SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.31 issue2Having friends with gay friends? The role of extended contact, empathy and threat on assertive bystanders behavioral intentions author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Psicologia

Print version ISSN 0874-2049

Psicologia vol.31 no.2 Lisboa Dec. 2017

https://doi.org/10.17575/rpsicol.v31i2.1150 

Comportamentos e motivos dos/as observadores/as de bullying: Contributos para a sua avaliação

Behaviors and motives of bystanders: Contributions for their evaluation

 

Madalena MeloI, c; Sónia PereiraII

IUniversidade de Évora, CIDEHUS- UÉ

IIUniversidade de Évora

cAutor para correspondência


 

RESUMO

Abordagens recentes sobre o bullying escolar têm criticado o foco exclusivo sobre a díade agressor/a-vítima e indicado a necessidade de se analisar também os papéis que observadores/as podem desempenhar neste fenómeno — assistentes, reforçadores/as, defensores/as e outsiders (Salmivalli, Voeten, & Poskiparta, 2011). Neste sentido, o presente estudo procurou, com base no quadro conceptual da motivação para intervir em situações de bullying de Thornberg et al. (2012), compreender fatores que levam os/as observadores/as a ajudar ou não as vítimas de bullying. Um total de 481 estudantes, do 5º ao 9º ano, de quatro escolas da região de Évora, participou no estudo. Para a recolha dos dados foi utilizado um questionário composto de caracterização sociodemográfica e escolar, e por duas escalas relacionadas com a observação de fenómenos de bullying: Escala de Comportamento de Observadores de Bullying (ECOB; Thornberg & Jungert, 2013) e Escala de Avaliação e Sensibilidade Moral face ao Bullying (EASMB; Pereira & Melo, 2014). Os principais resultados sugerem a existência de quatro fatores que influenciam o/a observador/a a intervir ou não nas situações de bullying – Falta de Sensibilidade Moral Básica, Afastamento da Situação de Bullying, Empatia e Desengajamento Moral. 

Palavras-chave: Bullying escolar; observadores/as de bullying; sensibilidade moral básica; empatia; desengajamento moral.


Recent approaches about school bullying have criticized the exclusive focus on the bully/victim dyad and indicated the need to also examine the roles that observers can play in this phenomenon - assistants, reinforcers, defenders and outsiders (Salmivalli, Voeten, & Poskiparta, 2011). In this sense, based on the conceptual framework of the motivation to intervene in bullying situations Thornberg et al. (2012), the present study aimed to understand factors that lead observers to help or not the victims of bullying. A total of 481 students from 5th to 9th grade, from four schools of Évora region, participated in the study. For data collection it was used a questionnaire composed by socio-demographic and school characterization, and two scales related with observation of bullying situations: Bullying Bystanders Behaviour Scale (ECOB; Thornberg & Jungert, 2013) and Assessment and Moral Sensibility Scale towards Bullying (EASMB; Pereira & Melo, 2014). The main results suggest the existence of four factors that influence the observer to intervene or not in bullying situations - Lack of Basic Moral Sensitivity, Withdrawal from Bullying Situation, Empathy and Moral Disengagement.

Keywords: School bullying; bystanders; basic moral sensitivity; withdrawal from bullying situation; empathy; moral disengagement.

 


Bullying nas escolas é um fenómeno muito antigo (Olweus & Limber, 2010), embora apenas nas últimas décadas tenha sido alvo de interesse, quer ao nível da investigação realizada e intervenções efetuadas, quer ao nível da atenção dada pelos media. É um problema que afeta escolas e estudantes de todo o mundo (UNESCO, 2017), sendo já considerado uma questão significativa de saúde pública (National Academies of Sciences, Engineering, and Medicine, 2016). Com efeito, a prevalência substancial do bullying escolar, bem como as suas significativas consequências negativas (imediatas e a longo prazo) aumentaram a importância da pesquisa sobre este fenómeno, bem como a necessidade da sua prevenção (Cornell & Bradshaw, 2015; Thornberg, 2015b).

Olweus (1995), um dos pioneiros no estudo do fenómeno de bullying, considera que um/a estudante é vítima de bullying quando é exposto/a, repetidamente e ao longo do tempo, a ações negativas da parte de um/a ou mais estudantes, das quais tem dificuldades em se defender devido ao desequilíbrio de poder existente entre agressores/as e vítimas. Repetição, dano (físico, verbal ou social) e desequilíbrio de poder têm sido consideradas as características-chave definidoras de bullying, adotadas pela generalidade dos/as investigadores/as e, também, por agências governamentais (Rose, Nickerson, & Stormont, 2015).

Bullying: De um processo diádico para um fenómeno de grupo

Muitas das investigações realizadas têm-se focado nas características individuais de agressores/as e de vítimas (e.g., Blatchford, Pellegrini, & Baines, 2015; Espelage & Colbert, 2016) ou nas características das famílias e estilos educativos parentais (Hymel & Swearer, 2015). No entanto, esta perspetiva tem vindo a ser criticada, por enfatizar o bullying como um processo diádico, considerando-se apenas a interação bully-vítima ou a relação entre dinâmicas familiares e envolvimento em situações de bullying, e dar pouco relevo ao contexto de grupo ou social em que se desenvolve (Rose et al., 2015).

De acordo com diferentes investigadores e investigadoras, o bullying não pode ser considerado um processo isolado entre agressor/a e vítima, sendo necessário encará-lo como um fenómeno de grupo, onde outras crianças e jovens também participam (Fekkes, Pijpers, & Verloove-Vanhorick, 2005) e que se desenrola num determinado contexto sócio ecológico (Rodkin, Espelage, & Hanish, 2015; Swearer & Hymel, 2015). Entre estes participantes estão os/as observadores/as (“bystanders”), ou seja, estudantes que testemunham as situações de bullying, que constituem o maior grupo envolvido neste fenómeno (Tsang, Hui, & Law, 2011) e que, pela forma como se comportam, podem influenciar as consequências da situação de bullying (Salmivalli, Lagerspetz, Björkqvist, Österman, & Kaukiainen, 1996; Salmivalli, Voeten, & Poskiparta, 2011). Desta forma, não é só o papel de agressores/as e vítimas que constitui um elemento importante na compreensão do fenómeno complexo que é o bullying, importando também analisar o papel de outras crianças e adolescentes envolvidas neste processo, enquanto observadores/as das situações de bullying que ocorrem nos contextos escolares. É neste sentido, que Twemlow, Fonagy e Sacco (2004) sugerem que o bullying seja definido em termos triádicos, como uma interação entre agressores/as, vítimas e observadores/as, onde cada um influencia as consequências deste fenómeno.

