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Psicologia

versão impressa ISSN 0874-2049

Psicologia vol.15 no.2 Lisboa jul. 2001

 

Terapia focada nos esquemas: Questões acerca da sua validação empírica

Schema focused therapy: Some questions about its empirical validation

 

José Pinto-Gouveia1; Daniel Rijo2

1-2Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra

 


RESUMO

São discutidas questões relacionadas com a validação empírica da terapia focada nos esquemas (TFE), um modelo para a compreensão e intervenção nos distúrbios de personalidade proposto por Young (1990), encarando a TFE como um desenvolvimento da terapia cognitiva para os distúrbios de personalidade (Beck et al, 1990). Partindo do princípio que a validação da TFE passa pela possibilidade de avaliar, válida e fidedignamente, os esquemas precoces mal-adaptativos (EPM), postulados como subjacentes à psicopatologia, centramo-nos na discussão das várias estratégias de avaliação clínica e em investigação destas estruturas cognitivas. É analisada criticamente a avaliação de EPM por questionários de auto-respota, nomeadamente através do Questionário de Esquemas de Young (Young & Brown, 1990). Por fim, é apresentada uma nova metodologia de avaliação de EPM, o IAECA — Inventário de Avaliação de Esquemas por Cenários Activadores (Rijo & Pinto-Gouveia, 1999), que procura ultrapassar as limitações dos instrumentos de avaliação actualmente disponíveis.

Palavras-chave Terapia focada nos esquemas, distúrbios da personalidade, esquemas precoces mal-adaptativos.


ABSTRACT

Some questions related to the empirical validation of Schema Focused Therapy (SFT) are discussed. SFT was developed by Young (1990) as a way of conceptualizing and treating personality disordered patients. Rather than a completely new approach, SFT is better conceptualized as a development of Beck's Cognitive Therapy for personality disorders (Beck et al., 1990). SFT postulates that Early Maladaptive Schemas (EMS) underlie psychopathology. Therefore, SFT validation may require the clinical/research assessment of these cognitive structures in a valid and reliable way. The present paper aims to discuss the possibility of using different methodologies in assessing such cognitive structures critically analyzing self-report questionnaires in such an assessment, namely Young's Schema Questionnaire (Young & Brown, 1990). Finally, we present a new method developed by the authors for the assessment of EMS (Rijo & Pinto-Gouveia, 1999), which tries to overcome the limitations of the assessment instruments currently available.


 

O conceito de estrutura cognitiva é predominantemente utilizado no estudo da relação entre cognição e comportamento (Pace, 1988), sendo conferido aos esquemas um papel nuclear nas hipóteses cognitivas acerca da natureza humana e da mudança terapêutica. Esquemas cognitivos podem ser definidos, de acordo com Beck, como representações estáveis do conhecimento que o sujeito faz acerca de si próprio, dos outros e do mundo, e que, uma vez formados, orientam o processamento da informação (Beck, 1976; Beck et al, 1979,1985,1990). Constituem as unidades estruturais mais básicas do nosso funcionamento cognitivo e definem os modos específicos de construção da realidade, ou seja, podem ser definidos como estruturas de significado.

De um ponto de vista evolucionista, os esquemas servem uma função adaptativa, uma vez que permitem organizar a nossa experiência do mundo em padrões de significado, reduzindo assim a complexidade do ambiente. Na medida em que seleccionam e conduzem o processamento de informação, os esquemas permitem a eficiência do pensamento e da acção. No entanto, podem também contribuir para erros, distorções e omissões nesse mesmo processamento da informação, ocorrendo então a produção de visões distorcidas dos acontecimentos, características da psicopatologia.

O modelo da terapia cognitiva de Beck distingue vários níveis de cognições. Se os esquemas correspondem ao nível mais nuclear, há ainda a considerar os processos cognitivos que, sendo disfuncionais no caso dos distúrbios emocionais, conduzem a produtos cognitivos característicos e permitem a manutenção do esquema, uma vez que impossibilitam a vivência de experiências desconfirmatórias. Com o desenvolvimento do modelo cognitivo e a concomitante aplicação a um leque cada vez maior de distúrbios (depressão, distúrbios de ansiedade, distúrbios alimentares, alcoolismo e abuso de substâncias e, mais recentemente, distúrbios de personalidade) maior atenção tem sido dada à distinção entre estrutura, processo e produtos cognitivos, e o conceito de esquema tem merecido novos desenvolvimentos.

