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Psicologia

Print version ISSN 0874-2049

Psicologia vol.24 no.1 Lisboa  2010

 

COPE-inventory: teste da estrutura facturial com uma amostra de jovens adultos universitários

COPE-Inventory – factorial structure with a sample of college students

 

Joana Cabral1; Paula Mena Matos2

1Bolseira de Doutoramento (FCT/SFRH/BD/18357/2004). Universidade do Porto, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, jcabral@fpce.up.pt

2Professora Auxiliar e coordenadora científica do projecto Vinculação, desenvolvimento e adaptação psicossocial (FCT/PTDC/PSI/65416/2006). Universidade do Porto, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, pmmatos@fpce.up.pt

 


RESUMO

Na primeira parte deste artigo abordam-se algumas das principais controvérsias e desafios na conceptualização e avaliação do coping, passando-se depois à apresentação de um estudo de adaptação do COPE-Inventory (Carver, Scheier, & Weintraub, 1989), com uma amostra de 1074 estudantes do 1º ano de vários cursos da Universidade do Porto. Numa primeira metade aleatória da amostra foi efectuada uma Análise Factorial Exploratória. O ajustamento local de cada factor e o modelo global foram testados na segunda metade, recorrendo a Análises Factoriais Confirmatórias que revelaram índices de ajustamento adequados. Propõe-se uma versão adaptada do instrumento composta por 4 escalas, reflectindo estratégias: Activas/Reflexivas, de Procura de Suporte, Evitantes e de Significação Positiva. As escalas revelaram uma consistência interna satisfatória (alphas de Cronbach entre .64 e .80) e correlações significativas e moderadas na direcção esperada, sugerindo estratégias de coping que, embora distintas, não serão necessariamente mutuamente exclusivas, podendo coexistir durante o processo de coping.

Palavras-chave: estratégias de coping, adaptação do COPE Inventory, Análise Factorial Confirmatória, consistência interna


ABSTRACT

Some of the current controversies and challenges regarding coping conceptualisation and assessment are addressed, followed by a discussion of the procedures used to validate a Portuguese version of the COPE-Inventory (Carver, Scheier, & Weintraub, 1989) using a sample of 1074 freshstudents from different courses of the University of Porto. An Exploratory Factor Analysis was conducted with the first (randomly selected) half of the sample. On the second half each scale local adjustment, as well as the global model fit were tested, using Confirmatory Factor Analysis, revealing adequate fit indexes. An adapted version of the measure with 4 scales, reflecting Active/Reflexive, Seeking support, Avoidant and Positive signification strategies, is proposed. These scales revealed a satisfactory internal consistency (Cronbach’s alphas ranging between .64 e .80) and significant and moderate intercorrelations in the expected directions, suggesting distinct but nevertheless potentially interdependent coping strategies that could coexist throughout the coping process.

Keywords: coping strategies, COPE-Inventory adaptation, Confirmatory Factor Analysis, internal consistency


 

Introdução

 

As abordagens teóricas e empíricas do coping têm vindo a ser alvo de discussão e debate há já algumas décadas (Clark, Bormannn, Cropanzano, & James, 1995; Lazarus, 1993; Stanton, Parsa, & Austenfeld, 2002; Seiffge-Krenke, 1993). A reflexão crítica, a par de um esforço integrativo, são preocupações centrais que emergem na sequência de uma já ampla recolha de dados empíricos. Sendo estes dados muitas vezes (aparentemente) contraditórios, emerge então a necessidade de lhes dar coerência (Folkman & Moskowitz, 2004). Das questões centrais que têm vindo a ser alvo de considerável debate, uma primeira diz respeito à existência de duas grandes correntes conceptuais, com as evidentes consequências para a operacionalização e enfoque da avaliação dos processos de coping: uma que privilegia os aspectos ambientais, temporais ou situacionais e processuais, outra que tende a valorizar a influência de aspectos intrapessoais e de personalidade. Uma segunda questão diz respeito à classificação, denominação e distinção das diferentes estratégias ou processos de coping, mais concretamente com base na distinção entre coping centrado no problema vs. centrado nas emoções.

 

Estilos vs. Processo de coping

O constructo de coping emerge no âmbito das teorias psicanalíticas e do conceito de mecanismos de defesa referindo-se, mais concretamente, aos mecanismos de defesa vistos como funcionais ou adaptativos, por oposição à sua visão como disfuncionais e tradicionalmente associados a perturbações psicopatológicas (para revisão mais detalhada ver Folkman & Moskowitz, 2004, Lazarus, 1993, Parker & Endler, 1996). As abordagens centradas nas dimensões de personalidade ou intrapessoais ou, por outras palavras, na identificação de uma consistência na escolha das estratégias (preferenciais) de coping perante situações diversas e ao longo do tempo, tendem a ser entendidas como decorrentes desta linha psicanalítica (Lazarus, 1993). Algumas das críticas frequentemente apontadas remetem para a visão demasiado restrita e intrapessoal do coping, descurando a importância dos factores situacionais e contextuais e da interacção pessoa-ambiente (Lazarus, 1993), e para o facto de nesta linha se estudarem quase primordialmente acontecimentos traumáticos e/ou críticos (Seiffge-Krenke, 1993). Lazarus (1993) refere ainda como o mais sério dos problemas a tendência para identificar “estilos” demasiado generalistas que descrevem uma determinada estratégia (ou conjunto de estratégias) que pode não ser ilustrativa ou representativa da forma como o sujeito lida com uma variedade de situações específicas, não sendo por isso sensíveis às variações intrapessoais. Ainda que reconhecendo fundamento nestas críticas, haverá que enquadrá-las nas tendências mais recentes da investigação acerca da influência da personalidade e das orientações preferenciais ao nível dos processos de coping, questão que será adiante retomada.

