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Psicologia

Print version ISSN 0874-2049

Psicologia vol.17 no.2 Lisboa July 2003

https://doi.org/10.17575/rpsicol.v17i2.458 

(Des)Encontros das memórias

Breve comentário ao encontro "O Descobrimento do Brasil, Quinhentos Anos Depois: Memória Social e Representações de Portugueses e Brasileiros"

(Un)Encounters of memory: A brief commentary to the symposium "The discovery of Brasil, 500 years latter: Social memory and representations of Portuguese and Brazilians'

 

José Manuel Sobral1

1Investigador, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

 


RESUMO

Neste artigo abordam-se de modo sucinto alguns aspectos relativos à problemática da memória social, dando-se um relevo particular aos contibutos oriundos da sociologia e da antropologia. Defende-se que a memória nacional deve ser entendida como ideologia ou representação, como produto de processos de construção do passado, nos quais o poder de estado desempenha um papel crucial. Aborda-se também com brevidade o questionário, referindo-se que o mesmo mostra como certas caracterizações do carácter nacional (brasileiro) moldam algumas das suas interrogações. Finalmente, debruça-se sobre a persistência de certas imagens dos portugueses ligadas à expansão ultramarina e suas implicações.

Palavras-chave Memória social, memória nacional, identidade nacional, comemorações, nacionalismo banal.


ABSTRACT

The concept of social memory is briefly analysed in this paper, especially the contributions given by sociology and anthropology to this concept. It is sustained that social memory can be understood as an ideology or a representation, a product of a processes of construction of the past, on which state power is fundamental The survey presented on Vala's and Saint-Maurice paper is also commented, namely in what concerns the role of characterisations of the national character (Brazilian) in the answers to particular questions. Finally, a brief glance is drawn to the Portuguese images about overseas expansion and its implications.


 

I

Deve-se a Maurice Halbwachs o impulso inicial no estudo da memória social. O sociólogo francês preferia a designação de memória colectiva—a memória produzida no âmbito de um dado "quadro social", que poderia ser, por exemplo, o da família, da profissão, da classe, ou o da comunidade religiosa (Halbwachs, 1925/1994; 1950/1968). A memória seria colectiva, em seu entender, porque "qualquer lembrança, por mais pessoal que seja, mesmo a de acontecimentos de que tenhamos sido as únicas testemunhas, mesmo a dos pensamentos e sentimentos que não chegamos a expressar, encontra-se relacionada com todo um conjunto de noções que muitos de nós possuem, com pessoas, lugares, datas, palavras e formas da linguagem, com raciocínios e ideias, quer dizer, com toda a vida material e moral das sociedades de que fazemos ou de que fizemos parte" (Halbwachs, 1925/1994; p. 38). A memória possuiria assim sempre um carácter social, pois usa conceitos, possui referentes, gera-se e reproduz-se em conceitos sociais determinados. Outros autores viriam a debruçar-se, em particular a partir da década de sessenta, sobre diversos aspectos do carácter social da memória. Assistiu-se ao desenvolvimento da análise de problemáticas como a das implicações cognitivas diferenciadas da oralidade e da escrita (Goody, 1977; 2000), dos rituais e comemorações (Gillis, 1994), dos processos de socialização e dos de incorporação não consciente de hábitos, práticas corporais e modos de fazer (Leroi-Gourhan, 1965), geradores de habitus específicos, no sentido de Bourdieu (1972), ou de memória-hábito (Connerton, 1989).

Não teria cabimento aqui desenvolver a problemática da dimensão subjectiva da memória. Esta está presente na consciência de que a experiência do que nos sucedeu é de natureza inteiramente pessoal (Lowenthal 1985/1993; p. 194). Mas deve-se sublinhar que os aspectos pessoais estão embebidos no social, porque "a memória é estruturada pela linguagem, pelo ensino e pela observação, por ideias colectivas e por experiências partilhadas com outros" (Fentress & Wickham 1992/1994; p. 7). Por isso, há inclusivamente uma dimensão nacional na própria memória pessoal, pois esta constitui-se em espaços sociais, linguísticos e culturais delimitados concebidos como nações.

