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Psicologia

versão impressa ISSN 0874-2049

Psicologia vol.28 no.2 Lisboa dez. 2014

 

A redução de itens como uma alternativa para a Escala Triangular do Amor

The item reduction as an alternative to Triangular Love Scale

Vicente Cassepp-Borges1,*, Luiz Pasquali2

 

1 Universidade Federal Fluminense

2 Universidade de Brasília

 

*Autor para correspondência

 

RESUMO

O objetivo desse estudo foi verificar as propriedades psicométricas da Escala Triangular do Amor de Sternberg Reduzida (ETAS-R). Responderam à escala 1523 sujeitos de 13 estados brasileiros. Os resultados indicaram que a versão reduzida possui boa precisão e itens com cargas fortes num único fator. Análise fatorial confirmatória mostrou invariância da estrutura fatorial da ETAS-R por sexo e região, mas não para tipo de relacionamento. A Teoria de Resposta ao Item sugere que a ETAS-R é informativa. Os itens são discriminativos, mas relativamente fáceis. Os resultados sugerem que a ETAS-R é um excelente instrumento de medida. No entanto, não se deve abandonar a versão completa da ETAS.

Palavras-chave: Amor; Psicometria; Teoria de Resposta ao Item; Escalas.

 

ABSTRACT

The aim of this study was to assess the psychometric properties of Reduced Sternberg's Triangular Love scale (STLS-R). 1523 subjects of 13 Brazilian states responded the scale. The results indicated that the short version has good precision and items with high loads on a single factor. Confirmatory Factorial Analysis showed invariance of the factor structure of STLS-R for sex and region, but not for relationship type. The Item Response Theory suggests that the STLS-R is informative. Items are discriminatory, but relatively easy. The results suggest that the STLS-R is an excellent measurement instrument. However, it’s not recommended to leave the STLS full version.

Keywords: Love; Psychometrics; Item Response Theory; Scaling.

 

É possível medir o amor? Embora para o senso comum essa ideia pareça loucura, diversos instrumentos de medida com evidências de validade e precisão têm surgido (Cassepp-Borges & De Andrade, 2013; Hatfield, Bensman, & Rapson, 2012; Hatfield, Luckhurst, & Rapson, 2012). O trabalho da construção de testes apoia-se em teorias sobre o sentimento, as quais tem surgido na mesma velocidade que os testes. Medir o amor é complexo, mas é tão simples como medir outros fenômenos psíquicos tradicionalmente medidos pela psicologia, como inteligência, personalidade e depressão. Se as pessoas possuem comportamentos amorosos, é muito provável que um traço latente de amor esteja causando esses comportamentos, que pode ser acessado por instrumentos de medida. Sendo possível medir esse traço latente, o próximo desafio está no aperfeiçoamento das medidas. É importante que a psicologia possa medir o amor de uma maneira cada vez mais breve e precisa, apoiada em teorias sólidas.

A Teoria Triangular do Amor de Sternberg

A Teoria Triangular do Amor (Sternberg, 1986) apresenta uma divisão do sentimento nos vértices Intimidade, Paixão, e Decisão/compromisso. A Intimidade é caracterizada pelo sentimento de proximidade e conexão no relacionamento. A Paixão é o componente responsável pela atração física e sexual, pelo romance e o desejo de estar juntos e pela excitação. Por sua vez, a Decisão/compromisso se refere à certeza de amar e ser amado e à vontade de manter o relacionamento a longo prazo.

Dependendo dos vértices que os(as) amantes possuem, se configuram diferentes tipos de amor. O componente Intimidade isolado ocasiona o “gostar”, um sentimento próximo à amizade. O componente Paixão está vinculado a um grau elevado de excitação momentânea e atração por um(a) desconhecido(a). O componente Decisão/compromisso isolado ocasiona o amor vazio. A Intimidade e a Paixão juntas produzem o amor romântico. A combinação entre as dimensões da Intimidade e Decisão/compromisso forma o companheirismo. O amor fatual, associado ao amor à primeira vista, refere-se às dimensões Paixão e Decisão/compromisso. A combinação dos três vértices do triângulo é denominada amor pleno.

