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Psicologia

Print version ISSN 0874-2049

Psicologia vol.14 no.2 Lisboa July 2000

 

Abordagens e estratégias de regulação do estudo em alunos do 1.°ano das licenciaturas de ciências e engenharias da Universidade de Aveiro

Approaches and Strategies of Self-Regulated Study in First-Year College Students

 

José Bessa*; José Tavares**

*-**Universidade de Aveiro.

 


RESUMO

Este artigo procura descrever parte dos objectivos, instrumentos e metodologia usada num projecto de investigação iniciado em 1999, no âmbito de uma dissertação de mestrado. Fomos diagnosticar e caracterizar as influências existentes entre alguns níveis de ajustamento académico, abordagens e uso de estratégias auto-reguladoras do estudo e aprendizagens, em 420 estudantes do 1.° ano (comum) de ciências e engenharias da Universidade de Aveiro. Para o efeito, foram construídos e/ou adaptados três instrumentos de medida que permitiram obter resultados que apontaram no sentido da uma estreita relação entre diferentes dimensões pessoais, interpessoais e institucionais implicadas nos processos de ajustamento e auto-regulação académica, além da evidência de algumas diferenças significativas nos sujeitos, ao nível das várias dimensões em estudo.

Palavras-chave Ensino superior; competências de estudo; ajustamento académico; metacognição; auto-regulação.


ABSTRACT

This paper describes goals, instruments and methodology of a research project initiated in 1999, with the main aim of diagnosing and characterising the variables related to academic adjustment and self-regulating processes of 420 students in the common 1st year of science and engineering programs at the University of Aveiro. For the purpose, three instruments are constructed and/or adapted. The results evidenced a close link between personal, interpersonal and institutional dimensions taken into consideration in the academic and self-regulating academic processes. The results also showed some significant differences on the dimensions and variables under analysis.


 

Introdução

De um modo sucinto, a presente investigação tem como objectivo fazer o diagnóstico da natureza e extensão de algumas diferenças individuais (entre e intra variáveis) relacionadas com os níveis de ajustamento académico (satisfação, auto-confiança, etc.), as atitudes na abordagem do estudo e os comportamentos estratégicos usados habitualmente para fazer face ao estudo, nos alunos do 1.° ano da Universidade de Aveiro. Procurou, assim, inserir-se no quadro alargado de um projecto em curso (Tavares et al., 1996,1998), que pretende diagnosticar, reflectir e intervir sobre os factores responsáveis pelos níveis de (in)sucesso nos alunos do 1.° ano do Ensino Superior.

Com efeito, acreditamos que muitas dificuldades de aprendizagem e de adaptação à universidade podem ser explicadas por atitudes perante o estudo inapropriadas ou pela ausência de hábitos de trabalho favoráveis nos alunos. Mas, quando os sujeitos se confrontam com o estudo, intervêm vários tipos de componentes que directamente influenciam e dirigem essa actividade. Estas componentes são de natureza cognitiva, metacognitiva e afectiva (Vermunt, 1996). Em conjunto, essas estratégias influenciam a acção, através da tomada de decisão sobre o que fazer (atitude) para atingir os objectivos e como fazer (comportamento de regulação) para melhorar o seu nível de realização. Estes participantes activos são descritos, na psicologia social, como auto-regulados, na medida em que apresentam duas características comportamentais. Em primeiro lugar, dirigem os seus processos e mecanismos através da consciencialização e fixação de objectivos e desafios em si mesmos (Schunk, 1996). Uma tal consciência inclui: (i) a análise das situações, os contextos e as características pessoais, bem como a definição de um plano (estratégia) para cumprir os objectivos; (ii) a implementação do plano, monitorização e gestão do seu progresso e sua transformação, caso necessário; e (iii) o conhecimento metacognitivo que guia as operações em cada uma das fases. Em segundo lugar, são alunos que seleccionam e aplicam as tácticas apropriadas para atingir os seus objectivos (Schunck & Zimmerman, 1994,1998; Zimmerman, 1989; Zimmerman & Martinez-Pons, 1986, 1988, 1990; Zimmerman & Schunk, 1989) e apresentam influências autogeradoras de vontade (Corno, 1989; Como & Rohrkemper, 1989) e motivação na orientação dos seus esforços (Weinstein & Mayer, 1986). Mais, estes alunos exibem um alto senso acerca da sua própria eficácia e capacidades que influenciam o seu conhecimento e as suas competências para lidar com os compromissos e desafios (Zimmerman Bandura, & Martinez-Pons, 1992).

