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Psicologia

versão impressa ISSN 0874-2049

Psicologia vol.15 no.2 Lisboa jul. 2001

 

Estudo de caso de uma "perturbação Borderline da personalidade á luz do modelo de "complementaridade paradigmática"1

A case study of borderline personality disorder in light of the Paradigmatic Complementarity model

 

Isabel C. Gonçalves*; António Branco Vasco**

*Serviço de Aconselhamento Psicológico do Instituto Superior Técnico.

**Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa.

 


RESUMO

Com base num modelo terapêutico integrativo, designado por "complementaridade paradigmática", que articula conceitos cognitivo-comportamentais, de traço, interpessoais dinâmicos e experienciais, os autores procedem a uma apresentação exaustiva de um caso de "perturbação borderline da personalidade". Para além destes referenciais, que são essencialmente utilizados para a "conceptualização do paciente e do problema", recorre-se, igualmente, a uma "conceptualização do processo terapêutico", sendo este entendido como constituído por cinco fases sequenciais. Este modelo funciona como um guia para a tomada de decisão clínica.

Palavras-chave Integração, perturbação borderline da personalidade, complementaridade paradigmática.


ABSTRACT

Based on an integrative therapeutic model, named "paradigmatic complementarity", that articulates cognitive-behavioral, trait like, interpersonal dynamic and experiential concepts, the authors discuss the case of a borderline patient. Besides the concepts mentioned, essentially used in terms of "case and problem conceptualization", the model also makes use of "process conceptualization". The therapeutic process is understood as being composed by five sequencial phases. The model put forward works as a guide-line for clinical decision making.

Isabel C. Gonçalves e António Branco Vasco


 

Introdução

Num esforço para melhor conceptualizar as intervenções clínicas, acreditamos que os objectivos últimos de qualquer processo psicoterapêutico são os da modificação das auto e hetero-representações esquemáticas cognitivo-emocionais dos pacientes, subjacentes aos sintomas manifestos e/ou ciclos disfuncionais interpessoais, bem como o colmatar de eventuais défices de aptidões que para eles possam contribuir. Tudo isto ao serviço do aumento dos "graus de liberdade" dos pacientes, com o objectivo de se conseguirem relacionar mais afectiva e efectivamente consigo próprios e com os outros (Vasco, 1997).

Acreditamos, igualmente, que, ao lidar com perturbações da personalidade, é necessário introduzir modificações na terapia cognitiva tradicional, como sugerido por Beck e colaboradores (e.g., Beck et al, 1990; Sperry, 1999; Young, 1994). Contudo, pensamos que as sugestões avançadas por estes autores não são nem suficientes, nem suficientemente explícitas, particularmente se comparadas com a conceptualização de Linehan (1993; Koerner «Sc Linehan, 1997) relativa à perturbação borderline da personalidade que, em nossa opinião, transforma a intervenção cognitivo-comportamental em algo verdadeiramente integrativo.

Além do mais, como vários autores têm vindo a defender (e.g., Magnavita, 1999; Millon & Davis, 1996), a terapia bem sucedida nos casos de perturbação da personalidade tem, necessariamente, de ser integrativa. Dada a crescente consciência das elevada taxas de co-morbilidade entre os eixos I e II do DSM-IV (e.g., Roth & Fonagy, 1996.), quer parecer que muita psicoterapia deveria ser integrativa!

Decidimos designar por "complementaridade paradigmática" o quadro geral que orienta os nossos processos de conceptualização e de tomada de decisão clínica. Assim, a complementaridade paradigmática consiste num guia para a conceptualização e tomada de decisão clínicas, que faz uso, de forma sequencial e/ou complementar, de instrumentos de avaliação, conceptualização e intervenções originários de diferentes orientações teóricas (e "visões do mundo") (Royce, 1964; Pepper, 1942), com o objectivo de optimizar a eficácia das intervenções (Gonçalves & Vasco, 1997; Vasco, este número).

A conotação filosófica da expressão é intencional. Pretende veicular a nossa preferência, mesmo a um nível metateórico, por modelos integrativos em terapia, em detrimento de modelos eclécticos de mera integração técnica. Acreditamos que mesmo não sendo possível sintetizar as diferentes "visões do mundo" inerentes às diferentes orientações psicoterapêuticas, elas podem ser coordenadas mediante o reconhecimento das condições e contextos em que cada uma parece ser dotada de superior valor heurístico.

Prosseguiremos na seguinte sequência: (1) apresentando os referenciais e as variáveis que consideramos incontornáveis ao lidar, particularmente, com pacientes com perturbações da personalidade; (2) identificando as fases do processo e sequência interventiva que nos parecem mais adequados; e (3) ilustrando com um caso clínico concreto de "perturbação borderline da personalidade" a articulação e tradução destes elementos no trabalho clínico.

Conceptualização

Seguem-se os referenciais e variáveis que consideramos centrais para a conceptualização dos casos clínicos:

1) Com base em Beck e colaboradores (Beck et al, 1990,1993; Persons, 1989; Persons & Tompkins, 1997), consideramos central a avaliação e manuseamento das: (a) crenças absolutas do paciente sobre o self, sobre os outros e sobre o mundo ("eu sou..."; "os outros são..."; o mundo é..."); (b) as crenças condicionais do paciente igualmente sobre o self, os outros e o mundo ("se eu..., então..."; "se os outros..., então..."; se o mundo..., então..."); (c) situações de vulnerabilidade (e.g., conflitos interpessoais); (d) estratégias compensatórias (e.g., consumos excessivos, evitamentos, automutilações, agressão, etc.). A consciência de todas estas variáveis parece-nos ser essencial, não só em termos da conceptualização e manuseamento do caso, mas também como forma de promover o autoconhecimento, a construção do significado das experiências e a auto-aceitação por parte do cliente.

2) Ainda na linha da tradição cognitivo-comportamental, consideramos também central a identificação das principais distorções cognitivas e dos défices comportamentais do paciente, particularmente os relativos a: (a) comunicação; (b) resolução de problemas; (c) gestão do stress; (d) controlo de contingências; e (e) controlo de impulsos (e.g., Cormier & Cormier, 1998; Goldfried & Davison, 1994).

3) Com base em Beutler e colaboradores (Beutler & Clarkin, 1990; Beutler & Har-wood, 2000; Gaw & Beutler, 1990), consideramos central a avaliação: (a) da severidade do problema; (b) da complexidade do problema; (c) do desconforto motivacional; (d) do nível de reactância; e (e) do estilo de coping. A consciência destas variáveis parece-nos igualmente essencial, não só em termos de conceptualização e selecção de técnicas de intervenção, mas também como forma de auxiliar o terapeuta a sintonizar a sua instância relacional em função das necessidades e estilos diferenciais dos pacientes (e.g., nível de directividade).

4) Com base em Safran e colaboradores (Safran & Muran, 1995; Safran «Sc Muran, 2000; Safran & Segai, 1990), consideramos também essencial a identificação de "marcadores e ciclos interpessoais disfuncionais" e de "rupturas" na aliança terapêutica. A consciência destas variáveis auxilia o terapeuta não só a identificar "representações esquemáticas" e a estabelecer e manter a qualidade do laço terapêutico, mas também a promover "experiências emocionais correctivas" e reparações na aliança.

5) Com base em Greenberg e colaboradores (Greenberg, Rice «Sc Elliot 1993; Greenberg «Sc Paivio, 1997), consideramos ainda central a identificação dos "marcadores emocionais" que parecem capturar os dilemas e dificuldades de processamento cognitivo-emocional do paciente (i.e., "vulnerabilidade", "sensações pouco claras", "pontos de reacção problemática", "clivagens", e "assuntos inacabados"). Estes marcadores de dificuldades de processamento cognitivo-emocional indiciam a adequabilidade de tarefas terapêuticas específicas (i.e., "afirmação empática", "focagem", "desenrolar evocativo", "trabalho de duas cadeiras e de cadeira vazia").

Como será patente no caso clínico a analisar posteriormente, todas estas variáveis podem ser harmoniosamente articuladas numa totalidade coerente e cambiante, com o objectivo de conceptualizar e conduzir o processo terapêutico da melhor forma.

Consideramos igualmente que, para uma adequada condução do processo terapêutico, não são suficientes as variáveis atrás mencionadas (que essencialmente se prendem com a conceptualização do paciente e do problema), mas que também é necessário conceptualizar o processo terapêutico que, em nossa opinião, deve respeitar a seguinte sequência interventiva, em termos de objectivos estratégicos: (1) construção da confiança no terapeuta e no processo terapêutico; (2) atribuição de significado às experiências do cliente; (3) compreensão e aceitação de responsabilidade (ou co-responsabilidade) pelas experiências pessoais, sintomas e situação de vida; (4) empreender de acções (interiores e exteriores) tendentes à reparação; e (5) manutenção das conquistas terapêuticas efectuadas.

Consideramos, por último, que os diferentes conjuntos de variáveis referidos são dotados de adequabilidade diferencial consoante as diferentes fases do processo terapêutico. De uma forma geral, as intervenções interpessoais c cognitivo-comportamentais (particularmente as destinadas a lidar com situações de crise) são mais relevantes na fase inicial do processo (nos casos de perturbações da personalidade consideramos que as intervenções interpessoais são, regra geral, importantes ao longo de todo o processo), as intervenções experienciais numa fase intermédia e, as cognitivo-comportamentais, igualmente, nas fases intermédia e final (Vasco, 1999).

Passamos à descrição de um caso clínico concreto, com o objectivo de ilustrar a utilidade das variáveis e fases do processo terapêutico anteriormente mencionadas na conceptualização e condução da intervenção.

Ilustração clínica

Optámos pelo nome fictício de "Orquídea" para a descrição do caso clínico que escolhemos para ilustrar o modelo interventivo de "complementaridade paradigmática". Como adiante veremos, trata-se de uma cliente especialmente dotada para reflectir, em formato escrito, sobre o seu próprio processo terapêutico, a começar precisamente pelo "nome de código" por nós escolhido, e que é do seu conhecimento:

(...) as orquídeas são umas flores terrivelmente enganadoras. Adoptaram a forma do insecto não-sei-qual, ou melhor da fémea do insecto. O macho vê-a, fica de imediato pelo beicinho e truca-truca. Sem ele, não há polinização. Uma flor que tem um grave problema: é tão especializada, tão dependente daquela espécie de insecto que, se ele se extingue, a orquídea extingue-se com ele. De qualquer forma, todas as espécies estão condenadas à extinção (...)

Dados de identificação

Data de início do processo terapêutico: Maio de 1997

— Idade actual: 41 anos

— Estado civil: solteira

— Sexo: feminino

— Formação académica: licenciatura

— Estrutura familiar: a cliente é a única sobrevivente do seu agregado familiar (pai, irmão e mãe já falecidos)

— Habitação: a cliente ocupava uma casa num prédio que pertencia à família; a casa onde vivia é a casa de família, onde se encontra a maior parte do seu património, incluindo uma biblioteca e uma discoteca imponentes, reunidas principalmente pelo pai; existe o risco de Orquídea assumir o papel de guardiã desses bens, memórias de uma família (em confronto, disse uma vez ao pai: "eu não sou a conservadora do museu dos teus mortos").

Modalidade de intervenção

Terapia individual com periodicidade semanal (por períodos, bisemanal); alguns contactos telefónicos entre sessões; um internamento psiquiátrico imediatamente antes do início do processo terapêutico, e outro durante.