A Teoria Triangular do Amor é bastante semelhante a outras formulações (Davis, 1985, Hatfield & Walster, 1983, Rubin, 1970), por apresentar uma dimensão física (Paixão) e outra de amizade (Intimidade). No entanto, a inclusão de um componente cognitivo (Decisão/compromisso) pode ser considerada a maior inovação e diferença da teoria de Sternberg (1986).

Mensuração do triângulo do amor

O estudo original com a Escala Triangular do Amor foi feito por Sternberg (1997). Os coeficientes de correlação entre as três subescalas variaram entre 0.71 e 0.73. Pode-se creditar estas correlações elevadas ao fato da escala ter sido aplicada em casais, amostra na qual se espera todos componentes do triângulo em seus relacionamentos. Isso permite levantar a hipótese da existência de um fator geral (amor), além dos três fatores de primeira ordem (Intimidade, Paixão e Decisão/compromisso). Nem todos os itens saturaram de maneira mais forte no fator para o qual era esperado que isto ocorresse.

A Escala Triangular do Amor também é bastante utilizada no Brasil. Trabalhos psicométricos com a ETAS foram realizados por de Hernandez (1999), Cassepp-Borges e Teodoro (2007), Cavalcanti (2007), Gouveia, Fonseca, Cavalcanti, Diniz e Dória (2009) e Cassepp-Borges e Pasquali (2012). Todos os trabalhos encontraram elevados níveis de precisão e itens carregando em mais de um fator. Cabe notar que a maioria dos trabalhos são recentes, o que pode representar um crescimento do interesse na ETAS.

A decisão de construir uma versão reduzida da ETAS foi tomada em diversos estudos (Cassepp-Borges & Teodoro, 2007; De Andrade, Garcia & Cassepp-Borges, 2013; Gouveia, Fonseca, Cavalcanti, Diniz & Dória, 2009; Lemieux & Hale, 2000, 2002, Overbeck e cols., 2007). Em Portugal, a mesma versão reduzida da ETAS apresentada no presente estudo foi utilizada para demonstrar a validade convergente da Escala de Amor Apaixonado (Feybesse, Neto, & Hatfield, 2011). As motivações para excluir itens incluem o fato de que os itens da versão completa carregam em mais de um fator e o fato de que cortar itens mantém a ETAS com bons níveis de precisão. Com poucas exceções, os valores de alfa nos fatores das versões reduzidas nos estudos citados neste parágrafo foram superiores a 0.85.

A elevada correlação entre os fatores explica em parte o fenómeno de itens carregando em mais de um fator. Comumente, a solução adotada é a exclusão dos itens complexos. Este tipo de decisão, contudo, pode ser questionado. Um item com carga elevada nos três fatores, por exemplo, seria um excelente indicador de amor, mesmo não sendo um indicador “puro” de nenhuma das dimensões do amor. Por este motivo, é interessante manter uma versão da ETAS completa, sem a retirada de itens, para permanecer com uma medida do amor precisa. Mas, para facilitar a separação dos fatores entre si, sugere-se uma escala mais compacta, que ainda teria a vantagem de reduzir o tempo de aplicação.

Objetivos

O objetivo deste estudo foi verificar as propriedades psicométricas de uma versão reduzida da ETAS. Além de utilizar pressupostos da Teoria Clássica dos Testes, este estudo teve por objetivo verificar as propriedades da escala de acordo com a Teoria de Resposta ao Item (TRI). Mesmo que outros estudos tenham apresentado versões reduzidas (Cassepp-Borges & Teodoro, 2007; De Andrade, Garcia & Cassepp-Borges, 2013; Gouveia, Fonseca, Cavalcanti, Diniz & Dória, 2009; Lemieux & Hale, 2000, 2002, Overbeck e cols., 2007), não se tem conhecimento dos parâmetros da TRI nessas versões. Cientes dos resultados encontrados com a versão completa da ETAS (Cassepp-Borges & Pasquali, 2012), entende-se como relevante conhecer também as propriedades da versão reduzida no Brasil, principalmente pela melhor distinção entre os fatores que as versões reduzidas têm demonstrado.