A identidade depende da memória, pois esta proporciona um sentido de continuidade no tempo, sem o qual ela não existiria. Como escreve Schacter, "o nosso sentido de nós próprios depende crucialmente da experiência subjectiva de recordar os nossos passados" (Schacter, 1996; p. 34), ou, nas palavras de Loewenthal, "a recordação das experiências passadas liga-nos com os nossos eus anteriores, por mais diferentes que nos tenhamos transformado desde então (Loewenthal 1985/1993; p. 197). Memória e identidade são indissociáveis. O núcleo de sentido de qualquer identidade individual ou de grupo, que consiste principalmente numa noção de se permanecer a mesma coisa no tempo e no espaço, é sustentado pelo recordar, e o recordar é definido pela identidade assumida (Gillis, 1994; p. 3). Contudo, a memória, tanto ao nível do ser individual como no que se refere aos colectivos, está continuamente a ser trabalhada, é um produto do presente, como já Halbwachs afirmara (Halbwachs 1925/1994; pp. 83-113), embora não seja algo de aleatório; possui, como refere Ricoeur, uma ambição "veritativa" que a distingue da imaginação, que tem por paradigma o irreal, o fictício (Ricoeur, 2000; p. 26).

Quando se fala em "memória nacional" designa-se algo de muito distinto de outras memórias colectivas. Alguns exemplos breves de memória colectiva no âmbito familiar são suficientes para entendermos essa especificidade. Podemos falar em memória familiar para nos referirmos às memórias existentes em cada família acerca dos membros mais antigos da mesma, dos lugares de proveniência, de episódios da sua vida, de graus de parentesco; muita desta recordação é oral, sobretudo oral, sendo transmitida informalmente entre gerações, rememorada em grupo em momentos rituais, como aniversários, natais, funerais. Mas a memória do colectivo familiar já depende da posição social, podendo ser ou não objecto de construções intencionais. Essas construções não parecem encontrar-se no seio das classes trabalhadoras, a quem faltam suportes mnemónicos — e nomeadamente o escrito — da recordação, que não recua geralmente mais do que duas gerações, a daqueles com quem se teve algum contacto directo. A classe média dispõe de arquivos de recordação fotográfica — álbuns de família — e de items de vária natureza — correspondência escrita, mobiliário, jóias de família... — que servem de suporte à rememoração, mas tal não conduz necessariamente à preocupação de construir as recordações que se tem dos mais velhos ou de gerações passadas como uma memória de família. Todavia, a memória familiar da aristocracia, por exemplo, obedece a estratégias intencionais de reprodução da posição e do prestígio. É um instrumento de poder. Esta memória, constitutiva do seu capital social, assenta na preservação do nome, na construção e transmissão de monumentos — como as casas senhoriais e as sepulturas —, recorre à elaboração de narrativas escritas de antepassados ilustres, onde prolifera a invenção genealógica, em resumo, dispõe de suportes visíveis do passado no presente. De todas as memórias colectivas, esta, pelos processos de sustentação em que assenta — os escritos, as habitações, os monumentos funerários... — pela reprodução multissecular, pelo recurso à invenção, será das memórias colectivas mais próximas da "memória nacional" (Sobral, 1995; 1998).

