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Psicologia

versão impressa ISSN 0874-2049

Psicologia vol.18 no.1 Lisboa jan. 2004

https://doi.org/10.17575/rpsicol.v18i1.419 

O desenvolvimento das percepções de valor pessoal e de competência escolar em estudantes do 2.° e do 3.° ciclos

The development of self-worth and competence in school persepptions in 5th to 9th grades students

 

Isabel de Sá*

*Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa.

 


RESUMO

O presente artigo analisa as trajectórias desenvolvimentistas da percepção que as crianças têm da sua competência escolar e dó seu valor pessoal, bem como o impacto do rendimento escolar, da retenção no mesmo ano e das transições escolares nessas percepções. Estas variáveis foram avaliadas em 526 estudantes portugueses, 245 raparigas e 281 rapazes, do 5° ao 9.° ano de escolaridade. Os resultados indicam que: (a) existem trajectórias desenvolvimentistas diferentes para os dois géneros, sendo de forma geral as auto-avaliações dos rapazes mais positivas do que as das raparigas; (b) os estudantes com um melhor desempenho vêem-se como mais competentes na escola do que aqueles com um baixo rendimento; e (c) a mudança de escola parece afectar negativamente as percepções dos estudantes, mas só a partir do 7.° ano de escolaridade. Por último, discutem-se as implicações destes resultados para o planeamento de intervenções clínicas e educacionais que procuram promover o sucesso escolar.

Palavras-chave: Competência escolar; valor pessoal; rendimento escolar; desenvolvimento infantil.


ABSTRACT

The present paper analyses the developmental patterns of children's perceptions of their competence in school and global self-worth and the impact of school performance, grade retention and school transitions on those same perceptions. These variables were assessed in 526 Portuguese students, 245 girls and 281 boys, from 5th to 9th grades. The results showed that: (a) the boys' self-perceptions are generally more positive than the girls' perceptions of themselves; (b) the students with a better school performance see themselves as more competent in school than those with a poor performance; and (c) school transitions seem to have a negative impact on students' self-perceptions but only after 7th grade. These findings are discussed in terms of their implications for the development of interventions to promote school achievement.


 

Introdução

O impacto da auto-estima e do autoconceito dos estudantes na motivação para a aprendizagem e no desempenho escolar tem sido realçado pelas recentes perspectivas metacognitivas (e.g. Borkowski, Carr, Rellinger & Pressley, 1990; McCombs & Marzano, 1990) e motivacionais (e.g. Covington, 1992; Deci & Ryan, 1985; Harter, 1992; Wigfield & Eccles, 1992).

Para saber quando e como intervir na prevenção ou remediação do insucesso escolar, importa conhecer as trajectórias desenvolvimentistas destas variáveis pessoais dos estudantes, bem como compreender a influência dos fracassos e sucessos escolares nas avaliações que os estudantes fazem de si próprios.

Nos últimos anos, verificou-se uma mudança na conceptualização do autoconceito, com o abandono dos modelos unidimensionais. A principal crítica a esta perspectiva é a de que, ao obter um resultado global, que combina as respostas a diferentes itens relativos a diferentes domínios, ignoram-se distinções importantes que os indivíduos fazem na percepção da sua adequação em vários aspectos da sua vida (Harter, 1990c). Actualmente, predominam os modelos multidimensionais, que consideram que a avaliação de autoconceitos específicos de diferentes áreas é de que melhor descreve as percepções e as avaliações pessoais (para uma revisão sobre os modelos teóricos do autoconceito, ver Byme, 1996). Os estudos empíricos de instrumentos de avaliação do autoconceito que abrangem diferentes domínios têm confirmado, através de procedimentos de análise factorial exploratória e confirmatória, a natureza multidimensional do autoconceito (Harter, 1999; Marsh & Holmes, 1990; Shavelson & Bolus, 1982).

Paralelamente, durante os anos 80, a percepção de competência pessoal recebeu grande atenção como uma dimensão essencial do autoconceito. Por exemplo, segundo Bandura (1981) as auto-avaliações incluem percepções de auto-eficácia, isto é, as crenças na nossa capacidade para organizar e executar as acções necessárias à gestão de novas situações. Estas crenças sobre a competência pessoal afectam o comportamento de diversas formas. Nomeadamente, as pessoas envolvem-se nas tarefas em que se sentem competentes e evitam aquelas em que não sentem tanta confiança nas suas capacidades.

As investigações de Harter (1982; 1985a; 1986), Marsh (1986; 1989) e de Shavelson e Bolus (1982) demonstraram como aspectos específicos do autoconceito se referem essencialmente às percepções sobre a competência ou a capacidade pessoal em diferentes áreas da vida dos indivíduos. No entanto, embora estes investigadores distingam diferentes dimensões do autoconceito, incluem a auto-estima global ou valor pessoal nos seus modelos teóricos e medidas, tratando-a como uma dimensão separada dos aspectos específicos do autoconceito. Os dados de diferentes estudos revelam claramente que durante a infância as crianças são cognitivamente capazes, não só de fazerem avaliações globais do seu valor enquanto pessoas, mas também de fornecerem avaliações da sua competência específicas de uma série de domínios (Harter, 1990b; 1999).