A obra Cognitive therapy of personality disorders (Beck et al, 1990) marca o início da aplicação da terapia cognitiva de Beck aos distúrbios de personalidade, tal como são definidos pelo DSM (APA, 1994). Como referem os autores no prefácio da obra, este trabalho resultou da constatação da sua necessidade clínica, acoplada à curiosidade científica (Beck et al, 1990). A terapia cognitiva propõe que, nos distúrbios de personalidade, é mais produtiva a identificação e modificação de problemas "nucleares", os quais são centrais, quer para as cognições, quer para o comportamento disfuncionais. Neste contexto, a proposta de intervenção para estes doentes centra-se na identificação e modificação dos esquemas nucleares disfuncionais.

A terapia focada nos esquemas

É precisamente na tentativa de compreender e tratar os distúrbios de personalidade que surgem algumas modificações e desenvolvimentos da terapia cognitiva de Beck (Beck et al, 1979; Beck et al, 1985), tal como tinha sido proposta para os distúrbios do eixo I do DSM (APA, 1994). A terapia focada nos esquemas — TFE (Young, 1990; Young & Lindemann, 1992; Young et al, 1993) constitui provavelmente o mais significativo desenvolvimento da abordagem cognitiva, integrando, sobretudo ao nível da intervenção, estratégias e técnicas oriundas de outras escolas de psicoterapia. Uma das vantagens da TFE é este carácter integrador, ao contemplar não unicamente técnicas cognitivas mas ao integrar — quer na conceptualização quer na intervenção — variáveis emocionais, relacionais e comportamentais que, embora presentes nas conceptualizações iniciais de Beck, não tinham sido suficientemente desenvolvidas e explicitadas no modelo terapêutico. Este carácter integrador confere-lhe uma maior capacidade de compreensão clínica dos distúrbios de personalidade e permite abordagens terapêuticas mais completas e eficazes.

Young parte da constatação de que a terapia cognitiva breve é difícil de ser utilizada nos distúrbios de personalidade devido, sobretudo, a quatro das características destes doentes: apresentação difusa dos problemas, rigidez, evitamentos de vária ordem e acentuadas dificuldades interpessoais (Young, 1990; Young & Behary, 1998). Isto porque a terapia cognitiva breve, destinada ao tratamento das perturbações depressivas e ansiosas, parte de vários pressupostos acerca dos doentes, que não se verificam nos doentes com distúrbios de personalidade: que os doentes têm acesso aos sentimentos, pensamentos e imagens com um treino breve; que possuem problemas identificáveis nos quais se pode focar a terapia; que os doentes estão motivados para se envolver na terapia bem como nas tarefas que ela implica (aprendizagem de autocontrolo, tarefas para realizar fora da sessão, etc.); que os doentes são capazes de se envolver numa relação de colaboração com o terapeuta após algumas sessões; que as dificuldades na relação terapêutica não são um problema significativo a abordar na terapia; e, finalmente, que todas as cognições e padrões comportamentais podem ser modificados através da análise empírica, discurso lógico, experimentação, passos graduais e prática, estratégias típicas da intervenção cognitiva estandardizada (Young & Lindemann, 1992).

ATFE fundamenta-se em quatro conceitos básicos, que passamos a descrever brevemente: esquemas precoces mal-adaptativos (EPM), processos de manutenção do esquema, processos de evitamento do esquema e, por último, processos de compensação do esquema.

Esquemas precoces mal-adaptativos (EPM)

"Esquemas precoces mal-adaptativos referem-se a temas extremamente estáveis e duradoiros que se desenvolvem durante a infância e são elaborados através da vida do indivíduo" (Young, 1990, p. 9). Servem como padrões para o processamento de experiência posterior e podem ser caracterizados da seguinte forma:

— originam-se muito cedo e permanecem por toda a vida, a não ser que sejam tratados;

— são estruturas capazes de gerar níveis elevados de afecto disruptivo, consequências autoderrotistas, e/ou dano significativo para os outros;

— são capazes de interferir de forma significativa com necessidades centrais para a auto-expressão, autonomia, ligação interpessoal, validação social ou integração societal;

— são padrões profundamente embrenhados, centrais para o "sentido do Eu" da pessoa (idem).