A "identidade nacional" assenta numa memória colectiva (re)construída em cada presente da nação. A dimensão temporal/histórica é fulcral em todas as representações do fenómeno nacional (Smith, 1986; pp. 174-208). Em Portugal, por exemplo, a genealogia da formação da identidade nacional pode recuar a momentos mais ou menos distantes, consoante se postule que a sua génese é posterior à existência de um estado formado por barões medievais, ou que ela seria detectável na acção dos lusitanos, tidos por antepassados dos portugueses (Albuquerque, 1974; Leal, 2000). Está a ser constantemente reescrita, pois "(...) os nossos mitos, memórias e símbolos têm de ser constantemente renovados e continuamente reditos, para assegurar a nossa sobrevivência. A nação torna-se o renovar e o recontar contínuo da nossa narrativa por cada geração dos nossos descendentes" (Smith, 1986; p. 208). A narrativa dos séculos XVI e XVII, que inseria os portugueses, como os outros povos cristãos, na linhagem de Noé, ou que conferia uma dimensão providencialista à existência nacional — milagre de Ourique —, não resistiria ao racionalismo oitocentista. Mas a ideia de grandeza nacional ligada ao império ultramarino já então existente (Albuquerque, 1974) persistiria na representação da história portuguesa e como ideologia nacional na época contemporânea.

Quando falamos em "memória nacional" devemos ter em conta que ela é o produto de múltiplos processos. Processos como os da produção e inculcação de narrativas históricas como aquelas a que acabámos de fazer referência, os da compilação de acervos documentais — os arquivos nacionais —, os da criação de séries de monumentos e outros itens patrimoniais e de referentes espaciais — a começar pelo próprio território nacional e a acabar em locais dotados de um valor simbólico específico, como no caso português o promontório de Sagres, por exemplo. Ela assenta, em suma, na constituição dos "lugares da memória" que Pierre Nora e os seus colaboradores inventariaram (1984). No caso dos estados-nações, estes processos são controlados pelo poder de estado, servidos pelo sistema escolar de massas na época contemporânea e pelas suas múltiplas agências de propaganda; nas nações sem estado, escritores, intelectuais, publicistas, aparelhos de propaganda partidária desempenham esse papel. Com o desenvolvimento do nacionalismo como doutrina política no século XIX, todas estas práticas se intensificam, num mundo concebido como constituído por nações (Sobral, 2003). Em Portugal, as primeiras comemorações ligadas à expansão ultramarina, as dos centenários da morte de Camões (1880), do nascimento do infante D. Henrique (1894) e da "descoberta" da índia (1897-98) — o do Brasil foi quase silenciado, por extenuação, ausência de recursos e pela situação de crise brasileira — tiveram lugar numa conjuntura de confronto com outras potências interessadas na dominação colonial e num clima de pessimismo revelado na representação do país como nação decadente (Catroga, 1998; Matos, 1998). A ideia de um Portugal imperial atravessa a primeira república e é algo de crucial sob o Estado Novo — regime que assistiu ao apogeu do colonialismo europeu e à sua crise —, o qual promoveu, entre outras manifestações, a Exposição Histórica do Mundo Português (1940) e as Comemorações Henriquinas (1960) (Catroga, 1998; pp. 257-294).

A definição do que é o passado nacional — a valorização de certos aspectos, a desvalorização de outros, os procedimentos do esquecimento — é conflituosa, o que faz com que este tipo de memória colectiva deva ser estudado enquanto ideologia (Billig 1990/1992; p. 77). Entre nós sob o Estado Novo, por exemplo, a data de 5 de Outubro não constituía feriado oficial para um regime fundado com a colaboração dos monárquicos e da igreja católica. O regime queria impor uma representação da identidade nacional católica e antiliberal, uma representação que teria de se confrontar — o que levou a cabo principalmente através de uma estratégia de ocultação — com a existência de um regime parlamentar, laico e anticlerical de que esse dia fundador era símbolo. Em contrapartida, a sua comemoração era reivindicada por parte da oposição que propunha outras narrativas históricas de identidade em confronto com as do regime: a tradição anticlerical do liberalismo e o democratismo jacobino. Definir algo como "memória nacional" é sempre algo potencialmente polémico. A associação de determinados acontecimentos de modo durável a uma população pode envolver incorporar eventos — e responsabilidades inerentes — difíceis de suportar no presente, como sucede como a memória do nazismo alemão (Candau, 1998; pp. 169-170). A representação do passado reflecte afrontamentos do presente. Tal verifica-se tanto nos confrontos em torno da memória recente, como sucede com o holocausto, ou com a recordação das ditaduras sul-americanas das últimas décadas, em que as suas testemunhas directas ainda estão vivas (Jelin, 2002), como nos gerados pela interpretação de um acontecimento multissecular, como o "descobrimento da América" por Colombo e as suas implicações. As representações das identidades nacionais da América latina têm de enfrentar esta última história, de um modo ou de outro.

