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Psicologia

Print version ISSN 0874-2049

Psicologia vol.17 no.1 Lisboa Jan. 2003

https://doi.org/10.17575/rpsicol.v17i1.442 

Padrões de comportamento das educadoras de infância

Estudo exploratório para a compreensão das interacções em contexto de jardim de infância

Kindergarten teacher's patterns of behaviour. Exploratory study for understanding the interaction in contexts of kindergarten classes

 

Teresa Grego*

*Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.

 


RESUMO

O presente trabalho insere-se no âmbito da dissertação de mestrado em psicologia, 1 e pretende contribuir para a compreensão das interacções que ocorrem em contextos de salas de jardim de infância. Neste sentido foi feito um estudo em que se procurou aprofundar a forma como as educadoras de infância se relacionam com as crianças, nomeadamente tentou-se definir padrões de comportamento das educadoras. A amostra é de conveniência, constituída por doze educadoras de infância que trabalham em jardins de infância privados sem fins lucrativos, em duas instituições do distrito de Aveiro. Foram privilegiados métodos qualitativos (observação e entrevista), tendo sido utilizado software informático específico para análise qualitativa (programa NUD*ÍST 4.0 — Non-numerical Unstructured Data Indexing Searching Theorizing, versão 4.0 — Copyright Qualitative Solutions & Research, 1991-1997). Os resultados obtidos sugerem que há regularidades no comportamento das educadoras, podendo ser esboçados alguns padrões de comportamento em relação à interacção com as crianças.

Palavras-chave Educadora de infância, padrões de comportamento, responsividade, directividade.


ABSTRACT

The present work interferes in the extent of the dissertation of master's degree in psychology, area of early intervention, and it intends to contribute for the understanding of the interactions that happen in contexts of kindergarten classes. Concretely we try to know a little more on the way as preschool teachers link with the children, and tried to define patterns of the preschool teachers' behaviour in his relationship with the children. It is made reference to the empiric study, accomplished near 12 preschool teachers and in witch qualitative methods were privileged (observation and interview). It was fallen back upon methods of qualitative research with the program NUD*IST 4.0 - non-numerical unstructured date indexing searching theorizing, version 4.0 (copyright Qualitative Solutions & Research, 1991-1997). The obtained results suggests that there are regularities in the preschool teachers' behaviour and some patterns of behaviour in relations to the interaction with the children can be privileged.

 

Introdução

O estudo das interacções educadora-crianças remete,2 por um lado, para a questão da evolução dos modelos conceptuais no estudo do desenvolvimento humano e, por outro lado, para questões e conceitos mais específicos relacionados com essas interacções.

Evolução dos modelos conceptuais no estudo do desenvolvimento humano

A clássica questão nature-nurture permite-nos analisar a evolução dos modelos conceptuais sobre o desenvolvimento humano, desde uma perspectiva em que pessoa e ambiente são vistos como entidades distintas, até às conceptualizações transaccionais mais actuais, em que pessoa, ambiente e os processos que se estabelecem entre eles são vistos indissociavelmente. Segundo Bairrão, "assiste-se actualmente a uma progressiva adesão às abordagens transaccionais, e sobretudo a certas perspectivas ecológicas, na medida em que estas fornecem modelos mais poderosos para a compreensão dos modelos psicológicos. " (Bairrão, 1995, p. 11)

Um dos primeiros contributos para a conceptualização ecológica do desenvolvimento surge através de Barker em 1968 (cit. por Bairrão, 1995). O autor considera que o comportamento individual é indissociável dos contextos onde ocorre e o seu estudo deve ser feito em contexto natural ou cenário de comportamento definido como "... uma unidade de meio ambiente/comportamento, caracterizada por padrões cíclicos de comportamento que ocorrem dentro de intervalos específicos no tempo e de limites no espaço" (Barker, cit. por Bairrão, 1995, p. 17). A noção de cenário foi posteriormente reformulada por Tietze e Rossbach, que definem cenário como "uma unidade social relativamente estável (dimensão pessoal; por exemplo, o número de crianças e adultos que nele se encontram), a qual está normalmente associada a locais específicos (dimensão espacial e material; por exemplo, a dimensão e a densidade dos espaços), nos quais ocorrem padrões de acção relativamente estáveis (dimensão acção) e que estão inseridos num contexto organizacional, legal, económico e funcional (dimensão organizacional; por exemplo, suporte financeiro, enquadramento legal). " (1984, citados por Bairrão, 1994, p. 43). Posteriormente surge a noção de contexto, que pode ser definido como "... um tempo e espaço situados cultural e historicamente..." (Grave & Walsh, 1998, p. 9). Estes autores referem que os contextos são relacionais, moldam e são moldados pelos indivíduos e não são estáticos mas antes fluidos e dinâmicos. São também inerentemente sociais e simultaneamente reflectem e formam a interacção (Wertsch, 1985) e podem também ser vistos como fonte cultural que contribui para a estruturação do comportamento, quer através de constrangimentos a esse comportamento quer fomentando a necessidade de uma construção activa pelo indivíduo, fornecendo as ferramentas a serem usadas nesse processo de construção (Cole, 1992).

Em conclusão, é necessário um "comprehensive new environmentalism" que reconheça que o desenvolvimento é o resultado de processos complexos que envolvem organismos e ambientes. Os factores genéticos e ambientais contribuem para estes processos. A questão é considerar os termos nature-nurture, não como pólos separados ou pontos de um mesmo contínuo, mas antes como termos que necessitam de uma redefinição e que devem ser reconceptualizados em termos dos processos de desenvolvimento e das estratégias metodológicas para estudar esse desenvolvimento (Horowitz, 1993).