A abordagem de Lazarus e Folkman (e.g., Lazarus, 1966, Lazarus & Folkman, 1984) representou um marco na conceptualização dos processos de coping com as respectivas consequências para a sua avaliação (Carver, 1996; Folkman & Moskowitz, 2004; Parker & Endler, 1996). Os autores propõem uma abordagem processual do coping, chamando a atenção para a importância de reconhecer que as respostas de coping são inevitavelmente influenciadas por factores situacionais, contextuais e ambientais, propondo por isso que o coping muda ao longo do tempo e de acordo com o contexto situacional em que ocorre (Lazarus, 1993). Esta nova abordagem teve o mérito de alargar o espectro dos processos de coping, até aí demasiado centrados em situações extremas, traumáticas e/ou que acarretam risco de vida (Parker & Endler, 1996). O coping passou então a ser visto como um fenómeno inerente aos desafios da vida quotidiana (Folkman & Moskowitz, 2004) e a definição compreensiva de coping como um conjunto de pensamentos e acções usadas com o objectivo de lidar e gerir exigências ou desafios internos e externos percepcionados como ameaçadores, stressantes e/ou como ultrapassando os recursos pessoais (Lazarus & Folkman 1984; Lazarus, 1991) tem sido amplamente aceite. Outro dos relevantes contributos desta abordagem é o conceito de avaliação e reavaliação cognitiva que chama a atenção para a importância dos processos de significação que estão envolvidos na forma como a situação é percebida, nomeadamente como são percepcionados, quer o seu grau de ameaça, quer os recursos para lidar com a situação. A questão dos significados pessoais de ameaça é de resto apontada como um dos desafios cruciais da investigação na área (Lazarus, 1993).

Ainda que inicialmente vistas como contrastantes ou oponentes, estas perspectivas têm vindo a ser conciliadas, numa abordagem cada vez mais integrativa e de reconhecimento da sua complementaridade (Folkman & Moskowitz, 2004; Parker & Endler, 1996). Assim, uma das sugestões para investigação futura remete para a necessidade de abordar os processos de coping avaliando simultânea e integrativamente as dimensões situacionais e de personalidade e, consequentemente, estratégias usadas em situações específicas e estratégias mais disposicionais. O próprio Lazarus (1993, p. 244) defende que as perspectivas em questão representam “faces da mesma moeda” sendo “ambas essenciais na medida em que representam facetas distintas do problema”, acrescentando que se complementam, tornando possível superar as limitações de cada uma. O enfoque deixa de estar assim polarizado para se centrar no reconhecimento da existência de uma interacção pessoa-ambiente.

Emoções vs Problema

Apesar de vários teóricos e investigadores (e.g., Carver, Scheier, & Weintraub, 1989; Heppner, Cook, Wright, & Johnson Jr., 1995; Schwarzer & Schwarzer, 1996) questionarem ou mesmo criticarem a distinção entre estratégias focadas no problema vs. estratégias centradas nas emoções, esta permanece na maior parte das propostas conceptuais, na operacionalização do constructo em instrumentos de avaliação e, consequentemente, na interpretação e discussão dos resultados empíricos. As desvantagens, ou mesmo riscos, desta distinção são pelo menos duas. Primeiramente, esta distinção pecará por uma visão demasiado simplista e redutora. Sendo demasiado generalista, não é sensível e/ou mascara a heterogeneidade ou variações inerentes aos processos de coping e às diferenças inter e intra-individuais. O segundo argumento decorre do primeiro, embora resida mais concretamente na conotação adaptativa e desadaptativa que comummente é atribuída às estratégias em questão (Hsu, Chen, Wang, & Hsu, 2008). Apesar desta distinção ter sido introduzida por Lazarus e Folkman (1984), é de notar que estes mesmos autores adiantam que ambas as estratégias podem e são habitualmente usadas pelo mesmo sujeito no decorrer do confronto com o agente stressor, acrescentando que as estratégias não têm em si mesmas um carácter inerentemente adaptativo e desadaptativo e alertando para os riscos da dicotomização entre estratégias focadas no problema e estratégias focadas nas emoções (Lazarus, 1999). Os mesmos autores defendem ainda a necessidade crucial de distinguir respostas de coping das suas consequências, i.e., da sua eficácia adaptativa ou desadaptativa, e, consequentemente de as avaliar separadamente.

Os riscos desta dicotomização são ainda agravados pelo facto de, frequentemente, as estratégias incluídas pelos diferentes autores e investigadores nas escalas de coping focado no problema e nas emoções partilharem da mesma sustentação teórica e designação, ainda que nem sempre sendo as mesmas. As estratégias incluídas dentro de cada uma destas designações divergem não só em número como na sua natureza. Este problema é particularmente comum na dimensão emocional, em que se verificam mesmo estratégias negativamente correlacionadas. Nalguns casos, as estratégias de evitamento e/ou negação estão incluídas nesta categoria, já noutros são enquadradas numa categoria à parte, o mesmo acontecendo com a procura de suporte emocional e ainda com a reinterpretação positiva (Lyne & Roger, 2004; Stanton et al., 2002). A ausência de consenso e de homogeneidade na classificação e distinção das dimensões e estratégias de coping compromete a interpretação, a comparabilidade e a generalização dos resultados empíricos, no que respeita ao potencial adaptativo ou desadaptativo das referidas estratégias, tornando-se difícil a interpretação das suas associações com indicadores de adaptação e stress psicológico.