Depois do 25 de Abril, o poder no Portugal democrático e descolonizador teve de lidar com a herança imperial, há muito uma componente crucial das representações da identidade nacional, difundida de modo alargado nos cem anos anteriores devido ao impacto da doutrinação do aparelho escolar e da imprensa e literatura de massas. Deve-se sublinhar que, não obstante o contexto ser radicalmente diferente e de as orientações políticas e historiográficas institucionais não serem as do passado recente — eram distintas entre si e algumas claramente anticolonialistas — a história ultramarina continuou a ser celebrada como um evento sem paralelo, reforçando o seu lugar nas representações da identidade portuguesa. A Exposição Universal em Lisboa coincidiu com a comemoração da chegada de Vasco da Gama à índia, e não se encontrou outro nome para a nova ponte sobre o Tejo — um rio central na épica ultramarina — que o do "descobridor" (também glorificado com uma torre). De qualquer modo, mesmo com a renovação crítica da historiografia, as dimensões mais brutais dos descobrimentos, como a dominação colonial ou o tráfico de escravos entre a África e a América, foram claramente secundarizadas quando não esquecidas num conjunto de produções em que a tónica dominante se pautava por tópicos como o da "acentuação da modernidade técnico-científica (...) relacionada com os efeitos universalistas dos Descobrimentos", sendo estes frequentemente apresentados como "encontro de povos e de culturas" (Catroga, 1998; pp. 295-304). As comemorações ligadas aos principais "descobrimentos" foram conflituosas, embora de modo bem diverso. Enquanto o estado indiano ignorou as que supostamente lhe diriam respeito, as da viagem de Cabral foram ocasião no Brasil para lembrar as diversas subalternidades e exclusões que marcam a sua vida social. Em Portugal tais datas não tiveram qualquer eco "popular", nem foram ocasião para celebrações intensamente participadas da nacionalidade, como as que haviam decorrido no século anterior.

II

Ao estudar a produção e reprodução da chamada "memória nacional" devemos ter em conta, como referimos, o papel do poder político, dos media, dos intelectuais e, no seio destes, dos historiadores, os que se propõem objectivar uma narrativa nacional; as representações que encontramos na boca dos actores sociais remetem-nos para a influência destes processos. Por isso são compreensíveis as objecções colocadas por Vala, que prefere falar em representações sociais sobre o passado — um passado muito distante da experiência directa dos que o evocam no presente — em vez de "memória nacional".

Devemos aceitar, a este respeito, o contributo do biólogo Steven Rose, que vai ao encontro da sugestão avançada por Billig atrás mencionada, quanto à relação entre memória nacional e ideologia. Rose parte da distinção entre memória não humana e memória humana para assinalar que o que marca a especificidade da última é a " nossa existência social, e a facilidade tecnológica com que criou um mundo em que as memórias são transcritas em papiro, tabuinhas de cera, papel ou ecrãs electrónicos; quer dizer, num mundo de memória artificial. É a memória artificial que significa que enquanto todas as espécies vivas possuem um passado, só os humanos têm uma história" (Rose, 1993; p. 326). E a existência da memória artificial, que transcende o indivíduo e a sua experiência individual biológica e psicológica, que mantém as sociedades agregadas, "impondo entendimentos partilhados, interpretações, ideologias" (Rose, 1993; p. 327). A "memória nacional" será a forma de memória artificial coexistente com a nação, tida e vivida como comunidade eminente — uma "comunidade imaginada" (Anderson, 1983) — que transcende e une indivíduos e grupos no tempo e no espaço. Comunidade construída pelas interpretações, ideologias, mitos dominantes.

