SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.18 issue2The influence of attachment in young adults’ loneliness feelings: implications for psychological interventionThe pregnant body, the relationship with woman's own mother, the perception of change and the mother-child relationship author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Psicologia

Print version ISSN 0874-2049

Psicologia vol.18 no.2 Lisboa July 2004

https://doi.org/10.17575/rpsicol.v18i2.430 

Estilos de vinculação e percepções de satisfação com os papéis parental e conjugal em tríades de famílias intactas1

Attachment styles and perceptions of parental and marital satisfaction in intact family triads

 

Joana Oliveira2; Maria Emília Costa3

2-3Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto.

 


RESUMO

O objectivo primordial de qualquer investigação psicológica é contribuir para que a intervenção do psicólogo se ajuste às necessidades e modo de funcionamento do sujeito em situação de consulta psicológica. Como a família é um contexto transversal e presente em todos os processos, este estudo procurou perceber o modo como os seus diferentes elementos constitutivos (utilizando uma amostra de 230 tríades familiares compostas por pai, mãe e respectivo filho(a) adolescente) percepcionam a satisfação decorrente dos papéis familiares e a sua relação com a vinculação aos pais. De facto, a forma como cada indivíduo atribui significado é única e contribui para a formação de expectativas relacionais que são incorporadas nos modelos de representação internos. Verificou-se que mais importante do que a forma como cada um dos pais retira satisfação do desempenho dos papéis conjugal e parental é a forma como os filhos o percebem, sendo os sujeitos seguros aqueles que percepcionam os seus pais como retirando mais satisfação do desempenho dos papéis familiares. À luz dos resultados obtidos, procurou-se sistematizar as principais questões de intervenção psicológica ao nível dos pais e do adolescente, de modo a possibilitar a construção de relações adultas seguras e satisfatórias.

Palavras-chave: Percepções, satisfação, família, vinculação.


ABSTRACT

The primordial aim of any psychological research is to contribute to the adjustment of psychological intervention to the subjects’ needs and ways of functioning in counselling. Since the family is a transversal context present in all psychological interventions, this study tried to understand the way tin which its different constitutive elements (using a sample of 230 family triads, composed by father, mother and its adolescent child) perceive the satisfaction derived from the family roles and its relation with the attachment to parents. In fact, the way each individual attributes signification is unique and contributes to the formation of relational expectations that are incorporated in internal working models. We found that more important than the way parents obtain satisfaction in the performance of the marital and parental roles is the way in which child perceives it. Besides that, secure subjects are the ones who perceive their parents as getting more satisfaction derived from family roles. On the light of the obtained results, we’ve tried to systemize the main psychological intervention questions at parents and adolescent levels, fostering the construction of secure and satisfactory adult relations.


 

Introdução

O estudo da família tem sido reconhecido como crucial para a intervenção e prática psicológicas. As investigações têm-se debruçado essencialmente nos aspectos negativos da parentalidade e da conjugalidade e nos seus correlatos ao nível do bem-estar e desenvolvimento dos seus elementos (Fauber, Forehand, Thomas & Wierson, 1990; Cummings, 1994; Fincham, Osborne & Conger, 1997; Tallman, Gray, Kullberg & Henderson, 1999; Kitzmann, 2000; Frosch & Mangelsdorf, 2001; Amato & Booth, 2001; DeVitto & Hopkins, 2001; Papp, Cummings & Goeke-Morey, 2002). O facto de o conflito conjugal estar associado à insegurança emocional dos filhos (Davies & Cummings, 1994, 1998) tem sido bem documentado na literatura. São em menor número os estudos que tomam por unidade de análise a satisfação no desempenho destes mesmos papéis. Segundo Milkie, Simon e Powell (1997), a maior parte dos estudos dos papéis e relações familiares são centrados na perspectiva do adulto. Com o seu estudo demonstraram a necessidade de inclusão da perspectiva dos filhos nas investigações, através da análise de conteúdo de 3027 escritos de crianças em idade escolar, nos quais explicam porque é que os seus pais são o “melhor” pai e mãe. Os resultados mostram que as crianças focam diferentes descritores para os pais: para as mães, instrumentais e emocionais, e para os pais recreativos. Deste modo, este estudo sugere que “os filhos, interagindo e interpretando os comportamentos dos seus pais, co-constroem os papéis parentais e as relações pais-filhos em colaboração com os seus pais” (Milkie et al, 1997).