 

Método

Participantes

Participaram 1523 pessoas, com média de idade de 25.2 anos (DP = 7.8). Os (as) participantes eram oriundos(as) do Distrito Federal (n = 571, 37.4%) e dos estados de Goiás (n = 28, 1.8%), Rondônia (n = 72, 4.7%), Acre (n = 66, 4.3%), Pará (n = 66, 4.3%), Maranhão (n = 215, 14.1%), Piauí (n = 97, 6.4%), Rio Grande do Norte (n = 109, 7.1%), Sergipe (n = 54, 6.5%), Espírito Santo (n = 19, 1.2%), Rio de Janeiro (n = 94, 6.2%), São Paulo (n = 70, 4.6%) e Santa Catarina (n = 65, 4.3%). Embora não tenha sido possível fazer um levantamento preciso dessa variável, pelo menos 90% da amostra foi composta por estudantes universitários(as). A amostra total incluiu 1037 (68.0%) mulheres, 488 (32.0%) homens e um(a) participante que não informou o sexo.

A maioria da amostra (n = 1165, 75.2%) estava solteira quando os dados foram coletados, seguidos por casados(as) (n =246, 15.9%), noivos(as) (n = 60, 3.9%), divorciados(as) (n = 34, 2.2%) e viúvos(as) (n = 4, 0.3%). Trinta e duas (2.1%) pessoas encontravam-se em outra situação, enquanto oito (0.5%) não responderam à questão. Assim, diferentemente de grande parte dos estudos da área, este teve a participação de pessoas não envolvidas em relacionamentos. De qualquer forma, praticamente metade dos (as) solteiros (as) (n = 596, 51.2%) e dos (as) divorciados (as) (n = 16, 47.1%) afirmaram estar namorando.

A maioria dos(as) participantes baseou-se num relacionamento romântico estável (n = 831, 53.6%), nome dado ao agrupamento das categorias namorado(a), noivo(a), casado(a) e morando juntos(as). Talvez pela idade, a maioria dos(as) participantes num relacionamento romântico estável (n = 473, 56.9%) estava namorando. Praticamente um quinto dos(as) respondentes preencheram os instrumentos pensando num objeto amado que não possuíam (n = 301, 19.4%), sendo um amor platônico (n = 118, 39.2%) ou um(a) ex (n = 183, 60.8%). Um número considerável de participantes se baseou num relacionamento romântico não estável (n = 166, 10.7%), e também houve pessoas que responderam baseando-se em alguém com quem possuíam parentesco (n = 69, 4.5%).

Instrumentos

O questionário inicial foi composto por perguntas como sexo, data de nascimento, curso [caso fosse universitário (a)] e orientação sexual. Nesse questionário, foi solicitado que a pessoa escrevesse o nome de alguma pessoa que ama. A partir daí, foram feitas perguntas sobre o tipo e o tempo de relacionamento, além de perguntas sobre a beleza, as condições sócio-económicas, a religião e a escolaridade de si próprio e da pessoa amada. Havia perguntas abertas, nas quais os(as) participantes eram solicitados(as) a indicar três adjetivos que caracterizem a si próprios e a pessoa que amam, além de uma descrição do sentimento do(a) participante pela pessoa amada e da pessoa amada pelo(a) participante, ambos de acordo com a percepção do(a) respondente.

Foi também utilizada a versão brasileira completa da Escala Triangular do Amor de Sternberg (ETAS - Cassepp-Borges & Teodoro, 2007). Esta versão foi adaptada do original em inglês (Sternberg, 1997) e possui 45 itens, sendo previstos 15 para Intimidade, 15 para Paixão e 15 para Decisão/compromisso. Ela foi traduzida para o português por meio do procedimento de dupla tradução reversa. Posteriormente, todos os itens passaram por análise semântica e de validade de conteúdo, com a participação de juízes avaliadores (Hernandez-Nieto, 2002, Vallerand, 1989). Os procedimentos de adaptação da ETAS anteriores à coleta de dados são detalhados por Cassepp-Borges, Balbinotti e Teodoro (2010).