Creio que a influência de representações oriundas do campo intelectual e político se faz sentir em algumas perguntas do questionário, as quais, por exemplo, me parecem traduzir preocupações específicas de intelectuais—brasileiros — que discutiram a sua "identidade nacional", confrontando-se necessariamente com o legado português. Nas questões relativas ao impacto possível de outras colonizações — francesa, holandesa, etc. — parece-me ser detectável um eco de polémicas centradas no molde específico conferido à sociedade brasileira pela colonização portuguesa. Esta temática — abordando nomeadamente os aspectos relativos à miscigenação, à importância da sociedade agrária — está presente, entre outros casos, na influente representação da identidade nacional elaborada por um Gilberto Freire (Freire 1933/1957; Bastos, 1999), bem como na pouco posterior de um Sérgio Buarque de Hollanda. As perguntas referentes à cordialidade e à generosidade reportam-se por certo à caracterização do "homem cordial" que se deve a este último — a cordialidade, na sua opinião "a contribuição brasileira para a civilização universal", designaria a lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade, mas também a inimizade e condutas similares, desde que genuínas, "nascidas do coração" (Hollanda, 1936/1994; Sallumjr., 1999).

As representações das identidades "nacionais" são profundamente modeladas pelas narrativas com referentes históricos, sejam elas as da história erudita, da divulgação escolar, da ficção literária, do cinema ou da banda desenhada. Por outras palavras, estas narrativas são incorporadas no conhecimento ou na memória mais comum, como sucedeu com as centradas na dimensão colonial/imperial para os portugueses. Esta, como se disse, fez sempre parte de uma imagem de exaltação nacional, difundida entre letrados e nos círculos de poder no século XVI e progressivamente alargada até ao século XX, sob a república e o Estado Novo. A celebração da história colonial-imperial foi questionada pela esquerda, sobretudo pela formada no meio universitário na década de sessenta — e por isso, como o revela o inquérito, deparamos com imagens negativas dos que têm maior capital escolar desde os anos 60, anos da guerra colonial, mas também do triunfo internacional da descolonização. Críticas às celebrações em termos de descoberta, contrapondo-lhe como efeitos o etnocídio, o racismo, a pobreza. Críticas patentes numa série de manifestações nas antigas colónias ibéricas que tiveram o seu início com as contestações às celebrações da viagem de Colombo e o seu fim com as feitas à viagem de Cabral. O presente actual e muito conflituoso dessas sociedades moldou a contestação e reflecte-se nas representações aqui explicitadas.

Vale a pena atentar para o facto de as respostas ao inquérito (Vala & Saint-Maurice, neste número) continuarem a revelar a persistência entre os portugueses de uma imagem eufemística da colonização portuguesa. Tal deve-se sem dúvida em grande medida à influência das representações popularizadas sob o salazarismo, momento específico de difusão maciça de representações nacionais — ou de construção de uma "memória artificial" da nação — a que se aplica bem a expressão cunhada por Georg Mosse (1975) de "nacionalização das massas". Os efeitos mais brutais da expansão colonial — limpeza étnica, tráfico de escravos e um sistema produtivo colonial assente em larga escala na mão-de-obra escrava, no racismo (Skidmore, 1998; pp. 17-47; Alencastro, 2000) — estão longe de ser interiorizados por todos, por não terem penetrado profundamente nas interpretações escolares e de divulgação de massas no período democrático, como se disse antes. E comparações entre o sucedido na Alemanha nazi e aquilo que portugueses—como aliás espanhóis, alemães, britânicos, norte-americanos e outros — fizeram a povos dos seus ultramares (Nicholson, 1999; p. 141) suscitarão, por certo, protestos veementes. No "nacionalismo banal" (Bil-Iig, 1995/1997) português, o nacionalismo que se insere na nosso quotidiano interpretativo, a imagem tão cultivada da excepcionalidade, da diferença portuguesa — os costumes mais "brandos", uma violência "menor", a miscigenação — face a outras empresas coloniais, continua a encontrar recepção.

 

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