A interacçcão educadora-crianças

As salas de jardim de infância constituem o cenário onde ocorrem as interacções educadora-crianças. Neste cenário podemos identificar variáveis estruturais e variáveis processuais. As primeiras incluem três aspectos principais: as características físicas e ambientais dos cenários, as características das pessoas que neles actuam e as atitudes e crenças dessas pessoas (Tietze & Rossbach, 1984, citados por Bairrão, 1994). Consideram-se aqui aspectos regulares dos cuidados tais como: rácio adulto-criança, dimensão dos grupos e características das educadoras, incluindo nível de escolaridade e treino específico em intervenção precoce (Howes & Smith, 1995). Bairrão (1998) refere ainda como factores estruturais o espaço das salas, os horários ou a planificação de actividades. O segundo grupo, variáveis processuais, diz respeito, principalmente, às interacções das crianças com os adultos ou pares (Tietze & Rossbach, 1984, citados por Bairrão, 1994). Mais especificamente tem a ver com as experiências das crianças, particularmente as actividades desenvolvimentalmente adequadas ou não, fornecidas pela educadora e outros adultos ou crianças, e a qualidade das interacções sociais com a educadora (Howes & Smith, 1995). A pesquisa sugere que a qualidade do processo tem relações mais fortes com os resultados desenvolvimentais da criança do que a qualidade estrutural (Howes, Philips & Whitebook, 1992).

Práticas desenvolvimentalmeíite adequadas

Nos Estados Unidos a NAEYC (National Associationfor the Education of Young Children) define as orientações sobre as melhores práticas para trabalhar com crianças pequenas e defende que os melhores ambientes são aqueles que permitem à criança ter um papel activo na construção desse ambiente (Bredekamp, 1987; Brede-kamp & Rosegrant, 1992,1995).

Bredekamp (1987) define adequação desenvolvimental como um conceito que encerra em si duas dimensões: a) adequação etária ou desenvolvimental, que .. pressupõe que o desenvolvimento humano segue sequências de crescimento e mudança que são previsíveis e que ocorrem com as crianças durante os primeiros anos de vida" (Bredekamp, 1987, p. 2); b) adequação individual, que considera que "... cada criança é uma pessoa única, com um tempo e padrão de crescimento individuais, bem como uma personalidade individual, estilo de aprendizagem e antecedentes sociofamiliares " (Bredekamp, 1987, p. 2). A autora considera que tanto o currículo como as interacções com os adultos devem ser responsivos às diferenças individuais das crianças. As normas definidas pela NAEYC para as práticas desenvolvimentalmente adequadas incidem sobre quatro áreas específicas: currículo, interacções adulto-criança, relações entre casa e programa e avaliação do desenvolvimento das crianças (Bredekamp, 1987). Sendo o nosso objectivo o estudo dos comportamentos das educadoras, vamos deter-nos um pouco mais pormenorizadamente na terceira área referida nas normas NAEYC, que diz respeito às interacções adulto-criança. A autora considera que a adequação desenvolvimental é notória nas interacções adulto-crianças e tem a ver com os seguintes aspectos (Bredekamp, 1987, pp. 9-12): i) o adulto responde rápida e directamente às necessidades, desejos e mensagens das crianças, e adapta as suas respostas aos diferentes estilos e capacidades das crianças; ii) o adulto fornece muitas e variadas oportunidades para as crianças comunicarem; iii) o adulto fornece suporte, atenção focalizada, proximidade física e encorajamento verbal para facilitar o sucesso da criança ao completar as tarefas; iv) os adultos estão alerta para sinais de stresse subjacentes ao comportamento da criança e conhecem técnicas e actividades apropriadas para redução do stresse; v) independentemente do comportamento da criança os adultos respeitam, aceitam e confortam a criança, facilitando o desenvolvimento da auto-estima; vi) os adultos facilitam o desenvolvimento do autocontrolo na criança; vii) os adultos são responsáveis por todas as crianças sob a sua supervisão, durante a totalidade do tempo, e planificam de forma a aumentar a aquisição independente de competências.

As normas da NAEYC definem a natureza das interacções educadora-crianças como sendo, especificamente, interacções que facilitem o jogo e/ou brincadeira e que promovam o desenvolvimento socioemocional da criança através de orientações positivas ou interacções caracterizadas pelo elogio, redireccionamento e estabelecimento de limites claros (Kontos & Ounn, 1993). As interacções entre a educadora e a criança constituem, assim, um contexto privilegiado e poderoso para o desenvolvimento precoce.

A pesquisa sobre os comportamentos específicos de interacção é recente e vamos fazer-lhe referência em seguida. É comum avaliar-se as interacções como um conjunto de variáveis em que os factores processuais e estruturais surgem conjuntamente e em que a interacção propriamente dita é um dos aspectos considerados. Como exemplo do que dissemos consideramos a ECERS (Early Choldhood Environment Rating Scale, Harms & Clifford, 1980). No que se refere às interacções este instrumento usa termos gerais para definir e avaliar os comportamentos do prestador de cuidados, tais como: "interacções adulto-criança agradáveis", "fala e relaciona-se calorosamente com a criança", "mostra apreço pelo trabalho da criança", etc.

Também a NAEYC prevê a definição de um papel específico para a educadora na interacção com as crianças, considerando-o como suporte para a aprendizagem da criança através da promoção de actividades desenvolvimentalmente adequadas. Bredekamp e Rosegrant (1992,39-42) referem que o comportamento da educadora assume, assim, uma complexidade espelhada no que as autoras denominaram contínuo de comportamentos de ensino, no qual o papel da educadora é visto como variando entre não directivo=>mediador=>directivo e pressupõe alguns comportamentos que passamos a descrever (do extremo não directivo ao extremo directivo) (Bredekamp & Rosegrant, 1995, pág. 21): a) reconhece/aprova: o adulto dá atenção e encorajamento positivo para manter a criança envolvida na actividade; b) modela: através de acções, pistas ou outras formas de treino, mostra à criança uma competência ou forma desejável de se comportar na classe; c) facilita: oferece assistência, durante pouco tempo, para ajudar a criança a alcançar o próximo nível de funcionamento; d) apoia: fornece uma forma fixa para ajudar a criança a alcançar o próximo nível de funcionamento; e) "coloca andaimes":3 coloca desafios ou ajuda a criança a trabalhar "no limite" da sua competência actual; f) co-constrói: num problema ou tarefa, aprende ou trabalha colaborativamente com a criança; g) demonstra: envolve-se numa actividade ou exibe activamente um comportamento enquanto a criança observa o resultado; h) dirige: fornece direcções específicas para o comportamento da criança, dentro de dimensões estreitas de erro.