Muitas vezes os/as observadores/as são tomados/as como meros/as espectadores/as, como se fossem transparentes e imóveis (Tsang et al., 2011); contudo, os/as observadores/as podem assumir uma variedade de papéis durante as situações de bullying, influenciando de diferentes formas essas situações. Salmivalli et al. (1996) identificaram quatro papéis que os/as estudantes que observam os episódios de bullying, podem assumir: 1) assistentes dos/as agressores/as: alunos/as que seguem e se juntam aos/às líderes agressores/as, participando também de forma ativa e direta no processo de intimidação (e.g., agarrando a vítima ou impedindo que esta escape durante os episódios de agressão; Salmivalli, 2014); 2) reforçadores/as dos/as agressores/as: alunos/as que, embora não participem diretamente no processo de intimidação, oferecem feedback positivo aos/às agressores/as (fornecendo uma audiência, rindo-se, incitando, etc.) fortalecendo assim o seu comportamento; 3) outsiders: observadores/as que tendem a ficar longe das situações de bullying sem se envolverem, mas que acabam por estar envolvidos no processo de bullying, pois, silenciosamente, transmitem de alguma forma a sua aprovação aos comportamentos dos/as agressores/as; 4) defensores/as das vítimas: tomam o partido das vítimas, dão-lhes suporte e conforto e tentam parar os episódios de bullying (Salmivalli, 1999, 2010).

Os papéis que os/as observadores/as assumem durante os episódios de bullying, acabam por afetar as dinâmicas das situações de bullying, influenciando a sua intensidade, frequência e resultados. Assim, o bullying será mais frequente em contextos em que o reforço dos comportamentos dos/as agressores/as por parte dos/as observadores/as é maior: ao reforçarem os comportamentos dos/as agressores/as, os/as observadores/as transmitem a mensagem de que “o seu comportamento é aceitável, ou até mesmo admirado, e de que não precisam de ter medo de retaliações por parte dos pares” (Salmivalli et al., 2011, p. 674). Mesmo o feedback positivo mais subtil que os/as observadores/as fornecem aos/às agressores/as irá provavelmente gratificá-los/as, possibilitando-lhes maior prestígio ou poder entre os pares. É por isso que enquanto atuam, os/as agressores/as também procuram uma audiência (Berger, 2007) que apoie e reforce o seu comportamento. Contrariamente, se os/as observadores/as desafiarem o estatuto e o poder dos/as agressores/as (tomando o partido das vítimas, fornecendo aos/às agressores/as feedback negativo sobre os seus comportamentos, ou defendendo as vítimas), tal poderá reduzir os episódios de bullying (Salmivalli et al., 2011).

Contudo, apesar de a maioria dos/as alunos/as expressar sentimentos negativos face ao bullying (Lodge & Frydenberg, 2005) e reportar intenções de ajudar ou dar suporte às vítimas em situações hipotéticas de bullying, os comportamentos defensivos reais parecem ser raros (Salmivalli, 2014). Os dados da investigação mostram o grande potencial que observadores/as podem ter em intervenções que visem quebrar os ciclos de bullying escolar, não apenas porque representam o grupo maioritário de participantes durante os episódios de bullying (Oh & Hazler, 2009), mas também porque poderá ser mais fácil mudar o seu comportamento (Salmivalli, Kärnä, & Poskiparta, 2010; Wood, Smith, Varjas, & Meyers, 2016), uma vez que já manifestam atitudes contra o bullying (pensam que o bullying é errado, sentem-se mal pelas vítimas e muitas das vezes expressam o desejo de fazer algo por elas).

Avaliação dos motivos que influenciam os/as observadores/as a ajudar as vítimas

Nos últimos anos, investigadores/as e agentes educativos têm-se esforçado para compreender como é que um número substancial de estudantes se comporta de formas que reforçam e incentivam o bullying, ou falham ao impedi-lo. Mas as respostas não são simples, já que o bullying é resultado de múltiplos fatores e de uma complexa interação entre variáveis inter e intra-individuais (Nickerson, Aloe, & Werth, 2015), que tem que ser olhado numa perspetiva, não apenas triádica, mas também, e sobretudo, sócio ecológica (Swearer & Hymel, 2015). Com efeito, o bullying não é um fenómeno isolado; antes, é explicado por uma teia de relações complexas entre a pessoa (i.e., agressor/a, agressor/a-vítima, vítima ou observador/a), a família, o grupo de pares, o clima da escola, a comunidade e a cultura (Horton & Fosberg, 2015; Thornberg, 2015a, 2015b).

Compreender as variáveis que influenciam os diferentes papéis assumidos pelos/as observadores/as, permite ter ideias mais claras para melhorar os esforços feitos ao nível da prevenção e intervenção no bullying. Na busca dessa compreensão, diversas investigações têm examinado a influência de um conjunto de variáveis nos diferentes papéis assumidos pelos/as observadores/as nas situações de bullying, tais como a empatia (Nickerson et al., 2015), a sensibilidade moral básica (Thornberg & Jungert, 2013) as atitudes pró-vítimas e anti-bullying (Pozzoli, Ang, & Gini, 2012), o sentido de justiça social (Cappadocia, Pepler, Cummings, & Craig, 2012), a amizade com as vítimas ou agressores/as (Bellmore, Ma, You, & Hughes, 2012), o desengajamento moral (“moral disengagement”; Almeida, Correia, & Marinho, 2010; Oberman, 2011), a autoeficácia (Tsang et al., 2011), as estratégias de coping e a perceção da pressão de pais, mães e pares para intervir (Pozzoli & Gini, 2010, 2012), entre outras.

No entanto, a construção de instrumentos adequados para a avaliação dos motivos que levam os/as observadores/as a intervir ou não em situações de bullying é dificultada pela própria complexidade do fenómeno e pelas múltiplas variáveis em jogo. Consequentemente, tais dificuldades fazem com que genericamente, os instrumentos criados se centrem num conjunto limitado de dimensões conceptuais que não abarcam toda a complexidade do problema.

Procurando suprir em parte as lacunas existentes, e com base em investigações de natureza qualitativa, Thornberg et al. (2012) apresentaram um quadro conceptual sobre os motivos que influenciam os/as observadores/as a intervir em situações de bullying. De acordo com este quadro conceptual, a decisão de ajudar ou não a vítima (i.e., intervir ou não intervir) numa situação de bullying depende de como os/as observadores/as definem e avaliam a situação, o contexto social e a sua própria agência (designadamente o sentimento de responsabilidade e as crenças de eficácia pessoal - se a pessoa não acredita que seja da sua responsabilidade moral intervir ou que pode produzir o efeito desejado da sua ação, ela terá pouco incentivo para agir; Bandura, 1997).

O quadro conceptual de Thornberg et al. (2012, p. 249) estabelece um conjunto de domínios de motivos (motive domains) que podem influenciar a motivação para um/a estudante intervir ou não em situações de bullying: 1) interpretação do dano na situação de bullying; 2) reações emocionais; 3) avaliação social; 4) avaliação moral; e 5) autoeficácia.

