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Psicologia

versão impressa ISSN 0874-2049

Psicologia v.20 n.1 Lisboa  2006

 

Apresentação do Número

Isabel Soares 1

 

 

Contributos da investigação sobre a vinculação em Portugal

 

Este número temático reúne um conjunto de investigações sobre a vinculação, conduzidas em Portugal, no âmbito de distintos grupos2, inci­dindo em temáticas distintas relativas à infância, adolescência e idade adul­ta, orientadas para problemáticas e contextos específicos, tais como a maternidade na adolescência, a adopção, as relações de amor, de amizade e de trabalho, recorrendo a métodos distintos de avaliação da vinculação, inclu­in­do entrevistas, questionários, observações da interacção diádica com base em escalas e em Q‑set.

No seu conjunto, este corpo de investigação espelha a multiplicidade dos temas e a variedade de linhas de investigação que hoje se cruzam no território científico da investigação da vinculação. Na esteira da investiga­ção internacional, os diversos grupos de investigação da vinculação em Por­tugal procuram examinar e responder a questões e desafios da actuali­dade, recorrem a métodos de avaliação correntes neste domínio científico e oferecem contributos no plano da metodologia, por exemplo, questionando e afinando medidas existentes.

Neste âmbito, o primeiro estudo apresentado, da autoria de Jonge­nelen e colaboradores, procura examinar a questão da transmissão interge­racional da vinculação num grupo de mães adolescentes e seus bebés, cru­zando duas medidas centrais na investigação da vinculação: a Adult Attach­ment Interview (George, Kaplan & Main, 1985) e a Situação Estra­nha (Ainsworth & Wittig, 1969; Ainsworth & Bell, 1970; Ainsworth, Blehar, Waters & Wall, 1978). Este estudo com uma amostra de risco re­vela uma distribuição dos padrões de vinculação nos bebés muito próxima da en­contrada em amostras consideradas “normativas”, ao nível nacional (Soa­res, 1996; Soares et al., 1995) e internacional (van IJzendoorn & Kroonen­berg, 1988). Por outro lado, a preponderância de mães adolescen­tes com uma organização de vinculação insegura aproxima­‑se também da distribui­ção obtida em outras pesquisas com mães de nível socioeconómico baixo (van IJzendoorn & Bakermans­‑Kranenburg, 1996). Contudo, em contraste com resultados encontrados em outros estudos, (por exemplo, Fonagy et al., 1991; Benoit & Parker 1994), esta amostra portuguesa não revelou uma concordância significativa entre a organização da vinculação da mãe e do seu bebé. A questão da transmissão intergeracional da vincu­lação continua em aberto, para a qual este artigo procura contribuir.

O segundo artigo de Veríssimo e Salvaterra centra­‑se temática da adopção e procura examinar duas questões relevantes no processo de cons­trução da relação de vinculação – a idade da criança, na altura da adopção, tem influência na qualidade da vinculação estabelecida com a sua nova fa­mí­lia? Há relação entre o modelo interno dinâmico da mãe e o com­por­ta­mento de base segura do seu filho(a) adoptado? Para analisar estas ques­tões, foram utilizados o Attachment Behaviour Q‑Set e as Narra­tivas de Re­pre­sentação da Vinculação em Adultos. Os resultados encontra­dos tra­zem para primeiro plano a discussão da noção de período crítico para o esta­be­le­cimento da vinculação e, por outro lado, salientam a impor­tância de uma figura estável e sensível para a promoção e desenvolvimento da relação de vin­culação, apoiando a relevância da sensibilidade materna, conceito­‑cha­ve de Ainsworth, na qualidade deste novo contexto relacional construído pela adopção. Além disso, este novo território relacional re­mete­‑nos, tam­bém, para a questão da transgeracionalidade da vinculação – já abordada no artigo anterior de Jongenelen e colaboradores, no contexto da mater­nidade na ado­lescência – no sentido em que que o modelo interno da mãe poderá cons­tituir um factor mediador da qualidade da prestação dos cuida­dos e da in­teracção que esta estabelece com o seu filho(a), e que se reflecte na qualidade de vinculação das crianças.

O artigo de Lima e colaboradores avança para um outro território relacional – as relações íntimas na idade adulta – procurando cruzar a abordagem cen­trada no discurso e na representação do indivíduo, a partir da Intimate Relationship Interview (Lima, Vieira, Soares & Collins, 2005), com o foco na interacção do casal e nos seus comportamentos em situações problemá­ticas, com base na Couple Interaction Task (Collins, Hennighau­sen, Madsen & Roisman, 1998). Os resultados preliminares apontam para a associação entre estes dois níveis de análise e para a pertinência da combi­nação de múltiplos métodos na avaliação da vinculação no contexto das relações íntimas na idade adulta.