São, assim, .altamente difíceis de mudar de forma definitiva, a partir das técnicas utilizadas pela terapia cognitiva.

O modelo de Young postula a existência de 16 EPM primários, que reflectem os conteúdos temáticos mais comuns nos distúrbios de personalidade e que, por sua vez, são agrupados em seis áreas do funcionamento: instabilidade e desligamento, autonomia deteriorada, indesejabilidade, auto-expressão restringida, gratificação restringida e, por último, limites deteriorados (figura 1).

Para além da definição dos 16 EPM, Young postula ainda a existência de três tipos de processos esquemáticos: de manutenção, de evitamento e de compensação do esquema.

Processos de manutenção do esquema

Young explica a rigidez, tal característica dos doentes com distúrbios de personalidade, a partir do que denominou por manutenção do esquema. Esta manutenção resulta, ao nível cognitivo, das distorções cognitivas descritas por Beck (1976) e, ao nível comportamental, está relacionada com a selecção mal-adaptativa de um parceiro e de outras actividades autoderrotistas (Young & Lindemann, 1992).

Assim, um doente com um EPM de indesejabilidade social, por exemplo, irá prestar mais atenção a pistas de rejeição por parte dos outros, menosprezando, ou até não identificando como tal, sinais de aprovação por parte do grupo. Desta forma, mesmo que seja submetido a experiências desconfirmatórias do seu EPM de indesejabilidade social, o processamento distorcido da informação relevante para o conteúdo do esquema não permite a desconfirmação deste—pelo contrário, distorce a realidade no sentido de confirmar e manter inalterado o esquema. São exemplos dos processos cognitivos disfuncionais que actuam como mecanismos de manutenção do EPM a inferência arbitrária, abstração selectiva, personalização, magnificação/minimização, pensamento absolutista, sobregeneralização e catastrofização. Recentemente, Beck (Pretzer & Beck, 1996) apresentou uma lista mais abrangente das distorções cognitivas mais comuns (quadro 1).

Quanto à manutenção comportamental, a escolha de parceiro funciona frequentemente, em muitos doentes com distúrbios de personalidade, como um processo de manutenção dos seus EPM. Como exemplo, refira-se o caso dos doentes com EPM de desconfiança/abuso. Não raras vezes, estas pessoas escolhem para companheiro(a) alguém que continua a abusar deles ou a traí-los, confirmando repetidamente o seu EPM.

Processos de evitamento do esquema

Como referem Young e Lindemann, "uma vez que a activação dos esquemas precoces mal-adaptativos é acompanhada por níveis elevados de afecto negativo, os doentes tendem a desenvolver processos voluntários e automáticos para evitar os esquemas" (1992, p. 13). O evitamento pode incluir evitamento cognitivo, afectivo e comportamental. Falamos de evitamento cognitivo quando o doente se recusa (conscientemente ou não) a pensar em temas relacionados com os esquemas, de evitamento emocional, quando tenta não experienciar as emoções ligadas ao esquema, e de evitamento comportamental, quando evita situações nas quais seria activado o esquema. Muitas vezes estes evitamentos ocorrem em simultâneo. É o caso de um doente com distúrbio de personalidade de evitamento, que não só não se relaciona com ninguém, como evita falar das suas dificuldades na terapia por se sentir muito diminuído, inferiorizado, envergonhado ao assumi-las e, muitas vezes, faz esforços para não se lembrar das situações em que se sentiu assim. Toma-se então claro porque é que também evita as situações nas quais o esquema é activado.

Processos de compensação do esquema

Este mecanismo surgiu da observação de que certos doentes adoptam estilos cognitivos ou comportamentais que parecem ser o oposto do que poderia predizer-se a partir do conhecimento dos seus EPM na terapia. De acordo com Young (1990), estes estilos sobrecompensam os EPM subjacentes. Por exemplo, alguns doentes que tenham experienciado privação emocional significativa enquanto crianças, comportam-se, quando adultos, de uma forma narcísica. Apesar de funcional em certa medida, a compensação do esquema pode ser, em última análise, contraproducente. Neste exemplo, o doente narcisista pode acabar por alienar os amigos e entrar num estado de privação, activando assim o EPM primário.