Relativamente ao primeiro domínio (interpretação do dano na situação de bullying), o grau em que os/as observadores/as percecionam a situação de bullying como prejudicial influencia a sua motivação para intervir. Desta forma, se os/as observadores/as considerarem que a situação de bullying causa um dano significativo à vítima, é necessário intervir; caso contrário a intervenção é inibida (Forsberg, Thornberg, & Samuelsson, 2014). Um aspeto particular desta interpretação do dano diz respeito à “habituação ao bullying”: o/a observador/a pode não ser motivado/a para intervir porque o bullying ocorre com frequência e, como tal, os/as estudantes já o veem como um fenómeno rotineiro.

O segundo domínio refere-se às reações emocionais que o bullying evoca nos/as estudantes, tais como a empatia, o medo de se tornar vítima e a excitação por assistir a situações de bullying, e que influenciam a decisão de intervir ou não. Enquanto a empatia parece ter um papel importante na decisão de intervir e ajudar as vítimas (Nickerson et al., 2015), o medo de se tornarem as próximas vítimas (Chen, Chang, & Cheng, 2016) e o prazer ou excitação que obtêm por assistirem situações de bullying (audience excitement; Hornblower, 2014) podem levar alguns/algumas estudantes a não intervir ou inclusive a encorajar tais situações.

Quanto ao terceiro domínio, perante uma situação de bullying, os/as observadores/as podem considerar e avaliar relações sociais e posições sociais (i.e., amizades, estatuto social e diferenças de género) para decidir se intervêm ou não (Forsberg et al., 2016). Assim sendo, uma relação próxima com a vítima está associada a um motivo para ajudá-la, enquanto uma relação próxima do/a agressor/a e a inexistência de uma relação com a vítima estão associadas a motivos para não a ajudar; o não gostar da vítima constitui outro motivo para os/as observadores/as não intervirem. Relativamente ao estatuto social, se o/a agressor/a for alguém que os pares respeitam (estatuto social elevado), a motivação dos/as observadores/as para intervir na situação de bullying será menor; se, pelo contrário, o/a agressor/a for alguém com um estatuto social baixo, a intervenção dos/as observadores/as não será tão inibida. No tocante às diferenças de género, as raparigas tendem a ter maior motivação para intervir em situações de bullying, especialmente perante vítimas do sexo feminino.

O quarto domínio refere-se à avaliação moral que é feita do bullying e engloba cinco subconstructos: a) a crença moral de que o bullying é errado e não deve ocorrer; b) o pedido de uma figura adulta para intervir nas situações de bullying; c) a irresponsabilidade do/a observador/a; d) o culpar a vítima; e) o acreditar ou disseminar boatos criados pelo/a agressor/a. Enquanto os dois primeiros subconstructos influenciam os/as observadores/as a intervir em prol das vítimas, os outros três inibem a sua intervenção. A irresponsabilidade do/a observador/a refere-se a situações em que o/a observador/a não intervém porque não acredita que seja da sua responsabilidade moral intervir: desengajamento moral – reestruturação cognitiva de um comportamento desumano em algo benigno ou digno, através de um conjunto de mecanismos (Bandura, 2002; Bandura, Azzi, & Polydoro, 2008); essa reestruturação cognitiva irá permitir que as pessoas justifiquem tais comportamentos desumanos e não se sintam culpadas ou censuradas por isso. O culpar a vítima refere-se a situações em que o/a observador/a não intervém porque acredita que a situação de bullying foi de alguma forma responsabilidade da vítima, o que justificaria as situações de bullying. Acreditar ou disseminar boatos criados pelo/a agressor/a contribui para a falta de intervenção do/a observador/a, para a justificação moral do bullying e para uma maior probabilidade de o/a observador/a reforçar a situação de bullying.

O quinto domínio refere-se à autoeficácia: os/as observadores/as decidem como intervir com base no quão efetivas acreditam que as suas ações serão (Forsberg et al., 2016). Neste sentido, se o/a observador/a assume que também é sua responsabilidade atuar e acredita que tem capacidade para lidar eficazmente com a situação de bullying, decidirá intervir. Por outro lado, níveis baixos de autoeficácia levarão à inibição da intervenção em prol da vítima.

Objetivos do estudo

Tendo como base o quadro conceptual de Thornberg et al. (2012), o presente estudo teve como objetivo a adaptação e construção de dois instrumentos que contribuíssem para a avaliação e compreensão do fenómeno de observação do bullying, nomeadamente ao nível da motivação para a intervenção. Para esse efeito, foi adaptada a Student Bystander Behavior Scale – SBBS (Thornberg & Jungert, 2013), para analisar os tipos de comportamentos de observadores/as face a situações de bullying, e construída a Escala de Avaliação e Sensibilidade Moral face ao Bullying – EASMB, para averiguar diferentes tipos de razões que levam observadores/as a intervir ou não em situações de bullying. A construção da EASMB teve como base as escalas desenhadas por Thornberg e Jungert (2013), que avaliavam a sensibilidade moral básica (Basic Moral Sensitivity in Bullying Scale), o desengajamento moral (Moral Disengagement in Bullying Scale) e a autoeficácia do/a defensor/a (Defender Self-Efficacy Scale), mas procurou incorporar também domínios considerados no quadro conceptual de Thornberg et al. (2012) e não totalmente contemplados nessas escalas: interpretação do dano na situação de bullying; reações emocionais (empatia e receio de se tornar vítima); avaliação social (amizades) e avaliação moral. 

Apresentam-se os resultados obtidos nos trabalhos preliminares de estudo da validade (validade de constructo) e fidelidade das duas escalas. 

MÉTODO

Participantes

Para a presente investigação, a amostra foi composta por estudantes dos 2.º e 3.º ciclos do Ensino Básico, de escolas da zona de Évora, tendo-se recorrido a um método de amostragem não probabilística, por conveniência (Marôco, 2011), pela facilidade de acesso à população adolescente de escolas desta região. No total foram recolhidos 542 questionários, dos quais 61 foram eliminados por apresentarem respostas dadas ao acaso ou por terem em falta dados de caracterização. Assim, a amostra final é composta por 481 participantes, de quatro escolas públicas da região, dos quais 201 (41.8%) são do género masculino e 280 (58.2%) do género feminino, de idades compreendidas entre os 9 e os 16 anos (Med = 12; M = 11.92; DP = 1.60). Do total de estudantes, 149 (31%) frequentam o 5.º ano, 127 (26.4%) o 6.º ano, 74 (15.4%) o 7.º ano, 59 (12.3%) o 8.º ano e 72 (15%) o 9.º ano de escolaridade.

Instrumentos

A recolha de dados foi efetuada com recurso a um questionário, que contemplava uma breve introdução sobre a natureza voluntária da participação e o carácter confidencial dos dados recolhidos, bem como instruções para o seu preenchimento. Para além de questões de caracterização sociodemográfica e escolar (género, idade, ano de escolaridade), este questionário era composto por duas escalas, apresentadas nesta ordem: Escala de Comportamento de Observadores de Bullying – ECOB e Escala de Avaliação e Sensibilidade Moral face ao Bullying – EASMB.