Qualquer um destes comportamentos da educadora é adequado em determinado momento da interacção e o uso de apenas um deles será ineficaz na promoção do desenvolvimento da criança.

Outros autores tentaram operacionalizar mais especificamente o papel da educadora. Kontos e Wilcox-Herzog (1997) referem o tipo de interacções que as educadoras estabelecem com as crianças, definindo quatro dimensões dessa interacção, a saber: papel da educadora, sensibilidade da educadora, envolvimento da educadora e conversação da educadora. As dimensões da interacção propostas por Kontos e Wilcox-Herzog (1997) vêm, também, ao encontro do que a NAEYC define como o papel da educadora, sendo as questões da directividade/responsividade, sensibilidade do educador e envolvimento na interacção os principais aspectos considerados.

O estudo da especificidade das interacções educadora-criança tem também constituído preocupação fundamental de alguns investigadores da Universidade da Carolina do Norte, nomeadamente a equipa coordenada pelo professor Robin McWilliam (McWilliam, Scarborough, Bagby & Sweeney, 1996; McWilliam, Scarborough, & Sloper, 1998; McWilliam, Zulli & Kruif, 1998; De Kruif, Zulli, McWilliam, Scarborough & Sloper, 1999; DeKruif, McWilliam, Ridley & Wakely, 2000)

Numa primeira fase McWilliam e seus colaboradores tentaram definir aspectos específicos da interacção educadora-crianças, procurando delinear estilos de interacção da educadora e, mais recentemente, têm vindo a pesquisar a forma como esses estilos de interacção afectam a criança, nomeadamente o seu envolvimento.

É sobre alguns dos trabalhos de investigação desta equipa que vamos agora reflectir. Em primeiro lugar, procura-se clarificar os conceitos de responsividade (normalmente definida como o elaborar e o expandir do comportamento da criança) e directividade (dirigir e controlar o comportamento da criança), pois estes são, segundo os autores referidos, indissociáveis da pesquisa sobre estilos de interacção das educadoras. Posteriormente são referidos alguns estudos sobre comportamentos específicos de interacção (McWilliam, Scarborough & Sloper, 1998; De Kruif, McWilliam, Ridley & Wakely, 2000)

A directividade foi definida por Bredekamp e Rosegrant (1992) como tendo a ver com a intrusividade do adulto, ou seja, até que ponto o educador se coloca a si próprio como mediador entre a criança e a aprendizagem. Marfo (citados por De Kruif, Zulli, McWilliam, Scarborough & Sloper, 1999) define directividade como o grau em que o adulto usa sugestões, pedidos, ordens e outros comportamentos ou acções de controlo para elicitar comportamentos desejáveis por parte das crianças. A directividade também já foi definida como o uso de comportamentos verbais que comunicam à criança as expectativas sobre o que ela faz ou diz (McCathren et al, 1995, citados por De Kruif, Zulli, McWilliam, Scarborough & Sloper, 1999), ou como o suscitar ou inibir o comportamento da criança através de ordens ou pedidos ou ainda encorajando a criança a fazer ou a desistir de algo (Pine, 1992, citado por De Kruif, Zulli, McWilliam, Scarborough & Sloper, 1999).

Também a responsividade pode ter significados diferentes consoante os autores. ANAEYC define-a como "o adulto responder rápida e directamente às necessidades, desejos e mensagens da criança e adaptar as suas respostas aos diferentes estilos e competências da criança" (Bredekamp, 1987, p. 9). De Kruif, Zulli, McWilliam, Scarborough e Sloper (1999) citam várias outras noções de responsividade, tais como: até que ponto o adulto desenvolve os assuntos iniciados pela criança (Pine, 1992); responde às intenções comunicativas da criança (Caballero, Haney, & Cabello, 1993); até que ponto o adulto responde às pistas, sinais e interesses da criança (Marfo, 1992) ou se elabora sobre o comportamento da criança seguindo a sua orientação (Bailey & McWilliam, 1992).

A responsividade e a directividade têm sido concebidas como sendo dois extremos de um mesmo contínuo, o que leva a pensar que as interacções não podem ser simultaneamente directivas e responsivas. A operacionalização destes conceitos é feita, nomeadamente, no trabalho de McWilliam, Scarborough e Sloper (1998), no qual os autores tinham como objectivo inicial captar os diferentes matizes dos estilos de interacção das educadoras e como eles afectam o envolvimento da criança. Dada a natureza iterativa dessa pesquisa surgiu um objectivo adicional que consistiu na classificação dos estilos de ensino que ocorrem naturalmente. Foi feito um estudo qualitativo com observação de 11 educadoras e sobre o qual se concluiu que as interacções das educadoras com as crianças são altamente previsíveis. Inicialmente os autores pensaram que seria fácil classificar os estilos descrevendo o comportamento das educadoras em termos de responsividade e directividade, mas tal não aconteceu. Assim, dada a complexidade da tarefa da análise dos dados, estes foram apresentados em quatro áreas: níveis de ensino, estilos de ensino, estilos de ensino e envolvimento da criança e factores moderadores.

