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Psicologia

versão impressa ISSN 0874-2049

Psicologia vol.27 no.1 Lisboa  2013

 

Intervenção no fenómeno das drogas: algumas reflexões e contributos para a definição de boas práticas

Intervention in the drugs phenomenon: Some reflections and contributions to the definition of good practices

 

Olga Souza Cruza*, Carla Machadob

aUnidade de Investigação em Criminologia e Ciências do Comportamento. Departamento de Ciências Sociais e do Comportamento, Instituto Superior da Maia

bEscola de Psicologia, Universidade do Minho

*Autor para correspondência

 

RESUMO

As orientações políticas e legislativas e, consequentemente, as formas de intervenção sobre o fenómeno do consumo de drogas ilícitas têm sido presididas por duas lógicas ideológicas distintas: o proibicionismo e o anti‑proibicionismo. Ao longo dos tempos e em praticamente todo o mundo ocidental, o proibicionismo tem imperado, argumentando a necessidade de criminalizar e reprimir as práticas relacionadas com as drogas, para as regular na direção da norma social. Neste sentido, a maioria das ações preventivas tem procurado o ideal da abstinência e a intervenção dirige‑se sobretudo a utilizadores de substâncias ilícitas com padrões de consumo ‘problemáticos’. No entanto, são cada vez mais os autores que defendem o fracasso destas medidas de cariz proibicionista, sobretudo pelos problemas (e.g., económicos, jurídicos, sociais, sanitários) que têm provocado, por não terem sucesso na redução da incidência e prevalência do consumo e por dificilmente chegarem a sujeitos cujas experiências de utilização de drogas não se enquadram nos referidos padrões problemáticos. De acordo com esta lógica anti‑proibicionista argumenta‑se a importância de promover formas de controlo social sobre as drogas alternativas ao controlo formal (e.g., controlo social informal, autocontrolo dos consumidores) e valorizam‑se as potencialidades das estratégias de redução de riscos e minimização de danos. Partindo desta orientação anti‑proibicionista pretende‑se, no presente artigo, refletir sobre o que atualmente se considera ser boas práticas de intervenção no fenómeno do consumo de drogas ilícitas. Em concreto, defende‑se a importância de agir através de pares, para estimular o envolvimento dos consumidores nos esforços interventivos, e de concretizar um trabalho horizontal, dinâmico e em contexto natural.

Palavras‑chave: drogas ilícitas, intervenção, proibicionismo, anti‑proibicionismo

 

ABSTRACT

The legislative and policy guidelines and, consequently, the forms of intervention on the phenomenon of illicit drug use have been presided over by two distinct ideologies: prohibitionism and anti‑prohibitionism. Over time, and in practically the entire western world, prohibitionism has prevailed, arguing the need to criminalize and prosecute drug‑related practices, in order to regulate them in the direction of the social norm. In this respect, most preventive actions have been searching for the abstinence ideal and the intervention mostly addresses users of illicit drugs with ‘problematic’ patterns of drug use. However, more and more authors argue the failure of the prohibitionist measures, especially because of the problems (e.g., economic, legal, social, sanitary) they raises, because they have not been successful in reducing the incidence and prevalence of drug use and because it has been difficult to reach subjects whose drug use experiences do not conform to these problematic patterns. According to this anti­prohibitionist logic there are arguments, inter alia, concerning the importance of promoting alternative forms of social control over the drugs rather than formal control (e.g., informal social control, self­control by drug users) and value has been placed on the benefits of risk reduction and harm minimization strategies. Based on this anti‑prohibitionist orientation, the purpose of this article is to reflect upon what are currently considered to be best practices of intervention on the phenomenon of illicit drug use. Among others, we argue the importance of acting through peers, stimulating the involvement of drug users in the intervention efforts, and accomplishing a work that is horizontal, dynamic and held in natural context.

Keywords: illicit drugs, intervention, prohibitionism, anti‑prohibitionism

 

Introdução

Há já vários anos que o fenómeno das drogas vem sendo mediatizado e construído como um dos mais importantes problemas sociais, sendo utilizado como bandeira política, especialmente em períodos de poder político conservador (Humphreys & Rappaport, 1993). O foco dos discursos dominantes, tanto da sociedade em geral como da comunidade científica, nos aspetos negativos destas substâncias e em representações negativas dos seus consumidores tem promovido um sentimento de pânico moral e a estigmatização e marginalização destes atores sociais. Do mesmo modo, tem vindo a legitimar a orientação repressiva da legislação e da intervenção sobre o fenómeno, defendendo‑se a necessidade de pôr cobro à utilização da maioria das substâncias psicoativas. De facto, ao longo de todo o século XX, grande parte dos países ocidentais foi implementando medidas proibicionistas, graças, em larga medida, aos esforços norte‑americanos (Barbosa, 2006; Fernandes, 2009; Quintas, 2006; Romaní, 2003; Szasz, 1992; Thornton & Bowmaker, s.d.). No nosso país, foi com o Decreto‑Lei nº 420/70 que se encetou uma política criminalizadora, justificada pelo argumento de que a droga acarretava riscos para a saúde dos utilizadores e que estes representavam um perigo para a sociedade (Barbosa, 2006; Maia Costa, 2001).

Limitações da abordagem proibicionista

Apesar de ter imperado durante largos anos e de continuar a reunir inúmeros defensores, a lógica proibicionista tem vindo a ser contrariada por uma ideologia anti‑proibicionista, cujos argumentos se centram sobretudo no fracasso dos ideais do proibicionismo.