Cada um destes itens é avaliado numa escala tipo Likert, na qual o ponto 1 representa “nada”, o 5 “moderadamente” e o 9 “extremamente”. Não existem rótulos para os pontos intermediários aos indicados. A escala triangular do amor ainda possui a peculiaridade de ter um espaço em branco em todas as 45 afirmações. Este espaço deve ser preenchido com o nome da pessoa amada. A escala possui índices excelentes de consistência interna. Todos os valores de alfa no estudo original (Sternberg, 1997) foram superiores a 0.90 (#&945;intimidade = 0.91, #&945;paixão = 0.94, #&945;decisão/compromisso = 0.94, #&945;total = 0.97).

Embora esse estudo tenha analisado apenas os itens duma versão reduzida da ETAS, com 7 itens de intimidade, 7 de Decisão/compromisso e 6 de Paixão, todos(as) os(as) participantes responderam à escala completa (Cassepp-Borges & Pasquali, 2012). Esse procedimento possibilitou um melhor conhecimento dos itens da ETAS e facilitou a escolha sobre que itens seriam mantidos na versão reduzida.

Procedimentos

Os dados, em sua maioria, foram coletados em sala de aula. Alguns questionários foram aplicados individualmente. Todos os questionários foram respondidos em lápis e papel. O projeto desta pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Brasília no dia 02 de outubro de 2009, atendendo às recomendações da resolução 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde. Todos (as) os(as) participantes foram solicitados(as) a assinar um termo de consentimento livre e esclarecido em duas vias, sendo que uma via permaneceu com o(a) participante e a outra foi entregue ao pesquisador.

Análise dos dados

Com o objetivo de verificar se a estrutura fatorial das escalas corrobora a estrutura prevista pela teoria, foi realizada uma análise fatorial exploratória para A ETAS-R. Feitas as análises fatoriais exploratórias, os modelos encontrados foram analisados mediante Análises Fatoriais Confirmatórias, por Modelagem por Equações Estruturais (Byrne, 2001; Hair, Anderson, Tatham, & Black, 2005; Pilati & Laros, 2007, Thompsom, 2004). O procedimento para verificar a invariância das escalas entre grupos foi feito por meio de 4 modelos. As mudanças nos índices de ajuste devem ser pequenas de um modelo para o outro para afirmar que existe invariância. O critério utilizado foi de que a variação no CFI, no TLI, no NFI e no RMSEA deveria ser menor do que 0.01. A invariância foi testada entre os diferentes sexos, tipos de relacionamento e regiões do país onde os questionários foram aplicados. A dificuldade e a discriminação dos itens foram analisadas à luz da Teoria de Resposta ao Item (TRI) (Pasquali, 2007), com o software PARSCALE 4.1 for Windows®.

 

Resultados e discussão

Inicialmente, foram verificadas as propriedade psicométricas da ETAS completa. A Escala possui uma matriz bastante fatorável, cargas elevadas, excelentes níveis de precisão e itens discriminativos. A estrutura fatorial da ETAS ainda é um suporte empírico à Teoria Triangular do Amor. A ETAS, contudo, apresenta itens complexos (com carga em mais de um fator), o que matematicamente não representa um problema, embora dificulte a interpretação dos resultados (Cassepp-Borges & Pasquali, 2012).

Estrutura fatorial e precisão

A versão reduzida da ETAS, chamada de ETAS-R, foi criada com um total de 20 itens. Esses foram escolhidos por apresentar uma carga forte no seu fator e cargas inferiores a 0.32 nos demais. Procurou-se manter itens de diferentes faixas de dificuldade nos seus fatores. Ainda foi observado o poder discriminativo dos itens para compor a versão reduzida da ETAS.

A matriz de correlações manteve os bons indicadores de fatorabilidade (KMO = 0.948; #&967;2Bartlett= 19536.762, gl = 190, p < .001) encontrados na versão completa. As dimensões da Intimidade e da Decisão/compromisso ficaram com sete itens cada, enquanto a dimensão da Paixão ficou com seis. A Paixão foi escolhida para ter um item a menos por que foi a dimensão com menores cargas fatoriais. A matriz fatorial da ETAS-R é apresentada no Quadro 1.