Diagnóstico

A cliente apresenta um "padrão global de instabilidade no relacionamento interpessoal, auto-imagem e afectos, e impulsividade marcada com começo no início da idade adulta e presente numa variedade de contextos", preenchendo todos os nove "critérios de diagnóstico para perturbação borderline da personalidade" (APA, 1994). Exemplificamos três desses critérios:

— "perturbação de identidade: instabilidade persistente e marcada da auto-imagem ou do sentimento de si próprio" — e.g., alterações frequentes nas preferências vocacionais (educadora de infância, jornalista, tradutora) ou ainda reflexões escritas de teor idêntico à citação que apresentamos — "não me sinto bem na minha pele, não quero ser quem sou, não quero fazer o que faço, não quero estar como estou";

— impulsividade em pelo menos duas áreas que são potencialmente auto-lesivas" — e.g., consumo de drogas (álcool, heroína, cocaína e "cannabis") e gastos descontrolados, em determinadas épocas; é a própria cliente que melhor descreve a sua própria impulsividade: "por alguma razão, estou no carro. Venho de algum sítio ou vou para algum sítio. O impulso que surge é tão... impulso que hesito em chamar-lhe desejo ou vontade. E, apenas. E é isso que é assustador. Uma inércia tão antiga que parece vinda da noite dos tempos. O desvio é quase imperceptível. Quando dou por mim, estou na Meia Laranja. O Casal é logo ali em baixo";

— ideação paranóide transitória reactiva ao stress ou sintomas dissociativos graves — e.g., referindo-se ao ano de 1983, a cliente escreve: "comecei a achar que as pessoas me queriam fazer mal. Passavam por mim e tudo quanto diziam relacionava-se comigo (...) fui dormir para casa da minha tia, o único sítio onde me sentia protegida do mal que me podiam fazer e das frases e pensamentos em viés que me dirigiam".

Em co-morbilidade com a perturbação borderline da personalidade, complicando a evolução e tratamento da mesma, a cliente reúne ainda os critérios para perturbação relacionada com substâncias (APA, 1994), mais especificamente opiáceos (heroína). Orquídea apresenta, assim, um "padrão não-adaptativo da utilização de opiáceos, levando a défice ou sofrimento clinicamente significativo".

As actividades diárias de Orquídea tendem a ser, nas fases de consumo, "planeadas em tomo da obtenção e administração" da heroína. Como acontece com muitos sujeitos com dependência de opiáceos, a cliente apresenta sintomas depressivos breves e episódios depressivos moderados que "preenchem os critérios sintomáticos e de duração da perturbação depressiva major" (APA, 1994). Estes sintomas poderão representar, na opinião do psiquiatra que acompanha Orquídea, "exacerbações de uma perturbação depressiva primária pré-existente" (deste modo, a cliente tenderia a usar a heroína como "antidepressivo" ou, na linguagem beckiana, como "estratégia compensatória") (Beck et al., 1993). Esta interpretação parece-nos consistente com o elevado número de lutos significativos vivenciados pela cliente no período imediatamente anterior ao início dos consumos (suicídio da mãe). Podemos ainda supor que terá havido um agravamento e/ou recaídas nos consumos associados às percas sucessivas sofridas pela cliente (morte do irmão, fim de relações amorosas, morte do pai, licença de parto da terapeuta).

Condição pré-terapia

Antes de iniciado o processo terapêutico, a cliente tinha saído de um internamento numa casa de saúde. O psiquiatra que a acompanhou estabeleceu dois contratos (escritos) com um tio (em substituição de um elemento da família nuclear), regulamentando, por um lado, comportamentos relativos aos consumos (toma do Antaxone e outros medicamentos, realização aleatória de análises à urina, empenhamento da cliente, bem como a aceitação de todo o apoio por parte da família e amigos) e, por outro, o controlo dos comportamentos da cliente relativos aos seus bens (controlo das despesas e dos rendimentos, salvaguarda do dinheiro das heranças e das tomas de modo a que fique "indisponível nos próximos anos"). Orquídea encontrava-se ainda medicada com um antidepressivo (Tryptizol).

As queixas iniciais da cliente incluíam baixo rendimento profissional, desmotivação, incerteza vocacional; medo de eventuais recaídas nos comportamentos de consumo; relação amorosa pouco satisfatória; baixa tolerância à frustração e à solidão; depressão e ansiedade; alterações bruscas de estados de humor.

Conceptualização do caso

Conceptualização cognitiva

A intervenção cognitiva para as perturbações de personalidade, que conheceu grande desenvolvimento após o início dos anos 90 (e.g., Beck et al, 1990; Beck, 1996; Safran & McMain, 1992; Sperry, 1999; Young; 1994), parte de três considerações que julgamos pertinente recordar (Vasco, 1999): (1) maior consciencialização por parte dos terapeutas cognitivos relativamente à prevalência das perturbações da personalidade, quer como entidades nosológicas isoladas, quer em situação de co-morbilidade; (2) constatação de que muitos dos princípios conceptuais e interventivos da terapia cognitiva não se aplicam ou necessitam de ser modificados quando intervindo ao nível das perturbações da personalidade e, finalmente; (3) disponibilidade e consciência da necessidade, por parte de muitos terapeutas cognitivos, de funcionar de forma integrativa.

Numa perspectiva que é típica do modelo cognitivo, Freeman e colaboradores (1990) apresentam a conceptualização de um caso clínico que preenche os critérios de diagnóstico da perturbação borderline da personalidade. Ao fazê-lo, identificam uma distorção cognitiva que consideram como principal responsável pelas reacções extremas e bruscas mudanças de humor da cliente — o "pensamento dicotômico". Os autores ilustram o funcionamento deste mecanismo com a noção de "confiança". No pensamento dicotômico não há espaço para categorias intermédias e, por isso, quando a percepção que o indivíduo tem de uma determinada situação muda, muda necessariamente de um extremo a outro. Alguém que, inicialmente, é visto como sendo de confiança, passa a ser totalmente suspeito logo que se verifica que está aquém das expectativas que sobre ela foram construídas. A ideia de que uma pessoa pode ser de confiança a maior parte do tempo é incompatível com o pensamento dicotômico — característica de muitas perturbações da personalidade, particularmente da borderline.

Os mesmos autores (1990) descrevem ainda algumas crenças centrais sustentadas pela cliente — "o mundo é mau e perigoso", "sou fraca e vulnerável", "sou inerentemente inaceitável" —, crenças que têm um impacto importante no seu comportamento: "se o mundo é um local perigoso, então tenho de estar permanentemente em guarda" (o que resulta em tensão e ansiedade crónicas); "se eu sou inerentemente inaceitável, como ser humano, a possibilidade de depender dos outros para obter alguma protecção está-me vedada, uma vez que os outros, em vez de me protegerem vão acabar por me rejeitar, por me abandonar ou por me trair" (na verdade, a probabilidade é a de que o cliente "convide os outros a este comportamento, graças ao seu "pré-conhecimento" de que, mais tarde ou mais cedo, o abandono, a rejeição ou a traição vão ocorrer, numa óptica de "profecia auto-realizada" — a partir desse momento, naturalmente, o ciclo "fecha", validando, uma vez mais, o "desfecho final antecipado").

A combinação do pensamento dicotômico com este sistema de crenças resulta particularmente "mortífera": se sou "inerentemente inaceitável (e esta crença (particularmente dolorosa porque frequentemente o cliente com perturbação borderline da personalidade é suficientemente lúcido para compreender o seu próprio contributo para o ciclo interpessoal acima descrito, ainda que profundamente incapaz de o descontinuar), devo esconder dos outros a minha "verdadeira natureza, pois só assim poderei ser aceite por eles” (e, acrescentaríamos nós," tenho de me sentir aceite por alguém, porque a solidão é-me por demais insustentável, mesmo fisicamente").

Este último passo, que podemos designar por "camuflagem", sendo embora um recurso de sobrevivência, conduz inevitavelmente à frustração do desejo de proximidade e protecção; é a antecipação desta frustração que gera uma raiva intensa, a tal ponto que, caso seja expressa, torna-se incompatível com o estabelecimento de uma relação de verdadeira intimidade com outro ser humano (e, na realidade, acreditamos que a agressividade nesta população atinge expressões de grande intensidade — predominantemente física, no caso dos homens, e predominantemente verbal/afectiva no caso das mulheres); o verdadeiro desespero surge porque poucas pessoas estão, de facto, disponíveis para suportar a intensidade de tamanha "transferência negativa". Acreditamos que este tipo de pacientes busca algo impossível de obter na vida adulta—o "amor incondicional". Só tem necessidade de "amor incondicional" na vida adulta quem não o teve nas fases adequadas de desenvolvimento, facto que parece estar adequadamente documentado relativamente às experiências de socialização deste tipo de pacientes.

Finalmente, nos indivíduos que apresentam perturbação borderline da personalidade, existe um sentido de identidade fraco ou instável, que origina confusão relativa a objectivos e prioridades, dificuldade essa que impede um investimento consistente e eficaz em objectivos a longo prazo. A resultante sensação de baixa auto-eficácia conduz a uma fraca motivação, a uma baixa persistência e a uma fraca expectativa de sucesso face à adversidade.

As crenças básicas, o pensamento dicotômico e o frágil sentido de identidade não contribuem simples e separadamente para o aparecimento da perturbação borderline da personalidade — formam, outrossim, um sistema bastante complexo, que se autoperpetua e em que os vários elementos se reforçam mutuamente, como se pode verificar pela análise da figura 1, construído tomando como ponto de partida o esquema proposto por Freeman e colaboradores (1990).2

Este mesmo esquema serviu de base na conceptualização do caso de Orquídea, sendo mantidos os aspectos comuns e acrescentados alguns componentes julgados essenciais: experiências de socialização, crenças absolutas relativas ao self e aos outros, crenças condicionais relativas ao self e aos outros, situações de vulnerabilidade e estratégias compensatórias.3

As "experiências de socialização" incluem os acontecimentos mais significativos que possam ter contribuído para o desenvolvimento das crenças actuais. As "crenças absolutas" reflectem o modo como a cliente se vê a si própria e aos outros, enquanto que as "crenças condicionais" permitem fazer deduções em função das absolutas. As "situações de vulnerabilidade" são as circunstâncias problemáticas em que as crenças centrais são activadas, e incluem interacções problemáticas com determinada(s) pessoa(s) (tipicamente, os outros significativos). As "estratégias compensatórias" são os comportamentos que ajudam os clientes a lidar com as crenças centrais e com o desconforto. A superfície, parecem funcionar, mas não fazem mais do que perpetuar o problema, dado serem frequentemente compulsivas, inflexíveis, inapropriadas, não dando espaço a estratégias mais adaptativas — estratégias compensatórias típicas serão os evitamentos e o, já referido, uso de drogas. Mais especificamente:

Experiências de socialização

Na família de Orquídea (e falamos aqui de família alargada, não apenas da família nuclear), as pessoas eram muito pouco frontais — o que sentiam, pensavam, queriam ou não queriam não era claro, transmitindo-se para o exterior, durante algum tempo, uma ideia de normalidade. As regras de conduta eram implícitas, mas as punições pela quebra dessas regras bastante explícitas, nomeadamente em termos de "retirada de afecto". Os pais, nomeadamente a mãe, tinham dificuldades em pôr limites adequados ao comportamento agressivo da cliente, o que a deixou sempre com sentimentos de culpa intensos e com dificuldades ao nível da auto-regulação deste tipo de comportamento.

O clima emocional em casa da cliente parecia ser bastante tenso, ainda que exteriormente equilibrado — o pai, sendo um homem arrogante e autoritário, era também, e simultaneamente, muito preocupado com a educação dos filhos. A mãe, esposa dedicada e submissa, vivia para o marido e para os filhos. Era uma mulher deprimida e com forte ideação suicida.4 Na sua família, verificou-se a ocorrência de sete ou oito suicídios (incluindo o da sua mãe, avó materna da cliente). O seu suicídio, mais ou menos concomitante à descoberta de uma nova infidelidade do marido, acabou por não ser inteiramente surpreendente, até porque tinha havido algumas ameaças anteriores e existia uma prática de consumo exagerado de medicamentos "perigosos" (medicamentos que o marido, sendo médico, acabou por procurar esconder).

A expressão da afectividade, nomeadamente em termos físicos, era bastante restrita na família e, deste modo, tornou-se impossível fazer um luto adequado pela morte da mãe, até porque, pouco tempo após a sua morte, o pai saiu de casa, deixando a cliente, com 23 anos, e o irmão, com 19, sozinhos.