Apesar das vozes discordantes, esta distinção de problema vs. emoções parece ser transversal e quase incontornável nas estruturas factoriais dos vários instrumentos de coping existentes (ver exemplos em Lyne & Roger, 2004; Schwarzer & Schwarzer, 1996; Stanton et al., 2002). Stanton e colaboradores (2002) confirmam ainda, com base numa revisão de artigos empíricos publicados entre 1995 e 1998, que o coping centrado no problema surge positivamente conotado com respostas mais desejáveis e funcionais e o focado nas emoções negativamente conotado com resoluções menos eficazes de coping e com consequências negativas ao nível do funcionamento psicossocial e emocional. Lazarus (1993, p. 238) admite mesmo que “existe uma forte tendência dentro dos valores ocidentais para venerar” as estratégias ditas focadas no problema e para “duvidar” (distrust no original) das estratégias ditas focadas nas emoções. O autor acrescenta que, embora comportamentos como agir de forma directa sobre o problema e ser racional sejam vistos como “mais desejáveis”, poderão em certas circunstâncias ser “contraproducentes”, dando como exemplo situações em que não é possível alterar a situação e em que os “esforços focados nas emoções podem ser a melhor opção de coping” (Lazarus, 1993, p. 238). Os dados empíricos relativos a situações de doença crónica, luto e prestação de cuidados a doentes terminais, entre outros, tendem a demonstrar a falibilidade adaptativa das estratégias activas dirigidas à alteração do problema. Mais importante ainda, são antes as estratégias focadas nas emoções ou com uma componente de distanciamento distractivo que tendem a revelar-se associadas a uma melhor adaptação (para uma revisão empírica ver Folkman & Moskowitz, 2004). Estas diferenças no potencial adaptativo das respostas de coping centradas no problema ou nas emoções são entendidas considerando o carácter interactivo e processual do coping e a importância da natureza do problema e/ou agente stressor nesta equação, bem como a (percepção de) capacidade ou ausência de controlo sobre o problema e/ou stressor (Folkman & Moskowitz, 2004; Lazarus, 1993).

Stanton e colaboradores (2002), reconhecendo que o potencial adaptativo do coping através das emoções pode não estar suficientemente explorado e identificado, propõem duas dimensões para operacionalizar os processos que poderão estar envolvidos: processamento (processos de reconhecimento, reflexão, compreensão e integração das emoções) e expressão (formas diversas de expressão dos estados emocionais e afectivos, que não se esgotam na procura de suporte emocional, podendo por exemplo, traduzir-se na escrita de um diário ou em qualquer outro produto pessoal). Se a dimensão da expressão vai estando razoavelmente representada nos instrumentos de coping, embora limitada à procura de suporte e/ou a itens contaminados por significados de stress psicológico (que avaliam mais esta experiência do que a expressão propriamente dita), a dimensão do processamento está claramente sub-representada ou mesmo totalmente negligenciada (Stanton et al., 2002). O facto de os itens terem implícitas vivências de stress psicológico, representa uma sobreposição e contaminação que se traduzirá em correlações positivas com medidas do último, enviesando os resultados e as respectivas conclusões.

O carácter inerentemente desadaptativo das estratégias evitantes tem também sido alvo de alguma reflexão. Começa a reconhecer-se que, em determinadas circunstâncias, certas formas de evitamento podem ser funcionais “representando uma forma saudável de repressão”. Um exemplo disso serão situações relacionais de conflito, em que o evitamento ou repressão podem resultar de um processo de “reavaliação” da situação, deixando esta de se configurar como ameaça e de requerer estratégias activas ou confrontativas de resolução. Um outro exemplo disso serão situações de avaliação ou realização de exames em que o evitamento pode ser útil, pelo menos na fase da espera pelo resultado (Lazarus, 1993). Haverá, pelo menos, duas facetas do evitamento que poderão revelar um potencial adaptativo diferencial, e que convirá distinguir: os processos de fuga, negação e/ou desinvestimento, por um lado, e as estratégias de afastamento com uma componente distractiva e reguladora, por outro (Lyne & Roger, 2000). Acima de tudo parece fundamental reflectir sobre algumas das já existentes evidências empíricas, aparentemente contraditórias, que parecem alertar para a heterogeneidade das estratégias que podem estar envolvidas nestas dimensões (Lyne & Roger, 2000; Stanton et al., 2002).

Objectivo

Os estudos realizados até ao presente com o COPE-Inventory têm adoptado diferentes organizações factoriais que reflectem, consequentemente, diferentes operacionalizações do constructo. Alguns estudos mantêm a separação entre as 13 ou 15 estratégias (dependendo da inclusão das dimensões do Humor e Consumo de Substâncias; e.g. Hsu et al., 2008) originalmente propostas pelos autores. Em outros casos, são adoptadas as já acima discutidas organizações dicotómicas, agrupando as dimensões do instrumento em estratégias focadas no problema vs. nas emoções (e.g., Liverant, Hofman, & Litz, 2004) ou em estratégias de aproximação vs. de evitamento (e.g., Weinstein, Brown, & Ryan, 2009). Nos casos acima referidos, a manutenção da estrutura original ou o agrupamentos das diferentes dimensões em dois factores dicotómicos seguem apenas, no primeiro caso, a proposta original dos autores e, no segundo, a tradição teórica; raramente se verificam dados relativos ao teste da estrutura factorial adoptada.