Por outro lado, Newstead (1992) refere que, nas últimas décadas, houve como que uma "explosão" da investigação acerca das diferenças individuais na aprendizagem. Muito deste esforço centrou-se na exploração das noções de deep e surface approaches to studying descritas por Marton e Saljõ (1976, p. 299). Com efeito, alguma desta investigação acerca das abordagens do estudo e da aprendizagem tem dado forte suporte à perspectiva de que o sucesso (qualidade) nos desempenhos está alinhado com os processos de intenção (motivo) e a determinação (estratégia) (Biggs, 1987,1993). Uma síntese dos motivos e estratégias que caracterizam cada uma das três dimensões de abordagem1 ao estudo, segundo o modelo de Biggs (1987), pode ser vista no quadro 1.

Metodologia

Amostra

Foi tomada uma amostra de 420 alunos universitários (44,3% rapazes e 55,7% raparigas), com média de idade de 18,8 anos, 92,1% de "caloiros", ingressos na 1.a prioridade de escolha do curso (46,4%), na 2.a prioridade (22,6%) e na 3.a ou mais prioridades (31,0%) do 1.°ano de 20 licenciaturas em ciências e engenharias da Universidade de Aveiro, distribuídos pelas áreas das ciências "naturais" (biologia/geologia, biologia, eng. geológica e eng. ambiente), 26,2%; "planeamento e gestão" (GPT, PRU, design, eng. civil, EGI), 27,4%; ciências "aplicadas" (eng. física, materiais, mecânica, cerâmica e vidro, química, QIG e física/química), 30,0%; ciências da "computação" (eng. telecomunicações, electrónica, eng. computação e telemática, e ainda matemática aplicada à computação), 16,4%.

Os sujeitos foram, ainda, agrupados segundo os resultados escolares obtidos no Ensino Secundário e no acesso à universidade, correspondendo, na totalidade da amostra, respectivamente a: 17,1% e 38,1% (nota <13 valores); 56,0% e 42,9% (13 < nota <16) e 26,9% e 19,0% (nota >16). Quanto questionados acerca da percentagem de tempo útil semanal dedicado a cada actividade, foi possível verificar que a maioria dos alunos diz dedicar uma elevada (40-60%) percentagem do seu tempo (total) semanal para frequência de aulas, reduzindo a percentagem de tempo útil semanal para estudo autónomo e independente para valores entre 10-25%. No que diz respeito ao tempo dedicado ao lazer, convívio, família, descontracção, etc., a percentagem de tempo útil do total semanal situa-se entre 20-40%.

Instrumento

Os participantes responderam a três inventários reduzidos, numa escala ordinal opinativa de 6 pontos. O primeiro destes instrumentos, o AjA, obteve-se através da reformulação e utilização de algumas questões apresentadas no Questionário 1: 'Factores de sucesso/insucesso dos alunos do 1.° ano dos cursos de licenciatura em Ciências e Engenharia da Universidade de Aveiro' (Tavares et al, 1996) com intenção de avaliar níveis de expectativas, existência de problemas, satisfação e autoconfiança académica e ainda a principal atribuição causal do sucesso/insucesso.

O segundo instrumento, designado por Ae, foi adaptado da versão reduzida de 18 itens do Approaches to Studying Inventory (ASI; Entwistle & Ramsdem, 1983) estudada por Newstead (1992) e Richardson (1992), e recomendada por Gibbs e colaboradores (1988). Este instrumento foi traduzido e adaptado para estabelecer nos alunos alguns contrastes entre uma atitude orientada para compreensão e sentido do estudo (deep/meaning approach) com uma intenção meramente reprodutora da informação (surface/reproducing approach). Deriva também do instrumento uma dimensão preconizada por Biggs (1987,1993) e designada, neste estudo, por abordagem determinada (strategic/achieving approach), a qual é baseada na resposta aos contextos onde os comportamentos são valorizados pelo sistema de acesso e de avaliação (Entwistle, Thompson, & Tait, 1992; Speth & Brown, 1988, p. 248).