A dificuldade em fazer lutos, resultante do tipo de clima que caracterizava a família e em que Orquídea foi socializada, tornou-lhe muito difícil a gestão das mortes que se seguiram, primeiro do irmão (Orquídea com 32 anos), depois do pai (Orquídea com 37 anos). Aliás, e ainda em relação à morte do irmão e, nas palavras da cliente, "não foi só a morte aos 28 anos (28!), foi também aquela lenta agonia, aquele estoicismo exemplar perante um tempo tão curto e um sofrimento atroz, a consciência da perca de capacidades..."

Ainda que a história de vida da cliente seja difícil de reconstruir, devido à inexistência de elementos vivos da família nuclear, podemos supor que o clima geral seria de invalidação, tal como descrito por Linehan (1993).

Variáveis cognitivas

a) crenças absolutas relativas ao self e aos outros: "não suporto a solidão, mas acredito estar condenada a estar só"; "mais tarde ou mais cedo, as pessoas de quem gosto e em quem confio vão abandonar-me ou trair-me"; "não sei quem sou"; "não podemos confiar em ninguém, nem mesmo em nós próprios"; "o mundo é frustrante e monótono".

b) crenças condicionais relativas ao selfe aos outros: "sempre achei que, se alguém mostrasse amar-me, essa pessoa, pelo simples facto de me dedicar esse afecto, então não podia ser digna do meu amor"; "se me sinto bem, então deixo de receber o apoio e carinho daqueles de quem mais gosto".

c) situações de vulnerabilidade: situações de perda interpessoal (e.g., término de relações amorosas, morte da mãe, do irmão, do pai; quando membros da famflia — pai, e.g., — saem de casa — situações de ambivalência e/ou incerteza (e.g., avaliações académicas, entregas e reuniões de trabalho); situações de abandono (e.g., licença de parto da terapeuta; ou então, na sequência de um internamento psiquiátrico (em 1983): "quando cheguei a casa, telefonei ao meu pai, a chorar como uma Madalena porque o 'shrink' não tinha ido ver-me") — note-se que as situações de perda podem também ser conceptualizadas como abandonos, ainda que aqui as tenhamos apresentado separadamente.

Estratégias compensatórias

Negativismo geral ("É tudo mau? Nem por isso; fundamentalmente desinteressante, inútil, gratuito. Queria tanto não sentir assim"); isolamento; consumo de álcool, marijuana, heroína, cocaína; rituais obsessivo-compulsivos (cuidar das plantas, corrigir dicionários, quando está a consumir); "surtos" de compras mais ou menos desnecessárias.5

Finalmente, apresentamos a figura 1, que a nosso ver resume e sintetiza, sem simplificar excessivamente, os aspectos mais importantes da conceptualização do caso.

Distorções cognitivas e défices comportamentais

Ainda que seja possível a identificação, no funcionamento de Orquídea, de várias distorções cognitivas, como sejam a catastrofização, o pensamento emocional, a personalização, a sobregeneralização ou a desqualificação do positivo, centrar-nos-emos apenas, e dada a sua centralidade na perturbação borderline da personalidade, no pensamento dicotômico. Recorremos, para brevemente ilustrar este modo de funcionamento, ao início de um texto intitulado "As couves", e datado de Janeiro de 2000, dedicado aos seus conflitos relativamente à dependência: "Gosto amo adoro detesto odeio abomino tudo tracinho me e o mundo cm geral, passando por amigos, parentes, transeuntes e até um ou outro desconhecido. Sou pois diferente de uma couve". No entanto, os exemplos deste tipo de funcionamento abundam ao longo de todo o artigo.6

Os principais défices comportamentais identificados foram: deficiente capacidade de comunicação (e.g., aptidões assertivas); dificuldade em tomar decisões e em lidar eficazmente com o stress (e.g., procrastinação, absentismo), e deficiente controlo de impulsos (e.g., excesso de consumo de álcool e drogas e manifestações de raiva).

Dimensões da selecção sistemática de intervenções

Tomando como referencial os trabalhos de Beutler e colaboradores (Beutler ic Clarkin, 1990; Beutler & Harwood, 2000; Gaw & Beutler, 1990), passamos a explicitar um conjunto de variáveis que julgamos igualmente de grande importância na conceptualização e tomada de decisão terapêuticas, exemplificando-as para o caso clínico em estudo.

Severidade do problema

Severo — veja-se, acima, o diagnóstico, que inclui co-morbilidade, e recordem-se alguns dos problemas mais relevantes: profissionais (incerteza sobre escolhas vocacionais, falta de motivação, procrastinação, absentismo); baixas auto-eficácia c estima; baixa tolerância à frustração; distimia; confusão relativa a objectivos; alguma ideação paranóide, particularmente em situações de vulnerabilidade; fraca qualidade do sono; dependência de drogas que obrigou a vários internamentos ao longo da vida da cliente.

Apesar da severidade do problema, e talvez paradoxalmente, parece haver um nível de funcionamento no quotidiano relativamente eficaz (cliente cozinha, cuida da casa, cuida do seu carro, gere o seu dinheiro, faz as compras para a casa; produz trabalhos de qualidade reconhecida dentro da sua especialidade; concluiu um curso médio e uma licenciatura).

Complexidade do problema

O problema é complexo: verifica-se co-morbilidade a nível dos eixos I e II do DSM-IV; existe cronicidade; existe uma multiplicidade de sintomas; os comportamentos repetem-se ao longo de situações dissemelhantes e constituem tentativas ritualizadas para resolver conflitos dinâmicos e interpessoais; finalmente, aqueles conflitos remetem para relações passadas da cliente (reflectindo-se nos conflitos interpessoais actuais).

Desconforto motivacional

No inicio do processo terapêutico, a cliente apresentava um baixo grau de activação emocional — pouca sintomatologia (após o último internamento, encontrava-se medicada e a fazer terapia antagonista); afecto relativamente constrangido; baixo investimento na terapia — lapidar parece-nos, a este respeito, a descrição que faz das suas expectativas iniciais relativamente à terapia:

primeiro, disseram-me que era uma psicoterapia breve. Que bom! Era tudo quanto eu queria, o que eu precisava era ver-me livre daquela enrascada e estudar como era possível continuar a consumir comedidamente e sem tragédias.

Contudo, e nomeadamente após a licença de parto da terapeuta, que ocorreu no segundo ano de terapia, a cliente passou por uma fase de elevada activação emocional, que incluiu grande agitação motora, grande perturbação sintomatológica (depressão, ansiedade, aumento exponencial do consumo de opiáceos), dificuldades em manter a concentração e até mesmo a assiduidade à terapia, e sentimentos de raiva, desespero e tristeza bastante intensos.

Nível de reactância

A tendência geral é para uma elevada reactância, dada a história anterior da cliente, de insucesso nos contactos com profissionais de saúde mental, e de grande conflitualidade interpessoal. Contudo, podemos registar dois momentos distintos.

Baixa reactância no primeiro ano e meio de terapia, que se traduziu numa grande disponibilidade da cliente para a realização dos trabalhos de casa, para a aceitação das interpretações e orientações da terapeuta e numa grande abertura para a realização de novas experiências e para o treino de competências.

Sensivelmente a partir da licença de parto da terapeuta, registou-se um aumento da reactância da cliente, que se traduziu pela dificuldade em cumprir os trabalhos de casa, pela necessidade intensa de manter a autonomia e pela resistência a todas as influências externas, incluindo algumas intervenções da terapeuta. Pode dizer-se que existe uma atitude de desespero e desesperança de fundo, que levou mesmo a algumas tentativas para interromper a terapia. A reactância parece progredir por "surtos", frequentemente associados a rupturas na aliança terapêutica.

Estilo de coping

Quadro misto de internalização (negação, minimização, autopunição, repressão... mas acima de tudo, intelectualização, o mecanismo de sobrevivência preferido de Orquídea) e externalização (ambivalência, baixa tolerância à frustração, evitamento, manipulação dos outros, procura de estimulação, culpabilização dos outros e do self, agressão não socializada e, finalmente, acting out).

Ciclos interpessoais disfuncionais

Acreditamos que, como complemento essencial às variáveis já mencionadas para a conceptualização do caso, essencialmente variáveis que pudemos designar de "traço" (cognitivas, comportamentais, do problema e de personalidade), são igualmente necessárias variáveis que contemplem outra dimensão de funcionamento dos pacientes e da interacção destes com o terapeuta — trata-se das variáveis que pudemos designar de "estado".

Um primeiro grupo destas variáveis é o proposto por Safran e colaboradores (Safran & Muran, 1995; Safran & Muran, 2000; Safran & Segai, 1990), nomeadamente os "marcadores e ciclos interpessoais disfuncionais" e as "rupturas" na aliança terapêutica.

No caso de Orquídea foi possível identificar pelo menos dois ciclos ou conflitos interpessoais disfuncionais: o ciclo confiança-desconfiança foi patente na interacção terapêutica, particularmente em torno dos consumos — assumira-se, explícitamente, que a terapeuta não seria uma espécie de detective de eventuais situações de recaída, no entanto, a cliente voltou a consumir e a encobrir esses consumos da terapeuta, manifestando depois a sua decepção pelo facto de ela não a ter desmascarado; o ciclo de dependência-independência é patente na interacção terapêutica em que a cliente, simultaneamente, solicita maior direccionamento por parte da terapeuta, e depois se comporta de forma rebelde não seguindo as suas sugestões, boicotando a agenda das sessões, ou ocultando informação que sabe ser importante.

Marcadores emocionais

Por último, o segundo grupo de variáveis de "estado" baseia-se no trabalho de Greenberg e colaboradores (Greenberg, Rice & Elliot, 1993; Greenberg & Paivio, 1997), contemplando a identificação dos "marcadores emocionais" que parecem capturar os dilemas e dificuldades de processamento cognitivo-emocional do paciente.

Inevitavelmente, e face à história de vida de Orquídea, o trabalho emocional/experiencial, dando atenção sistemática aos marcadores de "vulnerabilidade intensa", mediante uma atitude de validação, afirmação empática e aceitação, centrou-se nos assuntos inacabados, nomeadamente os relativos à mãe, ao pai e ao irmão (figuras obviamente centrais, todas elas, em termos desenvolvimentistas), expressos frequentemente sob a forma de ressentimentos. Alguns destes ressentimentos são descritos com rigor pela cliente em alguns textos que escreveu ao longo do processo terapêutico: o ressentimento pelo abandono da mãe quando decidiu suicidar-se, o ressentimento pelos abraços que o pai não lhe deu, o ressentimento pelo apoio que a família não lhe deu após a morte da mãe, o ressentimento pelo facto de o irmão ter "desistido da vida".

O complexo trabalho de luto acima descrito exigiu ainda alguma intervenção direccionada para a resolução de uma clivagem, que emergiu e foi prontamente identificada logo que se iniciou a intervenção direccionada para a resolução dos "assuntos inacabados". Assim, Orquídea foi exposta desde cedo às avaliações e expectativas negativas dos seus pais, expectativas essas que incidiram quer sobre as crenças a respeito de si mesma (tão depressa sendo vista como extremamente dotada como, no momento seguinte, má e cruel), quer sobre as crenças a respeito dos outros, do mundo e do futuro (o suicídio da mãe e a morte precoce do irmão terão influenciado, inevitavelmente, as suas esperanças em relação ao futuro, e mesmo a sua própria vontade de viver e lutar face a situações de maior adversidade). Os sentimentos de vergonha vivenciados com alguma frequência pela cliente, relativamente aos seus consumos e aos seus comportamentos nesses períodos, constituem um marcador adicional de clivagem.