Há, contudo, um terceiro conjunto de estudos que testa a estrutura factorial e a validade de constructo do instrumento recorrendo, nomeadamente, a procedimentos de Análise Factorial Exploratória e/ou Confirmatória. Estes estudos encontram recorrentemente resultados que colocam em causa a replicação da estrutura originalmente proposta nas 13 ou 15 dimensões originais do COPE, sugerindo antes que estas se agrupam num menor número de factores de 2ª ordem. De resto, os próprios autores referem que a distinção entre as 15 escalas é teoricamente fundamentada, podendo não se verificar empiricamente, incentivando os investigadores a procurar estruturas alternativas e/ou de 2ª ordem com base nas suas próprias amostras (Carver et al., 1989; Carver, sd). As dimensões activas e/ou focadas no problema, as evitantes e as de suporte social ou de coping focados nas emoções, são as mais presentes nestas propostas de reorganização factorial (Lyne & Roger, 2000). Emerge ainda assim, num número considerável destes estudos, uma dimensão que reflecte processos de aceitação e resignificação positiva (Deisinger, Cassidi, & Whitaker, 2003; Phelps & Jarvis, 1994; Sica, Magni, Ghisi, Altoè, Sighinolfi, Chiri, & Franceschini, 2008). Apesar da aparente consistência entre as propostas acima descritas verificam-se, às vezes, umas ligeiras outras mais pronunciadas, diferenças no número de factores encontrados e, principalmente, na organização dos itens e/ou dimensões originais em cada um destes.

Tais condições constituem-se como argumentos para iniciar os procedimentos de adaptação e validação do COPE procedendo a uma Análise Factorial Exploratória (AFE), de forma a explorar organizações alternativas ao nível dos próprios itens, sem impor uma estrutura baseada num número pré-determinado de factores.

As considerações de natureza mais conceptual, também já discutidas, no que se refere à conceptualização e operacionalização dos processos de coping, servirão também de base à tarefa de explorar uma versão e uma estrutura factorial alternativa do COPE-Inventory, procurando que a proposta seja capaz de contribuir para contornar alguns obstáculos e dar resposta a alguns dos actuais desafios nesta área de investigação.

É objectivo deste trabalho encontrar um conjunto de itens que, em si mesmos e na sua estrutura dimensional, reflictam estratégias de coping preferenciais, mas ainda assim susceptíveis de aplicação num conjunto diversificado de circunstâncias stressoras. Mais ainda, itens e dimensões que reflictam estratégias primordialmente centradas no problema, bem como as centradas noutros processos que não directamente associados à resolução activa e directa do mesmo. Entre as últimas, espera-se que se incluam mais do que as estratégias habitualmente contrapostas às dirigidas à resolução do problema (centradas nas emoções e evitantes), nomeadamente de natureza cognitiva e emocionalmente reguladora.

 

Método

Participantes

A amostra é constituída por 1074 alunos do 1º ano a frequentar várias faculdades da Universidade do Porto, entre elas: Medicina, Arquitectura, Direito, Psicologia, Ciências, Farmácia, Engenharia e Economia. Dos participantes 392 (36.5%) são homens e 681 mulheres (63.5%), com idades entre os 17 e os 43 anos (M= 18.19, DP= 1.3). A quase totalidade dos estudantes é solteiro/a (1062; 98.9%). A média de acesso ao ensino superior varia entre os 11 e os 19.9 valores (M= 17.4; DP= 17.8), sendo 17 a nota de candidatura mais frequente. A grande maioria dos participantes (87.2%; 936) frequenta pela primeira vez o Ensino Superior.

 

Instrumento

A opção pelo uso do COPE-Inventory (Carver3, Scheier, & Weintraub, 1989) deveu-se, principalmente, ao carácter abrangente e compreensivo da sua abordagem no que respeita ao repertório de respostas de coping, uma vez que se pretendia uma medida capaz de captar e avaliar estratégias individuais e/ou orientações preferenciais de coping. Pretendia-se ainda um instrumento que, (i) não estando conotado nem com as abordagens traço nem com as abordagens estritamente situacionais, permitisse posteriormente avaliar respostas situacionais de coping ou estratégias adoptadas em situações específicas, (ii) que evitasse, ou que pelo menos permitisse, contornar a distinção reducionista entre coping centrado no problema vs. nas emoções, (iii) que não confundisse respostas e/ou estratégias com consequências ou resultados dos esforços de coping e cujos itens envolvessem a menor conotação possível relativamente ao seu potencial mais ou menos adaptativo.

A versão disposicional do COPE-Inventory inclui originalmente 60 itens organizados em 15 escalas propostas como teoricamente distintas pelos autores (Carver et al., 1989). Atendendo ao alargado e exigente protocolo a ser respondido pelos participantes, no âmbito do estudo mais alargado onde se insere este instrumento, e tendo ainda como objectivo tornar o instrumento mais parcimonioso, foram assumidas algumas decisões de modo a diminuir o número de itens. As escalas Ponderação (“Restraint” no original) e Coping Religioso foram eliminadas, não chegando a ser incluídas no questionário, uma vez que não se mostraram particularmente relevantes para os objectivos do estudo. Relativamente às restantes escalas, alguns dos itens foram também excluídos com base numa análise do (baixo) poder explicativo de cada item (saturação no factor), na sua redundância e/ou na sua ambiguidade. Os itens eliminados correspondem na sua grande maioria ao excluídos pelos próprios autores, também com base no critério do poder explicativo no factor de origem, com o objectivo de desenvolver uma versão breve do instrumento (Carver et al., 1989). Este procedimento tem sido adoptado por outros autores que usaram o COPE (e.g. Livneh, Livneh, Maron, & Kaplan, 1996; Lyne & Roger, 2000; O’Connor & O’Connor, 2003).