A Análise Fatorial Exploratória mostra que os fatores são os previstos pela Teoria Triangular do Amor, na ordem Intimidade, Paixão e Decisão/compromisso. A redução de itens da escala fez com que todos os itens tivessem carga superior a 0.6 dentro de seu fator e carga inferior a 0.3 nos demais. Este dado mostra que a escala reduzida é um instrumento que discrimina seus fatores. Os níveis de consistência interna dos fatores foram muito bons, todos os valores alfa próximos a 0.90. A consistência interna geral da ETAS-R foi de 0.94, sugerindo que também se manteve a precisão na medida do fator geral (amor). Todas as comunalidades são elevadas (superiores a 0.5), mostrando que todos os itens se referem ao fator geral Amor, apesar da eliminação de itens complexos. Foi mantida uma propriedade marcante das dimensões, que é a correlação entre elas (rIntimidade e Paixão = 0.44, p < .001; rPaixão e Decisão/compromisso = 0.49, p < .001; e rIntimidade e Decisão/compromisso = 0.73, p < .001). No entanto, que as reduções nos valores das correlações foram drásticas, uma vez que a ETAS completa possui correlações entre seus fatores variando de 0.68 a 0.89. A viabilidade da ETAS-R também é sugerida pelos índices elevados de correlação com a versão completa das escalas de Intimidade (r = 0.96, p < .001), Paixão (r = 0.94, p < 0,001), Decisão/compromisso (r = 0.96, p < .001) e Amor (r = 0.98, p < .001).

Estabilidade da estrutura fatorial

A ETAS-R teve sua estrutura corroborada por meio de Modelagem por Equações Estruturais. Primeiramente, foram verificados os pressupostos para a análise. Com relação aos outliers multivariados, foram verificados 102 participantes com distância Mahalanobis superior a 45, valor crítico para 20 variáveis. Não houve relação significativa entre o fato de ser outlier com o sexo (#&967;2 = 2.41; gl = 1; p = n. s.) e a região da coleta de dados (#&967;2 = 2.66; gl = 1; p = n. s.). A única diferença significativa estava vinculada ao tipo de relação (#&967;2 = 80.58; gl = 3; p < .001). E a diferença esteve no fato de que o grupo em relacionamento estável possui menores chances de pertencer ao grupo dos casos extremos, enquanto aqueles(as) que responderam à ETAS-R baseando-se num amor platônico ou numa relação passada têm maiores probabilidades de ser outliers. Assim, pode-se concluir que os casos extremos não ocorrem ao acaso, tratando-se de uma amostra diferente. A ETAS-R teve problemas de normalidade multivariada (curtose =225.07; razão crítica = 129.20). Contudo, não foi tomada nenhuma medida como exclusão dos outliers pelo fato de que o número de participantes permite a realização das equações estruturais (Hair e cols., 2005).

Foram testados dois modelos: um com a Intimidade, a Paixão, e a Decisão/compromisso intercorrelacionadas e outro com um fator geral explicando os três fatores. Apesar dos índices de ajuste terem sido os mesmos, optou-se por utilizar o segundo modelo (Figura 1) pelo fato dele trazer estimativas sobre a relação dos três fatores previstos por Sternberg (1986) com o fator geral, dado não verificado nas análises exploratórias.

 

 

A Análise Fatorial Confirmatória foi realizada utilizando-se a máxima verossimilhança. Os resultados mostraram que os três fatores específicos possuem elevada carga no fator geral, sendo que a Decisão/compromisso teve essa relação de modo mais forte.

O Quadro 1 mostra que os itens mantiveram as elevadas cargas nos fatores, conforme já havia sido verificado na Análise Fatorial Exploratória. As cargas de Intimidade (0.85), Paixão (0.60) e Decisão/compromisso (0.94) no Fator Geral foram elevadas. O modelo encontrou um ajuste adequado nos quatro índices de ajuste utilizados nesse estudo (CFI, TLI, NFI e RMSEA). Assim, pode-se dizer que a ETAS-R evidênciaque sua boa estrutura fatorial é corroborada a nível confirmatório.

Para analisar a estabilidade da estrutura fatorial da ETAS-R, foi verificada a invariância da escala nos subgrupos de sexo, região e tipo de relação. Conforme pode ser observado no Quadro 2, a ETAS-R apresenta invariância estrita para as variáveis sexo e região de aplicação. Contudo, a invariância da ETAS-R é fraca para a variável tipo de relação.