Num estudo posterior (De Kruif, McWilliam, Ridley, & Wakely, 2000) os autores procuraram explorar até que ponto as 63 educadoras estudadas poderiam ser classificadas em subgrupos baseados em comportamentos de interacção observados com as crianças nas salas de uma estrutura pré-escolar. O objectivo principal era saber até que ponto as educadoras exibem padrões de comportamentos de interacção e podem ser caracterizadas consoante esses padrões em oito comportamentos de interacção. Estes foram retirados da TSRS (Teaching Styles Rating Scale de McWilliam, Scarborough, Bagby, & Sweeney, 1996) e estão divididos em comportamentos directivos (redireccionar, introduzir, seguir e informar) e responsivos (elaborar, agradecer, elogiar e demonstrar afecto). Os resultados mostram que as educadoras podem ser identificadas em quatro grupos homogéneos que os autores definiram como: 1) perfil médio: educadoras com valores médios em todos os comportamentos de interacção comparados com as outras do mesmo grupo; 2) valores altos em elaboração e baixos em redireccionamento; 3) valores altos em redireccionamento e baixos em todos os outros comportamentos de interacção; 4) educadoras com valores altos em comportamentos não elaborativos. Os resultados mostram, ainda, que os adultos manifestam uma grande variedade de comportamentos de interacção. Mais especificamente os autores referem que o uso de comportamentos de interacção directivos não impede o uso de comportamentos de interacção responsivos, o que demonstra, também, que estes comportamentos são entidades que existem em contínuos separados, não fazendo parte, como referem alguns autores, do mesmo contínuo.

O papel da educadora de infância ficou aqui bem explícito. Fica também a ideia de que ao pensarmos sobre o que se passa no contexto de jardim de infância é necessário fazê-lo de forma ampla, pois há diversos factores a ter em conta. Não devemos procurar relações de causa-efeito mas antes considerar que há uma multiplicidade de factores que se inter-relacionam e, em última instância, influenciam o desenvolvimento da criança.

Estudo empírico

A apresentação desta investigação, que visa o estudo dos padrões de interacção das educadoras de infância, é a seguinte: 1) referência ao enquadramento e objectivos do estudo; 2) apresentação do método, onde se inclui a caracterização da amostra, os procedimentos (introdução e recolha de dados) e a redução dos dados, sua análise e discussão.

Enquadramento e objectivos

O estudo empírico por nós realizado teve como motivação de base a importância que atribuímos ao papel da educadora de infância. O jardim de infância é aqui visto numa perspectiva ecológica, que influencia e é influenciado por diversos factores e é considerado como um dos principais contextos de socialização onde ocorre o desenvolvimento da criança. Dentro desta perspectiva, a educadora de infância assume um papel preponderante. A importância desse papel é também abordada em pesquisas recentes já referidas e nas quais se procurou, numa primeira fase, definir estilos de interacção das educadoras e, posteriormente, estudar a influência desses estilos no envolvimento global das crianças. Esta linha de investigação teórica que se debruça sobre a forma como as educadoras interagem com as crianças, aliada à nossa experiência de trabalho em jardins de infância, foram pontos de partida importantes para a realização desta pesquisa, que procura, assim, contribuir de alguma forma para a compreensão do que se passa nesses contextos.

Neste sentido, podemos definir as nossas questões de pesquisa da seguinte forma:

Como é que as educadoras interagem com as crianças em contextos de salas de jardim de infância? Será possível definir um padrão(ões) ou perfil(is) de comportamento das educadoras? Se sim, quais são esses padrões?

Para tentar responder a estas questões foi levado a cabo o estudo que passamos agora a descrever.

Método

Amostra

A amostra do estudo é de conveniência e é constituída por 12 educadoras de infância que trabalham em jardins de infância privados sem fins lucrativos, em duas instituições do distrito de Aveiro. Há quatro educadoras com grupos de crianças de três anos, quatro com grupos de quatro anos e quatro com grupos de cinco anos. A média de idades das educadoras situa-se nos 29 anos e a média de anos de serviço nos 4,5 anos. Seis têm como habilitação o bacharelato (uma delas é especializada em Educação Especial) e seis possuem a licenciatura.

Todas as salas de actividades foram avaliadas em termos da sua qualidade, através da utilização da ECERS (Early Childhood Environment Rating Scale) de Harms e Clifford (1980). Aversão da ECERS utilizada no nosso estudo foi a adaptada para Portugal, no âmbito do ICCE (International Childhood Care and Education), denominado como "Estudo Internacional sobre Educação e Cuidados de Crianças em Idade Pré-Escolar" (Bairrão et al., 1997; Bairrão, 1998). Neste estudo foram definidos três níveis distintos de qualidade, com base nos critérios de cotação da ECERS: valores inferiores a 3 são indicadores de má qualidade; valores iguais ou superiores a 3 e inferiores a 5 indicam um nível de qualidade suficiente (existência de condições mínimas); valores iguais ou superiores a 5 indicam condições desenvolvimentalmente adequadas (existência de boas condições).

Foram avaliadas as doze salas de jardim de infância da amostra e os resultados obtidos situam-se, em termos globais, abaixo dos valores obtidos no estudo português. A média global foi de 3,60, enquanto a do referido estudo foi de 4,15 na amostra total e de 4,30 no grupo de jardins de infância particulares sem fins lucrativos (semelhantes ao da nossa amostra). No nosso estudo os valores médios globais situam-se entre 3,05 (mínimo) e 4,11 (máximo), o que nos permite observar que o conjunto da amostra apresenta um nível de qualidade suficiente (existência de condições mínimas).

Procedimentos (enquadramento e recolha de dados)

Introdução

A abordagem por nós escolhida para conhecer a forma como as educadoras se relacionam com as crianças implicou a utilização de métodos qualitativos. Segundo Strauss e Corbin (1990), "a investigação qualitativa é aquela que dá origem a resultados que não se atingiriam através de procedimentos estatísticos ou outros meios de quantificação" (Strauss & Corbin, 1990, p. 17). Este tipo de pesquisa refere-se aos resultados que são consequência de dados obtidos de diversas formas, e que são analisados de forma interpretativa. Um dos pontos-chave deste tipo de pesquisa interpretativa é a sua natureza iterativa, ou seja, os passos do processo não seguem um percurso linear, mas antes informam-se uns aos outros de forma não sequencial, num constante processo recursivo (Grave & Walsh, 1998). Deste modo os dados podem ser organizados por temas que são uma espécie de sumário de palavras obtido directamente dos dados e estes são agrupados e "etiquetados" por serem considerados conceptualmente próximos e em seguida são relacionados entre si, o que implica um processo de interpretação (Strauss & Corbin, 1990). Os dados são agrupados em conjuntos que partilham significados e, por sua vez, o significado de cada conjunto vai constituir uma categoria (Rennie, 2000). Os procedimentos interpretativos que temos vindo a referir correspondem, na metodologia qualitativa, à abordagem dita grounded theory (Glaser & Strauss, 1967, citados por Strauss & Corbin, 1994), cuja principal diferença em relação a outras metodologias qualitativas tem a ver com a ênfase colocada na construção de teoria. O aspecto central desta abordagem analítica é ser "um método geral de (constante) análise comparativa" (Glaser & Strauss, 1967, citados por Strauss & Corbin, 1994, p. 223), em que o significado de uma determinada unidade de texto é constantemente comparado com o significado de outras unidades (Rennie, 2000).