Desde logo, é colocada em causa a legitimidade jurídica e governamental para proibir e criminalizar1 estilos de vida que se afastam da norma social mas que não prejudicam terceiros, argumentando‑se que isso desrespeita os direitos, as liberdades, a autodeterminação e a responsabilidade dos indivíduos (Farr, 1990; Fernandes, 2009; Pallarés, 1996; Poiares, 2002; Quintas, 2006; Rovira & Hidalgo, 2003; Szasz, 1992). Mesmo enquanto estratégia de salvaguarda da saúde pública, via pela qual tem vindo a ser legitimado (Maia Costa, 2001), o proibicionismo é alvo de críticas. Zorrilla (1993, como citado em Quintas, 2006, p. 32), por exemplo, considera “que não é a saúde o bem jurídico que se pretende proteger com a legislação, visto que os prejuízos para a saúde provêm de todas as drogas e não apenas das ilegais”.

Questionados são também os propósitos de erradicação das drogas e promoção da abstinência subjacentes às políticas repressivas, por serem considerados pouco realistas (Einstein, 2007; Farr, 1990; Fernandes, 2009; Pallarés, 1996; Romaní, 2008; Rovira & Hidalgo, 2003; Shukla & Kelley, 2007; Szasz, 1992). Nesta lógica, alguns autores advogam que não é necessário punir, criminalizar, estigmatizar e tentar acabar com os consumos (Farr, 1990; Maia Costa, 2001; Romaní, 2008; Shukla & Kelley, 2007; Szasz, 1992) e apresentam como alternativa manter apenas, ao nível legislativo, estratégias dissuasoras não punitivas, como a difusão de informação sobre os seus danos, à semelhança do que já ocorre com o tabaco (Maia Costa, 2001).

No entanto, o proibicionismo tem sido acusado de promover campanhas educativas que veiculam informação parcial e, por vezes, errónea sobre as substâncias ilícitas, contribuindo para a ignorância e deseducação sociais (Szasz, 1992). Ações preventivas norteadas pela mensagem ‘simplesmente diz não’ podem servir como ilustração, pois fracassam no intento de transmitir informação relevante sobre as drogas (Moritz, 2005; Rovira & Hidalgo, 2003) e tendem a afastar quem pretende continuar a usá‑las (Rovira & Hidalgo, 2003).

Um dos principais argumentos usados contra o proibicionismo diz respeito à sua falta de eficácia na diminuição das taxas de prevalência dos consumos (Quintas, 2006; Rovira & Hidalgo, 2003), pese embora lhe seja reconhecido algum sucesso no que diz respeito ao controlo do tráfico (García & Sánchez, 2006) e à redução do crime associado a estas substâncias (Reuter & Stevens, 2008). São vários os estudos que têm vindo a denunciar a modesta influência que a abordagem jurídica de repressão das drogas exerce na redução do seu uso, que se tende a manter independentemente desta (Cohen, 1999; Farr, 1990; Reuband, 1995; Reuter & Stevens, 2008; Romaní, 2008; Quintas, 2006).

Não menos importante é a crítica de que a orientação proibicionista, além de não solucionar os prejuízos que advêm diretamente do uso destas substâncias, tem provocado problemas adicionais, nomeadamente, em termos sanitários, sociais, jurídicos e económicos. Entre outros, destaca‑se o facto de a reprovação e repressão sociais sobre as drogas promoverem a estigmatização e marginalização dos consumidores (Fernandes, 2009; Poiares, 2002; Romaní, 2008) e, desse modo, os desmotivarem da procura de cuidados de saúde especializados (Smith & Smith, 2005). Considera‑se, também, que o proibicionismo tem concorrido para que os consumidores acabem por utilizar estas substâncias em condições adversas ou perigosas (Quintas, 2006; Romaní, 2008) e, consequentemente, para o aumento dos danos para a saúde pessoal e pública (Barbosa, 2006; Smith & Smith, 2005; Thornton & Bowmaker, s.d.). Do mesmo modo, salienta‑se o facto de ter potenciado a proliferação de vias ilícitas de distribuição das drogas, a violência e a criminalidade (Fernandes, 2009; Romaní, 2003; Smith & Smith, 2005; Szasz, 1992; Thornton & Bowmaker, s.d.).

Dadas as limitações frequentemente associadas ao proibicionismo, vários autores propõem medidas alternativas, como a adoção de um livre mercado deste tipo de substâncias (Szasz, 1992) e a sua legalização (Pallarés, 1996). Estas medidas descriminalizadoras parecem constituir uma opção viável, já que trabalhos que analisam as consequências da sua implementação têm sugerido que não potenciam um aumento significativo da utilização de drogas ilícitas (Cohen, 1999; Quintas, 2006). A título ilustrativo, Reuband (1995) não encontrou diferenças significativas nas prevalências do uso de cannabis e de drogas tidas como duras entre países europeus mais repressivos (e.g., França, Reino Unido) e mais tolerantes (e.g., Holanda, Eha), concluindo que as políticas e os sistemas de controlo formal sobre as substâncias não exercem uma influência decisiva nos seus consumos. Na Holanda, onde estas políticas são mais tolerantes e onde as drogas estão mais facilmente acessíveis, os consumos têm‑se mantido estáveis, deixando antever um expressivo nível de controlo (Cohen, 1999). Da análise da realidade nacional, Quintas (2006) concluiu que a lei da descriminalização provocou, sobretudo, um aumento da perseguição da polícia sobre o uso de canabinóides e uma redução significativa nos policonsumos e na utilização de heroína.