Na perspectiva do adulto, são inúmeros os estudos sobre a satisfação conjugal, sendo em menor número os que se debruçam sobre a satisfação parental. A este nível, segundo Sabatelli e Waldron (1995), a conceptualização apresenta graves lacunas, chamando a atenção para os aspectos a ter em consideração, de modo a que a especificação dos conceitos seja consistente com as premissas derivadas teoricamente. Afirmam que, na investigação conjugal e familiar, a satisfação é um termo que tem sido utilizado para caracterizar as atitudes dos indivíduos relativamente a uma pessoa ou relação, mas também tem sido utilizada para caracterizar as atitudes do indivíduo em relação a um papel ou posição social. No que respeita ao conceito de satisfação parental, este termo caracteriza as atitudes dos pais em relação aos seus filhos, ou à sua relação com eles. Pode ainda ser usado para caracterizar as atitudes dos pais em relação às responsabilidades do papel parental.

Sabatelli e Waldron (1995) investem no aumento da precisão da conceptualização da satisfação parental, referindo ser necessário o desenvolvimento de uma compreensão teórica do que significa dizer que um pai está satisfeito com os vários domínios da parentalidade. Na perspectiva da troca social, as avaliações das relações sociais e das experiências pessoais nas relações são determinadas pela forma em que os resultados derivados da relação (os benefícios comparativamente aos custos associados com a relação) se assemelham às expectativas do indivíduo (Blau, 1964; Homans, 1974; Thibaut & Kelley, 1959, in Sabatelli e Waldron [1995]). O nível de expectativa, ou nível de comparação, que é usado no julgar da relação serve como um padrão contra o qual as experiências pessoais são julgadas (Nye, 1979; Sabatelli, 1984, in Sabatelli e Waldron [1995]). Portanto, quando dizemos que as pessoas têm atitudes positivas em relação à parentalidade, o que estamos a dizer é que as suas experiências do desempenho do papel ou como pais são julgadas como sendo melhores do que se esperava. Quando concebidas nesta perspectiva, as avaliações dos indivíduos das suas experiências devem ter em conta quer as recompensas, quer os custos associados com o desempenho de determinado papel.

No sistema familiar, confluem diversos papéis, sendo a forma como são vividos e representados um processo dependente do elemento familiar em consideração. Está-se na presença de um processo de atribuição de significados que só poderá ser compreendido se tomarmos em atenção as percepções individuais. Por esta razão, o presente estudo procurou perceber como os diferentes elementos da família (pai, mãe e respectivo filho) percebem a satisfação decorrente do desempenho dos papéis conjugal e parental.

A forma como estes processos de construção de significados se incorpora num esquema mental para as relações futuras pode ser melhor compreendido à luz da teoria da vinculação. De acordo com este quadro conceptual, a qualidade das relações de vinculação dos adolescentes com os seus pais afecta o processo de internalização dos modelos parentais. A teoria da vinculação constitui-se como uma área de investigação de grande interesse, em especial no que diz respeito à sua importância para o funcionamento relacional adulto. Baseada no trabalho de Bowlby (1969, 1973, 1982) e seguida por Ainsworth, Blehar, Waters e Wall (1978), a teoria da vinculação assume que as experiências de vinculação primárias da criança são representadas cognitivamente como “modelos internos” do self e dos outros. Estes modelos combinam expectativas acerca do valor próprio e da acessibilidade e responsividade das figuras de vinculação primária no fornecimento de apoio e de protecção. Construídos na(s) relação(ões) com a(s) figura(s) prestadora(s) de cuidados primários, estes modelos de representação mental internos assumem-se como modeladores das relações adultas, em termos de expectativas e de comportamentos.