Outra vez, pode-se levantar a hipótese de que participantes que responderam à escala baseando-se num amor platônico ou relacionamento terminado influenciaram na invariância da escala. Essa hipótese se sustenta principalmente no fato de que esse grupo contém o maior número de outliers multivariados.

Para o modelo com a variável sexo, os índices NFI, TLI e CFI são iguais ou superiores a 0.90 nos quatro modelos (o modelo 4 atinge esse critério no NFI devido ao arredondamento). O RMSEA para sexo tem um nível adequado (0.05) e também se mantém estável. Os níveis de razão crítica do modelo por sexo são superiores a 1.96, mas esse critério pode ser relevado por ser bastante liberal e pelo fato dos outros indicadores sugerirem invariância da ETAS-R com relação a sexo.

Também pode-se perceber a invariância do modelo confirmatório com relação à região geográfica na qual foram aplicados os questionários. Apesar do NFI e do TLI serem um pouco menores do que 0.90, o que indicaria problemas de ajuste, o modelo apresentou invariância estrita, pois as diferenças de um modelo para o outro foram inferiores a .01 nesses dois indicadores, no CFI e no RMSEA. Esse último índice, em contraste com os demais, apresentou um ajuste muito bom. O baixo valor nas razões críticas é mais um indicador da estabilidade da estrutura fatorial com relação à região do Brasil.

Os dados sobre o tipo de relacionamento, contudo, mostram apenas uma fraca invariância. A estrutura resiste à restrição do número de fatores e cargas, mas não apresenta invariância quando se restringem os interceptos e os resíduos. As diferenças no NFI, TLI e CFI são superiores a .05, do modelo 2 para o modelo 3 e do modelo 3 para o modelo 4, sendo que o critério para considerar variação é de 0.01. Esse problema pode estar sendo causado pelas pessoas que responderam baseando-se em relacionamento terminado ou idealizado, pois esse grupo constituiu a maior parte dos outliers multivariados. Esses dados sugerem que se deve ter cautela ao aplicar a ETAS-R em pessoas que amam um objeto que não possuem, ou seja, pessoas que amam sem receber amor em troca. Apesar dos problemas na invariância com relação ao tipo de relacionamento, ressalta-se que essa propriedade foi mantida nos sexos e nas regiões, o que sugere a validade da escala nesses grupos. Uma replicação da análise com a exclusão dos casos extremos na ETAS-R mantém a variação da escala pelos tipos de relacionamento. A ETAS-R provavelmente tem estruturas fatoriais específicas para tipos de relacionamento específicos.

Teoria de Resposta ao Item

Outra questão importante é se a versão reduzida possui itens distribuídos por faixas de dificuldade e com boa discriminação. Como pode ser observado no Quadro 3, todos os itens possuem elevados valores de discriminação. A maioria dos itens possuem dificuldade negativa, indicando que níveis baixos do traço latente (#&952;) são suficientes para que os participantes concordem com as afirmativas. Nesse ponto, um indicador positivo é que a média de dificuldade dos itens não está tão distante de zero. Contudo, ainda existe a necessidade da criação de itens mais difíceis para a ETAS-R.

A redução do número de itens pode ser considerada bem sucedida, pois mesmo com poucos itens a escala é bastante informativa (Figura 2).

 

 

A ETAS-R fornece informação para aqueles(as) participantes cujo nível #&952; de amor se situa aproximadamente entre -2.2 e +1.2, nível semelhante ao da ETAS completa. As subescalas de Intimidade (aproximadamente entre -2 e +1), Paixão (aproximadamente entre -2.3 e +0.9) e Decisão/compromisso (aproximadamente entre -1.5 e +1.3 desvios padrões) também fornecem informação para uma grande parcela dos participantes. As escalas ainda apresentaram um padrão de relativa normalidade em torno da média, mesmo que suas distribuições sejam assimétricas.

 

Considerações finais

A ETAS-R apresenta somente itens simples, representando uma solução para elevado número de itens complexos da ETAS. A ETAS-R ainda mantém as propriedades de discriminação e dificuldade dos itens e, ainda, a informação total da escala. A versão reduzida para a ETAS foi a alternativa de diversos autores (Gouveia, Fonseca, Cavalcanti, Diniz, & Dória, 2009; Lemieux & Hale, 2000, 2002).