A versão usada consistia assim em 37 itens respeitantes às seguintes 13 escalas: Coping Activo (“Adopto medidas concretas para procurar resolver o problema/situação.”); Planeamento (“Procuro definir uma estratégia para lidar com a situação/problema.”); Supressão de actividades competitivas (“Concentro-me na resolução da situação/problema e, se necessário, deixo outras coisas para segundo plano.”); Reinterpretação positiva e aprendizagem (“Tento encarar a situação de uma perspectiva diferente e mais positiva.”); Aceitação (“Aprendo a viver com a situação/problema.”); Procura de suporte instrumental (“Falo com alguém que me possa dar informação útil ou ajudar a perceber melhor a situação.”); Procura de suporte social (“Converso com alguém sobre o que estou a sentir.”); Focalização na/e libertação de emoções (“Descarrego as minhas emoções para me sentir mais aliviado/a.”); Desinvestimento comportamental (“Admito que não consigo lidar com a situação e desisto de tentar.”); Desinvestimento mental (“Penso noutras coisas além da situação/problema em causa.”); Negação (“Digo para mim próprio/a ‘isto não está acontecer’.”); Uso de substâncias (“Tento abstrair-me e descontrair um pouco bebendo mais álcool que o habitual.”); e Humor (“Rio-me da situação.”). Foi pedido aos participantes que, referindo-se a “situações difíceis ou geradoras de stress”, respondessem de acordo com a “forma como genericamente reage nas várias situações da sua vida e não numa situação específica”, Os participantes responderam aos itens com base numa escala entre 1 (discordo totalmente) e 6 (concordo totalmente)4.

 

Procedimento

Aos estudantes foi solicitado que participassem num estudo longitudinal sobre o desenvolvimento psicossocial do estudante universitário, tendo sido referidos os objectivos gerais do estudo. Enfatizou-se o carácter voluntário, tendo sido assegurados a confidencialidade e o anonimato das respostas. O protocolo de instrumentos administrados incluía, além da versão disposicional do COPE-Inventory, outras medidas usadas numa primeira fase de um projecto mais alargado de investigação, bem como um questionário sociodemográfico. O tempo médio de resposta ao protocolo foi de aproximadamente 30 minutos, tendo a administração decorrido em contexto de sala de aula.

 

Estratégia de Análise de Dados

Os 1074 sujeitos da amostra foram aleatoriamente distribuídos por 2 bases de dados, sendo cada uma composta por, aproximadamente, 50% dos participantes. As análises comparativas revelaram que os dois subgrupos não se distinguem no que respeita às variáveis sociodemográficas usadas para caracterizar a amostra. Usando uma das metades, os 37 itens foram submetidos primeiramente a uma AFE (usando o SPSS, versão 15). A estrutura mais coerente foi posteriormente submetida a procedimentos de AFC (usando o EQS, versão 6.1) com a segunda metade da amostra. Primeiramente, foi testado o ajustamento local de cada escala e, finalmente, o ajustamento do modelo de medida global. A consistência interna das escalas foi também avaliada através do coeficiente do alpha de Cronbach. Apresentam-se em seguida os resultados destas análises.

 

Resultados

Análise Factorial Exploratória

Uma Análise Factorial Exploratória (AFE) em Componentes Principais foi primeiramente levada a cabo numa das metades da amostra (N = 528). A análise dos valores próprios (eigenvalues) e do teste do cotovelo (scree plot) sugeriu, respectivamente, 4 e 6 factores. As duas soluções foram testadas aplicando a rotação varimax ao conjunto de itens, de modo a analisar a sua organização e a dimensionalidade dos factores que desta emergiam. A estrutura em 6 factores (explicando 51,3% da variância total) mostrou ser a mais interpretável, quer de uma perspectiva empírica, quer teórica (menos saturações duplas e o conjunto de itens que satura em cada factor sugere uma dimensionalidade mais facilmente interpretável). Os factores pareciam reflectir as seguintes estratégias de coping (ver Quadro 1): (i) Activas/Reflexivas (7 itens); (ii) Evitantes (10 itens); (iii) Procura de suporte (instrumental e emocional) (5 itens); (iv) de Significação Positiva (7 itens); (v) Humor (4 itens); (vi) e Uso de substâncias (4 itens). Alguns itens foram eliminados nesta fase por: apresentarem saturações duplas ou baixas (inferiores a .35), não serem interpretáveis no contexto da escala, e/ou serem responsáveis por uma diminuição da consistência interna da mesma. Foi o caso, na escala Evitante, do item 17 (“Descarrego as minhas emoções para me sentir mais aliviado/a”), que não era interpretável no contexto do factor e apresentava uma saturação dupla e, na escala de Significação Positiva, do item 29 (“Vou ao cinema, vejo televisão, saio com os amigos, pratico desporto, etc, para pensar menos no assunto.”), que evidenciava uma baixa e dupla saturação. Apesar de mostrar uma dupla saturação acima de .30 (.339) no factor relativo ao coping Evitante, optou-se pela manutenção do item 30 atendendo à saturação moderadamente elevada no factor principal (.565), relativo à Significação Positiva. De notar que, de todos os factores, o de Significação Positiva é o mais heterogéneo, incluindo estratégias e itens que originalmente diziam respeito à aceitação, à reinterpretação positiva e ao desinvestimento mental. Esta dimensão poderá ser interpretada como um conjunto de atitudes relativamente à situação que permitem, por um lado, redefinir o seu grau ameaçador e, sem negar a existência do problema, gerir a atenção e os recursos que lhe são dirigidos, reflectindo-se assim igualmente numa gestão dos recursos cognitivos e emocionais.