Implicações da conceptualização do caso para a conceptualização e condução do processo

Seguidamente, passamos a apresentar as implicações dos referenciais utilizados na conceptualização do caso para a conceptualização e condução do processo terapêutico. Na realidade, a "dança" em que consiste o processo terapêutico envolve dois actores principais: o terapeuta e o cliente. O entendimento que se estabelece entre ambos (aliança terapêutica) vai ser responsável por uma parte significativa da harmonia dessa dança (componente artística), contudo a técnica, o treino e a coreografia não podem ser negligenciados. Acreditamos que a psicoterapia é "uma actividade que se pretende eminentemente artística, baseada num conhecimento que se pretende eminentemente científico" (Vasco, 1994). A cada momento, os elementos do par corrigem-se e ajustam-se, umas vezes mais conformes à coreografia, outras mais virados para o improviso, num processo cheio de microdecisões que, parecendo talvez insignificantes no momento, se revelam fundamentais para o efeito final. Na dança, a dimensão "tempo" é fundamental, por isso optámos por descrever os seus momentos principais, mencionando aqui e ali algumas das microdecisões que fomos tomando, sem perder de vista o ingrediente principal: o grau de entendimento dos dançarinos.

Mantendo presente a ideia de que o dado mais robusto de cinquenta anos de investigação em psicoterapia é o de que a qualidade da aliança terapêutica, independentemente da orientação teórica, é o melhor preditor da eficácia das intervenções psicoterapêuticas (Horvath & Symonds, 1991; Horvath & Greenberg, 1994), passamos a descrever as fases mais importantes pelas quais a aliança terapêutica passou ao longo dos três anos de duração da terapia.

A formulação de aliança terapêutica que reúne maior consenso é a proposta por Bordin (1979) — para este autor, a aliança é composta por três elementos, cuja combinação define a qualidade da aliança: (A) acordo relativo a tarefas terapêuticas; (B) acordo relativo a objectivos terapêuticos; e (C) qualidade do laço terapêutico. Apresentamos o ponto de vista de Orquídea sobre cada um deste componentes da aliança terapêutica, ilustrando, desta forma, alguns dos pontos d encontro e desencontro entre terapeuta e cliente.

(A) Dimensão "tarefas": "por vezes pergunto-me a razão de tantos TPC Parec que não têm efeitos visíveis nas sessões mas depois segue-se uma reflexão sobre uma situação em que um TPC foi relevante, nomeadamente pela possibilidade de reler e repensar coisas que foram ditas em sessões em que ainda não faziam muito sentido, mas que depois o adquiriram, ou seja, verifica-se algum grau de acordo relativamente a esta dimensão, entre terapeuta e cliente.

(B) Dimensão "objectivos": o processo de "encaixe" e negociação entre terapeuta e cliente relativamente aos objectivos da terapia fica talvez mais claro pela apresentação de um pequeno exercício de descodificação, que julgamos particularmente heurístico — a terapeuta procedeu a um conjunto de pequena; alterações7 num texto elaborado pela cliente a propósito de um projecto na área d; saúde mental em que se envolveu e que pode ser visto como um; metacomunicação (ou projecção) sobre o processo terapêutico, permitindo ainda tirar algumas conclusões interessantes relativas à "agenda escondida" da Client; para a terapia, bem como às expectativas iniciais da cliente face à terapia e à terapeuta:

Orquídea é um mundo: o mundo interno, o mundo externo, o pai, a mãe, o irmão, oí tios, os primos, os amigos, ex-toxicodependentes ou não, os namorados c ex-namorados, os ex-terapeutas, os colegas de trabalho, a empregada, a senhora do café (alguns dos quais tantas vezes esquecidos mas sem os quais nada funciona). Para além deste mundo imediato, encontram-se as famílias destas pessoas. Um pouco mais longe, encontram-se as pessoas que poderão vir a necessitar de Orquídea e as que nunca necessitarão nem entrarão em contacto com ela, mas a quem a saúde mental interessa.8

O apoio constante da terapeuta ser-me-á fundamental, pelo menos numa primeira fase, especialmente pela minha experiência em saúde mental ser nula. (...) as alterações a introduzir deverão ser progressivas e as suas motivações explicitadas, tendo sempre em atenção o meu feedback. Também aí o papel da terapeuta será fundamental...

Ainda que tal possa ir contra os objectivos terapêuticos, atrevo-me a interrogar-me sobre a democraticidade total de um processo como a terapia, neste caso.

Chegar às outras pessoas, "emocionalmente danificadas" como eu (serão elas também clientes em potência?), podendo depois alargar o âmbito aos outros e às suas famílias. Alargamento progressivo e em "espiral" tendo sempre em conta que as pessoas se interessam por aquilo que lhes diz respeito e compreendem ou querem compreender.

A saúde mental interessa-lhes? Se sim, possibilidade de trabalhar as seguintes questões nas sessões:

— actividades que posso desenvolver que ajudem a minha reabilitação e completem a minha formação (será que estou bem informada sobre a multiplicidade de actividades desenvolvidas? Terei necessidade de partilhar as experiências vividas?9

— conteúdos (possibilidade: em cada sessão, de escolher uma das diversas actividades e/ou um conteúdo, opinião de quem me conhece — podem dá-la incógnitos, se o desejarem — e de ex-toxicodependentes.

— sessões (e porque não? É uma situação de emergência) — as sessões funcionam?

— experiências pessoais ("antes", "durante", "depois", sendo que o durante pode ser uma crise, um internamento, uma sessão terapêutica, um facto especialmente relevante da minha vida, etc.)

Informações de carácter mais técnico (mas em linguagem acessível) sobre saúde mental

— o que é a depressão, a esquizofrenia, a toxicodependência (e eventualmente outros problemas menos graves);10 o que se pode fazer perante os sintomas/as crises; o que é a terapia; as actividades; alternativas de vida; a família; os amigos; as ajudas existentes em termos de apoio psicológico/psiquiátrico e de formação profissional (possibilidade: um texto escrito com informações sobre estas questões, criar uma dinâmica externa — possibilidades de colaboração mais alargada. O problema de o grupo de amigos ser flutuante poderia ser ultrapassado caso se motivassem suficientes pessoas para haver um número de colaboradores que possibilitasse um bom afluxo de apoios.11

Em minha opinião (de leiga, saliente-se), a saúde mental interessa às pessoas em geral. Há uma assustadora falta de informação e, quando a há, a abordagem nem sempre é feita da melhor forma (preconceitos contra os doentes mentais, as instituições psiquiátricas e a doença mental em si). Mas, se em termos de saúde mental há certamente muitas coisas a melhorar, já houve avanços, há muito trabalho realizado, e há saídas (= mensagem que poderá ter repercussões positivas em mim mesma, na minha família e nas outras pessoas à minha volta). Preciso sair do gueto (leia-se: dê-me esperança).

Importância de se estabelecer um objectivo temporal (ainda que possa haver atrasos). Tal tornaria mais fácil a escolha e o planeamento dos conteúdos (...). Seria ainda possível preparar conteúdos para sessões muito posteriores. Eliminaria o efeito de inércia que surge sempre naturalmente quando não há alvos temporais.

(...) julgo que, para as pessoas em geral, quando se fala em toxicodependência, a única imagem que surge é a de doentes a pedirem dinheiro ou cigarros nos semáforos. Grades e paredes brancas. Coletes de forças e esvaziamento do eu. Que tal mudar essa opinião?

Ainda que a cliente frequentemente confunda os objectivos com as estratégias para lá chegar, a verdade é que as suas sugestões não são de menosprezar. Este texto serviu para aferir, com a cliente, os objectivos para o processo, estabelecendo-se um acordo mutuamente informado, como poderá ser visível através da explicitação de alguns objectivos parcelares em vários pontos do presente artigo — e.g., constituir uma rede de suporte interpessoal que sustente as mudanças comportamentais; informar a cliente sobre a sua patologia para que activamente se possa envolver na sua própria recuperação de forma responsável; discriminar as emoções primárias de forma a "preencher" o self; confrontar os preconceitos a respeito de si mesma da sua patologia, preconceitos esses que a encerram num "gueto".

(C) Dimensão "laço": quer nas fases iniciais da terapia (estabelecimento d confiança), quer posteriormente, após a interrupção do processo por um período de seis meses, esta dimensão da aliança terapêutica foi, talvez, a mais saliente constituindo-se como um apoio indispensável para o doloroso (mas inevitável trabalho experiencial (e, sobretudo, interpessoal) realizado. Como veremos, esta dimensão foi também frequentemente explicitada, quer pela terapeuta, quer pela cliente.

Passamos, finalmente, à explicitação do modo como a sequencialização da fases inerentes aos diferentes objectivos estratégicos do processo auxilia terapeuta na tomada de decisões clínicas, tendo como base as variáveis utilizada na conceptualização do caso.

Sequencialização Interventiva

Construção da confiança no terapeuta e no processo terapêutico

Consideramos que o objectivo central desta fase inicial do processo é o da construção de uma relação de colaboração e de confiança no terapeuta e no processo terapêutico, bem como o da instauração ou restauração da esperança (Frank & Frank 1991). Para além deste objectivo central, e particularmente nos casos de perturbação borderline, é essencial auxiliar o cliente a começar a empreender acções repara doras no sentido da regulação da sua vida quotidiana (e.g., hábitos de sono e alimentares; controlo de impulsos; regulação de consumos excessivos; aumento da tolerância ao stress; eficácia interpessoal e regulação emocional) (Linehan, 1993).

Marsha Linehan (1993), proponente do modelo de "terapia comportamenta dialéctica", até ao momento o modelo que a investigação mostrou ser mais eficaz na perturbação borderline da personalidade, defende que, com este tipo de clientes caso o terapeuta entre excessivamente cedo num registo interventivo da "processamento emocional de experiências traumáticas passadas" ou de "confronto cognitivo", pode comunicar a mesma mensagem de rejeição que c cliente tem recebido durante toda a sua vida. Deste modo, a autora defende que este tipo de intervenções deve ser precedido por um longo período de aceitação validação e empatia, que deve ser mantido durante todo o processo. Só após c estabelecimento de uma forte aliança terapêutica (particularmente o componente "laço"), quando o paciente se sinta genuinamente aceite, é que estará receptivo ao reprocessamento emocional e a intervenções cognitivo-comportamentais mais confrontantes (Vasco, 1997).

Regressando ao conceito de aliança terapêutica, e recordando o comportamento da cliente na primeira sessão, não deixa de ser curioso como, ao procurar seduzir a terapeuta (que geralmente não trabalha com clientes que apresentem "comportamentos aditivos"), começando pela sua história de vida e não pela história dos seus consumos, Orquídea acabou por contribuir activa e inteligentemente para o estabelecimento de uma forte empatia (componente "laço" da aliança terapêutica) que, (descontando alguma instrumentalidade) tomou possível o trabalho que se seguiu. As palavras da cliente traduzem talvez melhor o passo seguinte, o passo da "resposta" da terapeuta:

depois, um dia, abraçou-me. Durante muito tempo. Com muita força. Desconfiei. Mas, afinal, o que é que ela quer? Está só a fazer o trabalho dela? (Oh!, horror e maldição, tenho de ter alguém a trabalhar-me!) Está a tentar dizer-me que me apoia, a transmitir-me força? É preciso ser assim? (...) Esmaga-me pensar que foi assim que a Isabel conseguiu romper algumas das minhas defesas.

As condições para que o laço/base se estabelecesse estavam criadas. Os primeiros tempos da terapia foram dedicados a identificar as razões para o consumo e as protecções "contra" o mesmo, numa fase em que a cliente se encontrava em terapia agonista (Antaxone). Como teremos oportunidade de ver, as razões para o consumo foram, nesta fase, muito difíceis de identificar e as protecções foram sobretudo exteriores à cliente.

A severidade do problema justificou algumas decisões clínicas importantes, nomeadamente a continuação do acompanhamento psiquiátrico e psicofarmaco-lógico. Sendo o grau de activação emocional baixo no início do processo terapêutico, a terapeuta começou por aferir as expectativas da cliente relativamente à terapia, nomeadamente ao esclarecer que o processo não seria breve e que o trabalho de luto, face à história da cliente, se previa difícil e demorado, o que, credibilizando embora o processo, causou, secundariamente, um aumento do desconforto na cliente — "a primeira coisa importante que me disse foi que ia doer como o caraças. O que li: fazer a psicoterapia, não tanto desagarrar-me". Este trabalho revelou-se fundamental na "construção da confiança no terapeuta e no processo terapêutico".