A estrutura do autoconceito

A análise factorial de diferentes questionários indica claramente que as crianças e os adolescentes têm percepções de si próprios bastante diferenciadas e que esta diferenciação ocorre muito cedo durante a infância. Harter (1982) e Harter e Pike (1984) mostraram que as percepções de competência das crianças se tornam mais diferenciadas durante os anos da escola primária, formando as diferentes dimensões de competência e a auto-estima global factores distintos a partir dos 7-8 anos de idade. Antes disso, parece não existir um sentido claro do valor pessoal e poucos domínios específicos são diferenciados pelas crianças.

Ao interpretar os resultados.dos seus estudos, Harter (1983; 1985a; 1986) concluiu que eles apontam para um autoconceito multidimensional e sublinha a importância de avaliações globais da auto-estima ou valor pessoal, para além da avaliação das competências em domínios específicos (Harter, 1990a). Nos instrumentos que desenvolveu, designados por "self-perception profiles :— SPP", a auto-estima global é avaliada, directa e independentemente, por um conjunto de itens que envolvem uma avaliação global do valor ou da satisfação do indivíduo consigo mesmo e a sua vida. Estes perfis permitem compreender melhor a relação entre o valor pessoal global e a percepção que a pessoa tem da sua competência ou adequação em diferentes áreas da sua vida.

Numa perspectiva desenvolvimentista, um aspecto essencial é o modo como o conteúdo do autoconceito se modifica à medida que a criança cresce. As descrições que os indivíduos fazem de si próprios, entre a infância e a adolescência, seguem os mesmos padrões ontogenéticos observados noutras áreas do desenvolvimento da compreensão pessoal (Damon & Hart, 1982). Enquanto as crianças mais novas se centram nas suas características externas e observáveis, as mais velhas incluem características psicológicas, mais abstractas, nas suas descrições. Harter (1983; 1990a; 1990c) observou que as percepções das crianças sobre si próprias mudavam, durante a infância, deixando de estar centradas nos aspectos concretos e observáveis de si próprias e passando a incluir traços psicológicos. Durante a adolescência, as autodescrições organizam-se em abstracções que incluem processos psicológicos e os jovens são capazes de se descreverem em termos de "múltiplos eus" que reflectem percepções de si próprios relativamente a diferentes papéis ou contextos interpessoais (Harter, Waters & Whitesell, 1998).

Em conclusão, as dimensões do autoconceito aumentam com a idade e o conteúdo das descrições de si próprio também se modifica. Estas mudanças resultam não só dos avanços cognitivos, mas também de alterações que reflectem as preocupações mais salientes em determinadas fases do ciclo de vida. De forma geral, a expansão das dimensões do autoconceito é mais significativa durante a pré-adolescência e a adolescência quando, por exemplo, a aparência física, as amizades íntimas e a atracção romântica adquirem maior importância. Estas modificações, tanto no conteúdo como na estrutura do autoconceito, têm implicações óbvias para a avaliação, indicando que os instrumentos elaborados para abranger as dimensões do autoconceito devem mudar em função do nível de desenvolvimento e do objectivo do estudo (Harter, 1990b; Marsh, 1989).

Diferenças em função da idade e entre os géneros

As conclusões gerais da investigação desenvolvimentista mostram que as percepções das crianças sobre as suas capacidades e competências se tomam mais modestas e precisas entre a infância e o início da adolescência (Ruble, Grosovsky, Frey & Cohen, 1992; Stipek & Maclver, 1989; Weisz, 1983). Numa perspectiva piagetiana, a tendência da criança para a equilibração, procurando ultrapassar lacunas e contradições, conduz a uma visão da realidade que é cada vez menos um reflexo dos seus desejos e cada vez mais um reflexo da realidade objectiva.

Diversas investigações, algumas delas com crianças e jovens portugueses, indicam que as percepções de competência em vários domínios se tornam mais modestas e realistas ao longo do processo de desenvolvimento (Castro, Monteiro, Sá & Rebelo, 1992; Faria & Fontaine, 1995; Harter, 1982; 1985b; Marsh, 1989). Assim, embora as crianças mais novas apresentem percepções de si próprias elevadas, com a idade desenvolvem avaliações mais realistas das suas capacidades e fraquezas relativas e esta experiência é, aparentemente, incorporada no seu autoconceito (Marsh, Craven, & Debus, 1998). A maior experiência de vida, a capacidade de se comparar com os seus pares e atender às avaliações que os outros fazem do seu comportamento contribuem para que as percepções de si própria reflictam com niaior precisão as competências e dificuldades reais da criança.

Relativamente às diferenças entre os géneros, os resultados não são tão consistentes. As investigações indicam que as percepções dos rapazes sobre a aparência física são mais positivas do que as das raparigas, o mesmo se verificando na competência atlética e na auto-estima global, mas estas últimas só a partir do 6.° ano de escolaridade. Ao contrário; as raparigas vêem-se como mais bem comportadas do que os rapazes (Harter, 1982; 1985b). Além disso, a comparação dos resultados obtidos com diferentes amostras apresenta sempre o mesmo padrão: os resultados dos rapazes revelam muito menor variação entre os diferentes domínios do que os das raparigas (Harter, 1999).