Recolha de dados

O projecto inicial deste estudo era constituído por duas partes. A primeira consistia na recolha de informação realizada através de entrevistas em que se procurava conhecer as ideias das educadoras sobre aspectos básicos da sua interacção com as crianças. A análise destas entrevistas não está incluída neste trabalho.

A segunda parte foi constituída por observações naturalistas realizadas nas salas de jardim de infância. Estas constituíram a principal fonte de informação desta pesquisa e serão analisadas de seguida.

Observações

Assim, a técnica privilegiada para a recolha de dados foi a observação. As observações qualitativas são, na sua essência, naturalistas, pois decorrem nos contextos naturais nos quais os actores estão naturalmente a participar e seguem o curso normal dos acontecimentos quotidianos (Adler & Adler, 1994). Este tipo de observação é diferente da "observação quantitativa", que implica a operacionalização de variáveis e sua medida.

As doze educadoras observadas foram informadas acerca dos objectivos gerais da pesquisa, tendo-lhes sido dadas informações sobre: i) o contexto da investigação (no âmbito do projecto de mestrado da investigadora); ii) o que se pretendia conhecer, isto é, formas como as educadoras e as crianças se relacionam nas sala. Em seguida foi-lhes solicitado que permitissem que a investigadora permanecesse nas suas salas durante o período de duas manhãs a fim de realizar observações. Em relação às observações foi-lhes ainda pedido que nas manhãs em que a investigadora estivesse na sala as actividades decorressem como usualmente, não havendo necessidade de planearem qualquer actividade específica para esses momentos, e ainda que durante esses períodos não se ausentassem da sala. Foram observadas doze educadoras e o tempo de observação foi, em média, 5 horas e 20 minutos por educadora, perfazendo um total de 62,5 horas de observação.

Redução dos dados e discussão

Para concretizar o processo de análise dos dados, recorremos a um programa de computador designado por NUD*IST 4.0 — Non-numerical Unstructured Data Indexing Searching Theorizing, versão 4.0 — (Copyright Qualitative Solutions & Research, 1991-1997), que tem por objectivo geral apoiar a análise qualitativa de dados, assegurando os procedimentos de categorização, análise e teorização. O programa tem dois componentes principais que permitem gerir não só o texto como também as ideias (Richards & Richards, 1994): o sistema de documentos (document System) onde são armazenados os documentos a ser analisados, e o sistema de categorização (index System), onde estão os códigos/referências/ideias sobre o projecto, e que permite criar e manipular conceitos e guardar e explorar ideias emergentes. No sistema de categorização, a informação é estruturada em nós (node) que podem ser organizados em hierarquias ou árvores (tree), que representam o agrupamento de conceitos em categorias e subcategorias e facilitam a manipulação destas.

A análise dos dados ocorreu em três níveis:

l.° nível de análise: registo das observações e respectivas transcrições

Nesta fase os dados obtidos no terreno (notas de campo) foram transcritos, ampliados e introduzidos num processador de texto. Cada documento (correspondente a cada uma das educadoras) foi preparado para poder ser analisado pelo programa NUD*IST, nomeadamente todo o texto foi dividido em unidades de análise (cada unidade de análise corresponde a uma acção da educadora).

2° nível de análise: constituição do sistema de categorias

Cada ficheiro foi introduzido no programa NUD*IST e submetido ao processo de análise, que decorreu da seguinte forma: a cada unidade de análise foi atribuído um código; por sua vez os códigos foram sendo agrupados em conjuntos maiores (categorias) que deram origem ao sistema final de categorias (quadro 1). Este é constituído por 68 categorias interligadas (seis categorias principais e suas subcategorias) e pode ser visto como sendo constituído por dois grandes blocos de informação que emergiram dos dados de observação. O primeiro bloco diz respeito às actividades propriamente ditas e inclui as categorias 1 a 5 e suas subcategorias, e o segundo bloco inclui a categoria 6 e suas subcategorias, que incluem aspectos mais relacionados com o comportamento das educadoras.

No trabalho original cada categoria e suas subcategorias foram apresentadas com o respectivo código, título abreviado, definição, exemplo de uma situação e um exemplo retirado dos dados que ilustrava cada uma delas. Tornar-se-ia demasiado exaustivo referir toda a informação para cada uma das 68 categorias e subcategorias que constituem o sistema final, pelo que apresentamos apenas, a título exemplificativo, a categoria 1.

A categoria (1.), "tipo de actividade", foi por nós definida como o papel desempenhado pela educadora ao longo dos períodos de observação, em relação quer às crianças quer às actividades. Ao longo da análise dos dados foram criadas três subcategorias em que o papel da educadora é definido de formas diferentes.

Assim, na subcategoria (1.1.) intitulada "actividade de grande grupo", incluem-se todas as situações em que a educadora dirige ou envolve todo o grupo, ou seja, o objectivo de todas as suas acções é o conjunto de crianças que constitui o grupo.

Na subcategoria (1.2.), denominada "actividade de pequeno grupo", são incluídas toda as situações em que a educadora desenvolve ou dirige actividades com um pequeno grupo de crianças. Normalmente nestas situações a educadora encontra-se a orientar actividades para um pequeno grupo de crianças e as restantes estão a desenvolver outras actividades.