Análise Factorial Confirmatória

O ajustamento local de cada escala foi separadamente testado na outra metade da amostra (N= 546). A análise confirmatória da estrutura de cada escala levou, nalguns casos, a procedimentos de depuração, i.e., à eliminação de alguns itens, nomeadamente nas escalas Evitante e de Significação Positiva. Os critérios para a eliminação foram a sua baixa saturação (inferior .35) e o facto desta eliminação se reflectir numa melhoria ao nível dos índices de ajustamento. As estruturas locais finais mostraram bons índices de ajustamento, estando todos os valores dentro dos limites de corte (ver Quadro 2 para resumo dos resultados). Será ainda de referir que todas as correlações entre variâncias erro reflectem similitude semântica entre os itens.

Finalmente, testou-se o ajustamento global do modelo de medida. Para tal, e de forma a garantir um modelo parcimonioso e justificado, os itens que compõem cada dimensão foram aleatoriamente agrupados em 2 a 3 parcelas, dependendo do número de itens em questão (para detalhes relativamente às vantagens do uso de parcelas ver Little, Cunningham, Shahar & Widaman, 2002). Inicialmente, as escalas do Humor e Uso de substâncias foram incluídas. Atendendo às suas baixas saturações na latente de 2ª ordem (respectivamente, .08 e -.21), ou por outras palavras, ao seu reduzido valor explicativo para o respectivo constructo de coping global, estas duas dimensões não foram mantidas na estrutura final. Testou-se então um modelo final constituído pelas quatro dimensões a manter. O modelo revela a boa saturação das 4 dimensões no constructo latente global. Mais ainda, esta saturação verifica-se na direcção esperada (ver Figura 1) – as escalas de Coping Activo/Reflexivo, Procura de Suporte e Significação Positiva mostram saturações positivas, enquanto a escala de Coping Evitante revela uma saturação negativa. A estrutura final proposta revela um bom ajustamento (χ2(32) = 161.01, p < .0001; CFI = .93; SRMR = .06; e RMSEA = .09), à excepção do valor do RMSEA que, embora dentro dos limites aceitáveis, revela um ajustamento abaixo do razoável (Byrne, 2006). Assim sendo, optou-se por usar a versão robusta, por ser a mais estável e indicada para amostras em que existem violações na normalidade das distribuições (ibidem). Os índices de ajustamento mostram-se, neste caso, dentro dos valores críticos (χ2 = 108.10, p < .0001; CFI = .94; e RMSEA = .07), revelando um bom ajustamento.

Consistência interna e correlações entre escalas

Na sua generalidade as escalas6 mostram-se moderadamente correlacionadas na direcção esperada (ver Quadro 3). A escala de coping Activo/Reflexivo é a que apresenta correlações mais elevadas com todas as restantes, estando inversamente correlacionada com a Evitante e positivamente com a Procura de Suporte e Significação Positiva. As escalas de Humor e Consumo de Substâncias mostram correlações genericamente baixas e, em alguns casos, mesmo não significativas, com as restantes dimensões. As escalas mostram uma boa consistência interna revelada pelos níveis aceitáveis de alpha de Cronbach, com a excepção da escala de Significação Positiva, que mostra um valor mais baixo (.66). Ainda assim, considerando que esta escala é composta apenas por 5 itens, este valor pode considerar-se dentro dos limites aceitáveis.

Discussão

 

Os procedimentos de validação de uma versão do COPE-Inventory com uma amostra portuguesa de jovens adultos universitários resultou satisfatoriamente. Os valores de consistência interna, bem como o bom ajustamento demonstrados pela estrutura factorial, como foi possível verificar através dos procedimentos de AFE e AFC, permitem afirmar que a estrutura final pode ser considerada estável e válida. A estrutura encontrada é consistente com estudos prévios, uma vez que a combinação de estratégias originalmente pertencentes a diferentes escalas parece ser coerente com as elevadas correlações encontradas entre as mesmas (e.g., Clark et al., 1995) e com estruturas de 2ª ordem já identificadas por outros autores. Nomeadamente no que concerne a identificação de organizações de 2ª ordem, a estrutura proposta é semelhante à encontrada, quer pelos próprios autores do instrumento (Carver et al., 1989), que identificaram 4 factores de 1ª ordem, quer por outros que procuraram testar a estrutura factorial do COPE (Sica et al., 2008, Lyne & Rogers, 2000; Phelps & Jarvis, 1994; Deisinger et al., 2003). As estratégias que aqui se combinam num mesmo factor correspondem, com algumas excepções, às que se agrupam nos referidos factores de 1ª ordem. O factor relativo às estratégias Activas/Reflexivas inclui itens das escalas de Coping Activo, Planeamento e Supressão de actividades competitivas. O factor de Procura de suporte combina, além dos itens da procura de suporte, um dos itens da Focalização na libertação de emoções. O factor Evitante inclui itens relativos ao Desinvestimento mental e ao comportamental, bem como à dimensão da Negação. Finalmente, os itens relativos à Aceitação e Reinterpretação Positiva saturam num último factor, aqui denominado de Significação Positiva. Estes resultados são coerentes com os estudos prévios referidos. Contudo, contrariamente ao que acontece com estruturas de 2ª ordem encontradas em outros estudos anteriormente realizados, nomeadamente pelos autores do instrumento (Carver et al., 1989), além dos itens relativos à Aceitação e Reinterpretação Positiva, o factor Significação Positiva inclui ainda um item originalmente pertencente à escala de Desinvestimento Mental (“Penso noutras coisas além da situação/problema.”).