Contudo, a única versão reduzida da ETAS que possui a mesma tradução utilizada nesse trabalho é a de Cassepp-Borges e Teodoro (2007), aplicada em 362 universitários do Rio Grande do Sul. Em relação a esse estudo, ocorreram mudanças na redução da escala. A primeira delas é a de que o presente estudo concluiu por 20 itens ao invés dos 18 propostos anteriormente, acrescentando um item na dimensão Intimidade e outro na Decisão/compromisso. Com relação à Intimidade, a dimensão perdeu os itens 10 e 21 e foram acrescentados os itens 17, 34 e 41. A Paixão teve apenas a substituição do item 20 pelo 12, os itens com carga fatorial mais baixa no estudo de Cassepp-Borges e Teodoro e nesse estudo, respectivamente. A dimensão Decisão/compromisso teve excluídos seus itens 02 e 19, sendo acrescidos os itens 45, 16 e 01. Os dois últimos itens eram previstos por Sternberg (1997) para compor a dimensão da Paixão, contudo os dados empíricos os mostram como itens exclusivos de Decisão/compromisso.

Houve mudanças evidentes de uma versão reduzida para a outra. Contudo, este estudo possui uma amostra nacional e maior do que a de Cassepp-Borges e Teodoro (2007), oferecendo maior suporte empírico à estrutura fatorial da ETAS-R. A redução da escala de Gouveia e cols. (2009) contou com cinco itens em cada fator. Acredita-se que a redução para seis ou sete itens em cada fator é interessante, pois mantém alfas superiores a 0.90, o que não ocorreu com a redução para cinco itens. Apesar disso, os níveis de alfa de Gouveia e cols. são muito bons (de .86 a .88), com um instrumento mais breve. Ter menos itens diminui o tempo de aplicação de um teste, mas diminuir a precisão é uma consequência indesejada disso. Os critérios para estabelecer o quanto a redução de itens afeta a precisão são subjetivos, portanto as decisões de Cassepp-Borges e Teodoro, Gouveia e cols. e do presente estudo são válidas. O Quadro 4 apresenta os alfas de Cronbach de alguns estudos que utilizaram a ETAS no Brasil e no mundo, mostrando que a escala mantém uma boa precisão em diversos contextos, com alfas superiores a 0.85 (exceto na Decisão/Compromisso de Overbeck e cols., 2007, #&945; = .80 e na Paixão de De Andrade, Garcia & Cassepp-Borges, 2013, #&945; = .81). Os níveis de precisão elevados foram mantidos nesse estudo.

Conforme afirmado anteriormente, esse estudo entende que tanto a ETAS quanto a ETAS-R são instrumentos de medida úteis para avaliar o amor. Ressalta-se que, quando se reduz uma escala eliminando-se itens complexos (com carga forte em mais de um fator), se está alterando algumas propriedades da escala e se acessando o traço latente de outra maneira, por meio de indicadores diferentes. No entanto, Feybesse, Neto e Hatfield (2011) já utilizaram a ETAS-R, conforme descrita nesse estudo, em Portugal. O estudo não aborda as propriedades psicométricas da ETAS-R, mas encontrou uma forte correlação (r = 0.84) entre a Paixão e a Escala do Amor Apaixonado (Hatfield & Sprecher, 1986). Esta pode ser uma evidência de validade convergente da ETAS-R.

É possível medir o amor? Antes da década de 1970, a resposta mais prudente para essa pergunta era talvez. A partir daí, um crescente número de testes psicológicos sobre o amor fez com que a resposta fosse sim. Hoje, a Psicologia afirma que não apenas pode medir o amor, mas pode fazer isso com precisão, demonstrando validade, e ainda com poucos itens.

 

Referências

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*Autor para correspondência:

Vicente Cassepp Borges, Universidade Federal Fluminense (UFF) - Polo Universitário de Volta Redonda - ICHSVR – Psicologia, Rua Desemb. Ellis Hermydio Figueira, 783, Bloco A, Sala 214, Bairro Aterrado, Volta Redonda, Rio de Janeiro, Brasil, CEP: 27213-145. E-mail: cassepp@gmail.com

 

Recebido: 06/12/2013

Aceite: 01/10/2014

Publicado: 12/2014