Importância das formas de controlo social alternativas às formais

As limitações que os sistemas de controlo social formal têm evidenciado, no que respeita à regulação dos consumos, deixam, desde logo, antever a necessidade de promover outras formas de controlo social sobre este fenómeno. A importância destes processos alternativos tem vindo, também, a ser sustentada pela constatação de que o uso de substâncias psicoativas tem sido uma constante ao longo da história da humanidade e de que as diversas sociedades o têm conseguido controlar sem recorrer a medidas legais, impedindo efetivamente o desenvolvimento de padrões problemáticos de consumo (Castel & Coppel, 1991; Quintas, 2006), bem como pela evidência de casos de remissão espontânea (Walters, 2000). De facto, sujeitos que abandonaram o consumo sem qualquer suporte formal tendem a identificar o apoio social informal como um dos principais motivos para tal decisão, a par dos prejuízos gerados pelas drogas, em termos sociais, de saúde e de finanças (ibidem).

Assim sendo, vários autores alertam para a importância de estimular o desenvolvimento de mecanismos de controlo alternativos aos formais, como o autocontrolo (Castel & Coppel, 1991; Cohen, 1999; Fernandes & Ribeiro, 2002; Rovira & Hidalgo, 2003; Szasz, 1992) e o controlo social informal (Castel & Coppel, 1991; Cohen, 1999; Matos & Simões, 2008; Quintas, 2006; Reuband, 1995; Walters, 2000; Young, 1971). Globalmente, entende­‑se que é necessário exercer algum controlo formal mas que deve ser apenas o indispensável e surgir a par de processos de controlo informais (Castel & Coppel, 1991). Tais processos, que se admite poderem ser mais efetivos do que os controlos tradicionais (Quintas, 2006; Reuband, 1995), operam no meio natural dos consumidores através da influência reguladora da família e dos amigos, entre outras (Castel & Coppel, 1991; Cohen, 1999; Quintas, 2006; Reuband, 1995; Walters, 2000; Young, 1971).

Considera‑se, portanto, que recorrer ao grupo de consumidores ou à subcultura das drogas pode ser um meio de promover o controlo social informal, ao educar sobre os consumos (Young, 1971). Do mesmo modo, aponta‑se para a importância de estimular a autorresponsabilização pelos consumos e o empoderamento dos consumidores, de modo a fomentar o seu autocontrolo (Cohen, 1999; Einstein, 2007; Fernandes, 2009; Matos & Simões, 2008; Rovira & Hidalgo, 2003; Szasz, 1992; Walters, 2000; Whiteacre & Pepinsky, 2002).

Para tal, defende‑se que os profissionais devem veicular a mensagem de que os consumidores têm competência para governar a sua vida e os seus consumos, não obstante possam necessitar de auxílio para desenvolver outras capacidades (e.g., sociais, emocionais, de autorregulação) e para as pôr em prática (Percy, 2008; Walters, 2000). Devem, portanto, evitar que os consumidores se considerem incapazes de controlar os consumos, já que esta perceção tende a reduzir a sua motivação para alterar os comportamentos danosos, potenciando o processo da profecia auto‑realizada (Rovira & Hidalgo, 2003; Walters, 2000).

Nesta lógica, realça‑se também a premência de envolver os próprios consumidores, enquanto peritos, em conversas sobre o tema e no processo de mudança (Fernandes, 2009; Romaní, 2008; Rovira & Hidalgo, 2003). Torna­‑se, assim, essencial dar voz aos consumidores – atendendo às suas perceções, valores, práticas de consumo, quotidiano e necessidades (Fernandes, Pinto, & Oliveira, 2006; Goren, 2005; Moritz, 2005) –, e permitir que decidam acerca do seu envolvimento com as drogas, embora encorajando sempre um consumo responsável (Rovira & Hidalgo, 2003; Szasz, 1992; Whiteacre & Pepinsky, 2002). Reconhece‑se que estimular uma tomada de decisões informada e o empoderamento dos consumidores requer, desde logo, informá‑los, de forma ampla e precisa, acerca das drogas (Cohen, 1999; Deehan & Saville, 2003; Goren, 2005; Matos & Simões, 2008; Moritz, 2005; O’Malley & Valverde, 2004; Rovira & Hidalgo, 2003; San Julián & Valenzuela, 2009; Shukla & Kelley, 2007; Szasz, 1992). Neste sentido, não basta informar sobre os riscos dos consumos, tendo de ser também admitidas e discutidas as potencialidades e prazeres que os sujeitos tipicamente lhes reconhecem (Levy, O’Grady, Wish, & Arria, 2005; Rovira & Hidalgo, 2003; San Julián & Valenzuela, 2009) para os conseguir cativar e envolver efetivamente nas ações sobre as drogas e no processo de mudança. Além disso, para a eficácia das ações educativas, Moritz (2005), partindo do seu trabalho com estudantes, identifica a importância destas decorrerem de forma interativa e de nelas se tratarem os jovens como adultos, deixando‑os à vontade para falar abertamente com convidados especializados no assunto.

Não obstante a inegável importância de informar sobre as drogas, reconhece‑se que apenas fornecer informação pode ser insuficiente para a mudança de comportamentos (EMCDDA, 2011; Levy et al., 2005; Rovira & Hidalgo, 2003), sendo igualmente importante apostar no trabalho de desenvolvimento e treino de competências básicas, nomeadamente, as sociais e emocionais. De acordo com o mais recente manual do European Monitoring Centre for Drugs and Drug Addiction “o desafio da prevenção reside em ajudar os jovens a ajustar o seu comportamento, capacidades e bem‑estar face às múltiplas influências das normas sociais, da interação com os pares, das condições de vida e dos seus próprios traços de personalidade” (EMCDDA, 2011, p. 19).