O terceiro, designado por Che, foi construído a partir de várias sugestões e questionários encontrados com vista a inventariar comportamentos estratégicos relativamente ao estudo. Ficou constituído por 25 itens dimensionados para avaliar nos alunos o uso regular de estratégias cognitivas, metacognitivas e de incentivo motivacional nos processos de regulação, aquisição, transformação e gestão autónoma do estudo. Inspiramo-nos em alguns autores das correntes da psicologia sociocognitiva e motivacional (e.g., Como & Rohrkemper, 1985; Pintrich, 1995; Schunk, 1996; Shunck & Zimmerman, 1994; Vermunt, 1996; Zimmerman & Martinez-Pons, 1988; Zimmerman & Schunk, 1989).

Procedimento

Usando procedimentos estatísticos do programa SPSS for Windows, procedeu-se à análise das respostas nos itens e dimensionamento através da análise das principais componentes e reliability analysis para examinar a consistência interna dos instrumentos utilizados, através da determinação do coeficiente alfa de Cronbach. Utilizaram-se procedimentos vários da análise descritiva e observaram-se as correlações (r de Pearson) entre o somatório das respostas nos itens relativos a cada uma das dimensões e subdimensões resultantes da extracção factorial. Calcularam-se algumas diferenças e relações múltiplas (principais e de interacção) entre variáveis dependentes e independentes (procedimento oneway: Anova) e a determinação da capacidade preditiva através da análise de regressão linear (método: stepwise). Por último, analisaram-se os dados correspondentes ao agrupamento dos sujeitos (cluster analysis) o que permitiu identificar três perfis relativamente ao uso de estratégias (cognitivas, metacognitivas e afectivas) no processo de regulação do estudo, tomando simultaneamente as várias dimensões e subdimensões do mesmo.

Resultados

Apresentamos, em síntese, os resultados da análise factorial exploratória e validade interna, efectuadas para avaliar a dimensionalidade e robustez dos três instrumentos utilizados. Relativamente aos dados de integração académica, as análises produziram uma estrutura factorial diferente da estabelecida inicialmente, optando-se por a redimensionar de forma a reflectir a estrutura bifactorial obtida na extracção em componentes principais seguida de rotação oblíqua (direct oblimin), a qual resultou em: [Ca] confiança em si (a de Cronbach =0,72) e [Su] satisfação com universidade (a=0,64).

Quanto ao segundo instrumento utilizado, a extracção em componentes principais seguida de rotação ortogonal — varimax com imposição de três factores — reproduziu com alguma dificuldade as três dimensões (deep, surface, achieving) previstas no ASI (Entwistle & Ramsdem, 1983). Com efeito, encontraram-se 6 componentes com eigenvalues superiores a 1, a explicar 54,9% do total de variância, e a solução tridimensional rodada explicava 36,4% do total da variância salientando quase todos os factores acima do mínimo critério de 0,40. Contudo, alguns itens com valores de saturação bastante modestos (embora acima de 0,30) e com alguns problemas de apropriação à dimensão proposta revelaram ainda qualidades psicométricas duvidosas. Os coeficientes de consistência interna, nas três dimensões, apresentaram-se também bastante modestos (0,42<a<0,67), aliás, consistentes com os resultados obtidos na versão original e sequentes (Newstead, 1992; Biggs, 1993; Richardson, 1992). Não obstante os resultados obtidos, concluiu-se que a tradução e adaptação deste instrumento se mostrava válida para os fins e objectivos da presente investigação. Dada a falta de um instrumento de comparação e observando os elementos estatísticos produzidos pelas respostas aos 25 itens do instrumento [Che] e o dimensionamento em extracção de componentes principais, os resultados obtidos revelaram, de modo geral, características metrológicas e de consistência interna bastante razoáveis. Os coeficientes a de Cronbach, embora moderados, são aceitáveis para cada um dos cinco factores produzidos através da análise factorial exploratória dos resultados nos itens. Estes factores foram identificados com diferentes tipos de utilização de estratégias cognitivas de transformação e manipulação da informação (factor 1, a=0,77); de planeamento de sequências e rotinas (factor 2, a=0,70); de aquisição e recepção de estímulos (factor 4, a=0,70) e, ainda, de utilização de estratégias cognitivas e metacognitivas de gestão, controlo e monitorização do estudo (factor 3, a=0,70) e de incentivo motivacional (frequência de aulas: factor 5, a=0,66).

De seguida, apresentamos as relações entre níveis de ajustamento académico, atitude de abordagem do estudo e uso de estratégias de regulação.