Os resultados obtidos com a aplicação do self-perception profile for children (SPPC) a estudantes portugueses, entre o 4.° e o 7.° ano de escolaridade, revelaram que os rapazes se avaliam como mais competentes na escola e no desporto do que as raparigas. A percepção que as raparigas têm da sua competência escolar parece ressentir-se marcadamente da transição do 1,° para o 2.° ciclo, enquanto que para os rapazes esta mesma transição parece favorecer percepções de competência mais positivas. No entanto, esta diferença parece atenuar-se ao nível do 7° ano (Castro, Monteiro, Sá & Rebelo, 1992).

Um outro estudo com estudantes portugueses, do 5.° e do 7.° ano de escolaridade, encontrou resultados semelhantes, indicando que os rapazes se vêem como mais competentes no domínio dos desportos, enquanto que as raparigas se vêem como mais bem comportadas. Na competência escolar também se verificou um efeito da interacção ano e sexo, apresentando os rapazes do 5.° ano os valores mais elevados e os do 7.° ano os valores mais baixos (Faria & Fontaine, 1995).

Influência dos resultados escolares na percepção de competência

As avaliações que o estudante faz das suas competências na escola são influenciadas pelas experiências de sucesso e fracasso que se traduzem objectivamente nas avaliações que os professores fazem do seu desempenho e da progressão ao longo da escolaridade.

Qual a relação do autoconceito com o rendimento escolar? As investigações de Marsh (1990) e de Wigfield e Eccles (1992) indicam que as percepções de competência em determinadas áreas e as expectativas de sucesso são melhores preditores dos resultados escolares subsequentes do que as avaliações objectivas de desempenho anterior, como as classificações dos professores.

Outros estudos apontam para resultados diferentes consoante o nível de escolaridade dos estudantes. Ao analisarem as relações longitudinais entre a auto-estima global, o autoconceito escolar e o rendimento escolar, em dois grupos de estudantes noruegueses, um do 3.° ano e outro do 6.° ano de escolaridade, Skaalvik e Hagtvet (1990) verificaram que, entre o 3.° e o 4.° ano, nem o rendimento nem o autoconceito tinham um impacto na auto-estima, enquanto que, entre o 6.° e o 7.° ano, o autoconceito escolar era o mais forte preditor da auto-estima global. Neste caso, a relação entre estes construtos parece ser mais recíproca do que causal, pelo menos durante os primeiros anos escolares.

Wigfield e Karpathian (1991) sugerem que uma perspectiva desenvolvimentista pode ajudar a clarificar a relação entre o autoconceito e o desempenho escolar. Durante os primeiros anos de escolaridade, as percepções da criança sobre a sua competência são inflacionadas e não se relacionam com os indicadores de desempenho, e as crianças podem não interpretar com precisão as avaliações escolares feitas pelos professores. À medida que progridem na escola, as suas percepções tomam-se mais realistas e precisas e a relação toma-se mais recíproca: os estudantes com percepções de competência elevadas encaram as tarefas com maior confiança e o sucesso nessas tarefas aumenta a confiança nas suas capacidades. À medida que as autopercepções se tomam ainda mais firmes podem tomar-se causalmente dominantes, de forma que as experiências de sucesso ou fracasso têm pouco impacto no autoconceito.

A retenção dos estudantes no mesmo ano de escolaridade é uma prática largamente utilizada na remediação de dificuldades de aprendizagem, impondo-se portanto o estudo da sua eficácia, não só em termos do desempenho escolar subsequente, como também em termos do seu efeito nas percepções que estes estudantes têm de si próprios e do seu envolvimento nas tarefas escolares.

Com este objectivo, Pierson e Connell (1992) realizaram uma investigação, com alunos do 3.° e 6.° anos de escolaridade, tendo observado que a retenção não afectava negativamente a sua auto-estima global, nem a relação com os colegas, e era benéfica para o desempenho escolar de estudantes nesta situação, comparativamente a estudantes que também eram candidatos à retenção mas tinham sido promovidos. No entanto, os estudantes retidos apresentavam uma percepção mais negativa da sua competência para serem bem sucedidos na escola.

Os resultados de um estudo, com crianças portuguesas do 3.° e 4.° anos de escolaridade, indicam que as crianças retidas no mesmo ano se avaliam como sendo menos competentes na escola do que os seus colegas que transitaram de ano, mas não apresentam diferenças na avaliação do seu valor pessoal (Correia, 1991).