Como referem Young e Lindemann, "os processos de compensação do esquema podem ser vistos como tentativas parcialmente bem sucedidas dos doentes para desafiar os seus esquemas. Como, habitualmente, isso envolve o "falhanço" no reconhecimento da sua vulnerabilidade subjacente, deixa o paciente não preparado para a dor evocada quando a compensação falha e o esquema é activado" (1992, p. 13).

Questões acerca da validação empírica da TFE

Apresentadas as principais suposições do modelo da TFE, discutimos agora algumas das questões mais relevantes em relação à utilidade clínica da TFE, quer na compreensão, quer no tratamento dos distúrbios de personalidade. A utilidade clínica da TFE passa, em primeiro lugar, pela possibilidade de avaliar os EPM de uma forma considerada válida, ou seja, pela possibilidade de dispormos de uma definição operacional de EPM. Por outro lado, é fundamental, para a validação do modelo terapêutico, podermos avaliar se a modificação das estruturas supostamente implicadas na psicopatologia — EPM — se traduz em benefícios terapêuticos. Neste contexto, a questão da validade e fidedignidade da avaliação dos EPM toma-se crucial.

Têm sido propostas várias estratégias para avaliação de esquemas cognitivos (Safran et al, 1986; Safran & Segai, 1990; Goldfried, 1995) e, mais especificamente, para a avaliação de EPM (Young, 1990; Schmidt et al., 1995). Vejamos as estratégias mais relevantes para avaliar EPM.

A tentativa de identificar EPM deve ter início a partir da primeira sessão terapêutica, quando o terapeuta inicia a avaliação dos problemas e constrói uma história de vida do doente. De acordo com Young (1990), deve fazê-lo procurando estabelecer ligações entre emoções específicas, sintomas, problemas e possíveis EPM subjacentes. As áreas preferenciais a explorar na história de vida são equivalentes aos domínios em que se agrupam os 16 EPM: autonomia, ligação aos outros, valor pessoal, expectativas razoáveis e limites realistas. Deve estar-se particularmente atento a possíveis redundâncias ou temáticas comuns que estejam presentes em várias situações. As redundâncias na atribuição de significado, muitas vezes no extremo em que essa atribuição de significado parece ser quasi independente do contexto situacional, podem ser tomadas como prova da existência de um esquema nuclear subjacente (Safran et al, 1986). Esta estratégia é concordante com a conceptualização que a terapia cognitiva faz dos distúrbios de personalidade. Beck et ai (1990) conceptualizam os distúrbios de personalidade como tendo na base esquemas hipervalentes que necessitam de um limiar de activação muito baixo e, por isso, operam numa base contínua, produzindo pensamentos automáticos negativos típicos, presentes na maioria ou na totalidade das situações.

Uma outra estratégia indispensável à identificação de EPM é a avaliação do tipo de relação que o doente tende a estabelecer com o terapeuta. Sendo os distúrbios de personalidade caracterizados por dificuldades interpessoais acentuadas (APA, 1994), e tendendo os doentes a desenvolver um estilo relacional rígido, a relação terapêutica toma-se um instrumento precioso na identificação (e mudança) do estilo interpessoal do doente. De acordo com Safran e Segai (1990), o terapeuta deve assumir uma posição de observador-participante, ou seja, à medida que participa na interacção com o doente, deve ser capaz de observar as reacções emocionais e as tendências para a acção que as intervenções do doente tendem a

suscitar em si. A consciência destas permitirá ao terapeuta estabelecer hipóteses acerca das estratégias interpessoais mais utilizadas pelo doente e, simultaneamente, identificar quais os esquemas interpessoais do doente.