Escala de Comportamento de Observadores de Bullying – ECOB

Esta escala resulta de uma tradução e adaptação portuguesa da Student Bystander Behavior Scale – SBBS (Thornberg & Jungert, 2013) que permite identificar o papel que os/as observadores/as assumem durante as situações de bullying. A SBBS é uma escala de 8 itens que se baseia nos quatro papéis do/a observador/a propostos por Salmivalli et al. (1996): assistente, reforçador/a, outsider e defensor/a. Perante uma questão inicial “Se vires uma ou mais crianças a agredirem outra na escola, como é que tu costumas reagir quando vês a agressão a acontecer?”, são apresentados 8 itens distribuídos por três tipos de comportamento: Comportamento Defensor (e.g., Tento parar o/a bully ou bullies), Comportamento Outsider (e.g., Não faço nada. Fico quieto/a e passivo/a) e Comportamento Pro-Bully que engloba itens que fazem referência ao papel de assistente (e.g., Fico a ver porque é divertido e interessante) e ao papel reforçador dos/as observadores/as (e.g., Junto-me e começo a intimidar também). Cada item é avaliado numa escala de 5 pontos (de “nunca” a “sempre”).

Após obtenção da autorização dos autores para utilização da SBBS (que disponibilizaram também um pequeno manual para a compreensão da escala e da sua utilização), duas pessoas portuguesas fluentes em inglês, traduziram a escala original para português de forma independente; seguidamente procedeu-se a uma retroversão para inglês, recorrendo a uma pessoa bilingue, o que permitiu verificar a precisão da tradução portuguesa e fazer algumas retificações. Após completado este processo, foi atribuído à versão portuguesa da SBBS o nome de Escala de Comportamento de Observadores de Bullying – ECOB.

Escala de Avaliação e Sensibilidade Moral face ao Bullying – EASMB

Com o propósito de analisar fatores que influenciam os/as observadores/as a intervir ou não nas situações de bullying, foi construída para esta investigação a EASMB, que corresponde a uma versão ampliada das escalas utilizadas por Thornberg e Jungert (2013). A construção desta escala teve como base o quadro conceptual das motivações dos/as observadores/as para intervir em situações de bullying (Thornberg et al., 2012), bem como três escalas da investigação de Thornberg e Jungert (2013): a Basic Moral Sensitivity in Bullying Scale, a Moral Disengagement in Bullying Scale e a Defender Self-Efficacy Scale.

A primeira escala, Basic Moral Sensitivity in Bullying Scale (Thornberg & Jungert, 2013) é composta por 3 itens que avaliam em que grau os/as estudantes reconhecem os efeitos prejudiciais do bullying e simpatizam com as vítimas; estes itens refletem a denominada sensibilidade moral básica em situações de bullying, relacionada com emoções como empatia ou culpa. A segunda escala, Moral Disengagement in Bullying Scale, é composta por 6 itens que avaliam o grau em que os/as estudantes justificam as situações de bullying, culpam as vítimas e subestimam a gravidade do bullying. Tal como os autores referem, estes itens refletem o constructo desengajamento moral (em situações de bullying) delineado por Bandura (1999, 2002). A terceira escala, Defender Self-Efficacy Scale, é composta por 2 itens que avaliam a autoeficácia dos/as defensores/as.

Para a criação dos itens da EASMB tomou-se como ponto de partida os 11 itens das três escalas de Thornberg e Jungert (2013), que foram traduzidos e adaptados para a língua portuguesa, de acordo com as orientações para tradução e adaptação de instrumentos para a língua portuguesa. Seguidamente, mantendo as bases teóricas já expostas, foram criados 10 novos itens, construídos de forma a contemplar diferentes dimensões do quadro conceptual das motivações dos/as observadores/as para intervir ou não em situações de bullying, designadamente: a) interpretação do dano na situação de bullying (2 itens); b) reações emocionais – empatia (1 item) e receio de se tornar vítima (2 itens); c) avaliação social – amizades (4 itens); d) avaliação moral – desengajamento moral (1 item). Mantiveram-se, assim, as dimensões avaliadas nas escalas originais (sensibilidade moral básica, desengajamento moral e autoeficácia), tendo-se incluído ainda itens relacionados com a interpretação do dano provocado pela situação de bullying, bem como a avaliação social e papel das amizades na motivação para intervir ou não. Desta forma, a escala final ficou constituída por 21 itens, que pretendiam avaliar as dimensões relacionadas com: 1) sensibilidade moral básica / reações emocionais face ao bullying (empatia: 4 itens; receio de se tornar vítima: 2 itens); 2) avaliação moral / desengajamento moral (7 itens); 3) interpretação do dano (2 itens); 4) avaliação social / amizades (4 itens); 5) autoeficácia (2 itens). Cada item é avaliado numa escala de 7 pontos, de “totalmente falso” a “totalmente verdadeiro”. Os 21 itens foram reordenados aleatoriamente, constituindo assim a escala final, Escala de Avaliação e Sensibilidade Moral face ao Bullying – EASMB.

Procedimento

Previamente à recolha de dados, foram solicitadas as devidas autorizações ao Ministério da Educação, às direções das escolas envolvidas e aos/às encarregados/as de educação dos/as estudantes. Obtidas as autorizações, os/as alunos/as foram convidados/as a participar no estudo, tendo sido realçado o carácter voluntário dessa participação e a natureza anónima e confidencial dos dados obtidos. A aplicação dos questionários, que decorreu durante as aulas, teve uma duração aproximada de 10 minutos. Os dados obtidos foram analisados através do software de análise estatística IBM SPSS Statistics (versão 21).

RESULTADOS

Análises descritivas

Escala de Comportamento de Observadores de Bullying – ECOB

Como se pode observar na Tabela 1, as respostas dos/as participantes aos diversos itens da ECOB distribuíram-se entre os extremos da escala de resposta. Os itens, que dizem respeito a comportamentos de natureza outsider (itens 3 e 5) e a comportamentos defensores (itens 6 e 8), foram os que obtiveram médias mais elevadas. Por outro lado, os itens 1, 2, 4 e 7, que remetem para comportamentos pro-bully, tiveram as médias mais baixas.

Escala de Avaliação e Sensibilidade Moral face ao Bullying – EASMB

Tal como se pode verificar na Tabela 2, as respostas dos/as participantes aos diversos itens da EASMB distribuíram-se entre os extremos da escala de resposta (i.e., entre 1 e 7). Os itens com médias de resposta mais elevadas são os referentes à empatia (itens 1, 3, 9, 11, 14 e 18), enquanto os itens com médias mais baixas são os que fazem referência à dificuldade em reconhecer as consequências do bullying e em simpatizar com as vítimas (itens 7, 12, 13, 19 e 21).