A mudança de contexto escolar

Durante épocas de transição podem ocorrer importantes reorganizações, rupturas e descontinuidades que muitas vezes afectam o ajustamento pessoal e interpessoal dos indivíduos envolvidos (Ruble, 1994). Vários estudos têm apontado para um declínio na auto-estima e nas auto-avaliações dos estudantes durante a transição para a escola secundária (e.g. Eccles, Lord & Midgley, 1991). Igualmente, as correlações entre as percepções das crianças e as avaliações dos professores e o rendimento escolar aumentam entre o 3.° e o 6.° anos mas diminuem acentuadamente no 7.° ano de escolaridade, voltando a aumentar daí em diante (Harter, 1982). Estes dados sugerem que a precisão das percepções de competência, pelo menos no domínio cognitivo, não depende apenas do desenvolvimento cognitivo normativo, mas pode ser fortemente influenciada por transições de vida, como a mudança de escola, que provoquem confusão e incerteza nos indivíduos relativamente às suas competências.

Alguns investigadores sugerem que a natureza dos problemas associados ao período da adolescência resulta, em parte, da interacção entre as mudanças desenvolvimentistas ao nível individual e as mudanças sociais e contextuais. Especificamente, algumas das mudanças psicológicas negativas associadas à adolescência resultam de um desencontro entre as necessidades dos jovens e as oportunidades fornecidas pelo meio social em que estão inseridos (Eccles, Wigfield, Harold & Blumenfeld, 1993).

A transição para a "escola secundária" coincide com mudanças importantes nos jovens adolescentes.1 A maioria está no início da puberdade, apresentando um maior desejo de autonomia, uma maior consciência pessoal e uma maior preocupação com as relações com os colegas do mesmo sexo e do sexo oposto. Tendo em conta estas necessidades dos adolescentes, as mudanças ambientais, frequentemente associadas à transição para a escola secundária, parecem especialmente perniciosas, uma vez que realçam a competição, a comparação social e a auto-avaliação das próprias capacidades num período de maior consciência pessoal. Além disso, quebram-se as redes sociais ao mesmo tempo que aumenta a importância das relações com os colegas. Reduzem-se também as oportunidades de estabelecer relações próximas com os adultos, uma vez que aumenta o número de professores quando anteriormente existia apenas um para cada turma, num período em que os adolescentes precisam de modelos adultos fora da família para adquirir maior independência dos pais (Eccles, Lord & Midgley, 1991).

Seria interessante saber se estas mudanças também se verificam nas escolas portuguesas e como afectam as percepções que os estudantes têm de si próprios. Geralmente, o jovem muda para uma escola maior, com novas rotinas e regras ao nível social e académico, onde desenvolve novas relações com professores e colegas, desconhece as fontes de apoio e a forma de lhes aceder (Cleto & Costa, 2000). Igualmente, tem sido salientada a importância excessiva dada à avaliação do rendimento escolar dos alunos, em detrimento de outros aspectos e processos relevantes para a aprendizagem, e da avaliação formativa. Segundo Abreu (1996), a avaliação "classificativa" domina, de forma que "as modalidades de avaliação formativa que envolvem o próprio sujeito na consciencialização e verificação das suas lacunas e o seu envolvimento no treino de estratégias de auto-aperfeiçoamento e autodesenvolvimento têm expressão muito reduzida, sendo abafadas pelo predomínio da avaliação 'classificativa'" (Abreu, 1996, p. 136).

Provavelmente, nem todos os estudantes pioram o seu rendimento escolar ou passam a ver-se de forma mais negativa quando mudam de escola. No entanto, é importante compreender quais os jovens cujos desempenho e percepção de competência são afectados pela transição escolar para se poderem implementar estratégias preventivas de posteriores desajustamentos.

Objectivos

Os objectivos da presente investigação são: (a) descrever a estabilidade e a mudança das percepções de competência e valor pessoal entre o 5.° e o 9.° ano de escolaridade; (b) analisar as diferenças entre os rapazes e as raparigas nestas variáveis; (c) estudar o efeito do desempenho escolar (rendimento e retenções) nas avaliações que os estudantes fazem de si próprios; e (d) saber se a mudança de escola afecta as auto-avaliações dos estudantes.

Método

Descrição da amostra

A amostra é constituída por 526 estudantes, do 5.° ao 9.° ano de escolaridade,245 raparigas e 281 rapazes. Os participantes frequentam duas escolas de Lisboa, uma do 2.° e 3.° ciclos e outra do 1.° ao 3.° ciclo do ensino básico. A distribuição dos estudantes por sexo e ano de escolaridade é apresentada no quadro 1. O quadro 2 apresenta a média das idades, dos rapazes e das raparigas, em cada ano de escolaridade.

Da totalidade da amostra, 17,46% mudaram de escola no presente ano lectivo, enquanto que 79,32% frequentam a mesma escola do ano lectivo anterior. A maior parte das transições escolares ocorreram, como seria de esperar, no 5.° ano de escolaridade, na mudança do 1.° para o 2.° ciclo (ver quadro 3). Relativamente às retenções no mesmo ano de escolaridade, 89,37% dos estudantes nunca foram retidos, enquanto que 10,44% já ficaram retidos pelo menos uma vez, como se pode observar no quadro 4.

Para se avaliar o rendimento escolar actual dos sujeitos foram utilizadas as classificações, do 1.° período, nas disciplinas de português e matemática (ver quadro 5).