Para concluir, importa notar que, embora seja amplamente reconhecida a importância de estimular o autocontrolo dos consumidores e os processos de controlo social informal sobre as drogas, os Estados têm dificultado o seu desenvolvimento, ao invés de o promoverem (Cohen, 1999; Fatela, 1991). Segundo Cohen (1999, p. 6) “muitos sistemas de controlo de drogas baseados na proibição são focados predominantemente em destruir condições para o controlo do uso individual (…) Estruturas comunicativas de utilizadores de drogas são constantemente ameaçadas, reduzindo a sua eficácia como veículos de conhecimento sobre uso seguro”.

Potencialidades da abordagem de redução de riscos

Ao longo das últimas décadas tem vindo a ser fortalecida a noção de que, ao invés de trabalhar para a abstinência – propósito considerado, aliás, pouco realista (Einstein, 2007; Farr, 1990; Fernandes, 2009; Romaní, 2008; Rovira & Hidalgo, 2003; Shukla & Kelley, 2007; Szasz, 1992) –, é mais proveitoso tentar reduzir os potenciais danos dos consumos, auxiliando os sujeitos a utilizar as drogas das formas menos prejudiciais possíveis e a manter o seu ajustamento nas várias áreas de vida (Cruz & Machado, 2010; Rovira & Hidalgo, 2003; Pallarés, 1996; Percy, 2008; Shukla & Kelley, 2007). Os principais argumentos a favor desta conceção prendem‑se com as evidências de que o uso de substâncias psicoativas ocorre desde tempos imemoriais (e, provavelmente, continuará a acompanhar a história da humanidade), de que vários sujeitos conseguem controlar esta prática sem necessidade de intervenção externa formal e de que o proibicionismo não tem logrado resultados satisfatórios.

Em diversos países europeus, as políticas de redução de riscos e minimização de danos vêm sendo, assim, cada vez mais defendidas (Einstein, 2007; Pallarés, 1996; Percy, 2008; Quintas, 2006; Rovira & Hidalgo, 2003; Shukla & Kelley, 2007) e implementadas (Barbosa, 2009; Fernandes, 2009; IDT, 2010; OEDT, 2009; Quintas, 2006; Romaní, 2003). Alguns trabalhos apontam, de facto, para a eficácia destas medidas no controlo e diminuição, quer da criminalidade (Barbosa, 2009) quer dos problemas de saúde pública, como as doenças infecto‑contagiosas, comuns em casos de consumo por via endovenosa (Barbosa, 2009; IDT, 2009; OEDT, 2008). No nosso país a consagração legislativa da redução de danos e o início da descriminalização do uso de todas as drogas e da posse para consumo ocorreu no início do século XXI, o que permitiu proteger os consumidores de procedimentos criminais e da consequente estigmatização, passando a ser sancionados administrativamente (Lei nº 30/2000 de 29 de novembro)2. Mesmo com o, recentemente instituído, Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD)3, os programas de redução de riscos e minimização de danos mantêm‑se como uma importante atribuição (Decreto‑Lei n.º 17/2012 de 26 de janeiro).

Uma das mais distintivas características da redução de riscos prende‑se com o seu caráter pragmático (Einstein, 2007; Fernandes, 2009; Parker, 2005; Quintas, 2006; Rovira & Hidalgo, 2003), privilegiando‑se uma abordagem de saúde pública (O’Malley & Valverde, 2004; Zajdow, 2005). Tal abordagem foca‑se na minimização dos potenciais danos das drogas e no evitamento de consumos problemáticos (Fernandes, 2009; Fernandes & Ribeiro, 2002; Keene, 2001; Parker, 2005; Percy, 2008; Romaní, 2003; Rovira & Hidalgo, 2003; Shukla & Kelley, 2007; Zajdow, 2005), substituindo os megalómanos ideais da abstinência pela hierarquização de objetivos (Einstein, 2007; Rovira & Hidalgo, 2003). Apela‑se, assim, a uma noção de prevenção das drogas mais ampla e abrangente nos seus propósitos, como a que é veiculada pelo mais recente manual do EMCDDA (2011) e cujos objetivos passam por “prevenir ou atrasar a iniciação do uso de drogas, promover a cessação do consumo, reduzir a frequência e/ou a quantidade do uso, prevenir a progressão para padrões de consumo perigosos ou nocivos, e/ou prevenir ou reduzir as consequências negativas do consumo” (p. 26).

As medidas de redução de riscos e minimização de danos são também caracterizadas por uma dimensão humanista, sendo privilegiadas estratégias não culpabilizantes nem estigmatizantes (Fernandes, 2009; Fernandes & Ribeiro, 2002; O’Malley & Valverde, 2004; Quintas, 2006), por se acreditar que tal estigmatização pode amplificar os riscos e danos associados às drogas, nomeadamente, ao diminuir a probabilidade de os sujeitos procurarem apoio formal (Keene, 2001). A decisão de usar substâncias psicoativas é, portanto, respeitada, não se constituindo como critério de exclusão para o apoio formal (Carvalho, 2007; Fernandes, 2009; O’Malley & Valverde, 2004; Romaní, 2003; Rovira & Hidalgo, 2003; Zajdow, 2005).

Assiste‑se, com a redução de riscos e minimização de danos, a uma alteração dos estatutos dos consumidores e dos profissionais (Fernandes, 2009; Romaní, 2003), deixando estes últimos de ser encarados como os peritos no fenómeno (Einstein, 2007). A aposta recai num trabalho horizontal e na participação dos consumidores nos esforços interventivos (Fernandes, 2009; Rovira & Hidalgo, 2003), sendo objetivadas as suas obrigações e clarificado o papel dos profissionais (Einstein, 2007), além de se “negociar uma série de medidas, sociais e profilácticas” entre ambos (Romaní, 2003, p. 441).