Estudos psicométricos

Escala de Comportamento de Observadores de Bullying – ECOB

Análise Fatorial Exploratória

Procedeu-se, em primeiro lugar, à verificação dos requisitos para a realização da análise fatorial exploratória (AFE): teste de esfericidade de Bartlett < 0.001; KMO = .676. Embora o valor de KMO seja relativamente baixo (devido ao número reduzido de itens da escala), encontra-se, ainda assim, dentro dos valores adequados para a realização da AFE (> .60; Tabachnick & Fidell, 2013). Desta forma, procedeu-se à análise fatorial exploratória da ECOB, através do método de componentes principais, seguida de rotação Varimax. Seguindo a regra do valor próprio superior a 1 e através do Scree Plot, foi obtida uma estrutura fatorial de 3 fatores, explicativos de 60.6% da variância total. Na Tabela 3, apresentam-se os pesos fatoriais de cada item em cada um dos 3 fatores, os seus valores próprios, a percentagem de variância explicada por cada fator, bem como a média e o desvio padrão de cada um deles.

Na estrutura fatorial obtida os itens agrupam-se de forma muito semelhante ao estudo de Thornberg e Jungert (2013) com a SBBS, à exceção do item 2. No estudo original, este item, juntamente com os itens 1, 4 e 7, saturava exclusivamente o fator relativo a comportamentos pro-bully. Neste estudo, o item 2 tem pesos fatoriais elevados em dois fatores (positivamente no fator 1 e negativamente no fator 2). Perante esta situação (não desejável, embora comum), tendo em linha de conta a sua saturação negativa no fator 2 (indicando que o item deve ser interpretado no sentido oposto à forma como foi escrito para o fator), optou-se por seguir o pressuposto teórico da escala original e inclui-lo no fator 1 (Leech, Barret, & Morgan, 2005; Tabachnick e Fidell, 2013). Espera-se que em investigações futuras esta questão seja explorada, recorrendo a amostras mais alargadas e mais diversificadas, para que a sua estrutura fatorial se torne mais clara.

Verifica-se, assim, que a distribuição dos itens pelos fatores segue os princípios teóricos subjacentes à escala original (Thornberg & Jungert, 2013). O primeiro fator explica 23.9% da variância total e agrupa os itens relacionados com os comportamentos pro-bully dos/as observadores/as, pelo que pode ser designado de Comportamento Pro-Bully. O segundo fator, explicativo de 19.9% da variância total, agrupa os itens relacionados com os comportamentos defensores dos/as observadores/as, podendo ser designado de Comportamento Defensor. O terceiro fator explica 16.8% da variância total e agrupa os itens relacionados com os comportamentos outsider dos/as observadores/as, designando-se de Comportamento Outsider.

Consistência Interna

Recorrendo ao coeficiente Alpha de Cronbach, a análise da consistência interna da ECOB mostrou que os três fatores emergentes da análise fatorial exploratória apresentaram consistências internas relativamente baixas e inferiores ao mínimo recomendado de .70 (Nunnally e Bernstein, 1978) – Comportamento Pro-Bully: α=.64; Comportamento Defensor: α=.45; Comportamento Outsider: α=.40. De acordo com Pallant (2005), e uma vez que cada fator é composto por poucos itens (menos de 10), espera-se que os valores do Alpha de Cronbach sejam baixos. Nesta situação, o autor recomenda que se calcule e reporte a média das correlações inter-item, enquanto outro critério de avaliação da consistência interna. Recorrendo a este método, o fator Comportamento Pro-Bully apresentou uma média de correlação inter-item de .33, o fator Comportamento Defensor de .23 e o fator Comportamento Outsider de .25. Estes valores estão dentro do intervalo recomendado por Briggs e Cheek (1986) (entre .20 e .40), pelo que se pode considerar que a ECOB apresenta uma consistência interna adequada.

Escala de Avaliação e Sensibilidade Moral face ao Bullying – EASMB

Análise Fatorial Exploratória

Tendo sido verificados os pré-requisitos necessários (teste de esfericidade de Bartlett < 0.001; KMO = .818), procedeu-se à análise fatorial exploratória da EASMB, (método de componentes principais, seguida de rotação Varimax). Seguindo a regra do valor próprio superior a 1, foi obtida uma estrutura fatorial de 5 fatores, explicativos de 52.2% da variância total. A Tabela 4 apresenta os pesos fatoriais de cada item em cada um dos 5 fatores, os seus valores próprios, a percentagem de variância explicada por cada fator, bem como a média e o desvio padrão de cada um deles.

Como se pode verificar, o primeiro fator explica 14.7% da variância total e agrupa 7 itens que refletem a falta de sensibilidade para reconhecer os efeitos prejudiciais do bullying e simpatizar com as vítimas. Tendo em conta os pressupostos teóricos de base (Thornberg e Jungert, 2013) este fator foi denominado de Falta de Sensibilidade Moral Básica. O segundo fator, explicativo de 13.4% da variância, agrupa 5 itens que refletem um afastamento da situação de bullying por parte dos/as observadores/as, por receio das consequências que dela podem advir, por níveis baixos de autoeficácia, ou por não se quererem ver envolvidos/as na situação, considerando que não estão nela diretamente implicados/as. Tendo em conta o significado semântico destes itens, o fator foi denominado de Afastamento da Situação de Bullying. O terceiro fator explica 10.1% da variância total e agrupa 5 itens que fazem referência à capacidade para compreender e experienciar os sentimentos das vítimas de bullying; assim, este fator foi denominado de Empatia. O quarto fator, explicativo de 8.8% da variância total, foi denominado de Desengajamento Moral, uma vez que agrupa 3 itens que refletem alguns dos mecanismos deste constructo (i.e., justificação moral, distorção das consequências e atribuição de culpa) que permitem que as pessoas justifiquem comportamentos desumanos sem se sentirem culpadas ou censuradas por isso. O quinto fator, denominado Interpretação da Gravidade da Situação de Bullying, explica 5.3% da variância total, sendo saturado por um único item. Desta forma, constitui um fator fraco, com uma definição pobre (Leech et al., 2005; Tabachnick & Fidell, 2013). No entanto, este fator apresenta um peso fatorial elevado e explica mais de 5% da variância total (Marôco, 2011); tratando-se de um instrumento novo, partilhamos a perspetiva de Neves e Faria (2006) ao considerar que seria prematuro eliminar este fator, ou retirar ou alterar qualquer um dos itens da escala. Uma revisão da EASMB e outras investigações que explorem este e outros indicadores de validade, recorrendo a amostras mais alargadas e mais diversificadas, poderão contribuir para uma maior clareza da estrutura fatorial desta escala e dar relevo à dimensão teórica da interpretação do dano na situação de bullying. Assume-se, assim, o processo de validação da EASMB como um processo dinâmico (Neves & Faria, 2006).