Neste período, em que a reactância era menor, a terapeuta assumiu uma postura mais directiva, claramente preferida pela cliente, e muitas vezes solicitada em fases posteriores do processo.

Tendo em atenção as considerações anteriormente feitas relativamente à necessidade de auxiliar a cliente a empreender acções reparadoras no sentido da regulação da sua vida quotidiana, a terapeuta deu preferência, nesta fase inicial: (1) à reconstrução de alguns hábitos de vivência quotidiana (nomeadamente, hábitos de trabalho, que tiveram como consequência a finalização da licenciatura da cliente); (2) ao trabalho relacional em tomo da relação amorosa que Orquídea mantinha com um indivíduo também ex-toxicodependente, trabalho que se saldou pelo término dessa relação; (3) a algum trabalho na área da prevenção da recaída e redução do dano (Marlatt, 1998; Marlatt & Gordon, 1985; Marlatt & Gordon, 1998);

(4) ao apoio na participação num projecto, em regime de voluntariado, na área da saúde mental, em que Orquídea se envolveu e que permitiu progredir na área do treino assertivo e da gestão de conflitos; (5) ao controlo dos impulsos, quer na área interpessoal (e.g., expressão da raiva), quer na área dos consumos; (6) ao treino de competências, nomedamente na área da assertividade, trabalho que foi retomado, num nível de maior profundidade, logo que as rupturas que ocorreram posteriormente na aliança terapêutica "sararam" o suficiente para o permitir.

Vemos, assim, que a confiança se constrói não só em função de estratégias interpessoais, mas também mediante o alinhar de expectativas entre terapeuta e cliente e a regulação de aspectos importantes da vida deste.

Curiosamente, nesta fase, e num gesto que só podemos considerar simbólico, a cliente adoptou um animal (fêmea) que se encontrava abandonado e maltratado na sua rua. Fê-lo depois de muitas hesitações, a pedido de alguém que o tinha recolhido temporariamente e contra a garantia de outro alguém de que poderia acolhê-lo nos períodos de férias, deste modo aligeirando o seu compromisso.

Atribuição de significado às experiências do cliente

Nesta segunda fase do processo terapêutico, os principais objectivos estratégicos são os de aumentar a consciência do cliente para a sua experiência comportamental, cognitiva, emocional e interpessoal, bem como para as relações entre estes diferentes elementos da experiência e o significado das mesmas. Contudo, grande relevância continua a ser dada ao componente de "laço" da aliança terapêutica, ainda que este se estabeleça mais como "fundo" gestáltico, enquanto se começam a desenvolver as grandes linhas de trabalho (tarefas) como "figura" (Gonçalves & Vasco, 1997).

No caso concreto de Orquídea: (a) reconstrução da sua história de vida (recorrendo às metodologias do questionamento, da elaboração e da análise de álbuns de família); (b) algum trabalho de tipo experiencial, com o objectivo de iniciar a consciência dos "assuntos inacabados" relativamente aos elementos da família nuclear; (c) identificaram-se ainda algumas áreas de trabalho/conteúdos que pareceram relevantes, mas acabaram por ser muito incipientemente trabalhados, nomeadamente os que se relacionam com abortos realizados pela cliente e os que se prendem com algumas relações de amizade.

A conceptualização do caso, apresentada na figura 1, revelou-se muito útil, quer como guia de acção para o terapeuta, quer como instrumento de trabalho com a cliente. Assim, e sobretudo no período da terapia anterior à licença de parto, fez-se um trabalho intenso de identificação de situações de vulnerabilidade, procurando-se estabelecer relações entre essas situações e as estratégias compensatórias correspondentes, deste modo justificando a necessidade de treinar estratégias alternativas para lidar com a dor e o sofrimento. Contudo, Orquídea resistiu sempre a descodificar a ligação entre as estratégias compensatórias (e.g., consumo de drogas) e as situações de vulnerabilidade (e.g., abandonos). Infeliz, mas talvez inevitavelmente, essa ligação tomou-se, no entanto, óbvia após a licença de parto da terapeuta, permitindo um trabalho de maior profundidade (interpessoal e experiencial).

Um acontecimento que tem surgido ao longo deste artigo como um importante ponto de viragem no processo terapêutico — a gravidez e posterior licença de parto da terapeuta — sendo embora ditado pelo "acaso", acabou por se revelar de grande "utilidade" terapêutica. Assim, e sabendo que "uma licença prolongada é inevitavelmente disruptiva e dolorosa para o cliente, já que é baseada exclusivamente nas necessidades do terapeuta, e não nas necessidades do cliente" (Sarnat, 1991), a terapeuta procurou referenciar Orquídea para um colega, especializado em toxicodependência, uma vez que se antecipava (face ao diagnóstico) que o maior risco durante o período de interrupção seria o de uma recaída precisamente nessa área.

Esta opção, "comunicando à cliente o reconhecimento das suas necessidades de dependência e a consciência do quanto a interrupção poderia ser disruptiva" (Sarnat, 1991), encontrou no entanto resistências muito grandes:

Como prémio de consolação (e para ela, um belo apaziguador de consciência), arranjou um placebo. Um placebo de qualidade, claro. Da máxima confiança e muy competente. Ah, e saliente-se, especializado em agarradinhos. Seria ele diferente daqueles outros que conheci, que não me aqueceram nem arrefeceram antes pelo contrário? (...) Todos os clientes dela tiveram o seu processo terapêutico interrompido e certamente que para muitos foi tão penoso como para mim o foi. Se ela pudesse abrir excepções.12 Seja como for, o meu processo viu-se interrompido exactamente quando estava numa fase delicada, quando, no horizonte próximo, se avizinhavam nuvens de tempestade, coisas ainda mais delicadas que iriam mexer em coisas tão, tão fundas. Como se poderá então sugerir, com toda a seriedade, com toda a candura do mundo, um substituto? (...).

Orquídea nunca recorreu a este terapeuta de substituição. Os resultados desta "opção", infelizmente, é que foram pouco menos do que trágicos: o facto de a terapeuta ter uma vida própria, separada, privada, e em que não havia lugar para aquela cliente, levou a uma interrupção prematura e contraindicada da terapia agonista e a um regresso "em toda a linha" aos consumos.

Ainda no período da gravidez, e como actividade preparatória para a interrupção que se previa para breve, foi possível trabalhar algumas das questões que estão bem descritas na literatura como emergentes nesta fase: sentimentos genuinamente temos em relação à terapeuta, identificação com o bébé, mas também aumento da dependência, da negação e da resistência (Guy, Guy & Liaboe, 1986, citado em Guy, 1987); aumento da transferência maternal, questões de identidade sexual e também inveja da terapeuta como uma pessoa fértil e como mãe (Nadelson et al, 1974, citado em Guy, 1987). No entanto, durante o período de interrupção da terapia, o que mais se salientou foi o aparecimento de mecanismos de defesa, tais como o isolamento do afecto, a negação, o comportamento auto-destrutivo e (sobretudo no caso de Orquídea) o acting out (Ashway, 1984, citado em Guy, 1987). Lax (1969, citado em Guy, 1987) afirma que as clientes do sexo feminino são, precisamente, as mais susceptíveis (por ocasião da gravidez da terapeuta) àquilo que designa por "tempestades transferenciais" (Guy, 1987).

A opção fora feita, havia que "ficar" na situação e trabalhar, independentemente das consequências, assim a cliente permanecesse na terapia para permitir esse trabalho... Na verdade, este tipo de interrupção, caso possa ser gerida por alguém que apresente uma hipersensibilidade ao abandono, pode constituir "uma oportunidade para encorajar o desenvolvimento do cliente no sentido de relações objectais mais integradas e de um reconhecimento da separação" (Sarnat, 1991). Uma vez mais, Orquídea tem uma noção bastante precisa disso mesmo:

Uma parte muito consciente de mim, muito solar, não sente qualquer mágoa em relação à Isabel. Dá-lhe toda a razão, fez bem, eu faria o mesmo, os bebés precisam de estar com as mães o máximo de tempo possível (...) Algures, o elo quebrou-se. Aquele elo indizível, invisível e omnipresente. Nada é intocável, nada é inquebrável. Tudo se transforma. Note-se que, se não fosse a Isabel a chamar-me a atenção, eu jamais reconheceria nesta raiva surda a mágoa do abandono. Jamais reconheceria que, lá bem no fundo, acho que ela não tinha o direito de fazer o que fez. Se não fosse a Isabel a chamar-me a atenção, guardaria esta raiva sem saber dar-lhe um nome, calaria esta incapacidade de confiar nela, de me confiar a ela.

Em resumo, usando como pretexto os acontecimentos actuais da relação terapeuta-cliente, foi possível criar um enquadramento passível de facilitar a atribuição de um sentido às experiências passadas da cliente, nomeadamente às experiências de abandono, tornando também mais acessível a multidimensionalidade das reacções emocionais consequentes às situações de abandono. Este trabalho permitiu criar as fundações para a compreensão e aceitação da quota-parte de responsabilidade da cliente nos seus sintomas e situações de vida.

Voltando ao conceito de aliança terapêutica, e mais especificamente à dimensão "laço", recordemos alguns dos passos que marcaram a sua "construção", e que de algum modo, ao poderem ser "falados" aberta e explicitamente na terapia, permitem atribuir um sentido à experiência da cliente, sentido esse tanto mais rico porque simbolizado no aqui-e-agora terapêutico. Comecemos, pois, pelo estabelecimento do vínculo "positivo":

Neste momento começa a tornar-se-me mais claro o que é a terapia. Não em termos técnicos, obviamente, que disso não percebo eu nada. Mas em termos do que é a minha relação com a terapia e, consequentemente, com a minha terapeuta. (...) Uma relação unívoca. Necessariamente. À medida que o tempo foi avançando, sentia-me mais e mais livre de dizer aquilo que me apetecia nas sessões. Por exemplo, falar horrores do meu pai sem a Isabel se chocar, ao contrário dos meus amigos ou familiares, que ficam compreensivelmente arrepiados. Mas a minha vez de me arrepiar chegava quando ela me abraçava com força e sinceridade e eu gostava. Aquilo chocava com a minha ideia de univocidade. Havia uma fronteira terapia-amizade vaga e indistinta que, por mais esforços que fizesse, não conseguia delimitar. (...) Mas há que separar as águas.

Chegou o tempo de separar as águas. Tanto mais que nenhum amigo meu deixaria de estar comigo por ter tido um filho ou quejandos. Tanto mais que qualquer amigo meu, mais cedo ou mais tarde, acaba por me abandonar ao ver-me empozinada todos os dias. Tenho tido a nítida sensação que, nos difíceis tempos que passei, tudo teria corrido de modo bem diferente se pudesse estar com ela. Daí vai um passo para assumir que há bem no fundo de mim uma perturbação (mais chata do que eu julgava, ou queria), que há algo que não funciona, ou funciona mal, que ando perdida de mim. (...). É uma relação íntima mas não pessoal. Unívoca, dizem eles todos pomposos. OK, pronto, estou a fazer terapia, ou melhor, preciso de fazer terapia. Como diz o povo, cada macaco no seu galho. E esta é a árvore da terapia.

Passando pelas rupturas...

Não estou a gostar de ir à Isabel. Não adianta nem atrasa. É preciso ir mais além, mas por onde começar, por que ponta do emaranhado de novelos pegar, e depois quantos novelos fazer e como?

Está disposta a ir comigo até onde for preciso, diz ela. Claro, eu sei que sou eu que tenho de rasgar. (...)

Estou cansada, estou triste, não me apetece. Não me apeteço. Sempre este desespero manso. Esta falta de tesão pela vida. O que de facto pode ela fazer? É impotente, não é cirurgiã nem radiologista nem sequer farmacêutica — é que também não há pílulas para a vontade de viver. Para piorar as coisas, parece já pouco haver para dizer. (...)