Com estas medidas, em contraponto com a lógica repressiva que enfatiza os padrões problemáticos, alarga‑se o leque de destinatários, de objetivos e de estratégias interventivas, abrangendo‑se não só os consumos problemáticos como outros alternativos, que não requerem tratamento, incluindo os que cada vez mais se verificam em contextos recreativos e no meio estudantil (Calafat, Fernández, Juan, & Becoña, 2005; Deehan & Saville, 2003; IDT, 2009, 2010; Keene, 2001; OEDT, 2008, 2009). Em Portugal, o antigo IDT vinha sendo, a par de algumas organizações não‑governamentais (Cf. Carvalho, 2007), um dos principais organismos a atuar nestes meios, por exemplo, em festivais e em semanas académicas, promovendo um maior conhecimento sobre as drogas e os seus riscos e recolhendo dados sobre as necessidades de informação dos sujeitos e sobre as estratégias interventivas que consideram mais eficazes (IDT, 2009, 2010). No entanto, no nosso país as intervenções em contextos recreativos ainda não são sistematicamente implementadas, nem adotadas em todas as suas valências (Barbosa, 2009; Fernandes et al., 2006).

Em Portugal os esforços em termos de redução de riscos e minimização de danos continuam a incidir nos padrões de consumo problemáticos, não só em meio natural como também prisional. Aposta‑se, sobretudo, em programas de substituição opiácea e de troca de agulhas e seringas, assim como na promoção da reintegração social dos consumidores, procurando desenvolver‑se as suas competências sociais e alterar as suas frequentes condições de desemprego e de sem‑abrigo (Fernandes, 2009; IDT, 2009, 2010; OEDT, 2008, 2009). A proximidade deste trabalho é favorecida, desenrolando‑se cada vez mais no terreno, por meio de equipas de rua, unidades móveis e grupos de auto‑ajuda (Fernandes, 2009; IDT, 2009). Enfatiza‑se, ainda, a necessidade de intervir na prevenção das recaídas, típicas nestes padrões de consumo e pouco trabalhadas, auxiliando os consumidores no desenvolvimento de capacidades pessoais e sociais, bem como na ativação de redes de suporte social efetivas (Keene, 2001; OEDT, 2009).

No que concerne a padrões de consumo alternativos aos problemáticos, o trabalho de redução de riscos e minimização de danos vem ocorrendo maioritariamente por via da intervenção em contextos recreativos. Esta ênfase crescente justifica‑se pelo facto de tais contextos serem reconhecidos como palcos privilegiados do uso de substâncias ilegais, frequentemente combinadas com álcool, e pela preocupação que tal prática suscita (Calafat et al., 2005; OEDT, 2008; Rovira & Hidalgo, 2003). Os principais propósitos de tais intervenções prendem‑se com a promoção de mudanças nas normas e práticas de uso de substâncias ilegais e legais, e com a minimização das possibilidades de surgirem danos associados aos consumos (OEDT, 2008), criando as condições para uma festa mais segura (Carvalho, 2007; Rovira & Hidalgo, 2003).

Nesta lógica, é comum a adoção de estratégias que visam informar os frequentadores destes contextos acerca das drogas, suas consequências e serviços de apoio, entre outros meios, através da divulgação de informação em flyers, bilhetes de entrada e posters, assim como pela presença anunciada de profissionais disponíveis para conversar e prestar esclarecimentos (Calafat et al., 2005; Deehan & Saville, 2003; IDT, 2009; Rovira & Hidalgo, 2003). Privilegiada é, também, a realização de testes de pastilhas, por se reconhecer a frequente adulteração das substâncias ilícitas e a sua potencial perigosidade (Calafat et al., 2005; Fernandes, 2009). Do mesmo modo, enfatiza­‑se a formação dos proprietários e dos profissionais de tais contextos acerca de questões relacionadas com as drogas, os seus perigos, os cuidados que exigem ao nível dos espaços e os modos de atuação em situações de emergência médica (Calafat et al., 2005; Deehan & Saville, 2003; OEDT, 2008; Rovira & Hidalgo, 2003). O objetivo é também que, através destes agentes sociais, se consiga garantir as condições de segurança dos espaços, como ventilação apropriada, disponibilização gratuita de água potável, locais de descanso e ausência de sobrelotação (ibidem). Além disso, pretende­‑se conhecer as perceções e hábitos de consumo destes profissionais, por se reconhecer o seu importante papel junto dos indivíduos que frequentam os contextos recreativos (Calafat et al., 2005). Uma aposta ainda recente, mas em crescimento, prende­‑se com o fornecimento de transporte para e dos locais de recreação noturna, de modo a promover deslocações seguras para os seus frequentadores (OEDT, 2008). É de notar que em Portugal se tem assistido, nos últimos anos, a um crescente investimento dos esforços de investigação e intervenção centrados nos meios universitários, designadamente pela atuação do IDT e do GIES (Grupo de Intervenção no Ensino Superior) em celebrações das semanas académicas, nas quais se verifica uma expressiva utilização de drogas (IDT, 2009).

Não obstante o amplo reconhecimento das vantagens das estratégias de redução de riscos e minimização de danos admite‑se que estas encerram algumas limitações, sobretudo por continuarem a enfatizar as dimensões negativas e problemáticas dos consumos nas suas representações sobre os mesmos e, consequentemente, nos seus modos de atuação (Rovira & Hidalgo, 2003). Antecipa‑se mais eficaz o investimento numa abordagem de gestão dos prazeres e dos riscos do consumo que aceite as escolhas dos indivíduos e os capacite para uma gestão mais informada e efetiva desta prática, o que requer que a informação seja trabalhada também tendo em vista uma perspetiva do prazer, nomeadamente para estimular o seu envolvimento e assegurar a consideração dos seus pontos de vista (Romaní, 2008; Rovira & Hidalgo, 2003). A este propósito, Romaní (2008, p. 101) refere que “talvez seja o momento, pelo menos para o trabalho com os jovens, de não falar tanto da redução de danos, que é uma terminologia, a do sofrimento, que os deixa muito afastados, mas mais da gestão dos prazeres, que é o que mais vivem e lhes importa”.