Consistência Interna

Os valores do Alpha de Cronbach para cada um dos fatores emergentes da análise fatorial exploratória da EASMB foram os seguintes: Falta de Sensibilidade Moral – α=.72; Afastamento da Situação de Bullying – α=.74; Empatia – α=.63; Desengajamento Moral – α=.56. Enquanto os dois primeiros fatores apresentam valores de Alpha aceitáveis, já os dois últimos têm valores abaixo do mínimo recomendado de .70. Dado que estes dois fatores são compostos por um número reduzido de itens, procedeu-se ao cálculo da média das correlações inter-item como critério de avaliação da consistência interna. O fator Empatia apresentou uma média de correlação inter-item de .26 e o fator Desengajamento Moral de .30, valores que se encontram dentro do intervalo recomendado (Briggs & Cheek, 1986; Pallant, 2005). Desta forma, poder-se-á considerar que a EASMB apresenta uma consistência interna adequada.

Correlações entre a ECOB e a EASMB

A Tabela 5 apresenta a matriz das correlações existentes entre os fatores da ECOB, os fatores da EASMB, bem como as correlações existentes entre os fatores das duas escalas. 

Entre os fatores da ECOB existe uma correlação negativa significativa (embora fraca) entre o fator Comportamento Defensor e o fator Comportamento Outsider, sugerindo que alunos/as que relatam mais comportamentos defensores evidenciam menos comportamentos de natureza outsider (e vice-versa).

Quanto às correlações existentes entre os fatores da EASMB, verifica-se a existência de correlações positivas significativas (fracas) entre a Falta de Sensibilidade Moral Básica e o Afastamento da Situação de Bullying (r = .26) e o Desengajamento Moral (r = .29). A Falta de Sensibilidade Moral Básica correlaciona-se ainda negativamente de forma significativa e moderada com a Empatia (r = -.42). Verifica-se ainda uma correlação significativa negativa fraca entre a Empatia e o Desengajamento Moral (r = -.20). Estes resultados sugerem que uma maior dificuldade para reconhecer os efeitos prejudiciais do bullying e para simpatizar com as vítimas está associada a um maior afastamento das situações de bullying e a uma maior utilização de mecanismos de desengajamento moral nessas situações. Por sua vez, quanto maior for a insensibilidade face a situações de bullying, menor será a capacidade para compreender e experienciar os sentimentos de outra pessoa. Por outro lado, uma menor capacidade de empatia correlaciona-se com um maior afastamento da situação de bullying (por receio das consequências, níveis baixos de autoeficácia ou por não-envolvimento com a situação) e com uma maior utilização de mecanismos de desengajamento moral nas situações de bullying.

No tocante às correlações existentes entre os fatores da ECOB e os fatores da EASMB, verificou-se que o Comportamento Pro-Bully se relaciona positivamente de forma significativa com a Falta de Sensibilidade Moral Básica (r = .48), e com o Desengajamento Moral (r = .28); relaciona-se também significativamente de forma negativa com a Empatia (r = -.34). Já o Comportamento Defensor apresentou correlações significativas negativas moderadas com o Afastamento da Situação de Bullying, (r = -.41) e uma correlação positiva, embora baixa, com a Empatia (r = .24). Relativamente ao ComportamentoOutsider, este correlaciona-se significativamente de forma positiva e moderada com o Afastamento da Situação deBullying (r = .42).

Estes resultados sugerem que um/a aluno/a que relate mais comportamentos defensores irá relatar também uma maior sensibilidade moral básica, uma maior capacidade para compreender e experienciar os sentimentos de outra pessoa e um menor afastamento das situações de bullying. De forma inversa, estudantes que relatem mais comportamentos pro-bully irão relatar uma maior insensibilidade para reconhecer os efeitos prejudiciais do bullying, uma maior utilização de mecanismos de desengajamento moral nas situações de bullying e uma menor capacidade de empatia. Finalmente, e de forma lógica, um/a aluno/a que relate mais comportamentos de natureza outsider irá relatar um maior afastamento das situações de bullying.

DISCUSSÃO

O presente estudo teve como objetivos a adaptação da Escala de Comportamento de Observadores de Bullying – ECOB (Student Bystander Behavior Scale; Thornberg & Jungert, 2013) e a construção da Escala de Avaliação e Sensibilidade Moral face ao Bullying – EASMB (a partir dos trabalhos de Thornberg et al., 2012 e Thornberg & Jungert, 2013), para que pudessem contribuir para a avaliação e compreensão do fenómeno de observação do bullying em contextos educativos portugueses. Os resultados obtidos nos trabalhos preliminares de estudo da validade e fidelidade destes instrumentos mostraram-se satisfatórios dado que a sua análise psicométrica permitiu aferir e confirmar a sua qualidade para medir as dimensões pretendidas.

Relativamente à ECOB, a análise fatorial exploratória permitiu identificar com qualidade 3 tipos de comportamento dos/as observadores/as face a situações de bullying – Comportamento Pro-Bully, Comportamento Defensor e Comportamento Outsider. Os fatores obtidos correspondem aos obtidos na escala original, que, por sua vez se baseiam nos papéis do/a observador/a de situações de bullying conceptualizados por Salmivalli et al. (1996). O número reduzido de itens desta escala poderá ter influenciado negativamente o valor de KMO e a consistência interna dos fatores obtidos. Investigações futuras poderão contribuir para a clarificação da sua estrutura fatorial e, eventualmente, melhorar a sua consistência interna. 

No que se refere à EASMB, a análise fatorial exploratória identificou com qualidade quatro fatores que influenciam o/a observador/a a intervir ou não nas situações de bullying – Falta de Sensibilidade Moral Básica, Afastamento da Situação de Bullying, Empatia e Desengajamento Moral. No entanto, a existência de um quinto fator saturado por um único item coloca dúvidas quanto à clareza da estrutura fatorial obtida, apesar do potencial deste fator, relacionado com a interpretação da gravidade da situação de bullying. Tendo em conta os resultados obtidos, considera-se que a construção da EASMB constitui um contributo importante para a compreensão do fenómeno de observação de bullying, no sentido em que permite: a) aprofundar e confirmar fatores contemplados nas escalas originais (i.e., sensibilidade moral básica, desengajamento moral e autoeficácia); b) explorar aspetos que não eram contemplados nas escalas originais mas que eram considerados no quadro conceptual de Thornberg et al. (2012): interpretação do dano na situação de bullying, avaliação social – amizades, afastamento da situação de bullying. Investigações futuras poderão contribuir para a melhoria deste instrumento, quer pela inclusão de itens que possam aproveitar as potencialidades do quinto fator (interpretação da gravidade da situação de bullying), quer explorando a existência de outros motivos que possam facilitar ou inibir a intervenção dos/as observadores/as para ajudar as vítimas (como, por exemplo, a amizade com vítimas ou agressores/as, as estratégias de coping utilizadas, a perceção da pressão das figuras adultas e dos pares para intervir, o estatuto social dos/as agressores/as).