Os resultados do quadro 2 indiciam, de modo geral, que a maioria dos alunos tem percepções favoráveis acerca da universidade, está confiante em si mesma enquanto alunos do 1.°ano da universidade e considera que se sente bem ajustada ao contexto académico. Não obstante as elevadas percentagens de insucesso escolar em algumas disciplinas do plano de estudos do 1.°ano comum apontadas em estudos e relatórios anteriores (Tavares et al, 1996,1998), estes resultados sugerem que a maioria dos sujeitos manifesta uma atitude determinada perante o estudo, apresentando nas restantes dimensões de abordagem medidas de tendência central inferiores à média geral. Referimo-nos, por exemplo, a uma atitude do tipo intencional na abordagem do estudo ou, ainda, à sua contraposição — na atitude de abordagem reprodutora do estudo ou até mesmo na dimensão conjunta [AI]+[AD], na qual as cotações (abaixo da média) parecem ter sido moderadas pelas cotações parcelares.

Quanto aos comportamentos estratégicos habituais, identificados através do uso de estratégias cognitivas, metacognitivas e de incentivo no processo de regulação do estudo (instrumento [Che]), os índices descritivos relativos a cada uma destas subdimensões evidenciam, de modo geral, que a maioria dos sujeitos da amostra indica usar regularmente estratégias cognitivas de transformação e manipulação da informação e de planeamento e sequências organizadas (rotinas) de estudo e, ainda, estratégias cognitivas e metacognitivas de gestão e monitorização do material e do próprio estudo.

Quando correlacionadas as variáveis do ajustamento académico com outras variáveis do estudo (quadro 3 ), constata-se que os valores, de um modo geral, são fracos ou muito fracos, o que, embora com algumas associações estatisticamente significativas, sugere alguma independência relativamente às restantes áreas da análise. Quando tomada, globalmente, uma medida de ajustamento académico, encontramos uma correlação positivamente moderada (r=0,40, p<0,001) entre esta medida e uma atitude de abordagem do estudo do tipo estratégico. Mais: se considerarmos a dimensão conjunta [I+D], então constatamos que os índices de correlação sobem, apresentando-se positivamente moderados relativamente às subdimensões: [Ca] confiança em si (r=0,43, p<0,001); [Su] satisfação com universidade (r=0,34, p<0,001) e, ainda, com a medida global de ajustamento (r=0,47, p<0,001).

Relativamente às três dimensões correspondentes a cada uma das atitudes perante o estudo, verificamos que a dimensão de abordagem determinada apresenta uma correlação moderadamente positiva (r=0,42, p<0,001) com uma abordagem do tipo intencional e uma correlação fraca (r=0,17, p<0,001) com a dimensão de abordagem (reprodutora). São também as duas primeiras dimensões — [AI], abordagem intencional, e [AD], abordagem determinada — a correlacionar-se moderadamente, no sentido positivo, com a subdimensão [Fl] (respectivamente, r=0,44, p<0,001 e r=0,51, p<0,001) e com uma medida global, no uso de estratégias de regulação (respectivamente, r=0,46, p<0,001 e r=0,61, p<0,001). Quando tomada a dimensão conjunta [I+D], os índices de correlação tendem a elevar-se relativamente a cada uma das restantes dimensões, assumindo índices de correlação positivamente moderados (0,40<r<0,63, significativos a menos de 0,001), com excepção da subdimensão [F5], com coeficiente de correlação quase nulo (r=0,02, n. s.). Este facto reforça a ideia de que esta medida conjunta é a que melhor reflecte a atitude de abordagem do estudo nos sujeitos da amostra.

Quanto aos comportamentos estratégicos para regular o estudo, observámos que as subdimensões se encontram moderadamente intercorrelacionadas, com excepção da subdimensão [F5], que apresenta correlações muito fracas (quase nulas), quer em relação aos restantes tipos de estratégias (consistente com os resultados de validade interna) quer em relação a outras dimensões e subdimensões do estudo. Com efeito, estes resultados parecem apoiar o carácter independente desta subdimensão [F5] relativamente às restantes dimensões e subdimensões do estudo.

Quando tomada a medida global no uso de estratégias de regulação, esta apresenta índices de correlação positivamente fortes (0,70 <r <0,85, p<0,001) com os outros factores, excepto com o factor [F5], com o qual apresenta índice de correlação muito fraco (r=0,17, p<0,001). Aliás, em reforço do referido antes, esta situação e os restantes índices de correlação levam-nos a pensar que, de facto, esta subdimensão [F5] não se integra facilmente, quer no conjunto das subdimensões que constituem a dimensão do uso de estratégias de regulação quer relativamente às outras dimensões e subdimensões do estudo.