Ainsworth e colaboradores (1978) identificaram três padrões de vinculação, nomeadamente, seguro, ansioso/ambivalente e evitante. Hazen e Shaver (1987) aplicaram estes padrões de vinculação às relações adultas, os quais foram alargados para quatro padrões por Bartholomew e Horowitz (1991). Definiram os padrões de vinculação considerando a intersecção de duas dimensões, a positividade do self (nível geral de auto-estima e de valor pessoal) e a positividade dos outros (nível geral de confiança interpessoal e sentido de aceitação e responsividade dos outros). Cada um dos quatro padrões, seguro (modelo do self positivo, modelo do outro positivo), preocupado (modelo do self negativo, modelo do outro positivo), amedrontado (modelo do self negativo, modelo do outro negativo) e desinvestido (modelo do self positivo, modelo do outro negativo), tem padrões distintos de regulação emocional e de interacção social (Griffin & Bartholomew, 1994).

Neste estudo, pretendemos analisar os estilos de vinculação dos adolescentes aos pais e a sua relação com a forma como eles identificam a satisfação dos pais nos papéis conjugal e parental. De facto, as percepções dos adolescentes acerca da satisfação dos pais com os papéis familiares são incorporadas nos modelos de representação internos. Os resultados do estudo de Levy, Blatt e Shaver (1998) demonstram que os indivíduos seguros apresentam representações de ambas as figuras parentais bem diferenciadas, descrevendo-os como mais benevolentes do que os inseguros. Deste modo, espera-se que indivíduos com vinculação segura percebam os seus pais como retirando mais satisfação dos papéis familiares.

Método

Amostra

A amostra é constituída por 230 tríades familiares (mãe, pai e respectivo filho(a)). Os critérios de constituição da amostra tiveram em conta a idade do filho(a) - adolescentes e jovens adultos - e a pertença a famílias intactas. A amostra foi obtida pelo método de “bola de neve”, através de um grupo de psicólogos e alunos do curso de Psicologia devidamente instruídos para esta recolha. Os filhos apresentam idades compreendidas entre os 12 e os 26 anos (M = 19,18; DP = 3,10), sendo 147 sujeitos (63,9%) do sexo feminino e 83 (36,1%) do sexo masculino. A maioria são estudantes (88,7%) do sistema de aprendizagem, escolas secundárias e ensino universitário, encontrando-se uma minoria a trabalhar. Quase a totalidade dos sujeitos mora com os pais (219 sujeitos, correspondentes a 95,2% da amostra), apesar de se verificar a existência de sujeitos que não se encontram nesta situação. No que se refere à posição na fratria, 124 pertencem à categoria de primeiro filho, 85 à categoria de segundo filho, 13 à de terceiro, 5 à de quarto, 1 à de quinto e 1 à de sexto filho.

No que se refere aos pais, o estado civil dominante é o de casados (228), registando-se apenas dois casais em união de facto. O tempo de casamento apresenta uma média de 23,15 anos e um desvio padrão de 4,91, variando entre os 5 e os 44 anos. A idade da mãe apresenta uma média de 46,50 e um desvio padrão de 5,76, enquanto que a idade do pai apresenta uma média de 49,02 e um desvio padrão de 6,24.

Instrumentos

No sentido de possibilitar a comparação das percepções de satisfação familiar, os instrumentos de avaliação da satisfação nos papéis conjugal e parental foram utilizados em duas versões - a versão pais e a versão adolescente. Tratava-se de medidas concebidas para o adulto na execução desses papéis, pelo que se realizou um estudo prévio de adaptação a adolescentes e jovens adultos. Isto implicou a redução de alguns itens, no caso da avaliação da satisfação conjugal, dado se ter verificado uma elevada quantidade de valores omissos nas questões relativas à sexualidade do casal. Para o presente estudo, tivemos em consideração apenas os itens comuns às duas versões.