Na subcategoria (1.3.), definida como "actividades livres", são incluídos todos os momentos em que a educadora não está a desenvolver qualquer actividade com as crianças. Normalmente correspondem ao início e fim das manhãs de actividades ou a momentos em que a educadora prepara material para outras actividades.

Nos quadros seguintes é apresentado um esquema da categoria 1 e suas subcategorias, bem como um exemplo de cada uma destas (um exemplo de situação e uma unidade de análise retirada dos nossos dados e que ilustra esse exemplo). Voltamos a salientar que no trabalho original poderão ser consultados os quadros relativos à totalidade das 68 categorias e subcategorias, de acordo com o esquema aqui apresentado para a categoria 1.

 

Quadro 2

 

A distribuição de unidades de análise nas três subcategorias (relembramos que cada unidade de análise é uma acção da educadora) mostra que o maior número observado é em "actividades de pequeno grupo", e que os três tipos de actividades são referidos nas doze educadoras observadas, excepto as "actividades livres", que não se observaram numa delas (quadro 3).

3.° nível de análise: relações entre as categorias

Neste subponto do trabalho aprofundamos a análise dos dados obtidos e procuramos relacioná-los com as nossas questões de investigação. Para isso começamos por recordar estas últimas:

"Como é que as educadoras interagem com as crianças em contextos de salas de jardim de infância? Será possível definir um padrão(ões) ou perfil(is) de comportamento das educadoras? Se sim, quais são esses padrões?"

Para tentar responder às perguntas que colocámos podemos considerar três fontes de informação que concorrem para esse fim. A primeira diz respeito ao processo de redução dos dados, ou seja, aos registos de observação em si mesmos e respectivas transcrições. Estas constituem uma primeira visão, ainda que meramente descritiva, de como as educadoras interagem com as crianças. Ao analisar os registos de observação foram definidas categorias que constituem a segunda fonte de informação. A construção do sistema de categorias permitiu observar regularidades no comportamento das educadoras e contribuir também, dessa forma, para a tentativa de definir padrões de comportamento. A terceira fonte de informação será agora apresentada e tem a ver com as relações estabelecidas entre os dados considerados no sistema de categorias. Procuramos, assim, aperfeiçoar as nossas considerações sobre o comportamento das educadoras.

Nestas últimas reflexões sobre os dados, e tal como na apresentação do sistema de categorias, começamos por ter em conta aspectos mais relacionados com as actividades que são desenvolvidas na sala e, seguidamente, sobre aspectos mais relacionados com o comportamento da educadora durante a realização das mesmas.

Aspectos mais relacionados com as actividades

Relativamente ao "tipo de actividades", onde é considerado o foco de atenção da educadora em relação ao grupo, podemos observar que, num total de 1124 unidades de análise, a maior parte delas (552) tem a ver com actividades de pequeno grupo, 495 de grande grupo e 77 são momentos em que a educadora não está directamente envolvida com as crianças (quadro 4). Há duas educadoras que não possuem registo de actividades em pequeno grupo. Assim, podemos considerar que a função da educadora é, primordialmente, tomar parte em actividades com as crianças. A maior parte do tempo é passado em actividades directas com um pequeno número de crianças, embora haja supervisão (normalmente visual e verbal) do resto do grupo. Embora a maior parte das unidades de análise observadas seja em actividades de pequeno grupo, verificámos que em nenhuma situação a educadora desenvolve uma actividade, do início ao fim, com apenas duas/três crianças, ou seja, quando falamos em Pequeno Grupo são as situações em que o grupo está dividido por actividades (sete/oito crianças em cada uma) e não momentos em que a educadora esteja individualmente com cada criança ou duas/três crianças.

No que diz respeito à introdução das actividades, que designámos como estruturadas (história, música, pintura, jogo, plástica e desenho), em relação ao tipo de actividade, esta pode ser observada no quadro 5.

Podemos observar que, de forma notória, estas actividades são introduzidas, essencialmente, nos momentos de grande grupo. Em relação à forma como surgem observa-se que, na sua maioria, têm origem em sugestões da educadora, embora também por vezes sejam propostas pelas crianças. Num total de 97 unidades de análise que dizem respeito a momentos de introdução de actividade, 85 unidades correspondem a propostas da educadora e 12 a propostas das crianças.

No que diz respeito à realização das actividades, podemos, também, analisar a sua relação com o tipo de actividade (quadro 6).

Como se pode observar no quadro acima, as actividades estruturadas são, em termos globais, desenvolvidas em momentos de pequeno grupo, embora a sua introdução seja feita, essencialmente, em grande grupo. No entanto é interessante analisar a distribuição das unidades de análise e constatar que as actividades "história" e "jogo" foram sempre implementadas em grande grupo e a "pintura" foi sempre desenvolvida em pequeno grupo.

Aspectos mais relacionados com o comportamento da educadora

Relativamente a comportamentos mais específicos da educadora durante a realização das actividades acima referidas, estes foram organizados, tal como explicitado no sistema de categorias, em cinco blocos, a saber: i) "estratégias comportamentais", ii) "solicitações às crianças", iii) "resposta às solicitações das crianças", iv) "organização de espaços físicos e materiais" e v) "contactos com os pais".

No quadro 7 é possível visualizar como os comportamentos da educadora se distribuem relativamente ao tipo de actividade.

Começamos por referir os dois últimos conjuntos de informação ("organização de espaços físicos e materiais" e "contactos com os pais"), que são os que contêm menos unidades de análise referenciadas (respectivamente 50 e 17).

Relativamente à "organização dos espaços físicos e materiais" pode-se constatar que entre as 50 unidades de análise referidas 27 dizem respeito a momentos de actividades de "pequeno grupo", 8 de "grande grupo" e 15 de "actividades livres", ou seja, a educadora quando prepara material para as actividades ou modifica aspectos físicos da sala é essencialmente em momentos em que as crianças estão a trabalhar em pequeno grupo ou quando ela própria não está envolvida com as crianças.