Depois, da última vez que estive com ela, os silêncios foram muitos, muito longos. Eu em desespero absoluto. Nem eu sei porquê, só esta sem-razão. Repetir-lhe outra vez o que ela já sabe? O que eu já sei? Para ouvir as mesmas respostas?

Mas porquê o silêncio dela? Também não sabe o que dizer sem se repetir? Queria tanto que ela tivesse dito algo de novo. Que me surpreendesse. Que me espantasse. Que me magoasse até.13

Mas vai-me dizendo umas coisas para me animar. Tão-somente. E agora começaram a soar-me a oco, a falso. (...) E a tal frase que tantas vezes repetia. Sempre me pareceram demasiadas vezes. Até parecia que se estava a convencer a si mesma. A convencer-me sem dúvida. Gosto muito de si. Nunca foi capaz de dizer não gosto disto em si.14

E terminado na reparação dessas rupturas...

Voltei ao pó (...) Já fui duas vezes à Isabel e não lhe disse nada. Perturbante, hoje estava em pó e não deu por nada.15

"A Isabel às vezes tem intervenções pouco menos que desastrosas. Poderei, no momento, ficar irritada (até mesmo furiosa, como se deve lembrar), mas não deixa de ser agradável. Há a sensação de um empenho que vem do coração, que não é só cabeça, e por isso mesmo tem falhas. Um calor, um afecto que não é matemático, que não é perfeito. O que dá um certo toque pessoal à tal relação que não o é.

(...) E depois não se fecha, não se escuda atrás da sua posição.

Acreditamos ser a gestão adequada dos objectivos e tarefas terapêuticas, adentro de um laço terapêutico caracterizado por empatia e autenticidade, bem como a reparação das micro (e.g., desacordos pontuais relativos a objectivo e relevância de tarefas) e macro-rupturas (Safran & Muran, 2000) (e.g., a licença de parto) na aliança terapêutica, que inevitavelmente vão surgindo ao longo do processo, que permitem conduzir a terapia a "bom porto".

Compreensão e aceitação de responsabilidade (ou co-responsabilidade) pelos sintomas e situações de vida

Nesta terceira fase, pretende-se, essencialmente, que o cliente ganhe consciência do modo como contribui ou co-contribui para a construção e manutenção das suas experiências, tanto adaptativas como não adaptativas e, consequentemente, da capacidade que tem para a sua modificação.

Como consequência do trabalho "de atribuição de significado às experiências", os consumos são reinterpretados como uma "saída" encontrada pela cliente para conseguir defender-se da intrusão, no seu quotidiano, de memórias e acontecimentos (nomeadamente, abandonos) demasiadamente dolorosos para suportar (a própria terapia, em certas fases, pode ser uma dessas "intrusões"). No entanto, e por um "estranho fenómeno", a cliente tende a perder o contacto com esse sofrimento e usa posteriormente o consumo para se desqualificar (e, "naturalmente" também a todos os que, como ela, consomem), o que conduz a sentimentos de culpabilidade e pena de si mesma. Estes sentimentos geram depressão e, por sua vez, necessitam de ser "neutralizados" com novos consumos. Paradoxalmente, sente-se unida, no seu sofrimento, com todos aqueles que vivem na pior das misérias e a quem, noutras ocasiões, fere com o mais real preconceito.

Recorremos às suas palavras para ilustrar esta ambiguidade que nos parece central.

O pó é bom. Já se sabe, claro. Eu vou ter com ele, ele afasta-me de mim. Eu dou-lhe a dor, ele dá-me o esquecimento. (...) Talvez o pó também me dê razões, fortes e boas, para me desqualificar. Faço-o. Ou sinto-me capaz de o fazer. E aponto-o como a coisa mais ignóbil e cobarde que fazer se pode. Assim não tenho só que lutar por mim. Nem sequer contra mim. Invento um inimigo e por ele luto contra mim. Ou contra ele ponho luto por mim?

Mas o desamparo e a fragilidade são tão humanos. Olha para ti. Para os teus irmãos. Lanças pedras a quem? E, por caminhos muito, muito ínvios, numa solidariedade que salta de um abismo para outro abismo, vou até lá outra vez. Encontrei o paraíso que os cristãos inventaram: a mão com que me fustigo é a mão com que me afago.

E, finalmente, numa auto-avaliação simultaneamente demasiado rigorosa e excessivamente benevolente, Orquídea remata: "pois é, meas culpas. E boas desculpas".

Surge igualmente o reconhecimento de que os consumos, sendo embora multideterminados, servem também funções comunicacionais em relações interpessoais significativas (veja-se o que a cliente diz sobre a relação entre o pai e os consumos), nomeadamente na relação com a terapeuta:

e sinto que estou novamente a usar o pó como vingança. Desta vez contra a Isabel. Entre diversíssimas outras utilidades, obviamente. Se fosse esta a única, era tudo muito mais fácil. Por vezes, apraz-me magoar gratuitamente a Isabel. Sempre me aprouve magoar gratuitamente os outros. Gratuitamente? É sempre a palavra que me ocorre quando penso nesta forma que tenho, que me é tão própria, de ferir os demais. Mas está longe, muito longe de ser gratuito. Se faço os outros pagarem uma factura muito alta, a que me obrigo a pagar não é inferior. Algures, não sei bem onde, há um limiar e ai de quem lá toque. Dá-se (dou) início a um processo em cadeia. Como uma reacção auto-imune. Uma alergia. E vou tocando cordas, experimentando onde é que dói mais. E vou fazendo coisas mais e mais graves. Até a pessoa rebentar.

Parece-nos óbvio que já existe um elevado nível de responsabilidade pessoal neste insight.

O trabalho da responsabilização deverá também estender-se quer à actividade profissional, quer às relações interpessoais da cliente, que se pautam, uma e outras, pela dificuldade de Orquídea em persistir, sobretudo em situações de maior adversidade. Neste aspecto, parece-nos que os consumos são essencialmente álibi para não assumir responsabilidades e a sua continuidade um factor de diminuição das suas capacidades, que profissionais, quer de relacionamento interpessoal. O próximo passo consistirá numa espécie de recuo ao início do processo terapêutico; a cliente assume um compromisso (perante si própria, a terapeuta e alguns familiares mais próximos) de não consumo e de persistência nas actividades, com a complementar elaboração de uma listagem das possíveis sabotagens a este compromisso e das medidas a tomar caso as sabotagens ocorram, com a diferença (fundamental) de que os esquemas internos e interpessoais que conduzem ao e mantêm o consumo estão identificados.

No entanto, um "nó" que é preciso "desamarrar" previamente é o "nó" clássico, o "nó da existência", uma vez que uma parte do trabalho feito com Orquídea e tendente à sua responsabilização (e.g., relativamente aos consumos) permitiu perceber que o seu compromisso com a vida é muito ténue:

E fumo. No carro. Fumar no carro. Para fazer de conta que a minha casa não existe. Que eu não habito nela nem ela em mim. Sem raízes. Rodas que levam a lado nenhum. E como parar de existir sem me matar, ou ainda:

sinto-me só, horrivelmente só; parar de existir é uma ideia doce, tranquila, transmite-me paz. No entanto, o suicídio é algo que me horroriza. Exactamente porque não é tranquilo, doce, apaziguador. Recuso-me a cometer tamanha violência.

Nesta fase, e porque a cliente retomou os consumos, nomeadamente de heroína, permitindo-se entrar em contacto com emoções e memórias negativas bastante dolorosas, implementaram-se algumas estratégias de desactivação emocional. A principal estratégia foi, aliás, implementada espontaneamente pela cliente, consistindo na elaboração de uma espécie de "diário emocional errático", onde passou a anotar alguns acontecimentos (internos e externos) disruptivos do ponto de vista emocional, tendo como objectivo o processamento posterior desses mesmos acontecimentos em terapia.

Este diário, iniciado precisamente após a licença de parto da terapeuta, veio a tornar-se progressivamente mais relevante, desempenhando um papel central no processo terapêutico, nomeadamente na "atribuição de sentido às suas experiências e condições de vida" e na "compreensão e aceitação de responsabilidade (ou co-responsabilidade) pelos problemas e situações de vida".

Ainda numa lógica de redução do desconforto motivacional, interrompeu-se o trabalho que se tinha iniciado de exploração de fotografias de família, uma vez que este provou ser excessivamente disruptivo para a cliente, pelo menos nesta fase da terapia:

a Isabel pediu-me para lhe levar álbuns de infância. Não os trabalhámos muito, acho que tenho boicotado um tanto esse mergulho num inocente mundo que adivinho prestes a perder a sua inocência (...) Nas fotos, não há quaisquer indícios de ter sido abandonada. Os meus pais estavam ali, bem presentes, dadivosos. Exigentes também, e porque não?

O uso dos "álbuns de família" com esta cliente pareceu relevante para o trabalho clínico, nomeadamente com o objectivo de promover a "atribuição de significado às experiências da cliente", uma vez que permitiu "o reviver de experiências e conflitos, por evocação dos mesmos, com a consequente identificação e processamento emocional" (Butler, 1963, citado por Anderson & Malloy, 1976). No entanto, constatou-se que este tipo de trabalho poderia estar a reforçar a motivação para consumir, tendo sido interrompido, por se entender ser mais adequado, nesta fase, o retorno à validação e afirmação empáticas do que a exploração e activação emocionais (Greenberg & Paivio, 1997; Kennedy-Moore & Watson, 1999; Wiser & Arnow, 2001):

(com o pó, mergulho fundo naquele mar de todos os pesadelos, naquele mar esponjoso e fundo, mas tenho sempre um escafandro, posso suportar a dor, nada me toca. Com o pó descentro-me, concentro-me, remexo, repiso, revolvo. Ando às voltas e daqui não saio, quem me tirará daqui?).

Uma interpretação alternativa é a de que, sem o "auxiliar" dos consumos, nunca este trabalho de processamento emocional seria possível, contudo o "remédio" deverá ser usado com moderação, dado a dose "curativa" poder ser muito próxima da dose "letal".

Dada a gravidade dos sintomas da cliente nesta fase, foi proposta (e aceite) a realização de um internamento, que durou uma semana.

De igual modo, nesta fase, a reactância foi maior, e em consequência disso, a terapeuta assumiu uma postura mais exploratória (Vasco, 1999), acompanhando o ritmo que a própria cliente foi imprimindo, nomeadamente nos seus diários. Prescreveu-se, ainda, a possibilidade de "não mudança". Ao fazê-lo, a terapeuta trabalhou um pouco no "fio da navalha", na medida em que não pôde inocular à cliente a esperança de que esta tanto necessitava. Contudo, trabalhar em plena crise com objectivos de mudança que dificilmente pareciam alcançáveis no curto prazo parecia uma pior opção.

Como se pode verificar, e ainda que a cliente revelasse já alguma tendência para a internalização como estratégia de coping (nomeadamente através da tendência para a intelectualização), muito do trabalho pós-licença de parto consistiu na promoção do insight e da responsabilização pessoal.

Como já foi salientado, o estabelecimento e manutenção de uma aliança terapêutica colaborativa com clientes com perturbação borderline da personalidade é uma tarefa complexa, e a Orquídea não foi excepção. Infelizmente (ou felizmente) muitos dos problemas dos pacientes com este tipo de perturbação prendem-se com as relações interpessoais, e são agidos na relação com o terapeuta, tal como se verificam no meio ecológico natural do paciente. Tal facto, ainda que de difícil manuseamento, proporciona ao terapeuta a oportunidade de identificar, observar e participar momento a momento, agindo de modo a proporcionar ao cliente "experiências emocionais correctivas", identificando para si e para o paciente as crenças que lhe estão associadas, bem como as situações de vulnerabilidade interpessoal que as activam e as estratégias compensatórias utilizadas.