Escala de Avaliação da Satisfação em Áreas da Vida Conjugal

(EASAVIC, Narciso & Costa, 1996)

A versão original do questionário é constituída por um conjunto de 44 itens - utilizados como tal na amostra dos pais -, os quais foram transformados numa versão para adolescentes e jovens adultos. Esta versão, após a sua análise num grupo de psicólogos com formação, foi submetida a procedimentos de reflexão falada junto de um pequeno grupo de adolescentes e jovens adultos, o qual sugeriu a alteração de alguns dos itens. Outros itens tiveram de ser retirados dada a sua difícil compreensão. Esta versão ficou então com 34 itens. Com estes procedimentos, assegurou-se uma melhor inteligibilidade e compreensão dos itens na população a que se destina. É composta nas duas versões por duas subescalas - amor e funcionamento.

Instruções

No que se refere às instruções, é pedido ao sujeito para “pensar na relação conjugal dos seus pais e escolher a afirmação da escala que melhor descreve o que acha que o seu pai e a sua mãe sentem”, assinalando em colunas separadas as respostas referentes às percepções relativas ao pai e à mãe. No caso dos pais, é pedido para “pensar na sua relação conjugal e expressar o que sente relativamente a cada questão”.

Formato de resposta

A resposta é dada numa escala tipo Likert de seis pontos (nada satisfeito(a), pouco satisfeito(a), razoavelmente satisfeito(a), satisfeito(a), muito satisfeito(a), completamente satisfeito(a)).

Índice do nível de comparação parental (PCLI, Waldron-Henessey & Sabatteli, 1997)

O PCLI é um questionário de auto-relato composto por 62 itens, concebido para avaliação das percepções de satisfação com o papel parental. É constituído por duas subescalas - recompensas e custos da parentalidade. Foram construídas duas versões baseadas neste instrumento: uma destinada aos pais e outra aos adolescentes e jovens adultos, necessitando-se, para isso, da adaptação das instruções de modo a uniformizar as duas versões:

Instruções

No que se refere às instruções, e no caso dos filhos, é pedido ao sujeito para “ler cada uma das afirmações e procurar identificar as respostas que melhor exprimem a sua opinião relativamente ao grau como cada um dos seus pais se sente satisfeito com a sua experiência de pai/mãe”, assinalando em colunas separadas as respostas referentes às percepções relativas ao pai e à mãe. No caso dos pais, é pedido para “ler cada uma das afirmações e procurar identificar as respostas que melhor exprimem a sua opinião relativamente ao grau como se sente satisfeito com a sua experiência de pai/mãe”.

Formato de resposta

A resposta é dada numa escala tipo Likert de cinco pontos (nada satisfeito(a), pouco satisfeito(a), satisfeito(a), muito satisfeito(a), completamente satisfeito(a)).

Questionário de vinculação ao pai e à mãe (QVPM, Matos, Milheiro Almeida, & Costa, 1998)

O QVPM é um questionário de 31 items, respondido separadamente para o pai e para a mãe, numa escala de Likert de 6 pontos. As respostas variam de “discordo totalmente” a “concordo totalmente”. É constituída por três factores, nomeadamente, inibição da exploração e da individualidade, qualidade do laço emocional e ansiedade de separação e dependência.

Resultados

Estudos de validação dos instrumentos

Foram conduzidas análises factoriais separadas para os pais e para os filhos, considerando-se para os factores os itens comuns às duas versões, de modo a possibilitar a análise comparativa. Chegaram-se a soluções factoriais com elevada explicação da variância e com bons valores de consistência interna para todos os factores, sendo o valor do alpha de Cronbach superior a 0,80.

Estudo Correlacional

No sentido de se perceberem as associações existentes entre as percepções dos diferentes elementos constitutivos da tríade familiar, foi efectuado o estudo correlacional descrito no quadro que se segue.