Os resultados registados no quadro 4 vão ao encontro das indicações encontradas na análise factorial dos itens que serviu de base ao dimensionamento dos instrumentos. Verifica-se, por um lado, a importância de um factor mais global relativo ao conjunto de determinado tipo de atitudes (estratégias de abordagem do estudo intencional e/ou determinada) e comportamentos perante o estudo (estratégias de regulação) e, por outro, alguma diferenciação entre este conjunto de dados e os níveis de ajustamento académico. Mais concreto no factor 1, que explica 34,84% do total de variância e valor próprio =4,53 (rodado), saturam positivamente acima de 0,57 as dimensões de abordagem do estudo intencional e determinada (e a dimensão conjunta destas duas) e as quatro primeiras subdimensões acerca do uso de estratégias de regulação. O factor 2 liga-se à dimensão do ajustamento académico, salientando as duas subdimensões e a medida global acima de 0,73 e ainda a dimensão conjunta de abordagem (intencional + determinada) do estudo com carga factorial acima do critério mínimo (0,40).

Este facto indicia alguma independência entre níveis de ajustamento académico (confiança em si e satisfação com a universidade) adoptados e as dimensões associadas ao uso de estratégias de abordagem e/ou de regulação do estudo, mas uma relativa dependência com o tipo de abordagem de estudo mais concertada com os sujeitos da amostra, ou seja, uma abordagem intencional/determinada do estudo. No entanto, futuras análises poderão confirmar ou infirmar esta e outras hipóteses de ligação entre estas duas dimensões, aliás, ligação bem patenteada nos índices de correlação encontrados em ponto anterior.

Por outro lado, nota-se que o distanciamento dos valores próprios entre factores, assim como o seu peso na variância total, parecem reflectir um factor principal (mais geral — factor 1), salientando as várias dimensões e subdimensões em estudo, e um outro factor (factor 2), que assume alguma especificidade na sua realização. Por último, o factor 3 salienta fortemente (0,90) a subdimensão [F5] e a dimensão de abordagem reprodutora do estudo (0,47). Este facto levanta bastantes dúvidas acerca da interpretabilidade e interesse para o estudo deste factor. Por conseguinte, avançamos com duas situações possíveis. Primeira: tem-se em conta o factor, supondo que este reúne especificidade na sua realização e não se encontra agrupado em factor de "grande grupo" (Veiga, 1995, p. 105) — então o factor 3 parece representar um determinado tipo de atitude (negativa) relativamente ao estudo, consolidada por uma necessidade de incentivo motivacional para frequentar as aulas do curso. Esta situação não nos parece totalmente descabida de sentido, no contexto em que ocorre a investigação e em reforço de algumas perspectivas teóricas referenciadas. Segunda: não se tem em conta o factor, supondo que os resultados correspondem a efeitos residuais ou considerando que este factor não reúne especificidade suficiente para poder representar algum construto ou dimensão, até porque se trata do último factor a ser extraído e do menos importante no conjunto dos factores (valor próprio=1,2 e 8,61% da variância total).

Acerca da medida da influência das diferenças individuais sobre o uso de estratégias cognitivas, metacognitivas e afectivas para regulação do estudo, no quadro 5 apresenta-se o resumo do procedimento de regressão múltipla, considerando as diferenças individuais (dados demográficos, escolares, ajustamento académico, atitude perante o estudo) como variáveis independentes, e os resultados em cada um dos factores correspondentes ao uso de estratégias para regulação do estudo como variáveis dependentes.

Recorrendo a uma K-means cluster analysis, foi possível determinar três perfis ou traços que permitiram caracterizar os sujeitos na amostra, em função dos comportamentos estratégicos usados para regular o estudo (variável dependente), tomando em simultâneo os factores e os níveis de ajustamento académico e o tipo de atitude acerca da abordagem do estudo (variáveis independentes). Assim, de seguida apresenta-se uma análise descritiva de cada perfil considerado:

Perfil 1: agrupa sujeitos da amostra que apresentam níveis moderados (bastante acima da média) de confiança em si e satisfação com a universidade e, quando tomada uma medida global de ajustamento académico, evidenciam níveis elevados2. Demonstram ainda elevada determinação e/ou intenção na abordagem do estudo e níveis moderados de abordagem reprodutora (ligeiramente acima da média); cotações elevadas no uso de estratégias cognitivas de transformação e manipulação da informação, gestão e monitorização e medida global de regulação do estudo; cotações moderadas (bastante acima da média) no uso de estratégias de planeamento e rotinas de estudo, na aquisição e recepção de estímulos (atenção e concentração nas aulas); e cotações moderadas (ligeiramente acima da média) no uso de estratégias de incentivo motivacional para frequência de aulas. Este agrupamento explica 36,0% (N=151) do total de sujeitos da amostra e nele, predominam os elementos do género feminino (66,9%), com idades inferiores a 21 anos (93,4%), mas com a maior percentagem (6,6%) de elementos do grupo com mais de 21 anos de idade e a maioria (63,5%) de alunos deslocados da sua residência. É composto por elementos de todas as áreas de curso consideradas [planeamento (29,8%); computação (17,9%); ciências naturais (28,5%) e aplicadas (23,8%)], a maioria (49,7%) ingressados na 1.a prioridade de escolha e com médias do Ensino Secundário (50,3%) e de acesso à Universidade entre 13 e 16 valores (42,1%). Reúne também as maiores percentagens (33,1% e 19,9%, respectivamente) de elementos dos grupos com médias do Ensino Secundário e acesso à universidade superiores a 16 valores. A maioria (79,5%) indica ter pelo menos um problema actualmente, sendo que o grupo dos elementos a indicar não ter qualquer tipo de problema assume, neste agrupamento, a sua maior expressão (20,5%). Por último, a maioria (58,1%) dos sujeitos atribui a causas externas o seu insucesso escolar.

Perfil 2: agrupa sujeitos da amostra que apresentam níveis médios de ajustamento académico, confiança em si e satisfação com a universidade; fraca atitude na forma de abordar o estudo intencional e/ou determinada e níveis moderados de abordagem reprodutora; níveis fracos em todos os factores correspondentes ao uso de estratégias cognitivas, com excepção dos factores correspondentes ao uso de estratégias cognitivas de recepção e aquisição de estímulos (atenção e concentração) e de incentivo motivacional para frequência de aulas, em que apresentam níveis moderados (embora, abaixo da média global). Na medida global do uso de estratégias, os níveis são igualmente fracos. Este agrupamento explica 36,2% (N=152) do total de sujeitos da amostra e é constituído por elementos de ambos os sexos, a maioria (59,9%) são do género masculino (40,1% do género feminino), a quase totalidade (96,1%) da amostra com idades inferiores a 21 anos, maioritariamente (70,1%) deslocados da sua residência. E composto por elementos de todas as áreas de curso consideradas [planeamento (27,6%); computação (19,1%); ciências naturais (20,4%) e aplicadas (32,9%)], a maioria (50,0 %) ingressados na 1.a prioridade (2.a prioridade com 32,2%) de escolha do curso, apresentando maioritariamente médias do Ensino Secundário e de acesso à universidade entre 13 e 16 valores (respectivamente 64,5% e 42,1%), sendo que, no que respeita à variável "nota de acesso à Universidade", os elementos do grupo com notas inferiores a 13 valores assumem a sua maior expressão (40,1%), enquanto que, contrariamente, é menor a expressividade do grupo com notas superiores a 16 valores (17,8%). Finalmente, a maioria dos sujeitos da amostra indica ter pelo menos um tipo de problema actualmente (84,2%) e atribui a causas internas o seu insucesso escolar (51,7%).

Perfil 3: agrupa sujeitos da amostra que apresentam níveis fracos de ajustamento académico, confiança em si e satisfação com a universidade; atitudes moderadas (abaixo da média global) na determinação e/ou intenção relativamente ao estudo e uma atitude moderada (ligeiramente acima da média) de abordagem reprodutora; cotações moderadas (ligeiramente acima das médias globais) em todos os factores correspondentes ao uso de estratégias cognitivas e metacognitivas e afectivas, assim como na medida global (uso de estratégias de regulação do estudo). Este perfil explica 27,8% (N=117) do total de sujeitos da amostra e é constituído por elementos de ambos os sexos [maioria (61,5%) do género feminino], predominando sujeitos com idade inferior a 21 anos (94,9%), maioritariamente (57,9%) deslocados, mas com a maior percentagem (42,1%) de elementos do grupo que indica residir no local de estudo. É composto por elementos de todas as áreas de curso consideradas [planeamento (23,9%); computação (11,1%); ciências naturais (30,8%) e aplicadas (34,2%)], a maioria (46,2%) ingressados na 3.a ou mais das prioridades de escolha de curso. As médias escolares do Ensino Secundário situam-se, na maioria (52,1%) dos casos, entre 13 e 16 valores, contudo é sentida a maior presença (20,5%) de elementos do grupo com notas inferiores a 13 valores. No que respeita à variável "notas de acesso", são os elementos do grupo com notas entre 13 e 16 valores a estabelecer a maior parte (47,0%) dos casos. No que respeita à variável "existência de problemas", o grupo de elementos indicando não ter qualquer tipo de problemas assume, neste agrupamento, a sua menor importância (9,4%), ao contrário da maioria (90,6%) que indica ter pelo menos um tipo de problema.