A propósito do conceito de esquema interpessoal, conceptualizado por Safran e Segai (1990) como um programa para manutenção da ligação aos outros, é necessário referir que os EPM de Young podem, dada sua natureza, ser conceptualizados como esquemas interpessoais. Eles foram formados num contexto interpessoal significativo, habitualmente a partir da relação precoce com figuras de vinculação e, nessa altura, terão sido adaptativos, na medida em que permitiram a manutenção da proximidade relacional com outros significativos. Virão, posteriormente, com a mudança ambiental, a revelar-se disfundonais na manutenção da relação com os outros ao longo da vida. Neste contexto, porque se matêm inalterados, os EPM continuam a orientar o processamento da informação, nomeadamente da informação interpessoal, conduzindo a estilos interpessoais inflexíveis e típicos que, por sua vez, tendem a suscitar nos outros tendências para a acção que acabam, frequentemente, por confirmar o EPM do doente. A esta ligação entre esquema interpessoal, interpretações e comportamento interpessoal do doente, por um lado, emoções, tendências para a acção e comportamentos do interlocutor, por outro, conduzindo à confirmação do esquema na relação, é chamado ciclo cognitivo-interpessoal (Safran & Segai, 1990; Safran & McMain, 1992). O papel do terapeuta enquanto observador-partidpante, na fase de avaliação, corresponde à identificação de ciclos cognitivo-interpessoais actuantes na relação terapêutica e à colocação de hipóteses acerca dos esquemas interpessoais activos.

Uma outra estratégia importante na avaliação de EPM é a activação desses mesmos esquemas dentro e fora da sessão terapêutica. Este tipo de estratégia tem sido abordado como o trabalho de "cognições quentes" (Safran & Greenberg, 1986; Safran et al, 1986; Safran & Segai, 1990), para definir a importância de se avaliar e trabalhar na terapia as cognições capazes de activar um determinado estado emocional. O princípio subjacente é o de que, quanto mais intensa for a emoção associada a uma determinada cognição, maior probabilidade existe de se tratar de uma cognição nuclear (Young, 1990). Existe também alguma evidência de que a acessibilidade das cognições é incrementada pelos estados emocionais congruentes (Safran & Greenberg, 1986). Daqui podem ser retiradas, pelo menos, duas implicações. Em primeiro lugar, o terapeuta deve estar atento a qualquer mudança no estado de humor do doente, uma vez que estas mudanças podem informar acerca da importância das cognições predominantes nesse momento. Por outras palavras, tão importante como o que o doente conta (marcadores de conteúdo), é a forma como o conta (marcadores de processo) (Safran & Segai, 1990). Em segundo lugar, quando o doente revela dificuldade em aceder às cognições presentes em determinado contexto, torna-se essencial induzir activação emocional capaz de facilitar o acesso a essas cognições, pois podem estar a ocorrer diversos processos de evitamento e/ou compensação do EPM que é activado por essas situações. Esta activação emocional é conseguida por recurso a técnicas emocionais/experienciais (Young, 1990), o que revela bem o carácter integrador da TFE. De entre as técnicas experienciais utilizadas para este fim, salienta-se o recurso a estratégias imagéticas (por exemplo, o doente revive determinada situação em imaginação) e à recordação de memórias infantis relacionadas com o EPM em causa. A relação terapêutica pode também ser utilizada para debater e criar acontecimentos activadores dos EPM.

Para além das estratégias já referidas, para a avaliação de EPM adquire primordial importância a utilização do Questionário de Esquemas de Young (QEY) (Young & Brown, 1990; versão portuguesa de Pinto-Gouveia & Robalo, 1994). Este questionário identifica os 16 EPM postulados teoricamente. Para cada EPM é apresentado um conjunto de afirmações, às quais a resposta é dada numa escala de 1 a 6, desde "Completamente falso, isto é, não tem absolutamente nada a ver com o que acontece comigo" até "Descreve-me perfeitamente, isto é, tem tudo a ver com o que acontece comigo". Exemplos dos itens do Questionário de Esquemas de Young incluem: para o EPM de privação emocional, "De uma maneira geral, não tenho tido ninguém para me aconselhar e dar apoio emocional"; para o EPM de abandono, "Preocupa-me muito que as pessoas de quem eu gosto encontrem alguém de quem gostem mais e me deixem"; para o EPM de desconfiança/abuso, "Costumo sentir que tenho que me proteger dos outros".