Pela análise do quadro 1, podemos concluir que apesar das correlações entre as percepções dos pais e dos filhos em relação às mesmas dimensões serem todas positivas e significativas, a sua ordem de grandeza permite-nos afirmar que não são coincidentes. Deste modo, podemos afirmar a idiossincrasia do processo de construção de significados de cada um dos elementos das tríades familiares, no que se refere à satisfação com os papéis conjugal e parental. Também é clara a correlação positiva entre a percepção de satisfação no papel parental e o papel conjugal, o que demonstra o efeito de contaminação da satisfação de um papel para o outro. De facto, os estudos têm demonstrado a interferência do conflito conjugal na relação pais-filhos (ver revisão de Erel & Burman, 1995).

Estudo diferencial

Com o intuito de se averiguarem as diferenças existentes nas percepções das dimensões de satisfação parental e conjugal entre o pai, a mãe e o respectivo filho, efectuou-se um teste t para amostras emparelhadas, sendo considerada como unidade de análise a família e não os três sujeitos constitutivos por si só. Os resultados obtidos podem ser observados nos quadros 2, 3 e 4.

No que se refere às diferenças existentes entre a percepção do pai e a percepção que o seu filho tem da sua satisfação no desempenho dos papéis conjugal e parental, verificaram-se diferenças significativas ao nível das dimensões custos da parentalidade, amor conjugal e funcionamento conjugal. Em todas elas, a percepção dos filhos é de maior satisfação do que a que efectivamente o pai refere. O mesmo se passa com as diferenças entre a percepção dos filhos e a percepção das mães (ver quadro 3).

Comparando as duas figuras parentais relativamente à avaliação da satisfação relativa aos papéis familiares, verificaram-se diferenças significativas ao nível das recompensas da parentalidade e do funcionamento conjugal. Ao nível das recompensas, as mães apresentam maior nível de satisfação, enquanto que, no funcionamento conjugal, são os pais que reportam níveis mais elevados de satisfação.

Modelo estrutural

No sentido de percebermos de que modo a constelação de percepções de satisfação com os papéis parental e conjugal dos pais se relaciona com a percepção de satisfação dos filhos, efectuou-se a análise do seguinte modelo de equações estruturais (Figura 1).

Os níveis de ajustamento do modelo são razoáveis, apesar de nem todos os índices se encontrarem no valor adequado. Deste modo, podemos perceber que as percepções de satisfação familiar da mãe contribuem mais do que as do pai para a percepção de satisfação do filho.

Percepções de satisfação e estilos de vinculação

Estudo Correlacional

No sentido de se perceberem as associações existentes entre as percepções de satisfação dos diferentes elementos constitutivos da tríade familiar e as dimensões da vinculação, foi efectuado o estudo correlacional descrito no quadro que se segue.

Na análise das correlações entre as dimensões de vinculação e as percepções de satisfações com os papéis familiares, verifica-se que as percepções da mãe e do pai têm valores mais baixos e menos significativos com as dimensões da vinculação, comparativamente às dos filhos. De facto, estes resultados confirmam a importância de acedermos às significações pessoais.

Para se proceder à análise da relação entre o estilo de vinculação ao pai e à mãe, operacionalizado nos quatro protótipos do modelo bidimensional de Bartholomew (1990; Bartholomew & Horowitz, 1991), foram efectuadas análises de variância.

 

Quadro 5

 

Para este efeito, foi conduzida uma análise de clusters (K - means e simple euclidian distance) para avaliar a existência de configurações específicas na organização das dimensões da vinculação. Foram obtidos os resultados apresentados nos quadros 6 e 7.

A distribuição comparativa dos sujeitos pelos estilos de vinculação ao pai e à mãe pode ser melhor ilustrada na figura 2.

Da análise da figura 2, depreende-se que em relação ao estilo de vinculação seguro existe uma maior frequência de sujeitos que o são mais no que se refere à mãe do que ao pai, enquanto que se observa o processo inverso no estilo de vinculação desinvestido. Os estilos amedrontado e preocupado têm efectivos semelhantes no pai e na mãe. Na presente amostra, as diferenças não são estatisticamente significativas.

No sentido de se perceber de que forma a vinculação ao pai se interliga com a vinculação à mãe, realizou-se um teste de qui-quadrado para testar a distribuição apresentada no Quadro 8.