Os resultados obtidos com esta amostra evidenciaram, na ECOB, a prevalência de comportamentos defensores e outsiders face a comportamentos pró-bully. Também os resultados na EASMB mostraram que os/as participantes neste estudo revelavam facilidade em compreender e experienciar os sentimentos de outra pessoa (empatia), bem como reconhecer os efeitos prejudiciais do bullying e simpatizar com as vítimas (sensibilidade moral básica).

No entanto, estes resultados não poderão ser vistos de forma linear. Desde logo, poder-se-á colocar a questão da menção específica ao termo bullying nos instrumentos utilizados. Alguns estudos mostram que os/as estudantes reportam menos bullying quando as medidas de autorrelato utilizadas utilizam o termo bully ou a definição de bullying (Rose et al., 2015), pelo que os resultados obtidos poderão refletir alguns efeitos de desejabilidade social. Uma segunda limitação, prende-se com a questão inicial da ECOB (“Se vires uma ou mais crianças a agredirem outra na escola, como é que tu costumas reagir quando vês a agressão a acontecer?”), que poderá estar a remeter os/as participantes somente para o bullying físico, negligenciando outros tipos ou formas de bullying (e.g., verbal, social).

Apesar destas limitações e da necessidade de novas investigações que permitam contribuir para a melhoria dos instrumentos utilizados, o presente estudo apresenta-se como um contributo importante para uma melhor compreensão deste fenómeno tão complexo que é o bullying, nomeadamente ao nível da avaliação dos comportamentos dos/as observadores/as de bullying e dos motivos que os/as levam ou não a intervir e ajudar as vítimas.

 

Referências

Almeida, A., Correia, I. & Marinho, S. (2010). Moral disengagement, normative beliefs of peer group, and attitudes regarding roles in bullying. Journal of School Violence, 9, 23 – 36. https://doi.org/0.1080/15388220903185639

Bandura, A. (1997). Self-efficacy: The exercise of control. New York: Freeman.         [ Links ]

Bandura, A. (1999). Moral disengagement in the perpetration of inhumanities. Personality and Social Psychology Review, 3, 193–209. https://doi.org/10.1207/s15327957pspr0303

Bandura, A. (2002). Selective moral disengagement in the exercise of moral agency. Journal of Moral Education, 31, 101–119. https://doi.org/10.1080/0305724022014322

Bandura, A., Azzi, R. G., & Polydoro, S. (2008). Teoria social cognitiva: Conceitos básicos. Porto Alegre: Artmed Editora.         [ Links ]

Bellmore, A., Ma, T.-L., You, J., & Hughes, M. (2012). A two-method investigation of early adolescents’ responses upon witnessing peer victimization in school. Journal of Adolescence, 35, 1265–1276. https://doi.org/10.1016/j.adolescence.2012.04.012

Berger, K. (2007). Update on bullying at school: Science forgotten? Developmental Review, 27, 90–126. https://doi.org/10.1016/j.dr.2006.08.002

Blatchford, P., Pellegrini, A. D., & Baines, E. (2015). The child at school: Interactions with peers and teachers (2nd ed.). New York, NY: Routledge.         [ Links ]

Briggs, S., & Cheek, J. (1986). The role of factor analysis in the development and evaluation of personality scales. Journal of Personality, 54, 106–148. http://dx.doi.org/10.1111/j.1467-6494.1986.tb00391.x

Cappadocia, M. C., Pepler, D., Cummings, J., & Craig, W. (2012). Individual motivations and characteristics associated with bystander intervention during bullying episodes among children and youth. Canadian Journal of School Psychology, 27, 201–216. https://doi.org/10.1177/0829573512450567

Chen, L.-M., Chang, L. Y. C., & Cheng, Y-Y. (2016). Choosing to be a defender or an outsider in a school bullying incident: Determining factors and the defending process. School Psychology International, 37(3), 1-14. https://doi.org/10.1177/0143034316632282        [ Links ]

Cornell, D., & Bradshaw, C. P. (2015). From a culture of bullying to a climate of support: the evolution of bullying prevention and research. School Psychology Review, 44, 499-503. https://doi.org/10.17105/spr-15-0127.1        [ Links ]

Espelage, D. L., & Colbert, C. L. (2016). School-based interventions to prevent bullying and promote prosocial behaviors. In K. R. Wentzel & G. B. Ramani (Eds.), Handbook of social influences in school contexts: Social-emotional, motivation, and cognitive outcomes (pp. 405 – 422). New York, NY: Routledge.

Fekkes, M., Pijpers, F., & Verloove-Vanhorick, S. (2005). Bullying: who does what, when and where? Involvement of children, teachers and parents in bullying behavior. Health Education Research, 20(1), 81–91. https://doi.org/10.1093/her/cyg100

Forsberg, C., Thornberg, R., & Samuelsson, M. (2014). Bystanders to bullying: fourth-to seventh-grade students’ perspectives on their reactions. Research Papers in Education, 29(5), 557-576. https://doi.org/10.1080/02671522.2013.878375

Forsberg, C., Wood, L., Smith, J., Varjas, K., Meyers, J., Jungert, T., & Thornberg, T. (2016). Students’ views of factors affecting their bystander behaviors in response to school bullying: a cross-collaborative conceptual qualitative analysis. Research Papers in Education. https://doi.org/10.1080/02671522.2016.1271001

Hornblower, K. (2014). Don’t stand by, stand up: A peer group anti-bullying intervention to increase pro-defending attitudes and behaviour in students that witness bullying (Doctoral thesis, University of Exeter). Retirado de https://ore.exeter.ac.uk/repository/handle/10871/15576

Horton, P., & Forsberg, C. (2015). Essays on school bullying: Theoretical perspectives on a contemporary problem. Confero: Essays on Education, Philosophy & Politics, 3(2), 6 – 16. https://doi.org/10.3384/confero.2001-4562.1501988

Hymel, S., & Swearer, S. M. (2015). Four decades of research on school bullying. American Psychologist, 70, 293-299. https://doi.org/10.1037/a0038928        [ Links ]

Leech, N., Barrett, K., & Morgan, G. (2005). SPSS for intermediate statistics: Use and interpretation (2nd ed.). London: Lawrence Erlbaum Associates, Inc.         [ Links ]

Lodge, J., & Frydenberg, E. (2005). The role of peer bystanders in school bullying: Positive steps toward promoting peaceful schools. Theory into Practice, 44(4), 329–336. http://dx.doi.org/10.1207/s15430421tip4404_6

Marôco, J. (2011). Análise estatística com o SPSS Statistics (5ª ed.). Pero Pinheiro: Report Number.         [ Links ]

National Academies of Sciences, Engineering, and Medicine (2016). Preventing bullying through science, policy, and practice. Washington, DC: The National Academy Press. https://doi.org/10.17226/23482        [ Links ]