São também utilizados o Questionário de Estilos Parentais, que permite avaliar a formação de esquemas mal-adaptativos precoces a partir das relações com as figuras parentais, bem como o Questionário de Evitamento e o Questionário de Compensação. Estes dois últimos permitem obter informação acerca dos processos esquemáticos mais utilizados pelos pacientes para lidarem com os seus EPM.

Da utilização conjunta destes instrumentos, o terapeuta pode inferir quais os esquemas nucleares predominantes e averiguar se existem processos de evitamento e/ou compensação que devam ser alvo de atenção na terapia. Havendo evitamento ou compensação, o paciente pode não responder ao Questionário de Esquemas de Young de acordo com os EPM que realmente possui, uma vez que esses processos estão activos.

Apesar de a avaliação clínica dos EPM resultar do conjunto de estratégias apresentadas, a avaliação em investigação resulta habitualmente de informação recolhida por instrumentos de auto-resposta, na medida em que necessita de instrumentos estandardizados que permitam recolher informação de um número considerável de sujeitos. No caso da TFE, a investigação recorre aos quatro inventários construídos especificamente para avaliar EPM, estilos parentais, processos de evitamento e processos de compensação. É precisamente em relação ao uso deste tipo de método para avaliar estruturas cognitivas que se levantam algumas questões quanto à sua validade e fidedignidade.

Avaliação de esquemas por questionários de auto-resposta: limitações e possíveis desenvolvimentos

Quando nos debruçamos sobre a avaliação dos processos e das estruturas cognitivas, deparamo-nos com a quase inexistência de medidas disponíveis e com dificuldades metodológicas acrescidas dado tratar-se de cognições não conscientes nem de fácil acesso à consciência. Só mais recentemente têm vindo a ser feitas tentativas para avaliar as estruturas e os processos cognitivos que se reflectem nos produtos (Goldfried, 1995). Stein e Young (1992) reconhecem que permanece problemática a validação de um qualquer conjunto de medidas, sugerindo que a correlação das categorias esquemáticas com antecedentes ambientais pode ajudar a estabelecer a validade da classificação dos 16 EPM. No entanto, várias questões podem ser colocadas quanto à validade e fidedignidade da avaliação de EPM por instrumentos de auto-resposta, como por exemplo o Questionário de Esquemas de Young (Young & Brown, 1990).

Acesso consciente e conhecimento declarativo

Uma primeira problemática que a avaliação pelo QEY levanta relaciona-se com a natureza do próprio questionário. Tratando-se de um questionário que apela para uma avaliação do conteúdo semântico dos EPM pelo próprio sujeito, podemos perguntar-nos se é possível o sujeito ter conhecimento válido acerca da existência, predominância e/ou frequência do próprio esquema ao longo da sua vida. Este pressuposto da avaliação pelo QEY parece colidir com a própria definição de EPM de Young, como sendo tácito, de natureza não consciente (Young, 1990).

Ainda que admitamos que é possível o indivíduo ter conhecimento dos seus esquemas, fica ainda por saber se é possível que esse conhecimento seja declarativo, isto é, passível de ser verbalizado, de permitir a resposta ao QEY. Para além de os indivíduos variarem em termos das suas capacidades metacognitivas, estas também sofrem danos quando os indivíduos desenvolvem estados psicopatológicos (Merluzzi & Carr, 1992), alterando assim a veracidade das suas respostas a este questionário. Ora, um questionário de avaliação de EPM, postulados como subjacentes à psicopatologia, interessa sobretudo para uso com a população clínica.

Relacionada com a problemática do autoconhecimento está a questão da estreita ligação entre o conteúdo do esquema e as emoções associadas. Esta ligação coloca a questão da acessibilidade ao conteúdo do esquema sem experienciação das emoções associadas, como acontece no preenchimento do QEY. Como referimos anteriormente, na avaliação de estruturas cognitivas deveriam estar activados os estados emocionais congruentes com essas estruturas (Safran & Greenberg, 1986). Assim, um qualquer instrumento de auto-resposta para avaliação de esquemas deve incluir alguma estratégia de activação emocional congruente com o esquema a avaliar, como forma de incrementar a validade da avaliação do próprio esquema. O Questionário de Esquemas de Young não contempla nenhuma estratégia deste tipo e, consequentemente, as respostas obtidas podem não corresponder à realidade da existência, frequência e/ou predominância dos EPM avaliados pelo questionário. Esta limitação poderia ser ultrapassada se, conjuntamente com a avaliação de cada um dos 16 EPM, existisse uma estratégia de activação emocional (por exemplo, a recordação de memórias infantis relacionadas com o EPM que está a ser avaliado).