A distribuição dos sujeitos em função do estilo de vinculação ao pai e à mãe apresenta diferenças significativas 2 (9) = 320,615; p < 0,000). Verificamos que, de uma maneira geral, os sujeitos apresentam concordância no estilo de vinculação a ambas as figuras parentais.

Estudo diferencial em função dos estilos de vinculação

Para analisar se a inclusão dos sujeitos num estilo de vinculação produz diferenças ao nível das percepções de satisfação com os papéis familiares, foram efectuadas análises da variância.

Tal como se pode observar pela análise do Quadro 9, obtiveram-se diferenças significativas nos estilos de vinculação à mãe, nas percepções de satisfação dos filhos relativamente à mãe e ao pai, nas dimensões recompensas, amor e funcionamento. Em todos verificamos que os indivíduos seguros apresentam percepções significativamente mais satisfatórias do que os estilos inseguros.

Em seguida, apresentam-se os resultados relativos à vinculação ao pai (Quadro 10).

No que se refere aos estilos de vinculação ao pai, obtiveram-se diferenças significativas em todas as dimensões, excepto as relativas às percepções do filho relativas aos custos da parentalidade da mãe. Também aqui, e de um modo geral, a pertença ao estilo de vinculação seguro corresponde a percepções de satisfação significativamente mais elevadas relativamente aos inseguros.

Discussão

A investigação no âmbito psicológico deve necessariamente interligar-se com a prática do psicólogo, fornecendo pistas de intervenção mais adequadas aos clientes em situação de consulta psicológica. Foi neste sentido que este estudo se inseriu, com a preocupação de melhorar a compreensão das relações familiares, mais especificamente, no núcleo familiar, apontadas pela literatura como fulcrais no desenvolvimento dos seus elementos constitutivos. A maioria dos estudos realizados debruça-se sobre as relações precoces e nos primeiros anos de vida entre os pais e os seus filhos. Constituiu-se como objecto de análise do presente estudo tríades de famílias intactas formadas por um(a) filho(a) adolescente (anterior à adopção de papéis adultos) e as respectivas figuras parentais (pai e mãe). A investigação com adolescentes acresce novas potencialidades no estudo dos papéis familiares, dadas as aquisições ao nível do pensamento abstracto dos sujeitos. De facto, o período da adolescência é acompanhado por um emergir de desafios, traduzindo-se como um período de transição nas expectativas dos papéis familiares e sociais, bem como no tipo de relações estabelecidas (incluindo-se as relações românticas). O adolescente possui uma capacidade de representação e de visão de si próprio e do outro mais diferenciada e complexa, comparativamente à infância (Harter, 1990), considerando vários atributos na formação de percepções do self e dos outros. Acresce-se a possibilidade de comparação e confronto das suas expectativas e avaliações com as que acreditam que os outros (pais, pares, etc.) possuem. O adolescente tem a capacidade de se questionar como seria se tivesse uma relação diferente com os seus pais. Em conjunto, estas aquisições ao nível das suas capacidades permitem-lhe conceber imagens alternativas de si e do outro e as consequências de executar diferentes papéis, nomeadamente os familiares.

