ao encontro da literatura consultada. Constatamos, então, que os sentimentos mais comuns vivenciados pelo sujeito, após o diagnóstico de ser portador da infecção por VIH, são a culpa, arrepen­dimento, sensação que a vida acabou, ideias suicidas, medo, medo de discriminação, diminuição de relações sexuais e isolamento social (Neto, et al., 2004; Ostrow, 1997; Remor, 1999; Teva, et al., 2005).

O nível elevado de incerteza, que estes sujeitos vivem, provoca consequências a nível emocional, tais como ansiedade, depressão e raiva, derivados do estigma social da doença, do diagnóstico por si só, da dúvida a quem contar e o tentar esconder, e da incerteza da forma como vai evoluir a doença (Ostrow, 1997; Remor, 1999; Teva, et al., 2005).

Nota-se, no discurso dos sujeitos entrevistados, pre­ocupação em relação a quem revelar a sua condição, pela possibilidade de discriminação e ruptura de rela­cionamentos e, como consequência destes receios, estes sujeitos tendem a isolar-se para não terem de revelar o diagnóstico (Herek, 1990, citado por Grilo, 2001).

Verificaram-se alterações ao nível dos relacionamentos, em especial a nível sexual, em que relatam uma diminuição desta actividade. Esta redução de frequência da actividade sexual foi demonstrada em alguns estudos elaborados sobre esta temática (Herek, 1990, citado por Grilo, 2001).

Nos estudos acima referidos, concluiu-se que, estes sujeitos, embora queiram manter-se sexualmente acti­vos, apercebem-se que podem contagiar outra pessoa com o vírus, e que mesmo tendo cuidados, continua a existir algum risco de contágio. Por este motivo optam por procurar um companheiro(a) também infectado com o vírus, o que faz com que não se sintam tão inse­guros quanto a uma possível rejeição e a um possível contágio, embora estejam conscientes de uma provável reinfecção, ou optam pela abstinência sexual, (Neto, et al., 2004; Remor, 1999; Schonnesson & Clemente, 1995, citados por Grilo, 2001).

Alguns dos sujeitos que foram infectados por via sexual, decidiram não voltar a ter relações sexuais, pois esta actividade foi a responsável por serem agora portadores desta doença (Ross & Ryan, 1995, citados por Grilo, 2001).

A incerteza perante o futuro, relacionada com esta temática, não tem sido muito estudada, contudo, percebe-se que estes sujeitos, após receberem o diag­nóstico, mesmo estando numa fase inicial da doença, repensam os seus planos futuros e alguns desistem deles (Grilo, 2001). Como se verificou no presente estu­do, a morte passa a ser um pensamento mais presente na vida dos sujeitos e tem como origem esta incerteza perante o futuro, o facto da doença não ter cura, o receio de morte precoce e todas as perdas que a morte acarreta, tornando-se assim um agente ansiogénico (Grilo, 2001).

É de salientar que todos os sujeitos dirigiram a entrevista para a sua vivência enquanto portadores de VIH/SIDA e não deram relevância à HCC.

 

6 – Conclusão

O presente estudo confirma a existência de alterações emocionais e sociais na vida dos indivíduos portadores das duas doenças crónicas aqui abordadas.

Surgiu como principal sintoma a ansiedade e foi confir­mada a experiência do estigma social no discurso dos participantes, mas estes dois pontos surgiram associa­dos ao VIH/SIDA e nunca à HCC.

Concluímos que o VIH/SIDA é, no grupo estudado, de entre as duas doenças estudadas, a que acarreta consigo mais sentimentos negativos e uma menor esperança quanto ao futuro.

Esta oportunidade de dar voz a indivíduos portadores de VIH/SIDA e HCC contribui para uma melhor compre­ensão das suas vivências, e percebeu-se que a ansie­dade e o estigma social são dois pontos fulcrais a serem trabalhados, tanto com os próprios indivíduos, como com as pessoas para si significativas e com a sociedade em geral.

A equipa multidisciplinar, neste contexto, tem um papel muito importante, pois tem em vista atingir um objectivo comum, o bem-estar do indivíduo, permitindo que lhe seja feita uma abordagem biopsicossocial, pelo que só um atendimento colectivo e multidisciplinar por profissionais de diversas áreas é que pode fazer frente às múltiplas necessidades destes indivíduos.

Deste modo, a equipa deverá dar maior relevo à infor­mação e ao apoio ao indivíduo, como um elemento facilitador da adesão terapêutica, que depende da percepção que este tem da doença e do benefício da terapêutica, principalmente se for um doente assinto­mático. Deve ainda ajudar o indivíduo a desenvolver competências de forma a facilitar a sua adaptação à doença e, para tal, tem de intervir ao nível das crenças, cognições, expectativas e fontes de suporte que pos-sam limitar a mesma.

Nos portadores do VIH/SIDA e da HCC deve-se dar especial atenção à adesão terapêutica para a HCC e aos comportamentos de risco com os outros, com quem se relacionam, visto terem uma importância diminuída para estes indivíduos.

Desta experiência retiramos a possibilidade de dar voz a indivíduos que vivem de forma muito particular a dor de serem portadores de doenças atemorizantes do ponto de vista psicológico, físico e social, bem como matéria de reflexão sobre a necessidade de continuar a dar atenção a estas temáticas nos domínios da saúde física, psicológica e social.

 

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Contactos:

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Zélia Teixeira: zelia@ufp.edu.pt; zelia.teixeira@idt.min-saude.pt

 

Artigo recebido em 12/11/09; versão final aceite em 18/06/10.