A capacidade para (re)avaliar construtivamente o stressor e para, simultaneamente, o aceitar poderá facilitar processos distractivos que permitem uma gestão e/ou restabelecimento dos recursos pessoais e vice-versa. Note-se que, numa primeira Análise Factorial Exploratória (ACP), o factor Significação Positiva incluía ainda outros dois itens originalmente pertencentes à escala de Desinvestimento Mental (“Viro-me para o trabalho ou outras actividades para não pensar no assunto.” e “Vou ao cinema, vejo televisão, saio com amigos, pratico desporto, etc., para pensar menos no assunto.”). Ainda que os 2 itens referidos tenham sido eliminados pela sua baixa saturação na AFC, parecem sugerir a vertente adaptativa dos processos distanciamento distractivo. É de notar que o Desinvestimento Mental é de todas as dimensões do COPE a que tem revelado maior fragilidade ao nível da consistência interna, com valores de alpha de Cronbach entre .39 .51 (Carver et al., 1989; Liverant et al., 2004, Phelps & Jarvis, 1994). Dado que nos parece sugerir o possível cariz heterogéneo dos itens que a compõem. Alguns estudos verificaram ainda que a escala de Desinvestimento Mental se agrupa com as relativas à Reinterpretação Positiva e Aceitação e/ou apresenta correlações significativas e positivas com as mesmas e não com as relativas à Negação e ao Desinvestimento Comportamental (Phelps & Jarvis, 1994; Clark et al., 1995). Estes elementos parecem-nos merecer alguma reflexão, alertando para a utilidade de estudos posteriores que possam melhor esclarecer a relação entre estas estratégias, bem como o seu potencial adaptativo ou desadapatativo. Isso implicará, certamente, uma operacionalização mais concreta de estratégias capazes de reflectir respostas distractivas, associadas à aceitação de problemas não controláveis, sem que esteja obrigatoriamente presente uma postura supressiva de negação e/ou evitamento da situação, distinguindo-as de estratégias de negação e desinvestimento de cariz acentuadamente repressor.

No que concerne agora à correlação encontrada entre os factores, é de notar que a dimensão de Procura de Suporte (instrumental e emocional), factor que inclui ainda um item relativo à expressão emocional, está moderada e positivamente correlacionada com estratégias Activas/Reflexivas e que ambas estão também, por sua vez, positivamente correlacionadas com as estratégias de Significação Positiva. Estes resultados vêm dar suporte ao pressuposto de que respostas de coping baseadas na expressão das emoções e na procura de suporte podem ter um potencial adaptativo (Stanton et al., 2002). Tais estratégias, a par da aceitação, reinterpretação positiva e até mesmo na refocalização da atenção além do problema ou stressor, podem não só ter um potencial adaptativo como também servir como uma plataforma facilitadora dos processos mais activos de coping, tendo com estes uma relação que pode ser reciprocamente benéfica; relação em que estas diferentes estratégias poderão ser usadas de forma complementar ou intercalada ao longo do tempo, em função das exigências e necessidades do momento.

É de realçar que a estrutura proposta parece dar resposta ao objectivo inicial de usar um instrumento sensível e capaz de captar de forma efectiva estratégias particulares, individuais e/ou preferenciais de coping. As dimensões encontradas não parecem conformar-se com a distinção estratégias centradas no problema vs. centradas nas emoções, mas antes reflectir um espectro mais alargado de respostas de coping. Paralelamente, as correlações entre escalas sugerem que cada escala, ainda que moderadamente associada com as restantes, reflecte aspectos distintos destes processos. Os resultados sugerem a importância de reflectir sobre a necessidade de conceptualizações e operacionalizações (i.e., instrumentos de medida) que ultrapassem as distinções problema vs. emoções e as consequentes classificações coping adaptativo vs. desadaptativo e possam ser sensíveis a uma maior diversidade ao nível dos processos individuais de coping, não limitando a compreensão e investigação acerca dos mesmos à referida organização dicotómica. Em suma, as 4 escalas encontradas parecem reflectir estratégias de coping distintas, mas ainda assim interdependentes e não mutuamente excludentes, cujo carácter mais ou menos adaptativo dependerá da natureza do stressor, de factores temporais e contextuais, bem como das características pessoais.

Por fim, convirá referir que este trabalho não pretende colocar em causa a estrutura original do COPE-Inventory. De resto, os resultados encontrados vão ao encontro, como já referido, de trabalhos posteriores dos próprios autores do instrumento (Carver et al., 1989; Carver, sd). Tratou-se de, com base no instrumento em questão, escolhido à partida pelas suas características compreensivas, encontrar uma estrutura factorial que, mantendo-se fiel à proposta de base, atendesse aos desafios colocados no actual panorama da investigação acerca dos processos de coping.

Limitações e sugestões para investigação futura

Algumas das opções tomadas no âmbito deste estudo poderão trazer implicações para a comparabilidade dos resultados aqui encontrados com os de outros estudos com o instrumento em questão. São elas: (i) o uso de uma escala de resposta em 6 pontos em detrimento da escala original em 4 pontos; (ii) o facto de terem sido eliminadas, a priori, duas das escalas originalmente presentes (Restraint e Religião); (iii) finalmente, a eliminação, decorrente dos resultados, das dimensões do Humor e do Consumo de Substâncias. Ainda assim, considera-se que as opções em causa não comprometem os dados de validação da estrutura factorial do COPE-Inventory com a amostra e para a população em questão. A consistência dos resultados aqui encontrados com os reunidos por outros autores com o mesmo instrumento confere segurança na asserção acima defendida. Não eram pretensões deste trabalho adaptar a versão completa do COPE-Inventory, ou validar uma nova estrutura a competir com e/ou substituir a existente. O objectivo era antes a validação de uma versão do instrumento para investigação, a usar com uma população de jovens adultos universitários.