No que diz respeito ao "contacto com os pais" (17 unidades de análise), as referências que surgem estão unicamente relacionadas com os contactos que a educadora faz com os pais quando estes deixam as crianças na sala pela manhã. Estes contactos são breves e nunca se observou a entrada dos pais na sala (normalmente a conversa, breve, decorre à porta da sala).

Passamos agora a referir os restantes três blocos de informação relativa ao comportamento da educadora: "estratégias comportamentais"; "solicitações às crianças"; "resposta às solicitações das crianças".

No que respeita às "estratégias comportamentais" estas foram referidas como as estratégias que a educadora utiliza durante a realização das actividades na sala. No quadro 7 verificámos que estas constituem um conjunto importante dentro do comportamento das educadoras, surgindo em 439 unidades de análise.

A relação entre as "estratégias comportamentais" e o "tipo de actividade" por nós definido pode ser analisada no quadro 8. Podemos verificar que as educadoras utilizam as estratégias comportamentais referidas essencialmente nos momentos em que estão directamente envolvidas com as crianças, seja em pequeno ou grande grupo. Nestas duas situações observa-se, ainda, um maior número de unidades de análise (285) nas situações de pequeno grupo em relação às de grande grupo (181 unidades).

Quando estão em actividade livre (ou seja, não estão directamente envolvidas com as crianças) utilizam, essencialmente, algum "contacto físico" (8 unidades de análise) e estratégias mais relacionadas com a supervisão do grupo ("contacto visual", 9 unidades de análise) e com questões comportamentais ("comportamento disruptivo", 3 unidades de análise; e "criança fora da actividade", 3 unidades de análise).

Relativamente à especificidade das estratégias utilizadas verificamos que a "orientação verbal" é a que surge com maior número unidades de análise (87), seguida do "contacto físico" (72 unidades de análise) e do "reforço positivo" (70 unidades de análise).

As estratégias que surgem a seguir são, respectivamente, as de gestão de "comportamentos disruptivos" (56 unidades de análise), "contacto visual" (52 unidades), "modelagem" (48 unidades) e estratégias usadas em situações em que há "crianças fora da actividade" (39 unidades de análise).

Finalmente, as estratégias com menos unidades de análise registadas têm a ver com "comportamentos de afecto" da educadora em relação às crianças (31 unidades de análise), utilização de "estratégias lúdicas" para gerir comportamentos (24 unidades de análise) e "participação da educadora no jogo simbólico" com as crianças (15 unidades de análise).

Este último conjunto de estratégias que surgem com menos frequência pode ser indicador de que as educadoras por nós observadas se envolvem pouco em momentos de brincadeira apenas pelo prazer de brincarem e se divertirem com as crianças. Também podemos considerar que estas educadoras são essencialmente directivas, observando-se um predomínio de orientações verbais (quer de actividades quer de comportamentos).

Relativamente ao comportamento da educadora (categoria 6) resta-nos analisar os aspectos relativos às subcategorias "solicitações às crianças" e "resposta às solicitações das crianças". Remetendo-nos novamente aos conceitos já referidos de directividade/responsividade, podemos considerar estas duas subcategorias à luz dos mesmos, tendo em conta que as "solicitações às crianças" corresponderão à directividade e a "resposta às solicitações das crianças" à responsividade.

Como já anteriormente referimos a responsividade e a directividade têm sido conceptualizadas como fazendo parte de um mesmo contínuo em que se consideraria que as interacções não poderiam ser simultaneamente directivas e responsivas. Mais recentemente estes dois conceitos têm sido concebidos como duas entidades separadas, numa conceptualização alternativa em que são vistos como contínuos separados (De Kruif, McWilliam, Ridley, & Wakely, 2000). Consideramos que a amostra deste estudo é constituída por educadoras essencialmente directivas, o que pode ser fundamentado pelos dados que passamos agora a apresentar.

Como se pode observar no quadro 9, o número total de unidades de análise que correspondem à subcategoria "solicitações às crianças" (517 unidades) é bastante superior ao da subcategoria "resposta às solicitações das crianças" (85 unidades).

No que diz respeito à "resposta às solicitações das crianças", das 85 unidades de análise consideradas 65 são situações em que a educadora segue o interesse das crianças e nas restantes 20 a educadora não segue o interesse das crianças.

Relativamente às "solicitações às crianças", estas vão para além dos simples pedidos e orientações, embora se destaque o número de unidades de análise em que a educadora dá instruções explícitas às crianças. A variedade de solicitações e a sua relação com o tipo de actividade podem ser observadas no quadro 10.

Como se pode observar, o maior número de solicitações encontra-se nas situações de grande grupo (336 unidades de análise), seguido das situações de pequeno grupo (247 unidades de análise) e das actividades livres (com apenas 28 unidades de análise).

O tipo de solicitações que se destaca pelo maior número de unidades de análise é o das "instruções explícitas" (instruções/ordens directas, por parte da educadora) com 271 unidades. De seguida surgem as subcategorias "sugere uma actividade" (63 unidades de análise) e "solicita as crianças individualmente" (61 unidades de análise).

Dentro das "instruções explícitas", procurámos tentar perceber melhor em que consistem, e observámos que, das 271 unidades de análise consideradas, 138 se relacionam com instruções/ordens em relação a comportamentos das crianças e 133 têm a ver com a própria gestão das actividades (quadro 11).

O destacado número de unidades de análise considerado, quer como "instrução explícita", quer como "sugere uma actividade", remete-nos, mais uma vez, para um predomínio de comportamentos directivos por parte das educadoras da nossa amostra.

Em síntese:

— Podemos considerar que se observam regularidades no comportamento das 12 educadoras por nós estudadas. Estas regularidades estão patentes quer a um nível a que chamaremos ensino, relacionado com o tipo de actividades e o papel mais geral da educadora durante as mesmas, quer ao nível da interacção, que pode ser identificado nos comportamentos mais específicos da educadora, nomeadamente nas estratégias comportamentais que utiliza ou nos níveis de directividade/responsividade (figura 1).