Figueiredo e colaboradores analisam a qualidade da vinculação e das relações significativas na gravidez, em adolescentes e adultas, com um duplo foco – por um lado, nas características sociais e demográficas e nas condi­ções anteriores de existência que estão associadas a um estilo de vinculação (in)seguro e, por outro lado, no impacto do estilo de vinculação na quali­dade do relacionamento e do apoio por parte do companheiro e de uma outra pes­soa significativa, na gravidez – com base na Attachment Style Interview – de Bifulco e colaboradores Os resultados revelam a importância de aconteci­mentos críticos do passado e do presente, tais como a separação ou divórcio parental durante a infância ou adolescência ou o desemprego no pre­sente, associados a um estilo inseguro de vinculação. Além disso, os re­sul­tados apontam para o impacto do estilo de vinculação nas relações actuais, na me­dida em que os estilos inseguros estão associados a rela­cio­na­men­tos de me­nor qualidade na gravidez, com o companheiro e outros signi­fi­cativos.

O artigo de Matos e Costa inscreve­‑se na abordagem conceptual e metodológica de Bartholomew e pretende analisar a relação entre a vincu­lação aos pais e a vinculação ao par romântico e as diferenças de género do adolescente e da figura parental nas representações da vinculação, tendo como base duas entrevistas semi­‑estruturadas: Family Attachment Inter­view e Peer Attachment Interview de Bartholomew e Horowitz. As entre­vis­tas dos adolescentes evidenciam a presença de regularidades nas repre­sen­tações de ambos os domínios, quer ao nível dos conteúdos, quer ao nível da qualidade da organização discursiva. Além desta proximidade na orga­ni­zação das narrativas, de um modo geral, tende também a haver pro­ximidade na qualidade das representações da vinculação aos pais e ao par romântico: representações de vinculações seguras às figuras parentais ten­dem a estar associadas a representações de vinculações seguras no plano das relações românticas e a representações mais favoráveis acerca de si próprio e dos outros, não tendo sido encontradas diferenças do género do adolescente nos padrões de vinculação.

A pesquisa de João Moreira procura responder à questão “Será o es­tilo de vinculação específico para cada relação?”, através de um estudo de generalizabilidade, com base num questionário medindo as duas dimensões fundamentais das auto­‑avaliações do estilo de vinculação dos adultos, a preocupação e a evitação, examinando em que grau os indivíduos exibem o mesmo estilo de vinculação em relações com diferentes parceiros. Os re­sultados deste estudo desafiam a noção da consistência em diferentes rela­ções ao revelarem a necessidade de se considerar características específicas das relações, apoiando, assim, a proposta de Bartholomew (1990), de que a evitação reflecte a representação dos outros, sendo, por isso, específica das relações, enquanto que a preocupação tenderá a reflectir a representação de si próprio e, nesse sentido, será específica da pessoa.

Os dois últimos artigos integrados neste número temático estão cen­trados na avaliação dos estilos de vinculação em adultos, com base em questionários de auto­‑relato. O artigo de Canavarro e colaboradores dá conta dos novos desenvolvimentos da Escala de Vinculação do Adulto (EVA), versão portuguesa da Adult Attachment Scale­‑R, de Collins e Read (1990). Tendo como ponto de partida os primeiros estudos de validação (Canavarro, 1999), a investigação actual integra uma amostra mais alar­ga­da da popula­ção clínica e não clínica, permitindo analisar a estrutura di­men­sional, fia­bilidade e validade da escala. O estudo actual revela resul­tados favoráveis ao nível das características psicométricas da escala, a qual permite, agora, a classificação dos sujeitos com base nos protótipos iden­ti­ficados por Bartholomew e Horowitz (1991).

O estudo de Fonseca e colaboradores parte da versão portuguesa do Loving/Working: Are They Related?, de Hazan e Shaver (1990), para exa­mi­nar o estilo de vinculação nos contextos das relações amorosas e das re­la­ções pro­fissionais. Os resultados revelam que a maioria dos partici­pantes se iden­tifica com um estilo de vinculação segura e com uma orien­tação para o trabalho segura, tendo sido encontrada uma associação signi­ficativa entre estas duas variáveis. Por outro lado, um estilo de vinculação segura, nas rela­ções amorosas e na orientação para o trabalho, parece estar asso­ciado a uma maior satisfação profissional e melhor adaptação ao tra­balho.