Conclusões

Os resultados (quadro 2) evidenciam que, de um modo geral, os alunos da amostra estão relativamente seguros quanto ao seu lugar e objectivos de estudo e aprendizagem, sentindo que correspondem ao que lhes poderá ser exigido, manifestando-se razoavelmente satisfeitos quanto às suas percepções, expectativas e necessidades escolares (basta para isso atender aos níveis de confiança em si e satisfação com a universidade). Constatou-se uma certa tendência para a bipolarização na atitude de abordagem do estudo, ou seja: um pólo deep/achieving em contraposição a um pólo surface, mais próximo da classificação de Marton e Saljõ (1976). A tridimensionalidade da versão (reduzida), adaptada para avaliar a abordagem do estudo na amostra, configurou-se com modesta consistência interna e com qualidade metrológica sofrível. É possível concluir também que uma dimensão conjunta deep/achieving revela maior potencial avaliativo na atitude de abordagem do estudo, no contexto da amostra.

Os coeficientes de correlação de Pearson mostraram (quadro 3 ) uma estreita ligação entre níveis de ajustamento académico (confiança em si, satisfação com a universidade e medida global) e níveis de abordagem deep/meaning e/ou strategic/achieving relativamente ao uso de estratégias cognitivas e metacognitivas na regulação autónoma do estudo, bem como fraca associação com utilização de estratégias de incentivo motivacional (por exemplo, "vou às aulas quando sinto que estou preparado para aprender"). Ao invés, a abordagem surface/reproducing parece relacionar-se com uma determinada subdimensão de avaliação negativa que o aluno faz sobre o seu próprio método de estudo e ainda com a utilização de métodos mnemotécnicos para fixar o material de estudo.

Quanto à análise de regressão múltipla (quadro 5) regista-se que, embora sendo fracas ou moderadas as percentagens de variância nos resultados obtidos para o uso de estratégias de regulação do estudo pelas variáveis independentes tomadas simultaneamente nas suas dimensões, os níveis de probabilidade estatística obtidos são significativos (na maior parte dos casos, p<0,001). Os índices de regressão sugerem que as diferenças individuais, relativamente a género, média do Ensino Secundário, prioridade de escolha do curso, nível (global) de ajustamento académico e atitude de abordagem ao estudo do tipo deep/achieving, são os melhores preditores do uso de estratégias cognitivas e metacognitivas no processo de regulação do estudo.

Os resultados permitiram determinar três perfis ou traços que, com base na sua proximidade, caracterizam os sujeitos da amostra em função dos níveis de ajustamento académico, atitude de abordagem do estudo e utilização de estratégias cognitivas, metacognitivas e afectivas na regulação do estudo.

Por último, os resultados apontam no sentido de os instrumentos utilizados para avaliar as atitudes de abordagem do estudo e o uso de estratégias de regulação, convergirem na medição de construtos similares (por exemplo, a noção de estratégia). Como consequência, encontrou-se alguma dificuldade em obter conclusões acerca das relações entre ambos. Por outro lado, procurou-se contrariar esta tendência através de análises multivariadas, observar com maior profundidade as eventuais diferenças e relações existentes entre dimensões e variáveis e fixar (dis)similaridades conceptuais. Mas isso será tarefa para uma futura investigação.

 

Referências

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Notas

1Procuramos identificar os termos mais próximos, na língua portuguesa, dos termos usados em inglês para traduzir níveis de intensidade nos motivos e comportamentos adoptados na abordagem do estudo.

2Considerando a classificação (fraco, moderado, elevado) consoante os valores obtidos (abaixo da média, na média, acima da média), tomando um intervalo de 2/3 DP.

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