A licença de parto da terapeuta, sentida como um abandono pela cliente, eli-ciou um conjunto de respostas emocionais bastante intensas (previsíveis até certo ponto, devido às características borderline da paciente), que facilitaram a identificação de, pelo menos, dois ciclos interpessoais disfuncionais. Como foi referido anteriormente, os ciclos de confiança-desconfiança e de dependência-independência. No que se refere ao primeiro ciclo, o trabalho começou ainda antes da licença de parto, quando Orquídea questionou a sua dependência relativamente à terapia. Nessa fase, a noção de dependência foi redefinida, mais globalmente, como de "interdependência", e validada como necessária no próprio processo de crescer, quer no âmbito do desenvolvimento da criança, quer no âmbito da terapia. Existe um texto que a cliente reescreveu ao longo da terapia ("As couves") que, de certo modo, ilustra este trabalho, sobretudo se confrontarmos as diferentes versões, que traduzem uma progressiva aceitação da necessidade/inevitabilidade de depender:

1.a versão: Uma couve limita-se a ser com terra e água e a sucessão dos dias e das noites. (...) A uma couve não será muito difícil chegar a um estado próximo da felicidade. (...) Uma couve não depende de mais nenhuma outra couve (...) é reconfortante e incómodo saber que um dos principais factores que distanciam humanos e couves é essa tal dependência. (...) Quão duro é admitir que precisamos dos outros humanos, de alguns outros humanos, como de luz para a nossa fotossíntese. Quão duro é admitir que os outros humanos, alguns outros humanos, são o húmus das nossas raízes, a água da nossa seiva, o ar do nosso espelho.

2.a versão:16 é reconfortante e incómodo saber que um dos principais factores que distanciam humanos e couves é exactamente essa tal independência. (...) Quão duro é admitir que preciso dos outros humanos, de alguns outros humanos, como de luz para a minha fotossíntese. Quão duro é admitir que os outros humanos, alguns outros humanos, são o húmus das minhas raízes, a água da minha seiva, o ar do meu espelho. O problema é que não consigo decidir-me se uma vida de couve é mortalmente confortável ou dolorosamente aborrecida.17

Após a licença de parto da terapeuta, a identificação deste ciclo interpessoal disfuncional tornou-se mais óbvia, permitindo um trabalho clínico de maior profundidade. Na realidade, o ciclo só se fecha quando a cliente espera (emocional, inconsciente e não explicitamente) algo — que traduz um profundo desejo de dependência.18 Simultânea e previamente expressa a um nível consciente, racional e explícito, a sua concordância com uma postura de maior autonomia — o desfasamento entre o que ocorre ao nível do implícito/inconsciente e ao nível do explícito/consciente torna-se evidente quando a cliente se mostra decepcionada, surpreendida e zangada quando, na terapia como na vida real, ocorre o que tinha sido prévia e explicitamente acordado e não o que satisfaria o seu (secretíssimo) desejo de dependência. A terceira versão do texto "As couves" expressa, precisamente, algum entendimento desta realidade:

3.a versão:19 (quão duro é admitir que preciso dos outros humanos...) Tão duro que muitas vezes me zango com esses humanos. E quanto mais deles dependo mais me zango. E quanto mais os amo mais os odeio.

Em forma de conclusão, recorde-se o que anteriormente dissemos a respeito da noção de "confiança", por referência ao modelo proposto por Freeman e colaboradores (1990): existe um pensamento dicotômico que "obriga" a ser totalmente dependente ou totalmente independente do outro, sem pontos de equilíbrio intermédio, o que resulta num "beco sem saída". Esta referência parece-nos ainda mais significativa, na medida em que "confiança" e "dependência" estão intimamente relacionadas.

Empreender de acções (interiores e exteriores) tendentes à reparação e funcionamento adaptativo

O objectivo essencial desta fase é o de o cliente iniciar e/ou consolidar o recurso a acções (interiores e exteriores) que permitam lidar mais adequadamente com os seus problemas. Exemplos típicos são os da utilização de formas diferentes de interpretar e gerir situações problemáticas, o recurso a estratégias de coping para lidar com sintomas comportamentais e activação fisiológica e a concretização de novas formas de relacionamento interpessoal.

A aprendizagem e implementação de algumas acções reparadoras já se verificou. Um bom exemplo deste tipo de acções consiste na elaboração de listas de alternativas para lidar com situações de emocionalidade negativa. Curiosamente, foi Orquídea que, no início da terapia, elaborou uma extensa lista de "actividades de protecção", da qual gostaríamos de extrair alguns exemplos:

abrir a janela/ir para a esplanada e ler; tomar um banho relaxante e ouvir música; ir ter e Estar com as pessoas; ir até à praia, mergulhar os pensamentos no mar, sentir o vento e o sol na pele (se necessário for, sozinha, de preferência com Alguém); ir "pastar", perder-me na floresta misteriosa, olhar para a força das coisas que vivem, fechar os olhos e cheirar e ouvir, tocar o musgo e a casca das árvores, molhar os pés numa corrente fria; não ter medo de redescobrir o prazer de escrever. Mesmo que os escritos não tenham qualidade. Rígidos e pouco subtis. São meus. Sou eu; abrir as portas do coração e não ter pena de mim; ter pensamentos amáveis (inclui gostar de mim) e não me permitir perder o contacto com a realidade.

E ainda Orquídea que estabelece a comparação entre este tipo de estratégias de coping, sobretudo as que envolvem maior intimidade entre pessoas, e as estratégias que passam, nomeadamente, pelo consumo de substâncias e que resultam claramente ineficazes:

o pó é como uma manta muito curta, que ora te acalenta os ombros e te deixa os pés gelados, ora te gela os ombros e te aquece os pés — apenas te resta enrolares-te como um feto e respirares o ar da bolha à tua volta.

Apesar de, ao longo do processo, já terem sido treinadas algumas competências de comunicação assertiva e de gestão de conflitos interpessoais, consideramos, como condição para um maior desenvolvimento e cimentação de mudanças de carácter estrutural que permitam à cliente "ser e agir" de formas mais gratificantes e adaptativas, ser ainda necessário: (a) continuar a explicitação dos principais ciclos interpessoais disfuncionais em que a cliente se envolve, bem como relacioná-los com as crenças que lhes estão subjacentes, encontrando alternativas; este trabalho deve ser cimentado no contexto da relação terapêutica, com o objectivo de generalização a outras relações; (b) desenvolver significativo trabalho experiencial de "cadeira vazia", para trabalhar os assuntos inacabados que identificámos anteriormente, de forma a poder chegar à sua resolução (auto-afirmação, responsabilização do outro, modificação do modo como vê os outros significativos, compreensão da posição do outro e perdão).

Como já tivemos oportunidade de mencionar, vamos referir-nos apenas ao trabalho de "cadeira vazia" já efectuado, acentuando que não foi possível seguir o modelo clássico proposto por Greenberg e colaboradores (1993), uma vez que a cliente não se encontrava suficientemente estruturada para permitir o exercício de "cadeira vazia" em registo de role-playing. Contudo, algum trabalho foi sendo feito nesta área, de certa forma em paralelo para os três elementos do núcleo familiar acima referidos. Vamos, mais uma vez, socorrer-nos dos textos elaborados pela cliente a este respeito desde Janeiro de 1997, organizando-os esquematicamente, e mostrando, na medida do possível, de que forma estes traduzem o que foi sendo trabalhado nas sessões.

O paralelismo entre os três "lutos" centrais da vida da cliente é propositado, permitindo equacionar, simultaneamente, os seus "assuntos inacabados" com cada uma destas pessoas, bem como o facto de o trabalho terapêutico ter decorrido nas três "frentes" em simultâneo. Resumidamente referir-nos-emos a cada um em particular.

Mãe: parece-nos uma "personagem" central, "rodopiando" e permanecendo presente nalgumas questões que se repetem depois nos outros assuntos inacabados; o abandono — é um primeiro abandono, necessariamente trágico porque começou ainda em vida; é um abandono unilateral, em que Orquídea se sente e está absolutamente impotente (contudo, ao culpabilizar-se por não ter conseguido impedir que a mãe se suicidasse constrói uma fantasia negativa de poder); é um abandono que compromete o próprio projecto de vida e de maternidade da cliente; é um abandono que está na origem das primeiras estratégias compensatórias (automutilação).20 Se procurarmos fazer a radiografia do que foi acontecendo, em termos de processo terapêutico, podemos mencionar que Orquídea não tinha ainda encontrado explicação para o seu sentimento de vulnerabilidade e abandono pelo pai (tornado particularmente óbvio a seguir à morte da mãe). Adicionalmente, não tinha ainda feito a ligação entre o suicídio da mãe e a sua própria dificuldade em ser mãe, ou entre o suicídio da mãe e o aparecimento das primeiras "estratégias compensatórias", sendo os seus textos resultantes do trabalho que foi sendo feito na terapia. Existe um embrião de resolução deste "assunto inacabado" pela compreensão da posição da mãe, e pelas tentativas que a cliente faz no sentido de a responsabilizar pela sua escolha suicida.

Irmão: aparentemente, o trabalho terapêutico em relação ao irmão foi um trabalho de despedida, de expressão de tristeza pela sua morte; no entanto, só posteriormente um dos "segredos por detrás" deste luto foi desvendado — numa nota de rodapé que constava de uma carta que escreveu a uma prima e que trouxe para a sessão, a cliente refere-se ao sentimento de "culpa do sobrevivente" de uma forma bastante pungente: "queria tanto ter morrido eu, que ele tivesse vivido, se essas coisas se pudessem fazer".

Pai: o assunto inacabado relativamente ao pai era bastante intenso. Consistia em ressentimento em relação ao abandono após o suicídio da mãe e morte do irmão; ressentimento relativamente à negação de afecto e apoio, quer em momentos de luto, quer em outros momentos do quotidiano. Antes da morte do pai, alguns gestos de "reparação" foram no entanto possíveis, talvez por aprendizagem com as situações de luto anteriores (mãe e irmão), esses gestos não foram os suficientes contudo para que a ele não fique associada a principal "estratégia compensatória" — o consumo de opiáceos. Podemos supor que Orquídea desejava forçar o pai a pôr-lhe limites, limites esses que não tinham sido eficazes anteriormente em relação aos comportamentos suicidas da mãe. No entanto, a necessidade de vingança e o desejo de o assustar (por ameaça do maior abandono de todos, o abandono pela morte, eventualmente por overdose), poderão também ter estado presentes. O trabalho terapêutico terá contribuído, sobretudo, para clarificar a centralidade da questão do abandono afectivo e para diferenciar os sentimentos de tristeza e de raiva.

Ainda que o quadro 1 possa parecer complexo, poderíamos complexificá-lo um pouco mais, se nele incluíssemos os assuntos inacabados de Orquídea relativamente ao(s) aborto(s) que apenas mencionámos acima:

(aquela sensação tão longínqua e tão presente de ter um filho nos braços. Já lá vão quase duas décadas e aquela sensação ainda está tão vívida. Aquele sonho, no dia antes de ir fazer o meu primeiro aborto, em que aquele minúsculo e gigantesco ser que tinha saído de dentro de mim estava nos meus braços e era algo tão eu, tão próximo de mim e tão outro, tão distante de mim).

Ou ainda relativamente às traições (leia-se "quebras de confiança") praticadas por amigos, namorados e até pela própria terapeuta (ao interromper o processo terapêutico unilateralmente por um longo período de seis meses). No entanto, nunca seria suficientemente complexo para dar conta da tragédia de alguém que não pode já resolver assuntos centrais (confiança, intimidade, autonomia e generatividade) com todas as principais figuras de socialização precoce e que, para além disso, recai sistematicamente num padrão de relacionamento interpessoal que perpetua (por interrupção e descontinuidade) esta sensação de "inacabado". E é mais uma vez Orquídea que, pelas suas próprias palavras, revela a verdadeira extensão deste "nó", abrindo aliás caminho para o trabalho (posterior) das "clivagens" de atribuição e de conflito.