Construiu-se um índice do rendimento escolar a partir do somatório das duas classificações depois de estandardizadas. As categorias de alto, médio e baixo rendimento escolar foram obtidas pela partição da distribuição pelos quartis; deste modo 133 estudantes apresentam um rendimento escolar baixo, 268 um rendimento médio e 120 um rendimento alto.

Avaliação da percepção de competência escolar e do valor pessoal

Foram utilizadas as subescalas de percepção de competência escolar e de auto-estima global do perfil de auto-percepção para crianças elaborado por Harter (1985b), já traduzido e aplicado a crianças e adolescentes portugueses em dois estudos (Castro, Monteiro, Sá & Rebelo, 1992; Faria & Fontaine, 1995). A primeira subescala procura avaliar a percepção que os jovens têm da sua competência ou capacidade na área da realização escolar e a segunda consiste num juízo global, não específico, do seu valor enquanto pessoa.

O formato de resposta procura minimizar respostas enviesadas pela desejabilidade social. Assim, cada item apresenta uma estrutura com duas afirmações alternativas que representam dois grupos de jovens diferentes, reflectindo os dois pólos de uma mesma atitude ou comportamento (por exemplo, "alguns jovens acham que são muito bons a fazer o trabalho da escola" mas "outros jovens muitas vezes duvidam se conseguirão fazer o trabalho da escola"). Só depois de o sujeito ter escolhido o grupo de jovens com quem mais se assemelha é que indica o grau de acordo com a afirmação escolhida: "sou mesmo assim" ou "sou mais ou menos assim". Cada resposta é classificada numa escala de 4 pontos, representando o 1 o pólo mais negativo da auto-avaliação e o 4 o mais positivo. As duas subescalas são constituídas por seis itens cada uma e o resultado de cada subescala é representado pela média da pontuação atribuída aos seis itens que a constituem.

A consistência interna, baseada no alfa de Cronbach, obtida para a presente amostra, foi de 0,81 para a percepção de competência escolar e 0,75 para a auto-estima global, valores ligeiramente inferiores aos obtidos com amostra americana (respectivamente de 0,85 e 0,80) (Harter, 1985), mas superiores aos dois estudos nacionais — 0,69 para percepção de competência escolar (Castro, Monteiro, Sá & Rebelo, 1992; Faria & Fontaine, 1995) e 0,73 para auto-estima global, no segundo estudo (Faria & Fontaine, 1995).

Procedimento

As administrações realizaram-se durante o 2.° período do ano lectivo de 1994/95, simultaneamente nas duas escolas, por duas licenciadas e duas alunas finalistas da licenciatura em psicologia. Em cada estabelecimento de ensino foram seleccionadas aleatoriamente duas turmas de cada ano de escolaridade, no total de 20 turmas, 10 em cada escola.

As administrações foram feitas colectivamente, em cada turma, por duas das referidas colaboradoras, que começavam por ler as instruções gerais, depois pediam aos sujeitos para preencher a folha inicial com os dados demográficos, após o que iam lendo as instruções específicas no início de cada questionário, assegurando-se que todos os participantes as compreendiam.

Resultados

Análise desenvolvimentista

A comparação relativa aos grupos etários e aos sexos, no conjunto de variáveis dependentes (percepção de competência e auto-estima), foi feita através da análise de variância multivariada (MANOVA). Para além de se procurar diferenças de tipo desenvolvimentista com a idade e entre os sexos, incluiu-se a variável rendimento escolar partindo do pressuposto de que esta poderia afectar a função desenvolvimentista de forma diferenciada, ou seja, de que algumas diferenças entre grupos etários e sexos pudessem ser afectadas pelas experiências de sucesso e insucesso escolar.2

As diferenças entre os grupos, definidos por estas variáveis, foram analisadas através de comparações planeadas de contraste entre os níveis dos factores. No caso da idade, variável cujos níveis formam contínuos naturais (Wohlwill, 1970), testou-se a existência de tendências de mudança.

Como se pode verificar pela análise do quadro 6, que apresenta os resultados globais do teste multivariado, observaram-se efeitos principais do sexo e do rendimento escolar, indicando existirem diferenças nas respostas dos sujeitos em função do sexo e do nível de rendimento escolar. Apenas a idade, isoladamente, não apresenta qualquer efeito, indicando que estas duas variáveis se mantêm estáveis na faixa etária estudada. Verificaram-se, no entanto, efeitos da interacção idade x sexo apontando para a existência de funções desenvolvimentistas diferentes nos rapazes e nas raparigas.

A análise dos testes univariados e dos coeficientes estandardizados da função discriminante, segundo os critérios propostos por Appelbaum e McCall (1983), permite determinar quais as variáveis dependentes que contribuem para a explicação do efeito multivariado e para a discriminação dos grupos (ver quadro 7).

No presente estudo, quer a auto-estima quer a percepção de competência contribuem com variabilidade única para a explicação do efeito multivariado e são importantes na discriminação dos dois sexos e dos sujeitos com diferentes níveis de rendimento escolar. A análise das médias dos grupos revela que as raparigas apresentam uma auto-estima (Mf = 3,03 < Mm = 3,21, p<0,002) e uma percepção de competência (Mf =0,69 < Mm =0,80, p<0,01) inferiores às dos rapazes e que estas duas variáveis aumentam linearmente com o nível de rendimento escolar (auto-estima —F(1,432) = 7,58, p<0,006; e percepção de competência—F(1,432) = 98,72, p<0,000).