Relativamente a cada um destes dois níveis podemos identificar alguma diversidade de estratégias, quer de ensino, quer de interacção.

Nível ensino

Ao primeiro nível (ensino) observa-se que uma manhã de actividades tem normalmente momentos de grande grupo e de pequeno grupo (com predomínio deste último).

As actividades mais específicas desenvolvidas têm a ver, por um lado, com actividades ritualizadas em que as crianças fazem coisas que são habituais, como por exemplo o momento da conversa da manhã, onde normalmente é definido o que vão fazer, ou momentos relacionados com alimentação/higiene.

Para além das actividades ritualizadas observam-se outras às quais chamámos estruturadas e que são, na sua maior parte, propostas pela educadora. Incluem-se aqui a pintura, plástica, história, música, desenho e jogo. Verifica-se que estas actividades são, normalmente, introduzidas em situações de grande grupo, embora a sua implementação seja feita em pequeno grupo. O facto de o desenvolvimento da actividade ser em pequeno grupo poderá estar relacionado com o facto de serem tarefas que requerem mais supervisão por parte da educadora, o que ela poderá fazer melhor se estiver a trabalhar com um pequeno grupo de crianças. Quanto à conclusão das actividades, esta não é normalmente anunciada e ocorre de forma natural, ou seja, as crianças transitam para outra actividade à medida que vão acabando o que estão a fazer, normalmente sem instrução da educadora.

Nível interacção

Considerando agora o segundo nível, ao qual chamámos interacção, destaca-se, por um lado, o elevado número e diversidade de estratégias comportamentais utilizadas pela educadora, e por outro lado a discrepância entre a quantidade de comportamentos directivos e responsivos.

No que diz respeito às estratégias comportamentais durante as actividades, verifica-se que estas se observam em maior número durante os momentos de pequeno grupo, o que poderá estar relacionado com o facto de as actividades que se desenvolvem nestes momentos serem mais estruturadas e requererem mais supervisão e controlo por parte da educadora. As estratégias mais observadas por parte da educadora, por sua vez, são a orientação verbal, o contacto físico e o reforço positivo.

Fínalmente, em relação às questões da directividade/responsividade, verificamos a ocorrência de um predomínio de comportamentos do tipo directivo, embora também se observe alguma responsividade.

Os comportamentos directivos mais observados são as "instruções explícitas" (tem a ver com instruções/ordens directas) e "sugere uma actividade" (situações em que é a educadora que sugere a actividade que as crianças vão fazer). Da análise do tipo de comportamentos mais directivos ressalta, de uma forma global, o predomínio de comportamentos em que é a educadora que dirige e orienta os acontecimentos na sala, sendo pouco observados momentos em que são as crianças a tomar a iniciativa do que se vai passar.

Relativamente aos comportamentos responsivos, que são em muito menor quantidade do que os directivos, observa-se um predomínio de situações em que a educadora, ao responder às solicitações das crianças, segue o interesse destas.

Também podemos observar que, apesar desta discrepância, os dois tipos de comportamento (directivos/responsivos) podem ocorrer em simultâneo, ou seja, o uso de comportamentos directivos não impede o uso de comportamentos responsivos. Esta informação vem ao encontro das considerações dos autores atrás referidos, que conceptualizam estes dois conceitos como fazendo parte de contínuos separados e não como extremos do mesmo contínuo (De Kruif, McWilliam, Ridley, & Wakely, 2000).

Globalmente, consideramos que a amostra de educadoras considerada é, essencialmente, do tipo directivo, ou seja, há um papel assumido em que a educadora inicia e dirige, mais do que responde (seja em relação a comportamentos ou a actividades). As suas solicitações são predominantemente em relação a grupos de crianças (grande ou pequeno grupo), não se observando situações em que as crianças são solicitadas individualmente. As crianças têm um papel mais passivo, de receptores das solicitações da educadora.

Assim, o resultado final permite responder às questões de pesquisa ao identificarmos os dois grandes níveis em que se observam regularidades no comportamento da educadora — nível de ensino e nível da interacção. No primeiro destes níveis ficamos a conhecer o tipo de actividades mais desenvolvidas em salas de pré-escolar e no segundo os comportamentos da educadora durante o decorrer dessas actividades.

Consideramos que este estudo encerra algumas limitações que passamos a referir, esperando com isso contribuir com pistas e sugestões para futuros trabalhos nesta área.

A primeira limitação tem a ver com o facto de que o estudo do comportamento da educadora deveria ser feito de forma mais abrangente, tendo em conta todas as variáveis que contribuem para a forma como ela se relaciona com as crianças. Necessariamente, para esse efeito seria imperioso ter em conta quer factores mais mesossistémicos (por exemplo, o papel da educadora na instituição), exossistémicos (como a relação com a família das crianças) e macrossistémicos (como, por exemplo, a legislação sobre o pré-escolar).

Uma segunda limitação remete-nos para o facto de não ter sido referida a informação obtida através das entrevistas às educadoras. Num posterior trabalho esta informação será, necessariamente, considerada.

As mesmas limitações temporais impediram-nos, também, de estudar o carácter transaccional das interacções educadora/crianças. Em futuras pesquisas seria interessante tentar conhecer de que forma o estilo de interacção das educadoras afecta o envolvimento das crianças nessa mesma interacção.

Estando conscientes do carácter exploratório deste estudo, não pretendemos ter atingido respostas definitivas para as questões colocadas. Antes procurámos contribuir, de forma exploratória, para o desenvolvimento de investigações na área das interacções educadora/crianças.

 

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Notes

1Dissertação de mestrado realizada sobre orientação do professor doutor Joaquim Bairrão, no âmbito do curso de mestrado em psicologia, área de especialização em Intervenção Precoce, que decorreu na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, durante o período de 1998-2000.

2Ao longo deste texto é utilizada a palavra "educadora" que pode designar: educadora de infância, educador ou prestador de cuidados.

3Tradução portuguesa para a palavra original "scaffolding".

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