Referindo-se, primeiro a si própria, em relação à ambiguidade face à vida e ao viver:

(...) Conta-se que Nero, incapaz de se suicidar, pediu a um escravo que empunhasse a espada. Imperador e espada lançaram-se nos braços um do outro, alheios e desconhecidos (...) (2.a versão de "Cobardia") — (...) A mim o que mais me custa é que a uso devagar, muito devagar, sem a cravar, sem a empurrar, mas a ferida é já muito funda.

E depois à sua família, e ao contributo da sua história pessoal para esta ambiguidade:

(...) Talvez eu os inveje. Porque se revoltaram contra a vida. Não, não os invejo. Porque ela avançou para a morte como quem acolhe um abismo, como quem se deixa penetrar por ele. Porque ele desistiu da vida, da vida que é feroz e nunca desiste de ser vida.21 Invejo-os. Porque já não estão. E ainda são. Melhores do que seriam, que a memória esbate, adoça, atenua. Pieguice minha?

Talvez lhes tenha raiva. Porque tínhamos ainda tanta coisa para fazer, tantas palavras para dizer, tantas zangas para discutir, tantas lágrimas para chorar, tantos risos para rir. Não, não lhes tenho raiva. Eu é que não sei falar com as campas, não sei falar com ossos e cinzas, se calhar devia.

Tenho-lhes raiva. Porque não acreditaram que vale a pena, e assim me mataram um pouco e assim me deixei um pouco morrer. Fraqueza minha? Cada um usou a faca, a faca afiada, como pôde, porque já não podia. (1.a versão de "Cobardia")

Se escolhermos outro referencial teórico, nomeadamente o da terapia comportamental-cognitiva clássica, podemos afirmar que estamos face a uma situação de "luto patológico". Este excerto de "Cobardia" evidencia precisamente o modo como "a perda se estende para além da perda do ente querido, para uma perda de carácter mais universal — a perda do valor próprio, a perda de gratificação, a perda do significado da vida e ainda a perda das expectativas positivas relativamente ao futuro" (Beck, 1976).

Terminamos com um pungente comentário de Orquídea relativamente à dificuldade de um trabalho como este:

Fazer psicoterapia com mortos é muito difícil, i.e. analisar, reviver, olhar para as coisas e situações em que as pessoas pesaram na nossa vida. Como, quanto pesaram e pesam, mortos que estão.

Com os mortos não há negociações possíveis. O tempo e o espaço pararam, afastam-se e aproximam-se vertiginosamente, à velocidade da luz e da escuridão. De súbito, amamo-los perdida e desvairadamente. E eles não estão cá para meia hora depois nos desiludirem e chatearem. De súbito, odiamo-los desvairada e perdidamente. E eles não estão cá para nos olharem com afecto e nos dizerem uma palavra amável.

A dificuldade deste trabalho será ainda maior no respeitante à mãe, uma vez que (e se descontarmos a longa tradição em psicoterapia associada ao simbolismo da noção de mãe) os lutos relativos a situações de suicídio parecem ser particularmente complexos — "os relatos clínicos sugerem que indivíduos que se encontram enlutados devido a um suicídio têm lutos particularmente difíceis e perturbadores, encontrando-se também em risco mais elevado para sofrerem outro tipo de adversidades na sequência desse luto" (Ness & Pfeffer, 1990). Como Shneidman (um dos primeiros psicoterapeutas a chamarem a atenção para esta questão) apropriada e sugestivamente sugeriu, "a pessoa que comete suicídio coloca o seu esqueleto psicológico no armário emocional do sobrevivente, condenando este último a uma conjuntura complexa de sentimentos negativos e, talvez mais relevante, à necessidade de se obcecar com as razões do suicídio" (Shneidman, 1969, citado por Ness & Pfeffer, 1990). Esta obsessão parece-nos bastante óbvia no caso de Orquídea (o texto mais "reescrito" de todos os que elaborou no contexto da terapia é, precisamente, o que se intitula "Azul-Céu").

Só depois de concluída esta fase, faz sentido passar à fase de manutenção das conquistas terapêuticas. Fase que consideramos ser essencialmente caracterizada pelo desenvolvimento de uma auto-representação mais flexível e eficaz. É primordial que o paciente se familiarize progressivamente com o "eu" emergente, mediante a consciencialização que este novo "eu", não sendo invulnerável, está mais apto a lidar com as dificuldades do quotidiano e a servir o preenchimento de necessidades e objectivos vitais. Cumpre ainda, nesta fase, auxiliar o cliente a projectar-se no futuro e a antecipar possíveis/prováveis dificuldades. Em suma, na viagem da vida, quem era e donde vim, quem fui e por onde passei, quem sou e para onde vou?

Conclusões

Ainda que o processo terapêutico descrito se encontre em curso, pensamos que a sua explicitação e análise constitui um bom exemplo do modelo de complementaridade paradigmática que propomos.

Assim, pensamos que a conjugação da conceptualização do caso, tomando como referência os conjuntos de variáveis que seleccionámos (i.e., classificação diagnóstica; características do cliente e do problema, crenças, distorções cognitivas e défices comportamentais; marcadores interpessoais e emocionais), não só por serem aqueles que mais sentido fazem em termos clínicos, mas também por estarem mais empiricamente suportados, com a conceptualização do processo em termos de fases, determinando estas os objectivos estratégicos sequenciais, e aqueles as tácticas específicas para alcançar esses objectivos, parece-nos a melhor forma de auxiliar o terapeuta na complexa tarefa de tomada de decisões clínicas.

Além do mais, consideramos que a tomada em consideração das variáveis referidas, que pretendem respeitar o cliente na sua individualidade, bem como a sequencialização de objectivos estratégicos inerente às fases propostas, que pretendem respeitar o desenvolvimento harmonioso do cliente ao longo do processo terapêutico, são a melhor forma de estabelecer e manter a aliança terapêutica colaborativa que constitui o principal veículo de mudança.

Ou seja, como referimos anteriormente, particularmente no respeitante às perturbações da personalidade, é frequentemente impossível iniciar e prosseguir o trabalho terapêutico focado em objectivos e tarefas exteriores à relação terapêutica sem, inicialmente, trabalhar a nível do laço (i.e., construir a confiança e regular os comportamentos que interferem com o processo terapêutico). Encontramo-nos imersos num processo dinâmico, sendo necessário voltar ao laço terapêutico, mesmo após começar a trabalhar outros objectivos e tarefas, sempre que nos deparamos com impasses e/ou rupturas na aliança. Caso ignoremos e não tentemos reparar estas rupturas (que se adivinham inevitáveis em situações de perturbação da personalidade) elas acabarão por neutralizar todos os esforços de mudança.

Desta forma, a terapia (particularmente com este tipo de pacientes) pode ser vista como uma actividade muito sensível e dinâmica — por vezes encontramo-nos a fazer "trabalho terapêutico normal" (centrado em objectivos e tarefas exteriores à relação terapêutica) — fase em que o laço terapêutico pode ser entendido como o "fundo" sobre o qual se estabelece a "figura" (trabalho em objectivos e tarefas), noutras (particularmente na fase inicial do processo nos impasses e rupturas na aliança) o "fundo" deve ganhar proeminência, transformando-se na "figura, " exigindo que a nossa atenção se foque no próprio laço como principal objectivo e tarefa do labor clínico (Gonçalves & Vasco, 1997). Tal como num desenho de Escher, deixa de ser possível dissociar figura e fundo. Constituem uma e a mesma coisa, apenas parecem diferentes momento a momento, à medida que o paciente se revela perante os nossos olhos em toda a sua complexidade.

 

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Notas

1Os autores agradecem a Orquídea a sua generosidade e coragem em permitir a publicação deste estudo de caso e as sugestões e comentários que fez ao texto, bem como o ter contribuído para o nosso enriquecimento como terapeutas e como pessoas.

2A preto, na figura 1, os aspectos retidos pelos autores do esquema original de Free-man et al. (1990).

3A cinza, na figura 1, os aspectos acrescentados pelos autores ao esquema original de Freeman e colaboradores (1990).

4Alguns investigadores, como Masterson, afirmam que as mães de clientes com perturbação borderline da personalidade apresentam, elas próprias, essa perturbação (citado em Zittel & Westen, 1998).

5Ao cuidar das plantas, nas fases iniciais de consumo, contrapõe-se o seu total abandono nas fases finais desse consumo; a correcção de dicionários, na área profissional da cliente, pode até ser vista como uma actividade adequada e produtiva, ainda que pouco consistente ao longo do tempo.

6Como se pode verificar, as várias versões, em que a primeira corresponde a Janeiro de 2000, traduzem também algum do trabalho que foi sendo feito, em terapia, em tomo da questão da dependência; note-se ainda que a terapia foi retomada, após a licença de parto da terapeuta, precisamente em Janeiro de 2000.

7Essencialmente, mudaram-se os "nomes das coisas" e fizeram-se algumas correcções pontuais do português, bem como algumas adaptações (e.g., o termo "emocionalmente danificadas" é da nossa autoria).

8De facto, neste caso, mais do que em qualquer outro que conduzimos até á data, foram envolvidos muitos "outros significativos" — um tio, uma tia, amigos, uma prima — por via da correspondência trocada com a cliente relativa a temas da terapia.

9Manuscrito, no meu original.

10As perturbações de personalidade também, nomeadamente a perturbação borderline (acrescentaríamos nós).

11É curioso como a cliente tem a noção do quanto "cáustica" é a sua agressividade em termos interpessoais; contudo aqui os objectivos devem ser aferidos: não interessa a rotatividade, interessa é permanecer com qualidade nas relações que têm um maior significado.

12Note-se quer a tentação para procurar o "privilégio" / para testar os limites, tão característica da perturbação borderline de personalidade, quer a exemplificação do que anteriormente foi dito a respeito do desfasamento entre o consciente/explícito e negociado com a terapeuta e os desejos inconscientes/explícitos da cliente, absolutamente contrários ao que foi explicitado.

13Eis um (infelizmente) bom exemplo de como às vezes o preço a pagar por existir pode ser a dor: melhor do que tu não teres nada para dizer sobre mim (não era o caso) é dizeres algo que me toque, nem que esse "toque" seja dor...

14Um significativo exemplo de como a cliente filtra os feedbacks que recebe e que seriam desconfirmatórios da avaliação negativa que faz de si mesma, ou que se habituou a que os outros fizessem, permanecendo sempre "em guarda" até que o outro (finalmente) ache de si o mesmo que ela (e as suas figuras de socialização com ela) acha(m) ou acharam. Mais uma vez, no que à terapeuta diz respeito, não era o caso.

15Veja-se aqui explícita a expectativa da cliente, totalmente contrária ao contrato igualmente explícito que fizera com a terapeuta, de não vigilância face aos consumos.

16A informação "nova" relativamente à primeira versão aparece em itálico.

17Esta frase aparecia na primeira versão como um parêntesis, sendo a conclusão da segunda versão.

18Por exemplo, que a terapeuta vigie o grau de dilatação das pupilas para ver se consumiu droga ou não, que a terapeuta permaneça disponível durante a sua licença de parto, pelo menos para situações de grande emergência.

19A informação "nova" relativamente à segunda versão aparece em itálico.

20É de notar que Orquídea foi furar as orelhas após a morte da mãe a um Centro de Enfermagem, não as furou ela própria; este episódio foi, aliás, recuperado da sua memória quando percebeu que os borderline podem recorrer a estratégias de automutilação; o "chuto" pode também incluir-se como outro exemplo do uso destas estratégias.

21Quando fala de o irmão ter desistido da vida, Orquídea não se refere ao período em que ele já estava muito, muito doente, "tão doente que qualquer desiste de viver", refere-se, outrossim, a ele ter sido infectado pelo HIV numa fase em que "não havia praticamente nada cá em Portugal", sobretudo porque ele consumiu droga por um curtíssimo período da sua vida e foi sempre fiel à sua namorada, acabando por ser contaminado numa situação de consumo fortuito fora do país — azar ou estranha coincidência?

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