A auto-estima global é a subescala que por si só discrimina os dois sexos em função da idade, contribuindo também com variabilidade única para a explicação do efeito multivariado da interacção idade x sexo. Assim, enquanto que a auto-estima das raparigas se mantém estável com a idade, nos rapazes observou-se uma função ortogonal de tipo quártico (F(1,432) = 6,37, p<0,01), indicando que a sua auto-estima diminui entre os 10 e os 12 anos, aumentando novamente a partir dos 13 anos (ver figura 1). A subescala de percepção de competência complementa a auto-estima na explicação do efeito multivariado, verificando-se que esta variável parece manter-se estável com a idade nos rapazes, enquanto que nas raparigas aumenta linearmente com a idade (F(1,432) = 4,72, p<0,03) (ver figura 2). Deste modo, as diferenças entre os rapazes e as raparigas são, de forma geral, mais acentuadas nos níveis etários inferiores (10-11 anos), parecendo atenuar-se a partir dos 12 anos. Até essa idade, as auto-avaliações das raparigas são menos positivas do que as dos rapazes.

Efeito do desempenho escolar e da transição de escola

As correlações entre o rendimento escolar, as retenções, a transição escolar e as percepções dos estudantes são apresentadas no quadro 8.

Como se pode observar, as correlações entre a auto-estima e a percepção de competência e o rendimento escolar e as retenções são significativas. No entanto, essas correlações são mais elevadas no caso da percepção de competência, indicando que a percepção de se ser competente na escola se baseia, em grande parte, nos resultados obtidos, enquanto que o sentido de valor pessoal parece depender, igualmente, de outras áreas da vida dos estudantes.

Partindo do pressuposto que o ciclo de escolaridade poderia actuar como uma variável moderadora do efeito das experiências escolares nas percepções dos estudantes, realizaram-se correlações separadas para os sujeitos do 2.° e do 3.° ciclos. Sempre que se observou uma correlação significativa ao nível de qualquer dos ciclos, testou-se se a diferença entre as duas correlações era significativa. Como se pode observar no quadro 9, só no caso da transição escolar essa diferença é significativa. Assim, a relação entre as auto-avaliações dos estudantes e a mudança de escola é moderada pelo ano de escolaridade, indicando que só a partir do 7.° ano as transições escolares surgem associadas a percepções mais negativas de si próprio.

Para avaliar se as experiências escolares explicam uma parte significativa da variabilidade das auto-avaliações dos estudantes e para examinar as contribuições singulares de cada uma para a variável critério, controlando o efeito das outras, realizaram-se testes de regressão múltipla em que as três variáveis (rendimento, retenções e transições) entraram simultaneamente como preditoras da auto-estima e da percepção de competência.

Os resultados indicam que as três variáveis referentes às experiências escolares explicam 4% da variância da auto-estima e 23% da variância da percepção de competência. No caso da auto-estima, tanto o rendimento como as retenções são preditores significativos, enquanto que relativamente à percepção de competência apenas o rendimento escolar explica a associação com a variável critério. Quando controlado o efeito do rendimento e das retenções, a variável transições não está significativamente associada às variáveis critério. Assim, o rendimento escolar parece ser a variável com maior valor preditivo das auto-avaliações dos estudantes, particularmente da percepção de competência.

Discussão

As percepções que os estudantes têm do seu valor pessoal e da sua competência na escola constituem duas variáveis do sistema do self que influenciam significativamente a autodeterminação na aprendizagem e o sucesso escolar (e.g. Harter & Connell, 1984; Deci & Ryan, 1985); importa portanto saber como se desenvolvem estas auto-avaliações durante a infância e a adolescência e como as experiências de sucesso e insucesso as afectam.

Confirmando os dados de investigações anteriores (Castro, Monteiro, Sá & Rebelo, 1992; Faria & Fontaine, 1995; Harter, 1985b; Marsh, 1989), os resultados do presente estudo indicam que existem diferenças significativas entre os sexos nas auto-avaliações. Em primeiro lugar, observou-se que, de uma forma geral, os rapazes se avaliam de forma mais positiva do que as raparigas, sendo esta tendência mais acentuada até aos 12 anos, parecendo diminuir a partir desta idade. Este resultado é consistente com a literatura que indica que, quando surgem diferenças entre os géneros, as raparigas fazem avaliações de si próprias mais negativas do que os rapazes (Eccles, 1993; Parsons, Adler & Kaczala, 1982).

Em segundo lugar, os resultados apontam para a existência de trajectórias desenvolvimentistas diferentes nos rapazes e nas raparigas. Enquanto que no caso da auto-estima a atenuação das diferenças entre os sexos se deve à diminuição das avaliações positivas que os rapazes fazem de si próprios, no caso da percepção de competência são as raparigas que passam a avaliar-se como mais competentes. Ou seja, a auto-estima das raparigas mantém-se relativamente estável na faixa etária estudada, enquanto que nos rapazes se mantém estável a percepção de competência escolar.