Doyle e Moretti (2000), no relatório elaborado para a divisão de saúde infantil e juvenil do Canadá, apresentam uma revisão da literatura acerca da relação da vinculação aos pais durante a adolescência e o ajustamento psicológico e social, fornecendo directrizes para o desempenho eficaz do papel parental. Na intervenção com pais de adolescentes devem ser enfatizados vários aspectos. Em primeiro lugar, os pais devem reconhecer a importância da sua relação com os seus filhos, apesar do desenvolvimento da autonomia característico da adolescência. Os pais continuam a ser importantes para o ajustamento dos adolescentes, apesar do seu maior envolvimento com os pares. Deste modo, devem constituir-se como figuras disponíveis, apoiantes e envolvidas activamente na negociação da progressiva independência dos seus filhos, antecipando momentos onde estes recursos deverão, mais do que em qualquer outra circunstância, estar disponíveis, tais como nas situações de transição (como, por exemplo, a entrada no ensino superior). Em segundo lugar, os pais devem estar disponíveis à discussão das normas e valores, apresentando argumentos válidos para a sua existência, negociando as regras sempre que necessário. Será esta a melhor forma, aliada à observação atenta, de monitorizar o envolvimento dos filhos em situações perigosas que ameaçam a sua segurança. Esta observação atenta deverá ter em atenção as dificuldades emocionais que os seus filhos poderão estar a passar, não as atribuindo apenas às alterações hormonais ou ao temperamento. Isto porque, quer o adolescente, quer os pais contribuem para a qualidade da relação. Estas sugestões poderiam enquadrar-se quer no âmbito da consulta psicológica de pais, bem como no movimento das “escolas de pais”. Estas não são mais do que um grupo de apoio de pais, liderado por um profissional que, partindo da construção de uma relação empática de partilha de sentimentos, preocupações e receios, possibilite aos pais de adolescentes a consciencialização da sua importância no ajustamento e desenvolvimento dos seus filhos, bem como na mediação de construções de representações dos papéis familiares (conjugal e parental) positivas e satisfatórias, intimamente articuladas com a relação de vinculação segura entre pais e filhos.

Dado que, nos estudos que procuraram averiguar a relação entre os estilos de vinculação dos adolescentes e a satisfação que acham que os seus pais retiram dos papéis familiares, se evidencia uma clara associação do estilo de vinculação seguro com percepções mais satisfatórias, não podemos ignorar este dado na intervenção psicológica com adolescentes ou jovens adultos. De facto, é fundamental trabalharmos as questões relativas à parentalidade e à conjugalidade, no sentido de potenciarmos a construção de relações futuras pautadas pela segurança. Ficou claro, nos resultados deste estudo, que os significados que os adolescentes atribuem à satisfação nos papéis familiares dos pais contribuem para a construção de modelos de representação internos de si e do outro. São estes modelos que orientarão o tipo de relações afectivas que em adulto o adolescente irá estabelecer. Por este motivo, consideramos pertinente trabalhar com os adolescentes os significados atribuídos à satisfação que os seus pais retiram dos papéis familiares, contribuindo para a construção de relações afectivas adultas seguras e de qualidade.

Este estudo evidenciou a influência das percepções de satisfação dos pais nos papéis parental e conjugal, na construção de percepções de satisfação dos papéis familiares por parte dos filhos.

Dado que o estilo de vinculação seguro está associado a melhores percepções de satisfação nos papéis familiares, é necessário, em futuras investigações, perceber como é que ocorre a transição da vinculação aos pais para os pares e parceiros românticos, possibilitando-se a compreensão da existência de representações de vinculação generalizadas versus diferenciadas. A investigação deveria ainda procurar compreender os factores da parentalidade que possibilitam a mudança de um padrão de vinculação inseguro para um padrão de vinculação seguro na adolescência.

 

Referências

Ainsworth, M. D. S., Blehar, M. C., Walters, E., & Wall, S. (1978). Patterns of attachment: A psychological study of the strange situation. Hillsdale, Nova Jérsia: Erlbaum.

Amato, P. R., & Booth, A. (2001). The legacy of parents’ marital discord: Consequences for children’s marital quality. Journal of Personality and Social Psychology, 81 (4), 627-638.         [ Links ]

Bartholomew, K., & Horowitz, L. (1991). Attachment styles among young adults: A test of four-category model. Journal of Personality and Social Psychology, 61, 226-244.         [ Links ]

Bowlby, J. (1969). Attachment and loss: Attachment. Londres: Hogarth.         [ Links ]

Bowlby, J. (1973). Attachment and loss: Separation. Nova Iorque: Basic Books.         [ Links ]

Bowlby, J. (1982). Attachment and loss: Attachment (2nd Ed.). Nova Iorque: Basic Books.         [ Links ]

Cummings, E. M. (1994). Marital conflict and children’s functioning. Social development, 3 (1), 17-36.         [ Links ]

Davies, P. T., & Cummings, E. M. (1994). Marital conflict and child adjustment: An emotional security hypothesis. Psychological Bulletin, 116, 387-411.         [ Links ]