A não inclusão das dimensões do Humor e Consumo de Substâncias na estrutura final parece-nos sugerir a natureza distinta destas dimensões ou estratégias de coping. Note-se que, além de baixas, as correlações destas dimensões com as restantes, principalmente no caso do Humor, configuram um padrão inconsistente e de difícil interpretação. O Humor correlaciona-se positivamente como o coping Activo/Reflexivo e com a Significação Positiva, mas também com o coping Evitante e com o Consumo de Substâncias. Este é um aspecto que ultrapassa o âmbito deste trabalho, mas deverá merecer atenção em análises futuras.

Sendo este um primeiro estudo de validação e adaptação do instrumento, será fundamental, para a consolidação da estrutura factorial encontrada, procurar novas oportunidades para a sua replicação, bem como dar continuidade à averiguação das suas qualidades psicométricas. Pelo seu carácter transversal, os presentes dados deixam por responder algumas questões cruciais. Importará assim replicar a estrutura encontrada, bem como procurar argumentos adicionais para atestar a sua validade de constructo e validade preditiva, através do recurso a variáveis respeitantes à adaptação e desenvolvimento psicossocial. A análise da relação das diferentes escalas de coping identificadas com indicadores de adaptação e desenvolvimento contribuirá ainda para esclarecer o carácter mais ou menos adaptativo das mesmas. Espera-se assim que a presença de variáveis relativas à regulação emocional, à vinculação, à adaptação à universidade e ao desenvolvimento psicossocial, no âmbito do projecto de investigação mais alargado e de carácter longitudinal em que se enquadra o uso do COPE-Inventory, permita contribuir para dar resposta às questões acima colocadas. Considera-se ainda pertinente explorar diferenças intra e interindividuais, com base em variáveis de personalidade (como, por exemplo, os modos de regulação emocional e as organizações de vinculação), bem como relacionais e contextuais (como a qualidade das relações de vinculação e experiências relacionais e as especificidades dos vários contextos, entre outros), procurando analisar também a importância relativa de cada um destes factores numa perspectiva que concilie as abordagens traço e situacional.

A administração da versão situacional do COPE, a par de um desenho longitudinal, permitirá esclarecer a relação entre orientações disposicionais e estratégias usadas em situações específicas e/ou em diferentes momentos, procurando perceber se existe uma consistência ao longo do tempo e perante uma diversidade de situações (Lazarus, 1993) e, paralelamente, os factores na base das dinâmicas e diferenças inter e intraindividuais.

As dimensões emocionais do coping, bem como a sua relação com processos de regulação emocional, são temas que têm vindo a ser avançados como revestidos de especial interesse, uma vez que a experiência emocional poderá predispor ou influir na opção por determinadas estratégias de coping, estratégias estas que, por sua vez, terão consequências emocionais também distintas (Gohm & Clore, 2002; Lazarus, 1993; Fuendeling, 1998). Uma representação mais compreensiva e exaustiva destas estratégias emocionais contribuiria consideravelmente para melhor sustentar o pressuposto defendido a respeito do carácter não dicotómico e/ou mutuamente excludente das estratégias centradas nas emoções e no problema.

Umas das limitações deste instrumento e, consequentemente, da estrutura factorial aqui apresentada, é a de que a vertente emocional do coping está claramente subrepresentada. De resto, como é comum a outros instrumentos (Stanton et al., 2002), está limitada à procura de suporte e, neste caso em concreto, a um único item relativo à expressão das emoções. Assim, esta dimensão ou escala, bem como os itens que integra, não são suficientemente representativos ou ilustrativos dos diferentes processos e estratégias que configuram o coping pelas emoções. A fim de aprofundar a compreensão da relação entre estas dimensões, explorando ainda a forma como diferentes configurações ao nível da regulação emocional e do coping se relacionam com os processos e adaptação e desenvolvimento, será pertinente recorrer às variáveis de regulação emocional presentes no já referido estudo.

Em suma, considera-se que, a fim de contribuir para uma melhor e mais aprofundada conceptualização e compreensão dos processos de coping, é fundamental privilegiar abordagens integrativas e compreensivas, que avaliem simultaneamente estratégias disposicionais e situacionais de coping e explorem o potencial adaptativo das diferentes estratégias, sem as limitar a classificações reducionistas que as conotam inerentemente com um carácter mais ou menos adaptativo. Tais abordagens são cruciais para compreender as complexas dinâmicas na base da opção por determinadas estratégias. Os pensamentos e comportamentos de coping deverão ser, não só contextualizados tendo em conta a situação, o contexto, o stressor, e o momento no processo de coping, mas também as características pessoais que dão uma determinada intencionalidade e/ou enquadram a escolha ou função da estratégia usada. Nomeadamente, os esforços activos para alterar a situação ou pensamentos relacionados com a definição de estratégias para lidar com a situação, podem ser usados por alguns indivíduos como esforços activos e reflectidos adequados às características das situação (e.g., controlabilidade), já para outros podem representar acções insistentes e pensamentos de carácter ruminativo e desadequados, atendendo às características da situação.

 

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Notas

3Foi solicitada junto do autor responsável pelos direitos do instrumento (Prof. Charles Carver, University of Miami) autorização para a utilização do mesmo.

4A escala de resposta, que foi alterada, originalmente variava entre 1 (“Habitualmente nunca faço isto”) e 4 (“Habitualmente faço muito isto”), no sentido de assegurar uma consistência entre as escalas dos vários instrumentos incluídos no protocolo administrado.

5 Neste caso, devido a problemas com a normalidade da distribuição dos dados são referidos os dados resultantes da aplicação do método robusto. Por este motivo não consta o índice SRMR, uma vez que não é fornecido com esta opção.

6As medidas compósitas das dimensões ou escalas aqui referidas foram calculadas com base na média aritmética dos seus itens.