A diminuição da auto-estima global nos rapazes pode corresponder à tendência descrita na literatura para as auto-avaliações se tornarem mais realistas com a idade (e.g, Harter, 1982), podendo acontecer que esse realismo surja mais cedo nas raparigas do que nos rapazes. A investigação com grupos etários mais jovens, nomeadamente no 1.° ciclo de escolaridade, ajudaria a esclarecer esta questão.

O aumento da percepção de competência nas raparigas pode dever-se a processos de socialização diferenciados, sendo provável que pais e educadores apresentem expectativas e critérios de avaliação do trabalho escolar diferentes para os dois sexos. Os dados da presente investigação parecem indicar que essas expectativas e critérios têm um impacto negativo nas avaliações que as raparigas fazem da sua competência, especialmente até ao 6.° ano de escolaridade.

Vários programas de investigação demonstraram que variáveis como os sistemas de crenças, as expectativas, os estilos e os padrões de comportamento dos pais estão relacionados com os resultados escolares dos seus filhos (e.g. Dornbush, Ritter, Leiderman, Roberts & Fraleigh, 1987; Grolnick & Ryan, 1989; Parsons, Adler & Kaczala, 1982).

As investigações de Eccles e colegas (Eccles, 1993; Parsons, Adler & Kaczala, 1982) têm salientado o papel dos pais enquanto modelos e a influência socializante das suas expectativas. O processo de "aprendizagem por observação" tem sido sugerido como uma das formas pelas quais as crianças absorvem as normas sociais, especialmente as que estão associadas às diferenças de comportamento entre os sexos . Nesta perspectiva, os modelos, em particular os pais, exibem comportamentos que as crianças imitam e vão mais tarde adoptar como parte do seu próprio repertório comportamental. Os modelos podem influenciar os comportamentos de realização das crianças através das mensagens que fornecem relativamente às suas capacidades. Se os agentes de socialização masculinos e femininos possuírem crenças diferentes relativamente à sua competência ou capacidade num determinado domínio, será de esperar que os rapazes e as raparigas desenvolvam crenças diferentes sobre as suas próprias capacidades.

Por outro lado, os pais podem formar expectativas específicas relativamente ao desempenho dos seus filhos numa determinada área, podendo transmitir estas expectativas através das mensagens que fornecem sobre as suas crenças nas capacidades das crianças, sobre a dificuldade das diferentes tarefas e sobre a importância de várias actividades. Os estudos empíricos comprovaram a influência destes dois factores no autoconceito, na percepção do esforço, na percepção da dificuldade e nas expectativas sobre o desempenho. Por exemplo, na disciplina de matemática as atitudes das crianças eram mais influenciadas pelas atitudes dos pais sobre as suas capacidades do que pelos seus desempenhos anteriores (Eccles, 1993).

Segundo Parsons, Adler e Kaczala (1982), as expectativas dos pais quanto às capacidades dos seus filhos parecem ter um maior impacto do que o seu papel enquanto modelos para o desempenho. Os pais têm estereótipos sexuais relativamente ao potencial dos seus filhos e estas crenças parecem ser mediadores importantes das diferenças sexuais observadas no autoconceito dos filhos. Estas crenças parecem ter um impacto mais importante nas percepções das crianças do que o seu desempenho real. Ao atribuírem os sucessos das suas filhas ao esforço e ao trabalho árduo e os dos seus filhos às suas capacidades cognitivas, os pais levam-nos a fazer inferências diferentes relativamente às suas competências a partir de experiências de sucesso semelhantes.

Estas expectativas podem-se perpetuar pois, como a literatura atribucional indica, quando a criança atinge um certo nível de compreensão sociocognitiva, a conclusão de que é incompetente num domínio pode levá-la a evitar as tarefas ou a não se esforçar em actividades semelhantes, aumentando a probabilidade de fracassar (Weiner, 1984). Quando o estudante se vê como incompetente pode interpretar a informação de uma forma que reforça essa conclusão, tal como atribuir o sucesso ao esforço e o fracasso à falta de capacidade. Como indicam os resultados de um estudo que analisa as atribuições espontâneas na sala de aula da escola primária, as raparigas referem com maior frequência a falta de capacidade como uma razão para o fracasso do que os rapazes (Ruble, 1987). Se este padrão atribucional for realmente mais frequente nas raparigas, pode explicar a percepção de competência mais negativa observada no presente estudo.

Outro aspecto que pode ajudar a explicar estes resultados é o facto de as avaliações que as pessoas fazem de si próprias dependerem, em grande parte, da forma como os outros as vêem e da importância que atribuem a uma determinada área de competência (Harter, 1987; 1999). Deste modo, podemos colocar a hipótese de que os pais e os professores valorizam menos ou têm expectativas mais baixas acerca do desempenho escolar das raparigas, especialmente durante os primeiros anos de escolaridade, favorecendo o desenvolvimento do padrão atribucional anteriormente referido.