Boas práticas de intervenção no fenómeno das drogas

Partindo do que foi exposto nos tópicos anteriores pretendemos neste capítulo final enfatizar aquilo que consideramos serem boas práticas de intervenção no fenómeno das drogas.

Na nossa perspetiva, estas boas práticas sustentam‑se em dois pilares centrais: (i) abranger todos os sujeitos que utilizam substâncias psicoativas; e (ii) envolver todos os consumidores nos esforços interventivos.

Para que tal seja possível, cremos que o primeiro passo é ter vontade de ver mais além do que aquilo que vem sendo mostrado pelos discursos dominantes, quer da sociedade em geral quer da comunidade científica. De facto, apesar de estes permanecerem focados nas dimensões negativas e problemáticas do consumo de drogas (e.g., Fendrich & Johnson, 2005; O’Malley & Valverde, 2004; Stevens, 2007), são cada vez mais os trabalhos que discutem padrões alternativos de uso de drogas, sob as designações de ‘não problemáticos’ (Cruz, 2011; Pallarés, 1996), ‘não dependentes’ (Keene, 2001), ‘funcionais’ (Smith & Smith, 2005) e ‘saudáveis’ (Whiteacre & Pepinsky, 2002). Em tais padrões, os sujeitos mostram‑se capazes de controlar os seus consumos sem necessidade de intervenção externa, em grande medida pela adoção de cuidados de gestão do uso das drogas (e.g., Cruz, 2011; Fernandes & Ribeiro, 2002; Pallarés, 1996)4 .

Para que as práticas de intervenção nas drogas sejam efetivas não é possível continuar a ignorar tais padrões de consumo, pois ao fazê‑lo estamos a contribuir para que os sujeitos que não se revêem nas noções de consumidor problemático e toxicodependente se afastem dos esforços interventivos. Pelo contrário, temos de aprender com estes sujeitos o que é necessário para manter consumos ‘não problemáticos’ de modo a, a partir daí, se trabalhar com os consumidores problemáticos. Cremos que o propósito central da intervenção no fenómeno das drogas deve ser o de auxiliar os sujeitos a utilizar estas substâncias das formas menos prejudiciais possíveis, por ser mais pragmático e proveitoso do que trabalhar para a abstinência (Cruz & Machado, 2010; Einstein, 2007; Gamella & Roldán, 1999; Pallarés, 1996; Percy, 2008; Rovira & Hidalgo, 2003; Shukla & Kelley, 2007). Tal pragmatismo, a par do seu caráter humanista e da eficácia que tem demonstrado no controlo do crime e dos problemas de saúde pública, é o principal argumento que nos leva a valorizar a redução de riscos e minimização de danos como uma boa prática de intervenção nos consumos, quer problemáticos quer ‘não problemáticos’.

Cremos, todavia, que não basta proporcionar aos consumidores este trabalho de redução de riscos, sendo necessário envolvê‑los nos esforços interventivos, sob pena de estes não serem eficazes. A título de exemplo, estudos com sujeitos que realizaram tentativas de tratamento da dependência mostram que estas tendem a falhar, conduzindo a recaídas, quando os próprios não as desejam e quando não estão motivados (Cruz, 2011; Pallarés, 1996; Torres, Lito, Sousa, & Maciel, 2008). Tal envolvimento implica não demitir os sujeitos das suas responsabilidades, incluindo sobre os seus consumos, e estimular um estilo de atribuição/locus de controlo interno (Einstein, 2007; Fernandes, 2009; Rovira & Hidalgo, 2003; Szasz, 1992; Walters, 2000; Whiteacre & Pepinsky, 2002). Encaramos, aliás, como altamente criticáveis perspetivas mais tradicionais que tratam os consumidores como doentes e que lhes transmitem a mensagem de que não são capazes de, sem apoio externo, lidar com a sua ‘doença’ de utilização de substâncias ilegais. Não negamos a existência de situações em que o apoio externo é necessário, mas defendemos ser mais proveitoso estimular a responsabilidade pelos consumos, mesmo antes da sua eventual iniciação (Cruz, 2011).

É neste sentido que valorizamos a promoção de um mecanismo individual de autocontrolo/autorregulação dos consumos como uma boa prática de intervenção no fenómeno das drogas, à semelhança do que defendem outros autores (Castel & Coppel, 1991; Cohen, 1999; Fernandes & Ribeiro, 2002; Rovira & Hidalgo, 2003; Szasz, 1992). Privilegiar uma política não proibicionista afigura‑se‑nos como a melhor forma de estimular o autocontrolo dos consumidores, pelo que propomos que: (i) nos casos em que o consumo não prejudica de forma significativa nem o próprio nem terceiros, se respeite a escolha dos sujeitos, procedendo apenas à sua informação, nomeadamente sobre os potenciais prejuízos das drogas e sobre o modo de os evitar; (ii) quando os consumos acarretam consequências negativas para os sujeitos, o sistema de apoio formal proporcione as necessárias estruturas de suporte, clínicas e sociais; e (iii) nos casos em que das práticas relacionadas com as drogas resultam prejuízos para terceiros (e.g., sinistralidade rodoviária pela condução sob o efeito destas substâncias, envolvimento em práticas criminais para financiar os consumos), os indivíduos sejam alvo de medidas sancionatórias, de natureza civil ou criminal5. A potenciação do referido mecanismo de autocontrolo/autorregulação requer também, a nosso ver, uma efetiva educação sobre e para os consumos (que capacite os sujeitos para a tomada de decisões informada)6 e um trabalho de desenvolvimento e treino de competências pessoais e sociais (e.g., Rovira & Hidalgo, 2003).