Davies, P. T., & Cummings, E. M. (1998). Exploring children’s emotional security as a mediator of the link between marital relations and chid adjustment. Child Development, 69, 124-139.         [ Links ]

DeVito, C., & Hopkins, J. (2001). Attachment, parenting, and marital dissatisfaction as predictors of disruptive behaviour in preschoolers. Development and Psychopathology, 13, 215-231.         [ Links ]

Doyle, A. B., & Moretti, M. M. (2000). Attachment to parents and adjustment in adolescence. Literature review and policy implications. Ottawa: Health Canada. File number 032ss. H5219-9-CYH7/001/SS.         [ Links ]

Erel, O., & Burman, B. (1995). Interrelatedness of marital relations and parent-child relations: A meta-analytic review. Psychological Bulletin, 118,108-132.         [ Links ]

Fauber, R., Forehand, R., Thomas, A. M., & Wierson, M. (1990). A mediational model of the impact of marital conflict on adolescent adjustment in intact and divorced families: The role of disruptive parenting. Child Development, 61, 1112-1123.         [ Links ]

Frosch, C. A., & Mangelsdorf, S. C. (2001). Marital behaviour, parenting behaviour, and multiple reports of preschoolers’ behaviour problems: Mediation or moderation? Developmental Psychology, 37 (4), 502-519.         [ Links ]

Griffin, D. W., & Bartholomew, K. (1994). The metaphysics of measurement: The case of adult attachment. Advances in Personal Relationships, 5,17-52.         [ Links ]

Harold, G. T., Fincham, F. D., Osborne, L. N., & Conger, R. D. (1997). Mom and dad are at it again: Adolescent perceptions of marital conflict and adolescent psychological distresss. Developmental Psychology, 33 (2), 333-350.         [ Links ]

Hazan, C., & Shaver, P. (1987). Conceptualizing romantic love as an attachment process. Journal of Personality and Social Psychology, 52, 511-524.         [ Links ]

Kitzmann, K. M. (2000). Effects of marital conflict on subsequent triadic family interactions and parenting. Developmental Psychology, 36 (1), 3-13.         [ Links ]

Levy, K. N., Blatt, S. J., & Shaver, P. R. (1998). Attachment styles and parental representations. Journal of Personality and Social Psychology, 74 (2), 407-419.         [ Links ]

Matos, P. M., Barbosa, S. Almeida, H. M., & Costa, M. (1999). The parental attachment and identity in Portuguese late adolescents. Journal of Adolescence, 22 (6), 805-818.         [ Links ]

Milkie, M. A., Simon, R. W., & Powell, B. (1997). Through the eyes of children: Youths’ perceptions and evaluations of maternal and paternal roles. Social Psychology Quarterly, 60 (3), 218-237.         [ Links ]

Narciso, I., & Costa, M. E. (1996). Amores perfeitos mas não satisfeitos. Cadernos de Consulta Psicológica, 11, 115-130.         [ Links ]

Papp, L. M., Cummings, E. M., & Goeke-Morey, M. (2002). Marital conflicts in the home when children are present versus absent. Developmental Psychology, 38 (5), 774-783.         [ Links ]

Sabatelli, R. M. & Waldron, R. J. (1995). Measurement issues in the experience of parenthood. Journal of Marriage and the Family, 57,969-980.         [ Links ]

Tallman, I., Gray, L., Kullberg, V., & Henderson, D. (1999). The intergenerational transmission of marital conflict: Testing a process model. Social Psychology Quarterly, 62 (3), 219-239.         [ Links ]

Waldron-Hennessey, R. & Sabatelli, R. (1997). The parental comparation level index: A measure for assessing parental rewards and costs relative to expectations. Journal of Marriage and the Family, 59, 824-833.         [ Links ]

 

Notas

1Este estudo teve o apoio financeiro da Fundação para a Ciência e a Tecnologia e do Fundo Social Europeu, no âmbito do III Quadro Comunitário de Apoio.

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License