Processos de evitamento e de compensação do esquenta

Ao avaliarmos os EPM, não podemos separar o seu conteúdo semântico dos processos pelos quais funcionam. Os autores reconhecem a importância destes processos, reconhecem que os doentes mais perturbados utilizam sempre algum tipo de evitamento e salientam inclusive que há doentes com tendência a utilizar de maneira predominante processos de evitamento ou de compensação (Young, 1990; Young et al, 1993). A nossa prática clínica corrobora este ponto de vista. No entanto, a questão problemática que se levanta relaciona-se com a sensibilidade do QEY a estes processos, nomeadamente os de evitamento e compensação.

Aquando da formação de um EPM, o conteúdo do esquema fica associado a níveis consideravelmente elevados de afecto negativo, experienciado nas vivências que conduziram à formação desse mesmo esquema. Uma vez formado, se o indivíduo evita o esquema, tem como objectivo evitar a experienciação do desconforto emocional que a activação do esquema acarreta. Obviamente que, ao responder a um questionário como o QEY, quer o evitamento, quer a compensação influenciam o tipo de respostas que são obtidas, afectando a validade do questionário. Neste contexto, um questionário deste tipo deveria ser construído no sentido de tentar ultrapassar os processos de evitamento e de compensação que possam existir. As estratégias de activação emocional e as técnicas experienciais permitem, geralmente, ultrapassar (pelo menos parcialmente) os evitamentos e compensações actuantes. Na clínica, são muitas vezes utilizadas pelo terapeuta como meio para activar o EPM primário e conseguir ultrapassar quer o evitamento quer a compensação. A inclusão de alguma estratégia experiencial no Questionário de Esquemas de Young permitiria diminuir a influência dos evitamentos e compensações nas respostas obtidas para cada EPM.

Validade ecológia do Questionário de Esquemas de Young

Goldfried (1995) alerta para a fraca validade ecológica que é habitual na avaliação de estruturas cognitivas. Na verdade, este tipo de instrumentos apela geralmente a itens que descrevem a maneira de ser do indivíduo, desprovidos de qualquer contexto situacional. No caso específico dos EPM, e dado que são basicamente estruturas desenvolvidas na relação com outros significativos (Young, 1990; Young & Lindemann, 1992; Young et al, 1993), eles são bem conceptualizados como esquemas interpessoais (Safran & Segai, 1990), como salientámos anteriormente. Neste sentido, são facilmente activados e manifestam-se sobretudo em contextos interpessoais — daí que a relação terapêutica seja proposta como meio de activação de esquemas (Young, 1990). Tendo em conta a natureza interpessoal dos EPM, estes deveriam ser avaliados após activação por cenários interpessoais (que podem ser remotos — relacionados com a formação do próprio EPM —, ou actuais — cenários interpessoais da vida actual, capazes de activar o EPM).

Inventário de Avaliação de Esquemas por Cenários Activadores (IAECA)

De tudo o que foi referido, parece emergir uma síntese: não existe ainda uma metodologia válida e fidedigna para avaliar esquemas cognitivos, em particular os EPM. Assim, esta avaliação tem sido definida como multimodal, não tanto pelos méritos dos vários métodos envolvidos mas pelas limitações que têm sido encontradas em todos.