Além disso, para se conseguir fomentar o interesse e o envolvimento dos consumidores nos esforços interventivos, julgamos essencial atender tanto aos riscos como às potencialidades (sobretudo o prazer) das drogas, já que o consumo parece resultar do balanço entre ambos (Cruz, 2011; Kelly, 2005; Levy et al., 2005; Romaní, 2008; Rovira & Hidalgo, 2003; San Julián & Valenzuela, 2009). Num estudo anterior (Cruz, 2011) equacionámos em que medida a falta de eficácia das políticas oficiais das drogas não é alimentada pela discrepância entre um discurso público que se centra nos seus prejuízos (O’Malley & Valverde, 2004; Rovira & Hidalgo, 2003; San Julián & Valenzuela, 2009), ao mesmo tempo que os consumidores (funcionais) valorizam a sua utilização e o prazer que assim obtêm. Esta discussão pública sobre as drogas pode ser, assim, sentida pelos referidos consumidores como falseada, contribuindo para que se desliguem desse debate, além de não ajudar a uma compreensão adequada dos motivos e das experiências, de pelo menos parte, dos consumidores (Cruz, 2011). Com efeito, identificamos como boa prática de intervenção nas drogas a abordagem que aposta no trabalho de gestão dos prazeres, não se limitando à gestão dos riscos, proposta por autores como Romaní (2008) e Rovira e Hidalgo (2003).

Na nossa perspetiva, o envolvimento dos consumidores nos esforços interventivos implica, também, a adoção de estratégias que permitam realmente chegar até eles, o que nos leva a valorizar, como boa prática de intervenção nas drogas, o trabalho de proximidade e em contexto natural (e.g., Fernandes & Ribeiro, 2002), tanto nos casos de consumos problemáticos como ‘não problemáticos’. Afigura‑se‑nos menos produtiva a intervenção que decorre em gabinete, por se tratar de um contexto pouco apelativo e por não facilitar a generalização das aprendizagens para as situações reais. O trabalho de proximidade implica, obviamente, que se vá ao encontro dos consumidores, o que se parece revestir de especial dificuldade no caso de consumos ‘não problemáticos’. Dados de estudos anteriores sugerem que estes padrões de utilização de drogas, além de envolverem maiores cuidados para a sua ocultação, tendem a ser algo fluidos em termos de localização espacial (cf. Cruz, 2011). Neste sentido, mais do que ocorrer em contextos específicos, tendem a acontecer em circunstâncias mais especiais e festivas que se desenvolvem tanto em espaços públicos, como semi­‑públicos e privados (e.g., Carvalho, 2007; Cruz, 2011; San Julián & Valenzuela; Silva, 2005).

Com efeito, consideramos que apostar no desenvolvimento da intervenção através de pares é uma boa prática de intervenção no fenómeno das drogas, por facilitar o acesso a contextos e a consumidores mais difíceis de alcançar (Cruz, 2011; Pallarés, 1996; Young, 1971). Esta abordagem estratégica implica o estabelecimento (e contratualização) de parcerias com determinados sujeitos, que se mostrem disponíveis, identificando‑se as responsabilidades e contrapartidas para todos os intervenientes, de modo a conseguir o seu efetivo envolvimento e responsabilização7. Com tais sujeitos desenvolver‑se‑ia um trabalho horizontal, de partilha e construção de informação em relação às substâncias psicoativas e a cuidados de gestão dos consumos consentâneos com a manutenção de utilizações ‘não problemáticas’, capacitando‑os para veicular e trabalhar esta informação junto dos seus pares. No caso de colaboradores consumidores tal estratégia visaria, também, dotá‑los de competências para regular os seus usos de drogas, de modo a manter o ajustamento nas várias áreas de vida. Seria importante manter encontros regulares para ir monitorizando e atualizando o trabalho em curso, nomeadamente a partir do feedback obtido em situações da vida real. Esta intervenção através dos pares constituiria, igualmente, uma forma de estimular o desenvolvimento de mecanismos de controlo social informal, cuja relevância é amplamente reconhecida (Castel & Coppel, 1991; Cohen, 1999; Matos & Simões, 2008; Quintas, 2006; Reuband, 1995; Walters, 2000; Young, 1971), uma vez que as vivências com consumidores constituem um importante meio de aprendizagem sobre as drogas e de desenvolvimento das conceções de risco dos sujeitos (Cruz, 2011; Gamella & Roldán, 1999; Kelly, 2005; San Julián & Valenzuela, 2009; Shukla & Kelley, 2007). Tais colaboradores operariam junto dos seus pares como efetivos meios de aprendizagem, tanto direta, pela partilha de informação, como indireta, pela observação de comportamentos no caso de serem eles próprios consumidores.

Para a concretização de um trabalho de proximidade parece‑nos igualmente essencial que os técnicos estabeleçam com os consumidores uma relação de empatia, de valorização das suas opiniões e de respeito pelas suas escolhas (nomeadamente a de utilizar drogas), não patologizante, nem estigmatizante. Defendemos, assim, a necessidade de promover um trabalho horizontal e interativo, encarando os consumidores como peritos no tema e responsáveis pelos seus comportamentos e pela mudança (e.g., Fernandes, 2009; Whiteacre & Pepinsky, 2002)8. Importa, neste sentido, conhecer as condições concretas de vida e de consumo destes sujeitos para identificar as suas necessidades específicas e adaptar respostas interventivas mais eficazes (Fernandes et al., 2006; Goren, 2005; Moritz, 2005).