Como seria de esperar, as auto-avaliações dos sujeitos aumentam linearmente com o rendimento escolar, indicando que os estudantes com rendimento escolar mais elevado apresentam percepções do seu valor pessoal e da sua competência escolar superiores às dos estudantes com rendimento escolar mais fraco. No entanto, embora as auto-avaliações se baseiem no sucesso relativo dos estudantes, a relação entre as experiências de sucesso (ser bom aluno e passar de ano) e as auto-avaliações é mais modesta no caso da auto-estima global do que para a percepção de competência escolar: o desempenho escolar está mais associado à percepção de competência do que à auto-estima global. O modelo teórico da auto-estima proposto por Susan Harter pode explicar esta diferença. Nesta perspectiva, o valor pessoal não depende apenas das avaliações escolares mas também da avaliação global que o estudante faz de si enquanto pessoa, das avaliações que faz do seu desempenho noutras áreas da sua vida (social, desportiva, comportamental) e da importância que atribui a cada uma dessas áreas (Harter, 1999).

Um resultado que não confirma estudos anteriores sobre o impacto negativo da mudança de escola (Eccles, Lord & Midgley, 1991; Harter, 1982), é o de que a transição escolar não contribui significativamente para a explicação da variabilidade das auto-avaliações dos estudantes, indicando que, embora a mudança de escola possa ter um efeito negativo, provavelmente o seu impacto é moderado pelo desempenho escolar, particularmente na mudança do 1.° para o 2.° ciclo, que é a transição normativa pela qual passou a maioria dos participantes neste estudo.

O facto de as transições escolares apenas surgirem negativamente associadas às auto-avaliações dos estudantes a partir do 7.° ano de escolaridade está de acordo com o modelo proposto por Eccles e colegas (Eccles et al., 1993), indicando que o efeito das mudanças contextuais (modificação da rede social, novas actividades extracurriculares, regras diferentes de conduta na escola e no grupo social) será particularmente acentuado quando coincide com processos de mudança pessoal. Assim, a entrada num mundo social e escolar desconhecido terá um maior impacto durante o período da adolescência.

As percepções que os estudantes têm do seu valor enquanto pessoas e da sua competência na escola são duas variáveis que surgem relacionadas com as orientações motivacionais (Harter, 1992) e com o desempenho escolar dos estudantes (Wigfield & Eccles, 1992). O conhecimento sobre as trajectórias desenvolvimentistas destas variáveis e sobre o impacto das experiências de sucesso e fracasso permite retirar algumas indicações para sabermos quando e como intervir na prevenção ou na remediação do insucesso escolar.

Os resultados da presente investigação permitem-nos afirmar que é importante estar atento às expectativas que a família e a escola têm acerca do desempenho escolar dos rapazes e das raparigas e nas intervenções, individuais ou em grupo, ter em conta que essas expectativas podem ter um efeito negativo nas auto-avaliações das raparigas. A investigação sobre as crenças e as expectativas dos adultos relativamente aos dois géneros permitirá uma melhor compreensão dos processos de socialização subjacentes às diferenças encontradas entre rapazes e raparigas.

Se pretendermos seleccionar grupos de estudantes que beneficiariam de uma intervenção preventiva, devemos estar particularmente atentos àqueles que mudaram de escola e que passam, ao mesmo tempo, pelas mudanças características do período da adolescência. Essas intervenções podem ser de cariz mais individualizado, com um acolhimento pessoal dos novos estudantes, ou criarem-se programas de acolhimento nos anos de transição. Procurar-se-ia assim ajudar os jovens a conhecer o novo espaço, físico e social, e as regras e as exigências que os esperam, dando-lhes simultaneamente informação sobre os recursos e apoios disponíveis na escola.

Dado o impacto do desempenho escolar na percepção de competência dos estudantes, parece ser fundamental que as escolas e os professores dêem atenção aos modelos que utilizam na sua avaliação. Para diminuir o efeito negativo das classificações é importante salientar os progressos pessoais de cada estudante e as estratégias que podem utilizar para ultrapassar os fracassos. A divulgação dos programas que procuram desenvolver estratégias de estudo pode constituir um instrumento precioso para ajudar os estudantes a aprender com os erros e a confrontar activamente os insucessos, aumentando assim a confiança nas suas capacidades.

 

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Notas

1No sistema educativo dos EUA a investigação sobre a transição da escola no início da adolescência refere-se, principalmente, à mudança da escola elementar (elementary school) para a escola secundária (midâle school ou junior high school) que ocorre do 5.° para o 6.° ou do 6.° para o 7.° ano.

2Nesta análise das mudanças ao longo do desenvolvimento, podia-se ter incluído a variável idade ou o ano de escolaridade, porque as duas representam a evolução dos sujeitos ao longo do tempo; optámos pela primeira por ser aquela que melhor define a progressão desenvolvimentista. No caso do ano de escolaridade, os grupos não são tão homogéneos em termos etários, uma vez que incluem também sujeitos que foram retidos anteriormente e que, deste modo, embora no mesmo nível de escolaridade, são mais velhos do que os seus pares. Por outro lado, esta variável pode representar quer diferenças desenvolvimentistas quer a influência do contexto e das experiências escolares.

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