Com base nas limitações encontradas para o Questionário de Esquemas de Young e tendo em conta a utilidade clínica de um questionário de auto-resposta que avalie EPM, bem como a ligação entre esquemas e emoções associadas, temos vindo a desenvolver um novo instrumento de avaliação de EPM: IAECA — Inventário de Avaliação de Esquemas por Cenários Activadores (Rijo & Pinto-Gouveia, 1999). O principal obstáculo ao desenvolvimento de um instrumento deste tipo reside na dificuldade em ultrapassar os processos esquemáticos de evitamento e compensação. Procurando responder a este desafio, construímos um questionário de auto-resposta que utiliza uma metodologia de avaliação diferente da utilizada no Questionário de Esquemas de Young, embora mantendo o mesmo conjunto de itens correspondentes a cada EMP. Foram seleccionados os EPM mais frequentemente encontrados na clínica, nomeadamente, os EPM de privação emocional, abandono, desconfiança / abuso, defeito / vergonha, fracasso, vulnerabilidade ao mal e à doença e, por último, padrões excessivos / rígidos.

No novo instrumento, tivemos em conta a importância da activação da estrutura na avaliação dos EPM: estando o esquema activo, são experienciadas as emoções que lhe estão ligadas, provavelmente as memórias que se relacionam com o seu conteúdo ficam mais disponíveis, é também provável que incremente o autoconhecimento do sujeito acerca de matérias relacionadas com o esquema em causa, ultrapassando processos de evitamento cognitivo e emocional ou processos compensatórios que possam ser utilizados pelo indivíduo para lidar com informação relacionada com o esquema. Sendo a vivência de situações relacionadas com o conteúdo semântico do esquema uma das estratégias de activação mais utilizadas na clínica, a primeira fase da construção do IAECA consistiu na criação de vários cenários interpessoais relacionados com os conteúdos de cada um dos EPM seleccionados. Estes cenários foram construídos, quer a partir das situações que teoricamente estariam relacionadas com a formação e activação dos EPM avaliados, quer a partir das situações que, na nossa experiência clínica baseada na TFE, estão mais relacionadas com determinado EPM. Posteriormente, seleccionaram-se para cada EPM os cenários mais típicos e específicos, quer referentes a experiências significativas dos primeiros anos de vida, quer relacionados com situações actuais, da vida adulta. O instrumento ficou então constituído pelos itens do QEY para os sete EPM avaliados, precedidos pelos cenários activadores correspondentes.

Nas instruções do IAECA é pedido ao sujeito que leia atentamente as descrições dos cenários e que escolha aquele que se aproxima mais de algo por que já tenha passado (independentemente de se tratar de um cenário de infância ou de um cenário actual). Em seguida, o indivíduo deve imaginar-se a viver o cenário que escolheu, da forma mais realista possível. Se já viveu uma situação semelhante de que se recorde na altura, deve utilizar antes esta. Caso contrário, poderá imaginar-se numa das situações descritas no questionário. Deve assinalar a situação escolhida, bem como o grau em que esta se assemelha a experiências que já viveu ou está a viver (para tal, é fornecida uma escala analógica de 1 a 7). Em seguida, é pedido ao indivíduo que responda às afirmações apresentadas (itens do Questionário de Esquemas de Young para cada EPM), decidindo até que ponto elas descrevem o que sente ou o que pensa, procurando manter presente o que sentiu enquanto imaginou a situação escolhida. Para esta resposta, é fornecida uma escala na folha de instruções, idêntica à escala de resposta utilizada no Questionário de Esquemas de Young (Young & Brown, 1990), descrita anteriormente.

Por fim, o sujeito deve ainda assinalar, de entre uma lista de emoções apresentada, qual ou quais as emoções que sentiu aquando da imaginação da situação que escolheu.

Esta sequência de procedimentos é repetida para cada um dos EPM avaliados pelo IAECA, sendo as instruções repetidas, passo a passo, para todos os EPM.

O quadro 2 apresenta uma sequência do questionário para avaliação do EPM de desconfiança/abuso. Para este EPM são apresentados quatro cenários activadores, referindo-se os três primeiros a possíveis situações do passado que estiveram na formação do EPM (situações de abuso verbal, abuso físico e abuso sexual) e o quarto a uma situação activadora do presente.

A comparação entre os resultados da avaliação de EPM pelo Questionário de Esquemas de Young e através do IAECA, numa amostra constituída por sujeitos normais, por doentes do eixo I do DSM e por doentes do eixo II (APA, 1994), investigação actualmente em curso, permitirá testar empiricamente as hipóteses teóricas aqui levantadas.

 

Referências

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