A importância de envolver os consumidores nos esforços interventivos e de lhes dar liberdade para viver e discutir os seus consumos justifica‑se também, a nosso ver, como forma de os incentivar a procurar suporte especializado quando acham que dele necessitam e a ser francos na informação que prestam nesses contextos (Eade, 2005)9. Julgamos, todavia, que tal só é possível se alterarmos as nossas conceções sobre as drogas ilegais, deixando de as usar como um depósito de moralizações e de estigmas e passando a encará­‑las de uma forma mais ‘naturalizada’ e não criminalizadora. Neste sentido, afigura‑se‑nos mais efetivo optar pela descriminalização do consumo pessoal e pelo trabalho de redução de danos, em detrimento da anterior política criminalizadora. De facto, a experiência portuguesa, acumulada desde o início do século XXI, tem evidenciado as vantagens de se apostar nesta abordagem alternativa, nomeadamente por ter contribuído para uma expressiva diminuição do uso de substâncias ilegais, testemunhando‑se no nosso país uma das mais baixas taxas europeias de prevalência dos consumos, à exceção dos de heroína (Greenwald, 2009; IDT, 2009; Poiares, 2009).

 

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Lei nº 30/2000 de 29 de novembro. Diário da República n.º 276/2000 – I Série‑A. Lisboa.

 

*Autor para correspondência

Olga Souza Cruz, Departamento de Ciências Sociais e do Comportamento – ISMAI, Av. Carlos Oliveira Campos, Castelo da Maia, 4475‑690 Avioso S. Pedro

Correio eletrónico: D011379@ismai.pt / olgasouzacruz@gmail.com

 

Enviado a 30-09-2012. Aceite a 03-01-2013

 

Notas

1Note‑se que tal discussão não se aplica às medidas contraordenacionais, pois considera‑se legítimo veicular um juízo negativo e impor uma punição, embora sem o pendor danoso das medidas criminais, sobre determinados comportamentos que apesar de serem sobretudo autolesivos podem acarretar prejuízos sociais (Maia Costa, 2001).

2Note-se que, no entanto, os casos de alegado tráfico, nos quais se constata a posse de mais do que a dose média para dez dias de consumo, continuam a ser enviados para Tribunal (Lei nº 30/2000 de 29 de novembro).

3Com o Decreto‑Lei n.º 17/2012 de 26 de janeiro o Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT) dá lugar ao Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), que assume como incumbência central “promover a redução do consumo de substâncias psicoativas, a prevenção dos comportamentos aditivos e a diminuição das dependências” (Decreto‑Lei n.º 17/2012 de 26 de Janeiro, p. 478).

4Alguns estudos têm salientado, de facto, que o número de sujeitos que mantêm utilizações regulares ou intensivas das drogas é relativamente baixo (Pallarés, 1996) e que a maioria dos consumidores impõe diversos tipos de autocontrolos no seu consumo para o manter conciliado com as atividades convencionais (Cohen, 1999; Ehrenberg & Mignon, 1992).

5Consideramos, assim, que é necessário começar a encarar as drogas ilegais de uma forma não criminalizadora e, em consequência, passar a aplicar políticas como as que são usadas com o consumo de álcool – uma substância igualmente psicoativa e com riscos associados, se não houver autorregulação, mas que não é criminalizada.

6Para concretizar este trabalho educativo consideramos essencial partir das conceções de risco dos próprios sujeitos, percebendo os significados que constroem em torno de diferentes drogas e padrões de consumo e aqueles que se revelam mais contra‑produtivos para a manutenção de consumos ‘não problemáticos’ (e.g., desvalorização dos potenciais prejuízos do uso de canabinóides). Urge construir com os indivíduos informação precisa sobre os riscos de todas as substâncias psicoativas, de padrões de consumo concretos (e.g., aqueles em que se combina o uso de drogas ilegais e legais) e de determinadas condutas, como a condução sob a influência destas substâncias.

7Podemos equacionar esta abordagem como idêntica à estratégia do tipo ‘bola de neve’ utilizada para a recolha de informação, embora se destine agora à sua disseminação, pelo que o ideal é que tais sujeitos, nomeadamente consumidores com padrões de consumo ‘não problemáticos,’ sejam heterogéneos em termos de características sociodemográficas para se conseguir chegar a mais pessoas.

8Tal como propõe outros autores (e.g., Moritz, 2005), julgamos ser pouco eficaz investir em sessões expositivas de esclarecimento sobre as drogas nas quais um perito sobre o tema apresenta informação a um grupo de consumidores que frequentemente se sente pouco à‑vontade para intervir e colocar as suas dúvidas. Parece‑nos, portanto, mais produtivo promover discussões em espaços informais (e.g., sob a forma de tertúlias), com a presença de profissionais e pares capacitados para esclarecer as dúvidas dos consumidores e conversar sobre as drogas sem juízos de valor nem atitudes moralistas. Tais ações deveriam ser regulares para permitir uma monitorização e feedback constantes sobre as práticas e os significados dos sujeitos relacionados com as drogas (e.g., Percy, 2008) e para facilitar a atualização dos profissionais em relação aos tipos de consumo ‘em voga’, o que se nos afigura de especial relevância pela facilidade e frequência com que são produzidas e distribuídas novas drogas sintéticas (Cruz, 2011).

9De facto, trabalhos anteriores identificam a relutância dos consumidores em procurar suporte formal como uma consequência negativa das políticas proibicionistas (Inciardi, 1991).