Neves, S. P., & Faria, L. (2006). Construção, adaptação e validação da escala de auto-eficácia académica (EAEA). Psicologia, 20, 45 – 68. http://dx.doi.org/10.17575/rpsicol.v20i2.388

Nickerson, A. B., Aloe, A. M. & Werth, J. M. (2015). The relation of empathy and defending in bullying: A meta-analytic investigation. School Psychology Review, 44, 372 – 390. https://doi.org/10.17105/spr-15-0035.1

Nunnally, J., & Bernstein, I. (1978). Psychometric theory (3rd ed.). New York: McGraw-Hill.         [ Links ]

Obermann, M.L. (2011). Moral disengagement among bystanders to school bullying. Journal of School Violence, 10, 239–257. https://doi.org/10.1080/15388220.2011.578276

Oh, I., & Hazler, R. (2009). Contributions of personal and situational factors to bystanders’ reactions to school bullying. School Psychology International, 30, 291–310. https://doi.org/10.1177/0143034309106499

Olweus, D. (1995). Peer abuse or bullying at school: Basic facts and a school-based intervention programme. Prospects, 25, 133 – 139. https://doi.org/10.1007/BF02334290.

Olweus, D., & Limber, S. (2010). Bullying in school: Evaluation and dissemination of the Olweus Bullying Prevention Program. American Journal of Orthopsychiatry, 80, 124 – 134. https://doi.org/10.1111/j.1939-0025.2010.01015.x

Pallant, J. (2005). SPSS Survival Manual (4th ed.). Crows Nest, NSW: Allen & Unwin.         [ Links ]

Pozzoli, T., Ang, R. P., & Gini, G. (2012). Bystanders’ reactions to bullying: A cross-cultural analysis of personal correlates among Italian and Singaporean students. Social Development, 21(4), 1–18. https://doi.org/10.1111/j.1467-9507.2011.00651.x

Pozzoli, T., & Gini, G. (2010). Active defending and passive bystanding behavior in bullying: the role of personal characteristics and perceived peer pressure. Journal of Abnormal Child Psychology, 38, 815–827. https://doi.org/10.1007/s10802-010-9399-9

Pozzoli, T., & Gini, G. (2012). Why do bystanders of bullying help or not? A multidimensional model. The Journal of Early Adolescence, 33, 315–340. https://doi.org/10.1177/0272431612440172

Rodkin, P. C., Espelage, D. L., & Hanish, L. D. (2015). A relational framework for understanding bullying: developmental antecedents and outcomes. American Psychologist, 70, 311-321. https://doi.org/10.1037/a0038658        [ Links ]

Rose, C. A., Nickerson, A. B., & Stormont, M. (2015). Advancing bullying research from a social-ecological lens: An introduction to the Special Issue. School Psychology Review, 44, 339 – 352. https://doi.org/10.17105/15-0134.1

 Salmivalli, C. (1999). Participant role approach to school bullying: implications for interventions. Journal of Adolescence, 22, 453–459. https://doi.org/10.1006/jado.1999.0239

Salmivalli, C. (2010). Bullying and the peer group: A review. Aggression and Violent Behavior, 15, 112–120. https://doi.org/10.1016/j.avb.2009.08.007

Salmivalli, C. (2014). Participant roles in bullying: How can peer bystanders be utilized in interventions? Theory Into Practice, 53, 286–292. http://dx.doi.org/10.1080/00405841.2014.947222

Salmivalli, C., Kärnä, A., & Poskiparta, E. (2010). From peer putdowns to peer support: A theoretical model and how it translated into a National Anti-Bullying Program. In S. R. Jimerson, S. M. Swearer, & D. L. Espelage (Eds.), Handbook of bullying in schools: An international perspective (pp. 441-454). New York: Routledge.         [ Links ]

Salmivalli, C., Lagerspetz, K., Björkqvist, K., Österman, K., & Kaukiainen, A. (1996). Bullying as a group process: Participant roles and their relations to social status within the group. Aggressive Behavior, 22, 1–15. https://doi.org/ 10.1002/(SICI)1098-2337(1996)22:1<1::AID-AB1>3.0.CO;2-T

Salmivalli, C., Voeten, M., & Poskiparta, E. (2011). Bystanders matter: associations between reinforcing, defending, and the frequency of bullying behavior in classrooms. Journal of Clinical Child and Adolescent Psychology, 40, 668–76. https://doi.org/10.1080/15374416.2011.597090

Swearer, S. M., & Hymel, S. (2015). Understanding the psychology of bullying: Moving toward a social-ecological diathesis-stress model. American Psychologist, 70, 344-353. https://doi.org/10.1037/a0038929        [ Links ]

Tabachnick, B., & Fidell, L. (2013). Using multivariate statistics (6th ed.). Boston: Pearson Education, Inc.         [ Links ]

Thornberg, R. (2015a). School bullying as a collective action: Stigma processes and identity struggling. Children & Society, 29, 310 – 320. https://doi.org/10.1111/chso.12058

Thornberg, R. (2015b). The social dynamics of school bullying: The necessary dialogue between the blind men around the elephant and the possible meeting point at the socialecological square. Confero: Essays on Education, Philosophy & Politics, 3(2), 161 – 203. https://doi.org/10.3384/confero.2001-4562.150624

Thornberg, R., & Jungert, T. (2013). Bystander behavior in bullying situations: basic moral sensitivity, moral disengagement and defender self-efficacy. Journal of Adolescence, 36, 475 – 483. https://doi.org/10.1016/j.adolescence.2013.02.003

Thornberg, R., Tenenbaum, L., Varjas, K., Meyers, J., Jungert, T., & Vanegas, G. (2012). Bystander motivation in bullying incidents: To intervene or not to intervene? Western Journal of Emergency Medicine, 13, 247 – 252. https://doi.org/10.5811/westjem.2012.3.11792

Tsang, S., Hui, E., & Law, B. (2011). Bystander position taking in school bullying: the role of positive identity, self-efficacy, and self-determination. The Scientific World Journal, 11, 2278–2286. https://doi.org/10.1100/2011/531474

Twemlow, S. W., Fonagy, P., & Sacco, F. C. (2004). The role of the bystander in the social architecture of bullying and violence in schools and communities. Annals of the New York Academy of Sciences, 1036, 215–232. https://doi.org/10.1196/annals.1330.014

UNESCO (2017). School violence and bullying: Global status report. Paris: United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization        [ Links ]

Wood, L., Smith, J., Varjas, K., & Meyers, J. (2016). Engaging upstanders: Class-wide approach to promote positive bystander behavior. School Psychology Forum: Research in Practice, 10, 66 – 67.

 

Historial do artigo

Recebido

30/04/2016

Aceite

29/09/2017

Publicado

11/2017

 

cAutor para correspondência:

Departamento de Psicologia da Universidade de Évora, Colégio Pedro da Fonseca, apartado 94, 7002-554 Évora. E-mail: mmm@uevora.pt

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License