Como procurámos evidenciar nesta apresentação, este número temá­tico espelha a diversidade de temas e de métodos, dando voz à multiplici­dade de focos sobre o território da investigação científica da vinculação, onde se cruzam várias abordagens a partir do legado Bowlby­‑Ainsworth­‑Main. Este cenário, marcado pela polifonia, constitui, também, um desafio à coerência teórica e à capacidade de dar sentido e de integrar os múltiplos da­dos e resultados, à luz do vasto património teórico e empírico. Esta di­ver­­sidade traz novas questões, põe em cena velhas questões, coloca dú­vi­das onde estariam certezas. É por aqui que a ciência avança e é por aqui que a investigação da vinculação em Portugal nos parece estar, tam­bém, a cami­nhar.

 

 

Referências

Ainsworth, M., & Wittig, B. (1969). Attachment and exploratory behavior of one­‑year­‑olds in a strange situation. In B. M. Foss (Ed.), Determinants of infant behavior (pp. 111­‑136). London: Methuen.        [ Links ]

Ainsworth, M., & Bell, S. (1970). Attachment, exploration, and separation: illustrat­ed by the behavior of one­‑year­‑olds in a strange situation. Child Development, 41, 49­‑67.

Ainsworth, M., Blehar, M., Waters, E., & Wall, S. (1978). Patterns of attachment: a psychological study of the strange situation. Hillsdale: Erlbaum.

Bartholomew, K. (1990). Avoidance of intimacy: An attachment perspective. Jour­nal of Social and Personal Relationships, 7, 147­‑178.

Bartholomew, K., & Horowitz, L. (1991). Attachment styles among young adults: A test of a four category model. Journal of Personality and Social Psychology, 61 (2), 226­‑244.

Benoit, D., & Parker, K. (1994). Stability and transmission of attachment among three generations. Infant Mental Health Journal, 10, 185­‑202.

Canavarro, M. C. (1999). Relações afectivas e saúde mental. Coimbra: Quarteto Editora.

Collins, N., & Read, S. (1990). Adult attachment relationships, working models and relation­ship quality in dating couples. Journal of Personality and Social Psy­cho­logy, 58, 644­‑683.

Fonagy, P., Steele, H., & Steele, M. (1991). Maternal representations of attachment during pregnancy predict the organization of infant­‑mother attachment at one year of age. Child Development, 62, 891­‑905.

George, C., Kaplan, N., & Main, M. (1984­‑1988). Adult Attachment Interview Pro­to­col. Manuscrito não publicado, University of California at Berkeley.

Hazan, C., & Shaver, P. (1990). Love and Work: An attachment Theoretical per­spective. Journal of Personality and Social Psychology, 59, 270­‑280.

Soares, I., Lopes dos Santos, P., Jongenelen, I., Henriques, M. R., Silva, A. P., Fi­gueiredo, B., Mascarenhas, C., Machado, G., Neves, L., Serra, M., Silva, M. C., Cunha, J. P., & Costa, O. (1995). Avaliação da vinculação e da regulação autonómica da frequência cardíaca na situação estranha. Vol. IV. In L. S. Al­meida, S. Araújo, M. M. Gonçalves, C. Machado, & M. R. Simões (Eds.), Avaliação psicológica: formas e contextos (pp. 247­‑258). Braga: APPORT.

Soares, I. (1996). Representação da vinculação na idade adulta e na adolescência. Estudo intergeracional: mãe­‑filho(a). Braga: Centro de Estudos em Educação e Psicologia, Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho.

van IJzendoorn, M., & Kroonenberg, P. (1988). Cross­‑cultural patterns of attach­ment: a meta­‑analysis of the strange situation. Child Development, 59, 147­‑156.

van IJzendoorn, M., & Bakermans­‑Kranenburg, M. (1996). Attachment repre­sem­tations in mothers, fathers, adolescents, and clinical groups: a meta­‑analytic search for normative data. Journal of Consulting and Clinical Psycho­logy, 64, 8­‑21.

 

 

1 Professora catedrática do Departamento de Psicologia, Instituto de Educação e Psicolo­gia, Universidade do Minho. Coordenadora do Grupo de Estudos sobre a Vinculação (GEV) na Universidade do Minho. Correspondência sobre este número temático poderá ser enviada para o e‑mail isoares@iep.uminho.pt.

2 Grupos de investigação associados às universidades do Minho, Porto, Coimbra e Lisboa e ao Instituto Superior de Psicologia Aplicada.